Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03160/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/15/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:- IMPUGNAÇÃO DE IVA.
-VIOLAÇÃO DO DIREITO/DEVER DE EXAUSTÃO DOS MEIOS GRACIOSOS, MAXIME RECLAMAR/PEDIR A REVISÃO DO ACTO ÍNSITO NOS ARTºS. 86º Nº 3 E 91º DA LGT.
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE AUDIÇÃO CONSAGRADO NO ARTº 60º DA LGT.
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES.
VIOLAÇÃO DO DIREITO DE DEFESA CONSAGRADO NO ARTº 98º DA LGT.
Sumário:I) - Devendo ser aplicada a avaliação indirecta, tal impunha o esgotamento do meio administrativo de revisão e, assim, permitir ao contribuinte reclamar da aplicação desse método e da respectiva quantificação da matéria colectável para a Comissão de Revisão nos termos do artº 91º da LGT.

II) -Tendo a liquidação impugnada resultado da aplicação simultânea dos métodos indirectos e de correcções técnicas (avaliação directa), e o impugnante questionado, quer a aplicação desses métodos, quer as correcções técnicas efectuadas, imputando aos actos tributários impugnados vícios de preterição da formalidade legal de audiência prévia consagrada no artº 60º da LGT e preterição de formalidades, em relação a estes fundamentos, a impugnação da liquidação não está dependente do pedido prévio de revisão da matéria tributável e isso mesmo acabou por ser reconhecido na sentença recorrida pois deles conheceu.

III) -E a AF não está obrigada, por força da existência do direito de audição, a atender aos argumentos vertidos pelo impugnante, caso não se demonstre sem margem para dúvidas, que efectivamente os pressupostos de base das correcções não existiam, não se podendo afirmar que o princípio da participação não foi respeitado.

IV) -O direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução.

V) -A formalidade da audição degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur – visto que a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.

VI) -O direito de audição prévia consagrado no artº 60º da LGT fica assegurado mediante a notificação ao contribuinte das conclusões do relatório da inspecção tributária por respeito pelo disposto no artº 60º do RCPIT.

VII) -Tendo ficado demonstrado que uma grande parte das facturas em que se refere a circunstância de não existir a menção do artigo 35° do CIVA, não foram efectivamente devolvidas, que, apesar da emissão de avisos de lançamento por devolução, não foi verificada a facturação do mesmo quando este não é devolvido e que se desconhece o prazo fixado para a devolução do vasilhame, ao não apresentar os registos e os avisos de lançamento emitidos a crédito, não referenciando a factura a que respeitam, tais circunstâncias inviabilizam assim o conhecimento das embalagens que deviam ser facturadas por não terem sido devolvidas, estando justificadas as correcções a que a AT procedeu.

VIII) -O princípio da igualdade das partes consagrado nos artºs. 13º e 20º da CRP e 98º da LGT, consiste em estas serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal:- perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.

IX) -A falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui violação do falado princípio porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO

I – L.........................., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IVA relativo ao ano de 2004.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação improcedente.
Inconformado com tal decisão, o impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.A impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, não depende de prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos art°s 91°, n°1 e 86° n° 1, ambos da L.G.T. quando são invocados outros fundamentos relacionados com as liquidações;
2. Não obstante, não existir a menção do artigo 35°, o impugnante, indicou, sempre, separadamente, as grades, paletes de madeira e garrafas;
3. O impugnante efectivamente, transaccionou os produtos, e cobrou o respectivo A imposto, mas não as paletes, grades e garrafas (vasilhame), daí não ter havido liquidação do mesmo, e consequentemente entrega aos cofres do Estado
4. O depósito, ou caução, não se configura como preço de uma transacção, mas sim, como um valor cobrado no acto da compra de uma embalagem reutilizável, que só pode ser reembolsado no acto de devolução da embalagem, depois de usada, - vide artigos 2° e 3° do Capitulo II da Portaria 29-B/98 de 15 Janeiro.
5. Das diligências praticadas pela equipa da inspecção, foi comprovado junto dos restantes agentes económicos, (fornecedores e clientes do impugnante) por cruzamento de dados, designadamente, por análise de diversos documentos contabilísticos de fornecedores e clientes do impugnante, que houve devolução de vasilhame.
6. Com base na primeira audição prévia, o Projecto de Relatório terá sido reestruturado, existindo assim, uma modificação substancial do projecto de relatório notificado ao impugnante em 22.08.2006;
7. Atenta a referida alteração substancial dos factos, requereu o impugnante, junto dos serviço de Inspecção tributário, novo prazo, para se pronunciar sobre os novos elementos constantes do nova proposta de Projecto de Relatório, nunca os serviços de Inspecção Tributária, se dignaram responder ao impugnante;
8. Pelo contrário, notificaram o impugnante do Projecto Final de Relatório, tendo assim, salvo melhor opinião, preterido uma formalidade legal, (al. d) do art. 99° do CPPT), a qual, entre outras, fundamentou a presente impugnação.
9. Com o objectivo da descoberta da verdade material, deveria o Tribunal, no caso sub judice, atento os princípios informadores do Contencioso Tributário, ter considerado e realizado a produção da prova requerida pelo impugnante, sob pena de, pondo em causa a sua defesa, violar o princípio de defesa do impugnante, consagrado nos art. 98° da LGT.
Ao decidir nos termos supra mencionados a Douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 86°, n° 4, 98° e 99 da Lei Geral Tributária e art. 99°, al. d) do Cód de Procedimento e de Processo Tributário, devendo ser declarada a sua nulidade nos termos do disposto no art. 125° do Cód de Procedimento e de Processo Tributário, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!
Não houve contra -alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. -FUNDAMENTAÇÃO

2.1.- DOS FACTOS:

Na sentença recorrida fixou-se o seguinte probatório:
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a sua decisão:
A) No decurso de uma acção inspectiva efectuada ao impugnante, foi elaborado o Projecto de Correcções elaborado pela I.T., tendo sido apresentado um requerimento no exercício do direito de audição, em que foi junto vários documentos que foram tidos em conta na reestruturação do referido projecto de relatório, tendo sido novamente notificada a impugnante para o exercício do direito de audição prévia quanto às alterações efectuadas, a qual nada veio dizer, -cfr. Ofício de notificação de fls 131, de fls 136 a 139, e de fls 224 a 229 e correspondência postal de fls 132 a 134, alegações produzidas no âmbito do direito de audição, de fls 192 a 222, introdução das correcções consideradas em resultado do exercício do direito de audição, de fls 37 a 48, cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, de fls 77 a 106 e análise do direito de audição sobre o projecto do relatório, de fls 110 a 115, do P. A. apenso aos autos.
B) Em resultado da acção inspectiva referida supra, foi elaborado o Relatório Final constante de fls 31 a 119 do P.A apenso, o qual se dá aqui por reproduzido, e do qual constam os motivos de determinação indirecta da matéria tributável, assim como das correcções de imposto relativa às embalagens consideradas incluídas no valor das mercadorias vendidas, devidamente notificada ao impugnante – cfr. certidão e oficio de notificação de fls. 120 a 127 do P.A apenso.
