Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1419/04.3BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/17/2018
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:EXECUÇÃO
FUNDO SOCIAL EUROPEU
REVERSÃO
Sumário:1. Nos processos de execução fiscal por dívidas ao Fundo Social Europeu não há lugar ao mecanismo de reversão e à responsabilidade subsidiária do art.º 24º da LGT, preceito que apenas se aplica às dívidas tributárias caracterizadas por uma imposição unilateral coerciva, consubstanciada numa liquidação tributária.
2. O vocábulo liquidação, constante da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, tem, para efeitos desta norma, um sentido restrito, confinando-o apenas ao âmbito da liquidação em matéria tributária.
3. Nas oposições a execuções fiscais baseadas em ato administrativo que imponha o pagamento de uma dívida, a discussão da ilegalidade concreta da dívida não pode ser conhecida na oposição, porque neste tipo de situação essa ilegalidade só poderá ser conhecida no processo administrativo se a petição de oposição reunir os requisitos para se operar a convolação (art.º 98.º, n.º 4, do CPPT e art.º 97.º, n.º 3, da LGT).
4. Nas oposições deduzidas em execução revertida contra o gerente ou administrador de uma sociedade por dívidas ao Fundo Social Europeu, não impede a convolação da oposição em ação administrativa a falta de impugnação do ato administrativo no prazo subsequente ao conhecimento do mesmo pela devedora originária. Atendendo à separação existente entre a personalidade jurídica dos entes coletivos e a personalidade jurídica de quem exterioriza a sua vontade, o dies a quo da contagem do prazo para atacar a legalidade do ato que está na base da execução revertida apenas se conta a partir do momento em que 0 gerente ou o administrador toma conhecimento juridicamente relevante do ato quando este lhe é pessoalmente notificado.
5. Outros fundamentos que não envolvam a discussão da legalidade da dívida podem ser invocados como fundamento da oposição – alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
6. O prazo de prescrição de dívidas ao Fundo Social Europeu é o prazo ordinário de prescrição previsto na lei civil (cfr. art.º 309.º, do CC) – e não os prazos de prescrição das dívidas tributárias.
7. Tal prazo conta-se a partir data do despacho que ordenar a reposição das verbas, por até então não existir qualquer débito para com o Fundo Social Europeu.
8. A prescrição interrompe-se com a citação do executado, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:1 - Relatório

a) - As partes e o objeto do recurso

Á… L… S… S… interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal que, com o n° 1…, foi instaurada no Serviço de Finanças de ..., contra a sociedade «M… N… e M…, Lda.» e contra si revertida, para cobrança de divida ao Ministério do Emprego e Segurança Social, proveniente de verbas recebidas do Fundo Social Europeu e do Estado Português, respeitantes a acções de formação profissional.

Conclui as suas alegações nos seguintes termos:

1. É verdade que o ora Recorrente é o único gerente da sociedade 'M… N… e M…, Lda.", desde 01/01/1989, administrando e representado a sociedade nos termos do art.º 192°, n° 1 do Código Sociedades Comerciais.

2. É verdade que o estabelecimento comercial da sociedade foi dado em exploração ao Sr. J.. M… entre os anos de 1992 e 1995, com intenção de este no futuro adquirir pare si as quotas,

3. O referido Sr. J… M… entregou cheques sem provisão para pagamento do negócio indicado.

4. A sociedade cessou a sua actividade em 31/12/1994.

5. Não é verdade que a sociedade pediu Co-Financiamento de Cursos ou solicitou a revisão da decisão do Sr. Secretario de Estado em revogar o mesmo,

6. Quem o fez foi o Sr. J… M…, que abusivamente usou o nome da sociedade e ilicitamente se auto intitulou representante da mesma.

7. Nunca o Gerente da sociedade assinou qualquer pedido, emitiu procuração a favor de terceiros, mandato verbal ou autorização para realizarem tais actos em nome e representação da sociedade,

8. A Entidade Administrativa não apresentou qualquer documento assinado pelo gerente da sociedade, pelo facto de o mesmo não existir.

