Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:76/19.7BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:06/06/2019
Relator:ALDA NUNES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO ADMINISTRATIVO
FACTOS
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI IURIS
Sumário:- O requerente cautelar tem o ónus geral de alegação da matéria de facto que integra os requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida.
- Os factos não devem incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto ou conclusões de facto, mas a linha divisória entre cada um destes termos não é rígida e tem a ver com a estrutura da norma aplicável e os termos da causa. Assim encerra realidade factual, que não pode ser excluída por meramente conclusiva ou de direito, aquela que resulte dum desenvolvimento ou explicitação de outra factualidade que se mostra alegada e provada. Pelo que a falta de produção de prova, testemunhal e por declarações de parte, sobre esses factos viola o direito à produção de prova.
- O aditamento ao probatório, por recurso à faculdade prevista no artigo 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, se não alterar o desfecho da ação não se justifica. Pois, caso não se verifique probabilidade de procedência dos autos principais, a qual é imposta pelo artigo 120º, nº 1, parte final do CPTA, sempre se imporia considerar como não verificado o requisito do fumus boni iuris, e, assim, indeferir-se a providência requerida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


Relatório

A.......... – Associação............. interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia por si deduzidos contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas – IFAP, IP, julgou improcedente a providência cautelar requerida.

Nas alegações de recurso que apresentou concluiu:

1º O despacho “a quo” viola o dever de gestão processual consagrado nos arts 7º-A e 118º nºs. 1 e 5 CPTA;

2º Ao não admitir os meios de prova requeridos pela Requerente, o despacho “a quo” pôs em crise as condições do processo para a justa composição do litígio;

3º A matéria articulada nos arts. 199º a 214º do requerimento inicial da providência, contem verdadeiros factos que consubstanciam o requisito do “periculum in mora” para o decretamento da providência;

4º A matéria articulada nos arts. 199º a 214º do requerimento inicial pode ser provada por prova documental, testemunhal e pela tomada de depoimento de parte do representante legal da Requerente;

5º os documentos nºs. 29 a 34 juntos com o requerimento inicial comprovam a incapacidade financeira da Requerente para o pagamento da quantia exigida no ato suspendendo, consubstanciando o requisito do “periculum in mora”;

6º Ao não apreciar e valorar a documentação junta aos autos pela Requerente, o tribunal “a quo” violou o dever da boa gestão processual;

7º Ao decidir como decidiu, impedindo a produção de prova requerida pela Requerente, o despacho “a quo” não permitiu o exercício do direito de contraditório da Requerente, violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (cfr. artº 3º e 4º CPC);

8º O despacho “a quo” violou o direito da Requerente à prova dos factos alegados, em desrespeito manifesto do princípio do processo equitativo consagrado no artº 10º da Declaração Universal do Direitos do Homem e no artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa;

9º Importa para a aferição dos prejuízos que se querem evitar com a presente providência, a apreciação e prova da concreta factualidade constante dos arts. 199º a 214º do requerimento inicial, e que foi desprezada na decisão “a quo”;

10º A sentença “a quo” é também errada quando não sujeitou aqueles factos a uma fase de instrução, não obstante os julgar como controvertidos, para a prova dos prejuízos e das suas consequências na sobrevivência da Requerente.

Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a baixa do processo para que seja aberta uma fase de instrução para a prova dos factos alegados nos arts 199º a 214º do requerimento inicial».

O recorrido contra-alegou o recurso concluindo:

«1.ª Na Sentença recorrida, a Mª Juiz a quo conheceu, apreciou e julgou, em J), k) e L) da sua Fundamentação de Facto, toda a factualidade relevante à averiguação do periculum in mora, enquanto requisito do decretamento da providência cautelar requerida, para tal não se tendo mostrado necessária a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte;

2ª Por outro lado, os factos relativamente aos quais a A........... pretende, no âmbito do presente recurso, que fosse produzida tal prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte, não constitui factualidade controvertida, razão pela qual também, por isso, sobre ela não se mostraria necessária (ou, sequer, pertinente) a produção de prova;

3ª Acresce que resulta dos factos que a A........... pretenderia submeter a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte é que a A...........,

- não sendo «possuidora ou proprietária de qualquer património»;

- não tendo «qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato ora requerido»;

- não tendo «meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da presente providência cautelar ao abrigo do n° 6 do art° 120º CPTA»;