C) Da decisão de fixação da base tributável referido supra, não foi apresentado pelo impugnante um pedido de revisão nos termos do disposto no art° 91° e segs, da LGT- cfr Informação do serviço de apoio às Comissões de Revisão da D.F. de Lisboa, de fls 231, do P.A apenso.
D) Em resultado das correcções realizadas, foi efectuado a liquidação de IVA do terceiro trimestre do ano de 2004, acrescido de juros compensatórios, com o n° 0......... e 0............., respectivamente, de 28.12.06, devidamente notificado ao contribuinte, tendo dela deduzido reclamação graciosa -cfr nota de liquidação de fls 30 e 31 e rosto da petição de reclamação de fls 32 e 33, dos autos.
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Factos Não Provados
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
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Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos contam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Atenta esta factualidade e aquelas conclusões que delimitam o objecto do recurso, vejamos a sorte deste em que a questão decidenda se desdobra nas seguintes vertentes, cuja apreciação e decisão prejudica todas as demais que de forma directa ou meramente argumentativa sejam suscitadas:
a) -Saber se impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, depende de prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos art°s 91°, n°1 e 86° n° 1, ambos da L.G.T. quando são invocados outros fundamentos relacionados com as liquidações (conclusão 1ª).
b) -Saber se foi violado o direito de audição consagrado no artº 60º da LGT e preterição de formalidades (conclusões 6ª a 8ª);
c) -Saber se ocorre o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto quanto às correcções técnicas (conclusões 1ª a 5ª);
d) -Saber se a não realização da prova requerida violou o princípio de defesa do impugnante, consagrado nos art. 98° da LGT (conclusão 9ª).
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Assim: -
Da prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos art°s 91°, n°1 e 86° n° 1, ambos da L.G.T.
Sobre a alegada preclusão do direito de impugnação jurisdicional da decisão de fixação da base tributável por métodos indiciários perfilhou a sentença o entendimento de que a impugnante, face àquela decisão de fixação, dela deveria ter reclamado para a Comissão de Revisão, o que não fez (cfr. alínea D) do probatório), pelo que daquela decisão anterior, de fixação da base tributável e do imposto em falta, não cabia impugnação judicial sem prévia reclamação nos termos dos apontados preceitos legais.
Considerou-se, pois, na sentença que não era lícito ao Tribunal verificar da conformidade legal dos vícios invocados sem prévia reclamação para aquela Comissão conforme o disposto no n° 14, do art° 91° da LGT, pelo que nessa sede, já não nos encontramos nas condições de impugnabilidade nos termos gizados pelo disposto nos art°s 84°, n° 3 e 136°, n° l, ambos do CPT.
Contra o assim fundamentado e decidido se insurgiu a impugnante em cujo recurso sustenta que a impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos, não depende de prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos art°s 91°, n°1 e 86° n° 1, ambos da L.G.T. quando são invocados outros fundamentos relacionados com as liquidações.
A EPGA professa o entendimento de que o pedido de revisão previsto no artº 91º da LGT é um requisito de procedibilidade a cumprir antes da interposição da impugnação judicial e tendo o recorrente apresentado a sua pretensão impugnatória com base na errónea quantificação da matéria tributável, falta esse requisito, devendo manter-se o decidido por haver correcta interpretação factual e correcta apreciação do direito.
Quid juris?
Conforme preceituado no Artigo 83.° da LGT, a avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendi­mentos ou bens sujeitos a tributação (nº 1) e a avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha (nº 2).
Resulta do inciso legal transcrito que, quer a avaliação directa, como a indirecta, têm por fim determinar o valor dos ren­dimentos ou bens sujeitos a tributação, nos seguintes termos:
a) -no primeiro caso, a avaliação é feita com base em elementos de prova do valor real dos bens ou rendimentos tributáveis e, por isso, visa-se determinar com exactidão este valor;
b) -Os casos em que se procede a avaliação indirecta, indicados no art. 87° da L.G.T., são situações em que não existem elementos fiáveis suficientes para demonstrar exacta­mente o valor daqueles bens ou rendimentos, metodologia que foi seguida pela IT pois, a avaliação dos bens sujeitos a tributação foi feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária dis­pusesse, inclusivamente alguns que poderiam ser utilizados na avaliação directa.
De resto, deve enfatizar-se, dado o seu carácter excepcional, apenas se procede a avaliação indirecta nos casos em que não seja viável determi­nar a matéria tributável através de avaliação directa, quer por falta de elementos para esta ser levada a cabo, quer por haver razões para suspeitar que o valor a que conduz a apli­cação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real [arts. 87°, n° l, alínea c), e 89° da L.G.T.].
Sendo, pois, indiscutível, que em tal situação nos encontramos perante uma avaliação indirecta, há que atentar no regime legal de impugnação judicial, regulado no artigo 86.° da LGT, de acordo com o qual:
3. A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação.
Como ensinam Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Comentada e Anotada, 3ª ed., pág. 418 e ss, em anotação ao artº 86º da LGT, “no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos ter­mos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da adminis­tração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres.
Este princípio é concretizado no art. 66° desta Lei e no art. 54° do C.P.P.T., em que se estabelece que, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação conten­ciosa autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invo­cada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
No entanto, por vezes, a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de actos anteriores ao acto final do procedimento, que têm especial relevo para condicionar a decisão final.
Estes actos preparatórios da decisão final que são directa e imediatamente impug­náveis por via contenciosa assumem a natureza de actos destacáveis”.
A lei considera a inimpugnabilidade directa de um acto cometido no procedimento que culmina com a liquidação que era o acto de "fixação definitiva do imposto". Ou seja, na falta de reacção mediante o procedimento de revisão regulado no artº 91º e ss da LGT, o acto de avaliação e o respectivo quantum consolidava-se, tornando indiscutí­veis os seus eventuais vícios.
Na verdade, tendo sido aplicada a avaliação indirecta, tal impunha o esgotamento do meio administrativo de revisão e, assim, deveria o contribuinte reclamar da aplicação desse método e da respectiva quantificação da matéria colectável para a Comissão de Revisão nos termos do artº 91º da LGT.
Não o tendo feito, está impedido de impugnar (directamente) o acto tributário impugnado.
E essa conclusão não é infirmada pela doutrina que dimana dos acórdãos citados pelo recorrente.
Na verdade, no Acórdão do STA – 2ª secção, de 26-06-2002, tirado no Recurso nº 026662, doutrinou-se que a impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indirectos não depende de prévia reclamação para a comissão de revisão, nos termos dos artºs 84º, nº 3, e 136º, nº 1 do CPT.
Note-se, pois, que o regime aí em causa era estabelecido pelo CPT, nos termos de cujo artº 84º, nº 1, do CPT, da decisão que fixe a matéria tributável com fundamento a sua errónea quantificação cabe reclamação dirigida à comissão de revisão. E diz o nº 3: “a reclamação prevista neste artigo é condição da impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria colectável”. Por sua vez, o artº 136º, nº 1 do CPT dizia que a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável depende de prévia reclamação nos termos dos artigos 84º e seguintes.