9. Então, como a que foi a sociedade a efectuar o pedido e o pedido de revisão de processo?

10. Não sendo a sociedade a solicitar o pedido não é a devedora originaria da divida.

11. Nunca a sociedade ou o ora Recorrente por si ou na qualidade de gerente receberam quantias nomeadamente, o valor de €108.251,14 que o Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu diz ser devedora.

12. Na realidade tais quantias foram depositadas na conta bancaria de um terceiro Sr. J… P… F…, que se desconhece, sendo esta informação em 06/06/2006 junta ao presente processo, pela própria Entidade Administrativa.

13. Os valores foram transferidos para a referida conta bancaria entre 27/09/1993 e 30/10/1993, conforme documentos junto aos autos.

14. Instada para esclarecer esse facto a Entidade Administrativa apenas faz "presunções" mas aceita e detecta irregularidades no processo e alega ainda convenientemente" que o processo foi destruído numa inundação.

15. Não sendo o sujeito parte legítima não existe obrigação de pagar.

16. As notificações dos despachos e do pedido de devolução dos valores em causa, não foram regularmente efectuadas à sociedade.

17. Na verdade, não apresentou a Entidade Administrativa qualquer documento assinado por o gerente, ou por terceiros, relativos as notificações da sociedade, pelo que, não pode a mesma ser dada por provada.

18. Nunca o gerente tomou conhecimento de tais factos até ao dia 15/4/2004.

19. A notificação da Entidade Administrativa como o despacho de 14/03/1995 do Senhor Secretario de Estado a revogar a decisão e a solicitar a devolução das quantias entregues data de 26/05/1995, sem conhecimento do único gerente da sociedade.

20. Foi instaurado em 1996 o processo fiscal 1…pelo Serviço de Finanças de ... e não esta provada no Segmento Fáctico da Sentença a citação da sociedade Ré.

21. E verdade que foi averbado ao processo informação de que a sociedade não possuía bens penhoráveis e cessara a sua actividade em 31/12/1994, e ainda havia uma divida no valor de €124,986,52, sendo a diferença ao montante aqui em discussão relativa a divide a Segurança Social e IVA.

22. Em 18.11.2003, foi efectuada reversão a anterior gerente sendo entregue em 23/12/2003 ao Chefe do Serviço de Finanças informação que o ora Recorrente assumia as divides da sociedade referentes a valores de IVA e IRC, desconhecendo este o teor do processo.

23. Nessa data, foi efectuada reversão contra o ora Recorrente e emitida e efectuada a citação pessoal em 15/04/2004.

24. Foi a 15/04/2004, passados 9 anos, 10 meses e 20 dias, depois da dita notificação do pedido de liquidação das quantias, a que o ora Recorrente tomou conhecimento dos factos.

25. Na verdade, 12 anos depois de ter sido efectuado o referido pedido de financiamento em 09/12/1992, facto não relevante na sentença.

26. Porém, o objecto dessa notificação ou seja a devolução das quantias era impossível de realizar pelo simples facto de, estar provado nos autos e a sentença nada referir, as quantias não terem sido entregues a sociedade ou ao seu representante legal.

27. Nessa data, em 15/04/2004, devido ao tempo que passava já não era possível recorrer a qualquer meio de defesa contra o acto administrativo, pelo que, a contrario sensu, entendemos que naquela data, o único meio legal de defesa do Recorrente era a Oposição.

28. Entendimento contrário ao do Tribunal "a quo" que aplica singelamente a tetra da lei da alínea h) do art° 204° do CPPT.

29. Entende o Tribunal "a quo" relevante o facto de a Entidade Administrativa referir que as quantias foram "indevidamente recebidas' pela sociedade mas não releva o facto dessa mesma entidade vir reconhecer que não entregou as quantias a sociedade, ou a quem a legalmente a representa, e vir igualmente reconhecer que existem irregularidades no processo.