é que a A........... se encontra, objetiva, material e concretamente, numa situação de real e efetiva insolvência, pelo que se lhe impunha/impõe a sua apresentação à insolvência em conformidade com o disposto no artº 18º do CIRE;

4ª Como tal, será de concluir que:

- nem o decretamento da providência requerida contribuiria para a solvência da A..........;

- nem o seu não decretamento contribuiria para o agravamento da sua situação económica e financeira – de insolvência em que objetivamente já se encontra;

5ª Como tal, também, afigura-se absolutamente irrelevante a produção de prova sobre tal factualidade, sem que isso seja suscetível de poder constituir para a A.......... qualquer denegação e/ou preterição das suas garantias processuais ou, mesmo, suscetível de poder influir na decisão da causa;

6ª Todavia, também se admitirá que este TCA, no uso dos poderes conferidos pelo artº 662º do CPC, possa entender dever aditar tal factualidade à Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, sendo que dela não resultará perfuntoriamente, que seja, minimamente provado:

- que «A manutenção das atividades da Requerente depend[a] assim da imediata suspensão dos efeitos do ato requerido», porquanto tal suspensão de eficácia nenhuns efeitos teria na situação efetiva de insolvência em que a A.......... já se encontra;

- que «A devolução do subsídio atribuído pelo Requerido à Requerente conduz[a], necessariamente ao estrangulamento financeiro da Requerente, com o consequente incumprimento das obrigações da Requerente perante trabalhadores, fornecedores e proprietários das zonas integradas florestais e das áreas agrupadas», porquanto tal «estrangulamento financeiro» financeiro já decorre da circunstância de não lhe serem processados subsídios e não da requerida suspensão de eficácia;

- que «Em suma, a não suspensão de eficácia do ato requerido signifi[que] a insolvência da Requerente, pelo que o efeito da ação principal, por força da anulação da decisão impugnada, de nada lhe valerá», porquanto a A.......... já se encontra material e legalmente numa situação de efetiva insolvência;

- e que tal factualidade, «Constitu[a] uma situação de facto consumado e prejuízos de impossível reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal (cfr. art° 120º n° 1 CPTA)», que, por um lado, a A.......... não indica, e que, por outro lado, também se não vislumbra, dada, precisamente, a efetiva situação de insolvência em que a A.......... já se encontra;

7ª Finalmente, também importará observar que a factualidade subjacente à prática do ato suspendendo, bem como também subjacente à prática dos demais atos administrativos referentes às demais Operações da A.......... se acha em averiguação no Inquérito a ser tramitado na 2ª Secção de Inquéritos da Procuradoria da Instância local – Portalegre - sob o nº 776/16.3T9PTG, no qual o IFAP já requereu a sua constituição como Assistente nos termos do disposto no artº 77º do CPP, o que não poderá deixar de relevar para efeitos de ponderação de interesses públicos e privados em presença;

8ª Resulta, assim, das precedentes Conclusões, que nem o Despacho da Mª Juiz a quo que considerou dispensável a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações de parte, nem a Sentença recorrida se mostram passíveis de qualquer censura;

9ª Todavia, no caso de assim se não entender, sempre, então, se afiguraria poder ser aproveitada a prova já produzida relativamente a tal factualidade no âmbito do Proc. nº 162/18.0 BECTB em conformidade com o decidido no Acórdão deste TCA de 07/02/2019, com a consequente decisão de não decretamento da providência cautelar requerida».

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS, notificada nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Objeto do recurso

Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, verificamos que cumpre saber se:

- Se o tribunal a quo errou ao ter indeferido a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações de parte requeridas;

- Se o Tribunal a quo errou ao não suspender a eficácia da decisão, de 11.10.2018, do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, pela qual havia sido determinado a devolução do valor de EUR 214.764,03, recebido pela recorrente a título de subsídio de investimento, por ter considerado não verificado o requisito do periculum in mora.