Nesse aresto afirma-se que “Em parte alguma da lei se dizia que a impugnação judicial com fundamento em erro nos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável depende de prévia reclamação para a comissão de revisão. E com razão a lei não faz essa exigência, pois isso é uma questão de direito que não pode ser bem resolvida pela comissão de revisão, que é uma comissão competente para decidir questões de natureza técnica.”
Ora, como bem se refere na sentença, já não nos encontramos nas condições de impugnabilidade nos termos gizados pelo disposto nos art°s 84°, n° 3 e 136°, n° 1, ambos do CPT.
E aquela conclusão também não é posta em causa pelo Acórdão do TCA de 24-09-2002, no Recurso nº 6754/02, esse sim já versando o pedido de revisão da matéria colectável como condição de impugnabilidade na vigência da LGT.
É que, segundo esse douto aresto, apesar de a impugnação judicial com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável estar dependente de prévio pedido de revisão em harmonia com o disposto no nº 5 do art. 86º e 91º da LGT e nº 1 do art. 117º do CPPT, essa condição de impugnabilidade não funciona se na impugnação forem invocados outros fundamentos para além daqueles.
Na senda desse acórdão, a questão passa por determinar se no domínio da LGT e do CPPT a reclamação para a Comissão de Revisão é apenas condição da impugnação judicial que tenha por fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, ou se essa reclamação é condição de todas as impugnações de liquidações resultantes de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, independentemente dos fundamentos nela invocados.
Como ali se assinala, já no domínio da vigência do CPT se fazia depender a impugnação judicial com fundamento em errónea quantificação da matéria tributável de prévia reclamação (arts. 84º nº 3 e 136º nº 1 do CPT) e se havia formado uma corrente jurisprudencial pacífica e uniforme no sentido de que essa reclamação era condição de procedibilidade apenas quanto ao vício de errónea quantificação da matéria tributável e não já quanto a outros vícios imputados ao acto de liquidação - cfr., entre outros, os Acórdãos do STA de 1/06/94, no Rec. nº 17635, in Ciência e Técnica Fiscal nº 378, págs. 269 e segs., o de 26/06/02, no Rec. nº 26662 e o de 13/03/02, no Rec. nº 26276.
O que mais se adianta no citado acórdão, é que o acto de liquidação pode estar afectado por outros vícios que não contendam com a determinação da matéria colectável, ou seja, não ser a errónea quantificação da matéria colectável o único vício que inquine a liquidação, pois pode haver outras ilegalidades e a lei tem de ser respeitada, seja material ou adjectiva, considerando-se este raciocínio perfeitamente ajustável ao regime previsto na LGT e no CPPT para a impugnação judicial dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos em harmonia com o disposto no nº 5 do art. 86º da LGT e o nº 1 do art. 117º do CPPT.
Sendo assim, reconhecendo-se que o TCA tem vindo a decidir que não obstante a impugnação com fundamento em erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável esteja dependente do prévio pedido de revisão, o certo é que essa condição de impugnabilidade já não funciona se na impugnação forem invocados outros vícios para além daqueles; mas, o erro nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável está abrangido por essa condição segundo o acórdão invocado pelo recorrente.
Sucede que no caso que nos ocupa, a liquidação impugnada resultou da aplicação simultânea dos métodos indirectos e de correcções técnicas (avaliação directa), tendo a impugnante questionado quer a aplicação desses métodos quer as correcções técnicas efectuadas, imputando aos actos tributários impugnados vícios de preterição da formalidade legal de audiência prévia consagrada no artº 60º da LGT e preterição de formalidades (conclusões 6ª a 8ª).
Ora, em relação a estes fundamentos, a impugnação da liquidação não está dependente do pedido prévio de revisão da matéria tributável e isso mesmo acabou por ser reconhecido na sentença recorrida pois deles conheceu.
Improcede, pois, a conclusão sob análise.
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Da violação do direito de audição consagrado no artº 60º da LGT e preterição de formalidades

Nas conclusões 6ª a 8ª afirma o recorrente que com base na primeira audição prévia, o Projecto de Relatório terá sido reestruturado, existindo assim, uma modificação substancial do projecto de relatório notificado ao impugnante em 22.08.2006 e, por isso, requereu o impugnante, junto dos serviço de Inspecção tributário, novo prazo, para se pronunciar sobre os novos elementos constantes do nova proposta de Projecto de Relatório, nunca os serviços de Inspecção Tributária, se dignaram responder ao impugnante, antes tendo notificado o impugnante do Projecto Final de Relatório, tendo assim, salvo melhor opinião, preterido uma formalidade legal, (al. d) do art. 99° do CPPT), a qual, entre outras, fundamentou a presente impugnação.
O Mº juiz «a quo» considerou, no que tange às formalidades do procedimento de liquidação de imposto, que lhe competia verificar da sua conformidade com as normas legais relativas ao exercício do direito de participação dos contribuintes nas decisões que lhe dizem respeito - cfr art° 61° da LGT e, fazendo-o, discreteou do seguinte modo:
“Nessa matéria vem o impugnante afirmar que tendo sido notificado do projecto de relatório para efeitos do exercício do direito de audição, não continha o mesmo o local e o horário onde o processo poderia ser consultado para aqueles efeitos. Compulsado os autos e face ao apurado em A), do probatório, conclui-se que embora na notificação não se indicasse aquelas circunstâncias, tal não pode constituir impedimento para a plena eficácia daquela notificação, porquanto e como bem refere a Adm. Fiscal na Informação para que remete o D.R.F.P. os elementos essenciais daquela comunicação sem as quais a mesma padece de falta de eficácia, são os indicados no n° 2, do art° 36° do CPPT, os quais foram observados, sendo que quanto ao direito de audição em causa regula os n° s 4 e 5, do art° 60° da LGT, os tramites legais para esse fim, pelo que para o exercício daquele direito impõe o n° 4 daquele preceito apenas, que seja facultada ao contribuinte o projecto de decisão com a sua fundamentação, sendo que o exercício do direito de consulta do processo se encontra devidamente regulamentada no art° 30° do CPPT, e o direito de acesso aos processos individuais, nos termos do disposto na alínea g), do n° 3, do art° 59° da LGT, não podendo o interessado desconhecer qual o serviço onde se encontrava o procedimento face à entidade que a notificou daquele projecto de relatório e do exercício que o mesmo havia feito anteriormente ao abrigo daquele mesmo direito de participação. Improcede assim a referida preterição de formalidade essencial quanto ao exercício do direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária -cfr. alínea e), do n°1, do art° 60°, da LGT.”
Não podemos deixar de concordar com o discurso jurídico da sentença.
Com efeito, evidencia o probatório sob a al. A) que, no decurso de uma acção inspectiva efectuada ao impugnante, foi elaborado o Projecto de Correcções elaborado pela I.T., tendo sido apresentado um requerimento no exercício do direito de audição, em que foram junto vários documentos que foram tidos em conta na reestruturação do referido projecto de relatório, tendo sido novamente notificada a impugnante para o exercício do direito de audição prévia quanto às alterações efectuadas, a qual nada veio dizer, -cfr. Ofício de notificação de fls 131, de fls 136 a 139, e de fls 224 a 229 e correspondência postal de fls 132 a 134, alegações produzidas no âmbito do direito de audição, de fls 192 a 222, introdução das correcções consideradas em resultado do exercício do direito de audição, de fls 37 a 48, cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, de fls 77 a 106 e análise do direito de audição sobre o projecto do relatório, de fls 110 a 115, do P. A. apenso aos autos.