30. Perante esses factos, encontra-se ultrapassada a discussão da legalidade da liquidação da divida exequenda e passamos obrigatoriamente para o facto da inexistência da divide da sociedade.

31. Se o representante legal não teve conhecimento da notificação de 26/05/1995 e apenas conheceu os factos em 15/04/2004, ao contrário do entendimento do Tribunal 'a quo'. Então a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade faz, nos termos da alínea e) do art.204° do CPPT, a Oposição o meio de defesa do Ora Recorrente.

32. 0 facto tributário verificou-se a 14/3/1995, a suposta notificação foi efectuada em 26/05/1995 mas não foi feita através de correio registado e não foi recebida pela sociedade. Em consequência dessa irregularidade e a falta de mesma, podendo não afectar a sua validade, afecta a sua eficácia.

33. O mesmo será dizer que, "O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos. " de acordo com o art° 45° da LGT.

34. Só com a citação é que o Recorrente tem conhecimento do pedido de devolução tendo caducado o direito da entidade administrativa a liquidação da dívida.

35. Mas e por cautela de patrocínio, se entendermos que a notificação da liquidação este regularmente efectuada e que todos os factos dados como provados na Sentença assim o são, então,

36. Temos a notificação da liquidação a 26/05/1995, a falta de citação para pagamento da sociedade e a citação do seu representante legal apenas em 15/04/2004, passaram 8 anos, 4 meses e 15 dias, e à luz da lei, não havendo nenhum facto causador de interrupção da prescrição.

37. Sendo a Prescrição de conhecimento oficioso, nos termos do art.º 175° do CPPT, devia Tribunal "a quo" ter conhecido da prescrição da divida exequenda.

38. 0 Tribunal 'a quo" apenas decidiu motivado por questões da legalidade da divide e do conhecimento desse facto no seu foro.

39. Partiu do principio que foi a sociedade regularmente notificada e que legitimamente praticou os actos constantes em D), E), e F) do probatório.

Ora,

40. Se dá como provados esses factos não pode deixar de conhecer da prescrição da divida exequenda.

Nestes termos se requer a V. Exas atenta a motivação e o conhecimento das excepções invocadas, se dignem conceder total provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida,

Assim se fará JUSTIÇA».


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A recorrida não contra-alegou.

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Neste TCAS o M.º P.º emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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b) - Questões a decidir

1. Se em execução para cobrança de dívida ao Fundo Social Europeu pode operar o instituto da reversão;

2. Se a oposição é o meio processual apropriado para discutir a legalidade da dívida;

3. Se outros fundamentos que não envolvam a discussão da legalidade da dívida podem ser invocados como fundamento da oposição.

4. Qual o prazo de prescrição das dívidas.


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2 – Fundamentação

a) De facto

Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

A. Em 01.01.1989, em Assembleia Geral da sociedade «M… N… E M… LDA.» foi deliberado, designar na qualidade de gerente A… L… S… S…, tendo declarado assumir todas as responsabilidades da mesma. (Doc. fls. 31/33 do processo de execução fiscal apenso).

B. Em 09.12.1992. a sociedade «M… N… E M… LDA» solicitou no Centro de Emprego de ..., e ao abrigo do PO 01, quatro pedidos de co-financiamento. (Doc. fls. 10 do processo de execução fiscal apenso).

C. Em 02.07 1993 os pedidos a que alude a al. A) do probatório foram homologados e a sociedade «M… N… E M… LDA» foi notificada das decisões de aprovação através do ofício n°1193/DL­AAP de 27.07.1993. (Doc. fls. 10 do processo de execução fiscal apenso).D. Mediante oficio n°12169 de 21.10.1994, a devedora originaria foi notificada do despacho do Secretario de Estado do Emprego e Formação Profissional que revogou a decisão que aprovou a concessão dos apoios financeiros para os cursos de formação constantes dos B 1, 2, 3 e 4 do P.O. 1.2. (Doc. fls. 93/95 autos).