Fundamentação

De facto

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

A) «A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, tem por objeto social a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora; a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados: cfr. doc. 1 junto com o Requerimento Inicial – RI;

B) Em 2012-12-25, a Requerente celebrou com a Entidade Requerido um acordo denominado “Contrato de Financiamento nº 02024626/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000030481, designada por Área Agrupada da ................., no âmbito da candidatura ao Programa PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, subprograma 2 – “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 – “Gestão do Espaço Florestal e Agroflorestal”, Ação 2.3.3 – “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub ação 2.3.3.3 “Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”: cfr. doc. 2 junto com o RI;

C) Do acima referido contrato, ressalta além do mais, que a Entidade Requerida concedeu à Requerente um subsídio não reembolsável no valor de € 300.838,78, correspondente a 54,36% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela Área Agrupada; que os pagamentos são realizados sob a condição da sua elegibilidade e conformidade com as normas aplicáveis e; ainda que, em caso de incumprimento, pode ocorrer a modificação unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas: cfr. doc. 2 junto com o RI;

D) Em 2016-09-27, a Requerente foi notificada, para efeitos de audiência prévia, nos seguintes termos:


(“texto integral no original; imagem”)

: cfr. doc. 4 junto com o RI;

E) Em 2016-10-12, a Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia, sustentando, em resumo, inexistirem relações especiais (entre o Promotor e Fornecedores) e terem sido executados e pagos os trabalhos faturados, requerendo produção de prova complementar e pugnando pela reformulação da intenção de alteração unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução do montante do subsídio atribuído, mantendo-se o valor do subsídio inicial atribuído à ora Requerente: cfr. doc. 5 junto com o RI;

F) Em 2017, as contas da Requerente registam um prejuízo de € 579.202,72 e apresentam prejuízos acumulados de € 3.577.408,07, assim como proveitos nulos, regista dívidas no valor global de € 3.576.581,30, e um resultado financeiro negativo de € 3.571.793,79, correspondente à soma do prejuízo de € 579.202,72 no exercício de 2017 e os prejuízos acumulados dos anos anteriores (resultados transitados) no valor de € 2.992.591,07: cfr. doc. 29 a doc. 32 juntos com o RI;

G) Ato suspendendo:

Em 2018-10-11, o Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Requerida decidiu:


(“texto integral no original; imagem”)

: cfr. doc. 3 junto com o RI;


H) Em 2018-10-12, foi a Requerente notificada do ato suspendendo: cfr. doc. 3 junto com o RI;

I) Em 2019-01-14, a Requerente intentou a presente providência cautelar neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1 a 227 dos autos;

J) Para além do ato suspendendo a Entidade Requerida, determinou também a alteração de, pelo menos, 23 outros contratos de financiamento celebrados com a Requerente, e a devolução do valor total de €3.013.668,57, correspondente aos montantes dos subsídios atribuídos à Requerente nas operações a seguir identificadas:

1. Operação nº 020000038846, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 78.374,48;

2. Operação nº 020000043789, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 108.207,98;

3. Operação nº 020000038767, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 59.024,78;

4. Operação nº 020000040403, designada por Área Agrupada de................., determinando a devolução do valor de € 228.765,26;

5. Operação nº 020000038799, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 3.622,24;

6. Operação nº 020000038861, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 11.880,40;

7. Operação nº 020000038768, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 100.007,12;

8. Operação nº 020000040404, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 520.042,98;

9. Operação nº 020000040402, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 524.383,54;

10. Operação nº 020000043664, designada por Área Agrupada de ................., determinando a devolução do valor de € 166.543,04;

11. Operação nº 020000045617, designada por Área Agrupada .................., determinando a devolução do valor de € 109.647,58;

12. Operação nº 020000043667, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 60.655,78;

13. Operação nº 020000038787, designada por Área Agrupada da................., determinando a devolução do valor de € 3.379,32;

14. Operação nº 020000043660, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 33.112,94;

15. Operação nº 020000043549, designada por Área Agrupada da ..................., determinando a devolução do valor de € 55.618,87.

16. Operação nº 020000018555, designada por Área Agrupada de................, determinando a devolução do valor de € 56.229,86.

17. Operação nº 020000030529, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 87.842,47.

18. Operação nº 020000045669, designada por ................. , determinando a devolução do valor de € 379.233,88.

19. Operação nº 020000034968, designada por ................., determinando a devolução do valor de € 44.858,90.

20. Operação nº 020000040221, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 106.942,59.

21. Operação nº 020000034865, designada por ................., determinando a devolução do valor de € 101.729,42.

22. Operação nº 020000017979, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 47.814,85.

23. Operação nº 020000017931, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 125.759,29.

: cfr. doc. 6 a doc. 28 juntos com o RI;

K) A Requerente não é possuidora ou proprietária de qualquer património: cfr. doc. 33 junto com o RI:

L) Em agosto de 2018, nas contas bancárias tituladas pela Requerente, todas da Caixa Geral de Depósitos, o saldo bancário disponível em agosto de 2018, é de €1.040,60: cfr. doc. 34 junto com o RI».