Vê-se, pois, que as alegações do sujeito passivo foram tidas em conta na conclusão final do relatório, e isso nada mais quer dizer do que o relatório final terá sido reformulado e a fundamentação das correcções reforçada, com base naquelas mesmas alegações.
De resto, o recorrente não substanciou a invocada “modificação substancial do projecto de relatório notificado ao impugnante em 22.08.2006” e a AF não está obrigada, por força da existência do direito de audição, a atender aos argumentos vertidos pelo impugnante, caso não se demonstre sem margem para dúvidas, que efectivamente os pressupostos de base das correcções não existiam. E nesses casos não se pode afirmar que o princípio da participação não foi respeitado.
Na verdade, o princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do C.P.A., assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento da directriz constitucional contida no n.º 4 do art. 267.º da C.R.P. obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Segundo Freitas do Amaral estamos aqui perante “a dinamização de preceitos constitucionais” (cfr. “O Novo Código do Procedimento Administrativo”, in ‘O Código do Procedimento Administrativo”, I.N.A., 1992, a pág. 311).
Hoje, a LGT, que veio adequar a disciplina do procedimento tributário ao Código do Procedimento Administrativo e à Constituição (vd. relatório do Decreto-Lei nº 398/98, de 17 De Dezembro) consagra expressamente e regulamenta a audiência prévia no procedimento.
Porém, ao fazê-lo, visa mais a concretização do princípio democrático na sua dimensão participativa, e não tanto a ideia garantística inerente ao princípio do Estado de Direito, pois o que aí está em causa é fundamentalmente um princípio de organização e acção administrativa, sendo por isso que já anteriormente o CPA veio estabelecer como forma de participação no procedimento administrativo a audiência dos interessados regulada nos seus artigos 100.º e seguintes, que, no essencial, pressupõe o reconhecimento do direito de os interessados se pronunciarem sobre o objecto do procedimento antes da decisão final e assegurar que a Administração não tome nenhuma decisão sem ter dado ao interessado oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam a essa mesma decisão.
Na vigência do CPT previa-se como garantia dos contribuintes um “direito de audição” (artigo 19.º, alínea c)). No entanto, o artigo 23.º, alínea e), do mesmo diploma fazia restringir o “direito de audição e defesa” ao processo de contra - ordenação fiscal, sendo inaplicável ao processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso, corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Na verdade e conforme formulação feita por G. Berti Procedimento, procedura, partecipacione” in Scritti Guicciardi, 1975, pp, 801 e 802) “a participação diferencia-se do contraditório seja porque prescinde de toda a ideia de conflito entre interesses e as correspondentes posições subjectivas, seja porque não define uma forma de tutela ou de garantia mas uma modalidade de acção”.
Todavia, pode ser entendido, que a participação procedimental no âmbito do procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em termos gerais do Código do Procedimento Administrativo (cfr. os nºs 5 a 7 do seu artigo 2º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro).
Aqui e a nosso ver, a questão que se impõe determinar é a de saber se foi preterida a formalidade legal da audição prévia estabelecida no artº 60º da LGT, quais as consequências derivadas da sua preterição.
O artº 60º, nºs 1/a), 3 e 4 da LGT impõe a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, o que, em vista do caso concreto, se concretizaria pela audição antes da liquidação, direito a ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio do contribuinte ao qual deveria ser comunicado o projecto da decisão e sua fundamentação.
Donde se extrai que, consoante o disposto naquele artº 60º da LGT, em consonância com o artº 100º, nº 1 do CPA, o recorrente tinha o direito de ser ouvido no procedimento antes de ser efectuada a liquidação, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta através do envio do projecto de decisão e respectiva fundamentação para o domicílio do contribuinte.
Estamos perante uma manifestação do princípio do contraditório que, enquanto princípio geral de direito, não carece de consagração expressa na lei, sendo um momento essencial do procedimento administrativo, um princípio de “ética jurídica” e uma norma de “direito natural administrativo”.
Para que, com eficácia, seja cumprida a formalidade de audiência do interessado é necessário que a este seja facultado o expediente administrativo, de modo a que fique habilitado a exercer convenientemente o seu direito.
Sendo também uma das manifestações do princípio da transparência do procedimento, como ensina Giuseppe Cataldi, in “Il procedimento amministrativo ne suoi attuali orientementi giuridici” pág 4, ao se facultar ao interessado a sua audiência no âmbito do procedimento está-se a privilegiar um controle preventivo por parte do particular em relação à Administração, “melius est intacta iura servare, quam vulneratae causae remedium quarere”.
Mas, como já se deixou antever, a formalidade da audiência prévia prevista no artº 60º da LGT e 100º e segs. do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no artº 8º do CPA e, correspondendo tal princípio a direito constitucional concretizado, terá de prevalecer sobre todas as normas contidas em leis especiais e onde a audiência não se mostre garantida com igual extensão ao consignado no CPA.
Assim, é certo que não foi dado à impugnante, directamente e enquanto sujeito passivo, a oportunidade de se pronunciar antes da liquidação, pois o direito de audição implica que se lhe comunique o projecto de decisão e respectiva fundamentação (art° 60, n° 4 LGT).
Decorre com segurança da notificação, que a AT sabia que, os Artigos 45° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 60° da L.G.T., a obrigavam a ouvir a impugnante, previamente à conclusão do procedimento.
Sucede também que a AT não podia deixar de ouvir a impugnante, com o fundamento de que seria «um caso em que a decisão tem que ser urgente e a realização da audição pode prejudicar a utilidade da decisão final (cf. Art°103° nº 1 do C.P.A.)».
De resto, é isento de controvérsia na doutrina que os casos de inexistência do direito de audiência, previstos no nº 1 do artº 103° do CPA, não foram incluídos na L.G.T., nem no Código de Procedimento e de Processo Tributário e não se harmonizam com os valores e interesses que estão em causa no procedimento tributário.
E, como bem referem Diogo Leite de Campos/Benjamim da Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa LGT comentada e anotada 2ª edição 2000 p.255;Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado art.45° nota 15, a omissão de audiência da contribuinte antes da liquidação constitui preterição de formalidade legal essencial do procedimento de liquidação, que não pode ser justificada pela previsão de a realização da diligência comprometer a utilidade do acto tributário a praticar, sendo que os casos de inexistência do direito de audiência previstos no CPA (art. 103° n° 1) não se harmonizam com os valores e interesses em causa no procedimento tributário.
Evidencia o probatório (cfr. al. D) que o procedimento tendente à alteração dos elementos declarados pelo contribuinte ficou concluído no ano 2006.
Porque assim e decorre dos princípios gerais que regem a aplicação da lei no tempo, a regularidade daquele procedimento terá de ser prismada à luz do disposto na LGT.