E. Em 14.11.1994, a devedora originaria requereu ao Ministro do Emprego e Segurança Social a revisão da decisão a que elude a al. D) do probatório. (Doc. fls. 93/95 autos ).

F. Mediante oficio n° 2380/DL-SAAP, de 26.05.1995, foi a devedora originaria notificada do despacho de 14.03.1995, do Secretario de Estado do Emprego e Formação Profissional, de indeferimento do pedido de revisão a que elude a al. E) do probatório, a consequentemente para proceder a devolução dos montantes recebidos a título de 1°adiantamento. (Doc. fls. 89 dos autos).

G. Contra a sociedade (M… N… E M… LDA), foi instaurada polo no Serviço de Finanças de ... - 1, o processo de execução fiscal n°1…, com base na certidão de divida, subscrita pelo Director Gera/ do Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu e da qual aquela sociedade consta como devedora da quantia de Esc. 21.702.406$00, provenientes de verbas indevidamente recebidas do Fundo Social Europeu e do Estado Português, respeitante as acções de formação profissional com a referencia PO 901001P1. (Doc. fls. 1 dos autos de execução fiscal).

H. Em 18.11.2003, no âmbito do processo de execução fiscal n°1…., foi prestada a seguinte informação:

“A divida actual exequenda ascende a €124.986.52, a qual acrescerão ainda juros de mora e custas nos termos legais a respeita ao período de 1989 e 1995.

Não são conhecidos quaisquer bens penhoráveis em nome da executada.

Durante o referido período foram gerentes/administradores.- M L… B… M… DAS N…, com o NIF 1….

I. A executada cessou actividade em 31.12.1994. (Doc. fls. 26 do processo de execução fiscal apenso).

J. Em face da informação a que elude a al. H) do probatório e na mesma data, foi determinada a reversão contra M… L… B… M… DAS N…, na qualidade de sócia gerente da sociedade executada. (Doc. fls. 26 do processo de execução fiscal apenso).

K. M… L… B… M… DAS N…, exerceu o direito de audição prévia no seguimento da notificação do projecto de despacho de reversão. (Doc. fls. 27/30 do processo de execução fiscal apenso).

L. Em 23.12.2003, A… L… S… S…, ora oponente o dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de ... uma missiva, da qua/ consta: assume as dívidas da firma denominada, 'M… N… E M…. LDA" (..), relativas a IVA e IRC da sociedade, não tendo este actividade desde 1994, nem bens penhoráveis." (Doc. a fls. 34 do processo de execução fiscal apenso).

M. A missiva a que alude a al. L) do probatório foi acompanhada da Acta elaborada a 01.01.1989 pela Assembleia Gera/ da devedora originária, que aqui se de por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. (Doc. a fls. 31/37 do processo de execução fiscal apenso).

N. Em 23.12.2003, nos autos de execução fiscal a que alude a al. G) do probatório foi prestada a seguinte informação:

“Nesta data vem o referido contribuinte aceitar a responsabilidade pelas referidas importâncias em divida, indicando que a executada já não se encontra em actividade desde 31.12.94 e solicitando o pagamento, por reversão nos termos e com o fundamento do art°23° da LGT e al b) do n. °2 do art°163° do CPPT, desde modo parece-nos ser de enquadrara este pedido na audição prévia a que se refere o art.° 60 da LGT, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a reversão, não contra a referida M… L… B… M… das N… (...) mas sim contra A… L… S… S… (...). " (Doc. a fls.38 do processo de execução fiscal apenso).

O. Em 23.12.2003, por despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ... foi determinada a reversão contra A… L… S…. S…, pelos seguintes fundamentos: “Face a informação que antecede verificando-se quer a insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal, quer o reconhecimento por parte do novo gerente antes identificado, pela acta que se encontra junto ao processo, ordeno, nos termos do artigo 23° da LGT e 159° do CPPT, a reversão contra:

A… L… S… S… (..)

De harmonia com o n.°4 do artigo 23° e 60° ambos da LGT, o exercício do direito de audição encontra-se verificado no requerimento junto pelo interessado.