Consta ainda da sentença recorrida que não se provou que:

«Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções das partes integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito».


De Direito
Erro sobre os factos e a produção de prova – violação dos arts 7º-A e 118º, nº 1 e nº 5 do CPTA, arts 3º e 4º do CPC, art 6º do CPTA, art 10º da DUDH e art 20º, nº 4 da CRP.

A recorrente imputa erro de julgamento à decisão recorrida ao considerar, por um lado, desnecessária a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações, com fundamento em que nos presentes autos a matéria que se discute é essencialmente de direito e integrada por factos a provar por documentos já juntos aos autos. Mas, por outro lado, julgou a providência requerida improcedente por a requerente não ter concretizado e provado factos objetivos suscetíveis de preencher o requisito do periculum in mora.

Na verdade, a decisão recorrida dispensou a produção de prova testemunhal e bem assim a tomada de declarações de parte, por entender que a matéria que se discute é essencialmente de direito e integrada por factos a provar por documentos juntos aos autos.

Nos factos não provados, o tribunal recorrido julgou «não provados outros factos sobre que o tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções das partes integram meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ ou de direito».

Para de seguida, atento o quadro fáctico apurado nas als A) a L), concluir que não se verifica fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal, isto é, não se verifica o periculum in mora.

O tribunal recorrido fundamenta a falta do pressuposto periculum in mora nos seguintes termos:

«Como decorre dos autos e o probatório elege, a alegação genérica da incapacidade da Requerente para proceder à ordenada devolução das quantias recebidas no âmbito da candidatura sub judice e das consequências da devolução da quantia que, em concreto, o ato suspendendo determina, não resultou indiciariamente assente: cfr. alínea A) a L) supra.

Uma vez que não logrou densificar em que medida é que o ato suspendendo poderia conduzir à invocada colocação em risco da manutenção da sua atividade e à insolvência, pois que, por um lado, no universo das demais candidaturas e respetivos contratos de financiamento que outorgou e identifica, não logrou contextualizar o impacto desta candidatura em concreto, nem, sobretudo, do ato suspendendo: cfr. alínea A) a L) supra.
Por outro lado, não logrou também concretizar quantos postos de trabalho estariam em causa, nem que impactos teria o ato suspendendo nos pequenos proprietários e produtores florestais, os quais não identifica, nem identifica as eventuais contribuições deste para com a Requerente, nomeadamente por reporte à área objeto do contrato de financiamento a que o ato suspendendo respeita, e cuja sobrevivência alega - mas não prova, como se lhe impunha face às regras do ónus da prova – depender do sucesso da candidatura: cfr. Art 342º do CC e alínea A) a L) supra.
Ponto é que a área de intervenção e o conjunto de contratos de financiamento celebrado entre a Requerente e a Entidade Requerida é significativo e sem o necessário reporte às possíveis consequências do ato suspendendo em concreto, não se mostra indiciariamente assente que dele resulte o risco da invocada insolvência: cfr. alínea A) a L) supra.
Deste modo, da factualidade indiciariamente assente não resultam factos objetivos e verosímeis ou circunstâncias suficientemente determinadas e suscetíveis de convencer o Tribunal, da ocorrência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação e nem sequer os factos sumariamente assentes inspiram fundado receio de que quando se decidir na ação principal seja já impossível, se caso disso for, de proceder à restauração natural: cfr. art. 120º do CPTA e cfr. alínea A) a L) supra».
A recorrente discorda do assim decidido porque, diz, «a matéria articulada nos arts 199º a 214º do requerimento inicial contém verdadeiros factos que, feita a sua prova, consubstanciam o requisito do periculum in mora».
Vejamos se lhe assiste razão.
Nos arts 199, 200, 201 do requerimento inicial a recorrente escreveu
Em consequência do ato requerido, o requerido suspendeu:

i) Os pagamentos das operações contratualizadas com a requerente;

ii) O pagamento dos subsídios atribuídos e devidos à requerente nas operações já executadas;

iii) A análise e aprovação das candidaturas submetidas pela requerente para as operações em áreas agrupadas e nas zonas integradas florestais.