O impugnante pretende que se violaram regras procedimentais (vícios de forma), fazendo nesse âmbito apelo ao disposto nos artºs 60º da LGT.
Como se disse, o artº 60º e em concretização da injunção constitucional contida no artº 267º nº 5 da CRP, a LGT veio consagrar o principio da participação, cuja dimensão é a de garantia do direito do contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito.
Dispondo sobre o seu domínio de vigência, o artº 6° do DL n° 398/98, de 17/12 estabelece o seu início em l de Janeiro de 1999, sendo aplicável, pelo que dito ficou, somente aos procedimentos iniciados e aos processos instaurados a partir dessa data, como é o caso.
Por outro lado, no âmbito de aplicação da al. a) do nº 1, do artº 103º do CPA, a Administração não detém um poder incontrolável ao nível da densificação do conceito indeterminado (“urgência”) nela veiculado, pois, como se expende no Ac. do STA de 12/6/1997, Recurso nº 41 616, a urgência deverá ser concebida como uma noção circunstancial com base em factos concretos que legitimem o abandono de um procedimento “normal”, para se adoptar um procedimento “excepcional” e onde o factor tempo se apresenta como elemento determinante e constitutivo.
Donde que a decisão que a Administração entenda dever tomar no âmbito da citada al. a) deverá ser devidamente fundamentada, mediante a identificação do específico interesse público a prosseguir com a decisão, tido por incompatível com a observância do princípio da audiência.
Já vimos que o foi mas, mesmo que o não tivesse sido, em atenção ao disposto no artº 135º do CPA, em princípio seria aquele acto anulável porque praticado com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção, quando é certo que o acto impugnado não se mostrava incluído no rol dos actos nulos, e bem assim, não está demonstrada a verificação dos requisitos próprios que permitiriam a dispensa da audiência do recorrente.
É que, como decorre do artº 45º do CPPT, “O procedimento tributário segue o princípio do contraditório, participando o contribuinte, nos termos da lei, na formação da decisão” e, no caso concreto, o respeito por aquele princípio implicava, consoante o disposto no artº 60º da LGT, a participação do contribuinte na formação da decisão que lhe dizia respeito, designadamente, com direito de audição antes da liquidação, a ser exercido no prazo a fixar pela AT em carta registada a enviar para tal efeito para o seu domicílio fiscal comunicando-lhe o projecto da decisão e sua fundamentação, sendo que os elementos novos suscitados na audição seriam obrigatoriamente tidos em conta na fundamentação da decisão, tudo como decorre do artº 60º da LGT, conjugado com o disposto no artº 36º nºs 1 e 2 do CPPT.
Ora, a nosso ver, o art 60º, nº 1, al. a), da Lei Geral Tributária, quando fala em "liquidação", tem um sentido amplo que abrange todas as fases do acto tributário, e, como o contribuinte foi ouvido antes da conclusão do relatório final da inspecção à sua contabilidade, neste contexto, pontifica a doutrina que dimana do Acórdão do STA de 27/02/2002, tirado no recurso nº 026615 sobre uma questão de audiência prévia, segundo a qual há preterição de formalidade legal se, tendo o contribuinte sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, não for de novo ouvido antes do acto de liquidação, pois trata-se de duas audições autónomas relativamente a duas decisões distintas do processo de liquidação.
Como se expende naquele douto aresto, “ A questão de direito que a recorrente levanta pode formular-se do seguinte modo: tendo o Fisco ouvido o contribuinte antes da conclusão do relatório final da inspecção à sua contabilidade, estava obrigado a ouvi-lo de novo antes do acto de liquidação, nos termos do art. 60º, nº 1, al. a), da Lei Geral Tributária?
Nos termos do art. 60º, nº 1, al. a), da LGT, "a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) DIREITO DE AUDIÇÃO ANTES DA LIQUIDAÇÃO".
(...)
“O art.60º da LGT trata do princípio da participação dos contribuintes no procedimento de liquidação, correspondente ao direito de audiência prévia do procedimento administrativo. Depois de enunciar o princípio – PARTICIPAÇÃO DOS CONTRIBUINTES NA FORMAÇÃO DAS DECISÕES QUE LHES DIGAM RESPEITO – o nº 1 indica cinco formas de participação dos contribuintes, cada uma delas com autonomia das restantes. Para o que nos interessa, estão previstas as seguintes formas de participação dos contribuintes:
-audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos (al. d);
-audição antes da conclusão do relatório da inspecção (al. e);
-audição antes da liquidação (al. a).
Trata-se de audições diferentes, cada uma delas não dispensando as demais. A lei não diz que, tendo havido audição antes da conclusão do relatório da inspecção, fica dispensada a audição antes da liquidação. Logo, o que se quis foi dar uma participação ao contribuinte ao longo do procedimento de liquidação e uma participação nas diferentes decisões que são tomadas ao longo do processo de liquidação. É por isso que o nº 1 alude à participação na formação das decisões e não na formação da decisão final do procedimento.”
(...)
“De iure condendo, pode-se entender que são audições a mais. Mas de iure constituto temos de respeitar os juízos de valor legais.
Em conclusão: o facto de ter havido audição quanto ao relatório da inspecção tributária não dispensava a formalidade legal de nova audição antes da liquidação.
A única dúvida que aqui se levanta é a de saber se, neste caso, não seria de dispensar a audiência do contribuinte, nos termos do art. 103º, nº 2, al. a), do Código de Procedimento Administrativo, a propósito do acto de liquidação. Diz esse preceito que o órgão instrutor pode dispensar a audiência dos interessados se estes já se tiverem pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas.
No art. 63º do ante-projecto de Lei Geral Tributária de 25.9.97, dizia-se o seguinte: os interessados têm o direito de ser ouvidos relativamente a todas as questões do seu interesse, em qualquer momento do procedimento fiscal, só podendo essa audiência ser recusada mediante decisão fundamentada e apenas quando se verifiquem os casos que permitem a sua dispensa, nos termos previstos no Código de Procedimento Administrativo.
Como o CPA permitia a dispensa em dois casos – os interessados já se tiverem pronunciado ou a decisão ser favorável aos interessados – permitia-se, in casu, a dispensa de audiência ou participação.
Aquele direito de audiência manteve-se no art 60º do ante-projecto de LGT de 26.11.97. O mesmo acontece no art. 58º do ante-projecto de LGT de Dezembro de 1997.
Esse direito de audiência manteve-se, ainda, no art. 56º do ante-projecto de LGT de 16.2.98, com a única alteração de o preceito ter sido desdobrado em dois números, ficando a disciplina da dispensa de audiência no nº 2, nele se mandando aplicar o Código de Procedimento Administrativo sobre dispensa de audiência.
Tudo se mudou no projecto final de LGT, cujo art. 60º, nº 2, em vez de remeter a dispensa de audiência para o CPA, veio prescrever o seguinte: "É DISPENSADA A AUDIÇÃO NO CASO DE A LIQUIDAÇÃO SE EFECTUAR COM BASE NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE OU A DECISÃO DO PEDIDO, RECLAMAÇÃO, RECURSO OU PETIÇÃO LHE FOR FAVORÁVEL".