Efectue-se a competente citação do interessado, para efectuar o pagamento.” (Doc. fls. 38 dos autos de execução fiscal).

P. Em 15.04.2004, foi elaborada Certidão de citação (pessoal) com o seguinte teor: “Em observância do mando do Chefe deste Serviço de Finanças, datado de 2004.04.15 e em conformidade com o art.189° do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), que neste Serviço de Finanças corre termos o processo executivo supra indicado, por dívidas de Fundo Social Europeu, na importância de 108.251.14 Eur. (..), podendo, querendo, no prazo de 30 (vinte) dias a contar desta citação, deduzir oposição, requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento.” (Doc. fls. 40 do processo de execução fiscal apenso).

Q. Em 15.04.2004, o Oponente foi citado no âmbito do processo de execução fiscal a que elude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 41 do processo de execução apenso).

R. Em 17.05.2004, deu entrada na Repartição de Finanças de ... a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls.2 dos autos)».

Quanto à matéria de facto, lê-se, ainda na Sentença recorrida:

S. «Com interesse para a decisão apenas se provaram os factos enunciados no probatório supra».

T. «A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, juntos aos autos, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório».


*

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, aditam-se os seguintes factos:

U. Em nome da sociedade M… N… e M…, Lda., foram processados pagamentos pelo DAFSE, a título de 1.º adiantamento, as quantias de 5 260 400$00, 5 590 803$00, 5 590 803$00 e 5 260 400$00;

V. Tais quantias foram transferidas para a conta n.º 0…..;

W. A conta referida anteriormente era titulada por J… P… F… (fls. 127 do SITAF)

X. O processo administrativo referente ao pedido referido em B, encontra-se extraviado (fls. 148 do SITAF).

Y. Não foi levado ao registo o facto referido em A) supra.

E altera-se a redação da alínea B) supra nos seguintes termos:

Em 09.12.1992. em nome da sociedade «M… N… E M… LDA» foram solicitados no Centro de Emprego de ..., e ao abrigo do PO 01.2, quatro pedidos de co-financiamento.


*

a) De Direito

O presente recurso versa sobre uma sentença proferida em processo de oposição que julgou esta improcedente por entender que na execução fiscal não é admissível questionar-se a legalidade em concreto da liquidação das restituições de quantias recebidas no âmbito das comparticipações do Fundo Social Europeu, legalidade essa que só pode conhecer-se pelos mecanismos processuais de reacção contra acto administrativo.

Efectivamente, no caso presente a questão sub iuditio não é uma dívida tributária, mas sim uma dívida resultante da não devolução de quantias adiantadas à executada originária no âmbito de um programa do Fundo Social Europeu.

Este tipo de dívidas não segue o regime das liquidações tributárias, apesar de serem coercivamente exigidas em processo de execução fiscal. Na verdade, esta via de cobrança não transmuda a natureza da dívida transformando-a em dívida tributária.

Por essa razão não pode ser aplicada no processo de execução para cobrança deste tipo de dívidas o mecanismo de reversão e responsabilidade subsidiária do art.º 24º da LGT, preceito que apenas se aplica às dívidas tributárias caracterizadas por uma imposição unilateral coerciva, consubstanciada numa liquidação tributária.

Sucede que é na qualidade de revertido que o ora recorrente é chamado à oposição.

E se bem se entende o despacho que ordenou a reversão, tal chamamento baseou-se não só no exercício, pelo recorrente, da gerência (de facto) da devedora principal mas também na assunção das dívidas da sociedade por parte daquele.

Ora, se o primeiro fundamento a reversão - (gerência de facto) - é claramente ilegal pelas razões supra referidas, o segundo não lhe fica atrás. Isto porque, conforme resulta do probatório, o revertido, ora oponente/recorrente, não se responsabilizou por toda e qualquer dívida da sociedade M… N… e M…, Lda. mas apenas pelas dívidas de IRC e IVA desta.

Ou seja, nenhum dos fundamentos do despacho de reversão se verifica, sendo o mesmo manifestamente ilegal.