Nos arts 202º e 203º do requerimento inicial a recorrente alegou:
O ato requerido impõe à Requerente a devolução da totalidade do valor do subsídio já pago à Requerente nas operações executadas e aprovadas. O valor do subsídio atribuído e pago à Requerente já foi integralmente aplicado pela Requerente no pagamento dos trabalhos e fornecimentos executados na operação.

Nos arts 204º a 207º do requerimento inicial a recorrente alegou:
Em 2017 as contas da requerente registam um prejuízo de €: 579.202,72 e apresenta prejuízos acumulados de €: 3.577.408,07, assim como teve proveitos nulos;
Em 2017, a requerente regista dívidas no valor global de €: 3.576.581,30, e um resultado financeiro negativo de €: 3.571.793,79, correspondente à soma do prejuízo de €: 579.202,72 no exercício de 2017 e os prejuízos acumulados dos anos anteriores, no valor de €: 2.992.591,07.

Nos arts 208º a 214º do requerimento inicial a recorrente alegou:
Não é possuidora ou proprietária de qualquer património;
O saldo bancário disponível em agosto de 2018 é de €: 1.040,60;
Não tem qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato, acrescido da devolução dos restantes valores identificados nos arts 196º e 197º;
Não tem meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da providência;
A manutenção das atividades da requerente depende da imediata suspensão dos efeitos do ato requerido.
A devolução do subsídio atribuído conduz ao estrangulamento financeiro da requerente;
A não suspensão da eficácia do ato significa a insolvência da requerente.
Cumpre, pois, aferir se estes artigos da matéria de facto, contém afirmações conclusivas que, por isso, se devem considerar como matéria de direito.
A distinção entre facto e conclusão de facto não é fácil.
O que é notado no acórdão do STJ de 15.10.2013, proferido no processo nº 525/12: «Como todos sabemos, o ordenamento jurídico sempre deu conta da dificuldade na destrinça por vezes dos factos da conclusão, atenta a ligação incindível que apresentam - dificuldade de que já Alberto dos Reis, embora dentro da doutrina tradicional, fala no seu «Código de Processo Civil Anotado», vol. III, págs. 205 e segs.
É verdade que na seleção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto - art 511º, nº 1 do CPC (na atual versão do Código do Processo Civil a lei – artigo 410º - fala nos factos necessitados de prova).
Esta solução aplicar-se-á, por analogia, às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, neste sentido, consultar Lebre de Freitas, «Código de Processo Civil anotado», vol. 2º, citado, pág. 637 e 638, maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem.
Nesta matéria haverá que ter presente, como nos ensina o Prof. Anselmo de Castro - «Direito Processual Civil Declaratório», vol. III, Almedina, 1982, página 270, que «…a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes».
Assim, poderão ser equiparados a factos enunciações que, embora contenham em si um significado jurídico, são de uso comum na linguagem corrente e são usados com esse sentido na causa, sem que haja disputa entre as partes acerca deles.
A orientação que aponta para a incindibilidade em certos casos do facto/conclusão, saiu aliás reforçada pelo enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas «ciências da linguagem» e em particular pela investigação e progresso no domínio da «hermenêutica» que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito – o direito está em constante mutação, devendo acompanhar a evolução comportamental da sociedade.
São precisamente os casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam.
Orientada por estes princípios, tem vindo a Jurisprudência mais recente a aperceber-se destas inter-relações e a pressupor como um dado adquirido a incindibilidade de certas situações complexas no seu pluri-significado e simultaneamente também divulgação ao nível extrajurídico (cfr sobre esta problemática ver o estudo do Conselheiro Simões Freire «Matéria de Facto Matéria de Direito», na CJ Ano XI Tomo III, 2003 págs. 6 e segs».
Sobre a dimensão fáctica das alegações da recorrente, o STA já deu razão à ora recorrente em três processos cautelares – nº 772/17, de 13.12.2017; nº 857/17, de 30.11.2017; nº 1056/17, de 11.1.2018 – com pedido de suspensão de eficácia de decisões reportadas à modificação unilateral de contratos de financiamento, celebrados entre o IFAP e a A.........., e, consequente, recuperação de verbas por indevidamente recebidas, considerando realidade factual, que não pode ser excluída por meramente conclusiva, a matéria que a recorrente também alegou no requerimento inicial destes autos para sustentar o requisito do periculum in mora.
O STA decidiu, no processo nº 857/17 (citado e transcrito no processo nº 1056/17), do seguinte modo, que passamos a transcrever:
«À semelhança da petição inicial numa ação administrativa o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art. 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA que no “… requerimento, deve o requerente: ... Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência…”.
XIII. Impõe-se, por conseguinte, ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida [art. 342.º do CC], não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
XIV. O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objetivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum ato, pelo que o requerente não está desonerado de alegar e fazer a prova, a demonstração dos factos integradores dos requisitos em questão, articulando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
XV. Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida, nomeadamente, o relativo ao periculum in mora, cabe ao requerente [cfr. arts. 342.º do CC, 114.º, n.º 3, al. g), 118.º e 120.º do CPTA, 365.º, n.º 1, do CPC/2013] [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo Tribunal de 14.07.2008 - Proc. n.º 0381/08, de 19.11.2008 - Proc. n.º 0717/08, de 22.01.2009 - Proc. n.º 06/09, de 11.02.2010 - Proc. n.º 0961/09, de 06.12.2012 - Proc. n.º 0812/12, de 30.10.2014 - Proc. n.º 0681/14, de 05.02.2015 - Proc. n.º 01122/14 in: «www.dgsi.pt/jsta»], bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos.
XVI. Revertendo ao caso sub specie cumpre, então, apurar da verificação do requisito do periculum in mora, para o que importa aferir do acerto do julgamento feito pelo «TCA/S» de, ao haver eliminado do acervo factual tido como provada pelo «TAF/CB» da realidade descrita sob os n.ºs XXIX), XXX), XXXIII), XXXIV) e XXXV), por a considerar como contendo “meras conclusões, e não factos concretos” e que, por isso, não poderia “constar da factualidade provada”, ter concluído, em decorrência, pela ausência de demonstração in casu do requisito do periculum in mora.
XVII. (…).