Isto é, dos dois casos de dispensa de audição previstos no art. 103º, nº 2, do CPA – os interessados já se tiverem pronunciado ou a decisão lhes for favorável – o art. 60º, nº 2, da LGT, apenas assegurou o caso de decisão favorável, deixando cair o caso de já haver uma pronúncia anterior dos interessados.
Logo, temos de concluir que foi propósito do legislador afastar os casos de dispensa de audiência previstos no art. 103º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo, para consagrar apenas um deles – decisão favorável – ao lado de um caso novo – liquidação com base na declaração do contribuinte.
E foi assim que ficou o art. 60º, nº 2, da LGT.
Deste modo, ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, em caso algum pode ser dispensada nova audiência antes da liquidação.
Neste sentido, pode ver-se a Lei Geral Tributária, comentada e anotada, de Diogo Leite de Campos e outros, pág. 203 da 1ª edição, embora sem os desenvolvimentos supra.
Pode-se discordar da lei. Pode-se dizer que são audições a mais. Mas é a lei geral do país em matéria tributária.”
Era esse o entendimento que vínhamos seguindo, sendo o acabado de expor a sua explicitação até à entrada em vigor da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio que introduziu nova redacção ao artº 60º.
Sob a epígrafe Direito de audição, o artº 13º da referida Lei veio alterar o citado artigo 60º da LGT, dispondo:
1 - O n° 3 do artigo 60° da lei geral tributária, apro­vada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 60º
1.A participação dos contribuintes a formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a)- Direito de audição antes da liquidação;
b)- Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c)- Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d)- Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e)- Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2. - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3.-Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4. - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n° 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 – O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
7. - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.
O artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio tem um nº 2 que atribui natureza ao diploma dispondo expressamente: “0 disposto no n.º 1 do presente artigo tem carácter interpretativo.”
Doutrinalmente, a “lei interpretativa” é aquela que intervém para decidir uma questão de direito cuja solução é controvertida ou incerta, consagrando um entendimento a que a jurisprudência, pelos seus próprios meios, poderia ter chegado -Cfr. P.Lima e A Varela, CC Anot., nota 1 ao artº 13º).
Conforme refere Pedro Machete (in Problemas Fundamenteis do Direito Tributário, Vislis, pp. 304) sendo a regulamentação da audiência dos interessados concretizadora do princípio da participação procedimental consagrado no Artigo 267º n° 5 da Constituição, tal instituto é, salvo indicação expressa em contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais, independentemente de a respectiva disciplina jurídica ser anterior ou posterior ao início de vigência daquele código".
Assim, na falta de regulamentação expressa sobre o direito de audição, e como forma de cumprir o comando constitucional, havia que recorrer, supletivamente, às normas previstes nos Art°s 100 e segs. CPA, [por força do Art°2º alínea b) do CPT] e cuja preterição, traduzindo-se na preterição de uma formalidade essencial, fere de invalidade o acto tributário, por vício de forma, excepto se se dever considerar sanada tal invalidade.
Portanto, o direito de audição dos contribuintes tem já uma tradição assinalável no nosso direito tributário.
No âmbito da LGT, o princípio da participação confere ao contribuinte o direito de audição por qualquer uma das formas previstas nas alíneas a), b), c),d) e) do n.° 1 do Art.° 60. Não prevê a lei que o direito de audição seja facultado em todas as formas mencionadas, mas sim por qualquer uma das formas previstas.
Mas em douto Aresto do STA proferido em 27/2/2002, no proc. n° 26615, e ao que sabemos ainda inédito, decidiu-se que, não obstante o direito de audição concedido antes da conclusão do relatório da inspecção, tal não dispensa a formalidade legal de nova audição antes da liquidação.
Salvo o devido respeito, não acompanho a tese expendida. A meu ver o texto da lei não acolhe a interpretação veiculada pelo douto acórdão, mencionando expressamente o artigo 60 n° 1 que a participação dos contribuintes se efectua pôr qualquer uma das formas previstas nas diversas alíneas.
Se é por qualquer uma das formas, não é por todas.
Como refere Lima Guerreiro, "O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de audição inicialmente se concretizou.
Assim tendo a Administração Tributária facultado ao contribuinte o direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária afigura-se cumprida a obrigação legal prevista no Art.° 60 LGT.
Ora, face à lei interpretativa, não sobram dúvidas de que se revela acertada a fundamentação adoptada na douta sentença recorrida tanto mais que a lei interpretativa se considera integrada na lei interpretada, o que significa que retroage os seus efeitos até à data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que o foi a lei interpretada- (P. Lima e A . Varela, Ob .e nota Citadas).
Por outro lado, a admitir, que as normas que regulam o direito de audição têm a natureza de garantia, se reportam-se às relações subjectivas materiais que sejam objecto de cognição do próprio processo e cuja regulação pode ser feita por normas substantivas integradas no Código ou insertas em outros compêndios legais, há que fazer apelo à letra da lei e aos princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Preocupado com a tutela da confiança, segurança e estabilidade dos efeitos jurídicos já produzidos pelos factos, apenas os considera dignos de protecção à luz da lei sob a qual foram produzidos quando deliberadamente seja outra a vontade do legislador expressa na lei nova e conquanto ela não ofenda qualquer princípio constitucional (cfr. artºs. 277º e 207º da Constituição da República).
A Lei Geral Tributária, tal como o nome indica, é lei de carácter geral que deve ser interpretada em articulação com o artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), que, no caso em apreço constitui lei especial.
Assim, há que aceitar a aplicabilidade do nº 3 do artº 13º da Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio que estatui que tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem a alínea b) a alínea g) do n° 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
Ora, provando-se que o direito de audição foi exercido pelo impugnante antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, mostra-se cumprida a formalidade legal.
Todavia, para o recorrente não foi fundamentada a não consideração dos elementos “novos” que trouxe ao procedimento por via da sua audição.
Mas isso parece não corresponder à verdade tendo em conta o que a propósito como pertinência e suficiência consta da al. A) do probatório, da qual decorre que os argumentos invocados pelo sujeito passivo no âmbito do direito de audição que exerceu, foram tomados em consideração, sendo que o recorrente não substanciou minimamente a “modificação substancial” que invoca ter ocorrido.
Por outro lado, e conforme se expendeu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30-05-2006 - CT - 2.º Juízo, Recurso nº 1188/06, na “...decisão final, a AT tem de tomar posição expressa sobre as alegações do contribuinte em sede de exercício do direito de audiência prévia, conforme obriga o disposto no artigo 60º, n.º 7 da LGT e a fundamentação constante da decisão final não tem de ser, e não deve ser, uma cópia fiel da do projecto de decisão, pois nela têm de ser discutidos os argumentos invocados pelo contribuinte em sede de exercício de audição prévia.”
Volvendo ao caso dos autos, do elenco probatório ressalta à evidência que o recorrente foi notificado para se pronunciar, participando, antes da conclusão do relatório da inspecção tributária nos termos da al. e) do nº 1 do artº 60º da LGT.