Coloca-se então a questão de se saber se o revertido deveria ter usado outro meio processual. Vejamos.

Quer o revertido tivesse podido ou não reagir atempadamente contra o acto administrativo que fixou a dívida, na execução fiscal a discussão da sua ilegalidade está impedida pelo disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, visto que a única excepção que essa disposição legal abre respeita, apenas, à discussão do acto da liquidação, sempre que a lei não assegurar meio judicial de impugnação ou recurso. De facto, a norma refere-se indubitavelmente, ao usar o termo liquidação, ao acto que fixa o valor de um tributo a pagar pelo sujeito passivo e não ao ato de “liquidação” de uma dívida comum. Ou seja, o uso do vocábulo liquidação tem, para efeitos desta norma, um sentido restrito, confinando-o apenas ao âmbito da liquidação tributária.

Não estando, portanto, em causa um acto de liquidação em matéria tributária, não há lugar, pois, à discussão da ilegalidade da dívida na oposição, porque neste tipo de situação essa ilegalidade só poderá ser conhecida no processo administrativo se a petição de oposição reunir os requisitos para se operar a convolação (art.º 98.º, n.º 4, do CPPT e art.º 97.º, n.º 3, da LGT).

Note-se, porém, que para a convolação pode não colher o argumento da intempestividade, mesmo que o oponente seja gerente ou administrador da devedora principal. É que, atenta a separação existente entre a personalidade jurídica dos entes colectivos e a personalidade jurídica de quem exterioriza a sua vontade, não é confundível a personalidade jurídica da sociedade ou pessoa coletiva e do seus gerentes ou administradores para efeitos de determinação do dies a quo da contagem do prazo para atacar a legalidade do acto que está na base da execução, que se conta apenas do momento do conhecimento pelos segundos na respetiva esfera jurídica. Dito de forma mais simplista, 0 gerente ou administrador de uma sociedade só toma conhecimento juridicamente relevante do acto quando este lhe é pessoalmente notificado.

Obviamente, outros fundamentos que contendam com a legalidade da liquidação não podem, também, ser invocados, se caírem debaixo da esfera de proibição da alínea i) do mesmo n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Em resumo, a oposição em execução fiscal instaurada para cobrança de dívidas não tributárias é meio processual impróprio para discutir a ilegalidade da dívida.

E no caso de ter sido indevidamente revertido?

Aqui a resposta já terá de ser afirmativa.

Com efeito, o único meio de que o revertido dispõe para questionar a sua chamada à execução e à responsabilização patrimonial que dela deriva é o processo de oposição, porque neste caso se trata de uma situação de ilegitimidade passiva na própria execução.

Ora, no caso presente a sentença quedou-se pelo primeiro aspeto, isto é, raciocinou em termos de ter sido colocada a discussão da ilegalidade da dívida, quando, de facto, não é esse o contexto em que se move o recorrente na petição inicial da oposição.

O que o oponente/recorrente claramente alega é que não é o responsável pela dívida, quer por nunca ter recebido os montantes em causa, quer por nunca ter autorizado terceiros a representar a sociedade. Em lado algum afirma que o acto administrativo que determinou a reposição das verbas é ilegal.

Nesta ordem de ideias, não há qualquer infracção ao disposto nas referidas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.

Aliás, o oponente/recorrente termina a petição inicial da oposição pedindo que “a presente oposição [seja] considerada procedente por provada e em consequência ser o ora arguido (sic) e a sociedade que representa absolvidos e seja declarado extinto o processo de execução fiscal”.

Descontando o manifesto erro evidenciado pelo recorrente neste petitório – desde logo pela indevida chamada à colação da executada originária - mas também por essa razão, constata-se que o que o mesmo pretende, implicitamente, é que a execução seja extinta por não deter legitimidade para ser responsabilizado pela dívida, por não haver correspondência entre a sua pessoa e o título. Tanto assim que no artigo 7.º da p.i. refere que “só por mero lapso o presente processo se encontra a correr”.