Sendo assim, é de concluir que não foi preterida formalidade essencial do procedimento da liquidação, susceptível de as afectar, nos termos dos artºs 135º do CPA e 99º, al. d) do CPPT.
De resto, cabe aqui chamar à colação a jurisprudência fixada no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal de 17/12/97, in Bol. 472/246, no qual se perfilha o entendimento de que “se se não puder afirmar que a decisão viciada só podia em abstracto ter o conteúdo que teve em concreto, procede a arguição da anulabilidade, devendo, em consequência, o acto ser anulado.
Efectivamente, o direito do interessado na participação da formação do acto de que é destinatário só será verdadeiramente violado se através dessa participação houver a possibilidade, ainda que ténue, de o interessado vir a exercer influência, quer pelos esclarecimentos prestados, quer pelo chamamento da atenção de certos aspectos de facto e de direito, na decisão a proferir, no termo da instrução...
(...)
Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur -, já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental” (no mesmo sentido, vide Acs. daquela Secção do STA de 20/6/02, in rec. nº 412/02 e de 19/2/03, in rec. nº 123/03).”
Nestas circunstâncias e no caso em apreço, o recorrente não pode afirmar que existiam elementos novos relevantes que não foram tidos em conta, pelo que a liquidação efectuadas era a única possível.
Se é verdade que o acto sempre teria que ser praticado, essencialmente, no exercício de poderes vinculados, verifica-se, no caso, alguma margem de livre apreciação, pelo que ficou demonstrado que a audiência do interessado não era susceptível de alterar o respectivo conteúdo.
De resto, como se salienta no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19-10-2004, tirado no Recurso nº 07127/02 Contencioso Tributário- 1-.º Juízo Liquidatário, se é certo que por força do disposto no artº 9º nº 1 do CPA, que consagra o princípio da decisão, os órgãos administrativos se devem pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência, que lhes forem apresentados pelos particulares, há que distinguir o dever de pronúncia ou resposta desses órgãos de dever de decidir.
É que o dever de pronúncia ou resposta dos órgãos administrativos existe sempre face a toda e qualquer petição, ainda que a resposta se limite a informar os interessados do destino dado àquela, bem como dos fundamentos da posição que tomar em relação a ela – cfr. nº 2 do artº 115º do CPA-, constituindo um dever de carácter constitucional correspondente ao direito fundamental de petição dos cidadãos em matérias que lhes dizem respeito ou à Constituição e às leis ( artº 52º da CRP); já o dever de decisão procedimental apenas existe quando a pretensão é formulada visando a defesa de interesses próprios do peticionante e tem por objecto o exercício d3e uma competência jurídico - administrativa (normativa ou concreta) de aplicação da lei à situação jurídica do autor da pretensão.
Em todo o caso e como afirma M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, CPA Comentado, 2ª Ed., pág. 126, “...no procedimento administrativo o dever de pronúncia da Administração, face às petições de particulares, é um dever de decisão; fora dele, é um dever de resposta. Por isso, só no nº 2 do artº 9º o legislador usou o conceito de decisão, referindo-se antes no nº 1 ao dever de pronúncia.
O facto não diminui em nada a enorme importância jurídico – procedimental desse dever do nº 1. É nele que se afirma, afinal, como princípio geral, a obrigação em que a Administração está constituída de se pronunciar – neste caso, de decidir – sobre todas as pretensões de particulares cuja realização dependa da prática de um acto administrativo e é, portanto, nele que reside o núcleo dos “actos administrativos” tácitos, regulados nos artºs 108º e 109º do Código”.
Logo, são espúrias as considerações da recorrente de que a AT não tomou posição fundamentada sobre os “novos” elementos trazidos no seu requerimento de audição, pois esta cumpriu o seu dever de decisão no procedimento concreto, decidiu, tendo descrito e fundamentado, clara e suficientemente, a aplicação de cada um daqueles pressupostos nela previstos.
Termos em que não nos merece censura a sentença recorrida na parte sob análise, improcedendo as atinentes conclusões do recurso.
*
Do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto quanto às correcções técnicas (conclusões 2ª a 5ª);
Foram também efectuadas correcções técnicas e quanto a essas, não vigora qualquer impedimento legal quanto à arguição de toda e qualquer ilegalidade.
A esse propósito, sustenta o recorrente que, não obstante, não existir a menção do artigo 35°, o impugnante, indicou, sempre, separadamente, as grades, paletes de madeira e garrafas e, efectivamente, transaccionou os produtos, e cobrou o respectivo A imposto, mas não as paletes, grades e garrafas (vasilhame), daí não ter havido liquidação do mesmo, e consequentemente entrega aos cofres do Estado
Mais aduz que o depósito, ou caução, não se configura como preço de uma transacção, mas sim, como um valor cobrado no acto da compra de uma embalagem reutilizável, que só pode ser reembolsado no acto de devolução da embalagem, depois de usada, - vide artigos 2° e 3° do Capitulo II da Portaria 29-B/98 de 15 Janeiro.
Por fim, esgrime o recorrente que das diligências praticadas pela equipa da inspecção, foi comprovado junto dos restantes agentes económicos, (fornecedores e clientes do impugnante) por cruzamento de dados, designadamente, por análise de diversos documentos contabilísticos de fornecedores e clientes do impugnante, que houve devolução de vasilhame.
Na sentença recorrida no que toca aos vícios do acto decorrentes das correcções técnicas, considerou-se que, estando em causa o valor das embalagens nas operações sujeitas a imposto por as mesmas deverem ser incluídas no valor tributável nas transacções efectuadas pelo impugnante, por alegadamente não ter sido dado cumprimento ao disposto na alínea b), do n°5, do art° 35° do IVA, por falta de indicação separada na factura e menção expressa de que foi acordada a sua devolução, tal não acontece com as facturas mencionadas no relatório –cfr. ponto III-1.1.1.6 daquele processo mencionado na alínea B), do probatório e, porque, assim e sufragando o entendimento professado pela AT, julgou a impugnação improcedente.
Quid Juris?
Inicialmente, como bem se delimita na sentença recorrida, veio o impugnante invocar que não obstante o não cumprimento daquela formalidade da factura, a indicação nelas contida de "facturadas à taxa zero", devidamente separadas das restantes operações, por contraposição das que não contêm aquela referência seriam de considerar como incluídas nas transacções em que não se processou a devolução, tornava possível determinar aquelas que foram devolvidas através das respectivos avisos de lançamento.
Todavia, essa alegação soçobra perante o que a esse propósito é afirmado e demonstrado na apreciação feita pelos SIT na introdução do relatório, mais concretamente nos pontos 30 a 64, a fls 42 e segs, a saber:
a) Uma grande parte das facturas em que se menciona essa circunstância não foram efectivamente devolvidas - vd anexos V e XXVIII; XXXIV e XL.
b) Apesar da emissão de avisos de lançamento por devolução, não foi verificada a facturação do mesmo quando este não é devolvido;
c) Desconhece-se o prazo fixado para a devolução do vasilhame, ao não apresentar os registos e os avisos de lançamento emitidos a crédito, não referenciando a factura a que respeitam;
Conclui o relator que " (tal) inviabilizam assim o conhecimento das embalagens que deviam ser facturadas por não terem sido devolvidas..."
Assim, em plena concordância com a sentença, temos por não verificado o vício do acto tributário em apreço.
*
Importa, por fim, determinar se a não realização da prova requerida violou o princípio de defesa do impugnante, consagrado nos art. 98° da LGT (conclusão 9ª)
No ponto, afirma o recorrente que, com o objectivo da descoberta da verdade material, deveria o Tribunal, no caso sub judice, atento os princípios informadores do Contencioso Tributário, ter considerado e realizado a produção da prova requerida pelo impugnante, sob pena de, pondo em causa a sua defesa, violar o princípio de defesa do impugnante, consagrado nos art. 98° da LGT.
Este artigo encontra-se em correspectividade com o artº 3º do CPC ao consagrar o princípio da igualdade de meios processuais e constitui afloração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva ínsito no artº 20º da CRP.
Determina-se nesse inciso legal que “As partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa”.
Ora, a não realização da prova (testemunhal) requerida pelo impugnante na p.i. não pode contender com o princípio da igualdade de armas nos termos pretendidos pelo recorrente.
Com efeito, o princípio da igualdade das partes consagrado nos artºs. 13º e 20º da CRP e 98º da LGT, consiste em estas serem postas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal: - perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.

O recorrente assaca a violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo à decisão recorrida decorrente da não realização da prova testemunhal por si requerida pois prejudicou a sua "defesa" tanto mais que tal "pedido" tinha, entre outras, a finalidade de ser descoberta a verdade material.
Assim, para aquilatarmos sobre a abjuração do princípio da igualdade de armas nos termos alegados, importa aferir se foi prejudicada a defesa do impugnante e postergado o nomeado princípio.
Neste plano e na senda do Acórdão do STA de 09-02-99, Recurso nº 98A1099, chamam-se a terreiro o direito a um processo equitativo (ínsito no direito de acesso aos tribunais, proclamado pelo artigo 20º, nº 1, da Constituição), de que é elemento incindível o princípio da igualdade de armas, manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes.
Assim, nos litígios sobre interesses privados, a igualdade de armas implica a obrigação de oferecer a cada parte a possibilidade de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que a não coloquem em situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário" (Ireneu Cabral Barreto, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Aequitas, 1995, p. 95).
Segundo José Lebre de Freitas ("Introdução ao Processo Civil" - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pp. 105-106), o princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.
Hoje, a igualdade das partes está consagrada no artigo 3º-A do CPC.
Mas como logo adverte Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1997, pp. 42-44, um primeiro problema suscitado é o de que nem sempre é viável assegurar a igualdade substancial entre as partes, não sendo possível, nuns casos, ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes, e noutras hipóteses afastar certas igualdades formais impostas pela lei - assim, a igualdade das partes, com expressão legal no citado artigo 3º-A, não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais.
Revertendo ao plano constitucional, a questão resume-se em saber se a norma sub specie estabelece de modo injustificado, intolerável, irrazoável e arbitrário um regime discriminatório para uma das partes da acção, de molde a tornar a posição processual de uma desvantajosa em relação à outra no tocante ao gozo dos meios adjectivos postos à sua disposição.
Por outras palavras: o que releva é determinar se a posição processual do Ministério Público, quando represente uma "parte" processual - no caso, o Estado - deve, concretamente, ser visualizada em termos exactamente idênticos ao do representante processual de outra qualquer "parte", e, também, se se podem postar em identidade de circunstâncias uma "parte" particular e o Estado (acórdão do Tribunal Constitucional nº 529/94, Processo nº 173/93, de 28.9.94, no DR, II série, nº 292, de 20.12.94).
Este acórdão do Tribunal Constitucional apreciou a questão com profundidade, desenvolvendo argumentação que, no essencial, é transponível e válida para a situação que aqui nos ocupa.
Por isso que se justifique a sua enunciação, ainda que sucintamente:
-deve reconhecer-se ao legislador ampla liberdade conformativa na definição das regras de direito processual civil, matéria na qual a Constituição não faz qualquer elenco ou catálogo de princípios a que o mesmo se deverá subordinar;
-o princípio da igualdade exige a dação de tratamento igual àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções (ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias).
Mas, tal princípio não ter carácter absoluto pois se assim fosse sempre significaria dar prevalência à legalidade formal, em detrimento da justiça material, contrariando-se o fim visado pelo legislador. Ou seja, o princípio da igualdade de armas não implica uma identidade formal absoluta de todos os meios, e que a exigência que ela postula pressupõe uma posição equiparável das partes perante o processo (José Lebre de Freitas, "Introdução....", cit., pp. 105-106), o que não é o caso, conforme se demonstrou; ou, como diz Miguel Teixeira de Sousa (loc. cit.), nem sempre se pode assegurar uma igualdade substancial entre as partes, pois, em certos casos, não é possível ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual as partes.
Logo, o juiz não estava obrigado a realizar a prova requerida para só para não melindrar o falado princípio.
É certo que o Mº Juiz, logo a seguir à junção da resposta da FP (cfr. fls. 76) ordenou que os autos fossem com vista ao MP que, na sequência, emitiu parecer (vd. fls. 81 e ss).
Nesse conspecto, a falta de inquirição das testemunhas, no caso sub judice, não constitui nulidade porquanto cumpre ao juiz avaliar se a questão a dirimir no processo é meramente de direito ou, sendo também de facto, se constam já do processo todos os elementos pertinentes para a decisão e, nesse caso, decidir-se pelo imediato conhecimento do pedido, sem que haja produção de prova.
Quanto à instrução do processo de impugnação, vale plenamente o princípio do inquisitório, podendo o relator ordenar as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, bem como indeferir as diligências requeridas que considere claramente desnecessárias (cfr. artº 113º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artº 90º nº 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos).
Assim, porque compete ao juiz ou relator aferir da necessidade ou não de produzir prova, quando, após a fase dos articulados aquele profere despacho a ordenar vista ao MP para efeitos de parecer, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pelo impugnante não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto e isso não configura, desde logo, ofensa do direito de defesa e a um processo justo e equitativo.
A razão de ser deste regime prende-se com a necessidade de obviar ao risco de, em processos em que domina a prova documental, o requerimento de outro tipo de prova, em especial, a prova testemunhal, vir a ser utilizado como expediente dilatório, sendo essa solução plenamente justificável, em ordem aos elementares princípios da economia e celeridade processuais.
Foi porque o Mº Juiz entendeu poder conhecer do pedido imediatamente após a fase dos articulados que ordenou a notificação do MP para emissão de parecer pré - sentencial motivo por que não se verifica a arguida nulidade por ofensa do direito de defesa ínsito no artº 98º da LGT.
De resto e a nosso ver, a lei nem sequer impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela FP, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir despacho a ordenar que os autos vão ao MP para parecer, é porque entende desnecessária a produção de prova.
O facto de se sustentar a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo já que sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a FP podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cfr. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e 1.º, do CPTA).
Improcede, pois, o fundamento de recurso sob análise.
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3. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes deste TCA em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 15/07/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Rogério Martins)