Por outro lado, as questões que o recorrente suscita na petição inicial – não ter sido ele a receber os adiantamentos que estão na origem da dívida – depositados em conta de um terceiro - e não ter sido ele a agir em nome da sociedade, estão documentalmente provados, por um lado pelo expresso reconhecimento feito pela entidade administrativa de que a conta que foi utilizada nos depósitos estava titulada em nome de J… P… F… e por outro pela assunção de que não pode provar que no processo de candidatura aos apoios do FSE-QCA I existia “cópia autorizada outorgada pela responsável da entidade para abrir e movimentar conta afecta à formação profissional”, visto que reconhece que essa evidência só poderia ser, alegadamente, detetada pela análise do dossier financeiro da entidade requerente dos apoios ou pela análise dos extractos bancários (cfr. fls. 127 do SITAF), já que expressamente admite que o processo administrativo se encontra extraviado (fls. 148).

Como o recorrente não questionou sequer a legalidade do título executivo, no qual não figura como devedor, nem colocou questão que represente “interferência em matéria da exclusiva competência da entidade” que o extraiu, segue-se que a oposição assenta em fundamentos que tornam o meio processual utilizado pelo recorrente como apropriado.

Concluindo-se pela pertinência de tal meio, importa, para finalizar, inquirir se se deve dar resposta afirmativa à pretendida extinção da execução contra o recorrente “e a sociedade que representa”, pretensão que a sentença não acolheu e contra a qual reagiu aquele através do presente recurso jurisdicional.

Há um princípio basilar em direito civil, que todavia perpassa por outros ramos do direito, como é o caso do direito tributário: quem invoca um facto a seu favor tem o ónus de o provar (artigo 342.º do Cód. Civil e art.º 74.º n.º 1, da LGT, respetivamente).

Assim, em matéria de créditos é sobre o credor que recai o dever de alegar (e provar) os factos, com relevo jurídico, que permitam concluir que é titular de um direito de crédito sobre o alegado devedor. Só assim não é nos títulos de crédito, em que face da característica da “abstração” das obrigações cambiárias o credor não necessita de invocar a relação fundamental.

Por seu lado recai sobre o devedor o ónus de alegar e provar que essa relação não existe.

No caso em apreço o recorrente alegou que não foi a sociedade executada originária que percecionou os adiantamentos, provando essa asserção através dos documentos juntos aos autos e provenientes da própria administração, que reconheceu, como já se disse, que a conta utilizada nos depósitos era da titularidade de terceiro, que existia autorização “outorgada pela responsável da entidade para abrir e movimentar conta afecta à formação profissional”, mas que não a podia juntar por desconhecer o paradeiro do processo administrativo.

Procede, pois, este argumento do recorrente.

Para finalizar, quanto à questão da prescrição, como à restituição de verbas indevidamente recebidas no âmbito do Fundo Social Europeu se aplica o prazo ordinário de prescrição previsto na lei civil (cfr. art.º 309.º, do CC) – e não os prazos de prescrição de dívidas tributárias -, o seu prazo inicial é contado in casu a partir de 14-03-1995, data do despacho que ordenou a reposição, por até então não existir qualquer débito para com o FSE.

Assim, dir-se-ía, prima facie, que a dívida sub juditio estaria prescrita; mas não é assim, visto que a prescrição foi validamente interrompida com a citação do recorrente, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, efetuada nos autos de execução.

Ainda assim, concluindo, o recurso merece provimento, o que determina a revogação da decisão recorrida e, em substituição (art.º 665.º do CPC), que se julgue procedente a oposição, com a consequente extinção da execução, mas apenas contra o oponente/recorrente.


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3 - Dispositivo:

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a oposição e determinar a extinção da execução, mas apenas contra o recorrente.

Custas por ambas as partes, na proporção de metade para cada.

D.n.

Lisboa, 2018-05-17

________________ (Benjamim Barbosa, Relator)

________________ (Anabela Russo)

________________ (José Vital)