XVIII. E avançando, desde já, o nosso juízo sobre o mérito do recurso temos que o mesmo terá de proceder, não podendo manter-se a decisão recorrida.
XIX. Na verdade, envolvendo alguma complexidade a distinção entre matéria de facto e matéria de direito, tanto mais que as mesmas estão e mostram-se sempre intimamente interligadas, já que se as normas definem certas consequências quando resultem verificados determinados factos, temos que é em função destes, do que se logrou provar, que importa proceder à aplicação das normas, levando a cabo a tarefa de subsunção jurídica.
XX. Constituirá, nomeadamente, realidade ou matéria de facto tudo o que se prenda ou envolva a averiguação das ocorrências concretas da vida real, o estado ou a situação real de pessoas e coisas, os acontecimentos do foro interno da vida das pessoas, as ocorrências hipotéticas, os juízos de facto e inferências que se arrimem em realidade fáctica que se mostre devidamente alegada.
XXI. Importa, por outro lado, ter presente que ao julgador está claramente vedada possibilidade de inclusão no acervo factual tido por apurado de juízos sobre questões de direito [cfr. arts. 05.º, 410.º, 412.º, 413.º, 590.º, 607.º, n.ºs 3 e 5, do CPC], sendo patente que o julgamento da matéria de facto, estribado nas provas produzidas, implica quase sempre para o julgador a formulação de juízos conclusivos, revelando-se praticamente impossível encontrar situações puras e que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto.

XXII. Nessa medida, tratando-se de realidades da vida apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pela razão humana estaremos, ainda assim, no âmbito da questão ou matéria de facto e, como tal, a serem submetidos à instrução probatória e sobre os mesmos recair necessária decisão pelo julgador motivada e formada sobre a livre apreciação das provas produzidas.
XXIII. Descendo ao concreto juízo feito neste segmento pelo acórdão recorrido entende-se que os factos suprimidos pelo «TCA/S» não podem considerar-se como meramente conclusivos.

XXIV. (…).
XXV. Por outro lado, e quanto à realidade que se mostra descrita sob o n.º XXX) - A Requerente, sendo uma associação sem fins lucrativos, sem património próprio, e dependendo dos contratos de ajudas financeiras celebrados com a Entidade Requerida para manter a sua atividade, não tem qualquer capacidade para devolver de imediato os subsídios que lhe foram atribuídos para a execução das diversas operações em que foi parte - temos que, ao invés do que se concluiu, também na mesma resulta aportada matéria de facto, assente em realidade factual alegada, nomeadamente, sob os arts. 66.º a 79.º da petição inicial e sobre a qual recaiu instrução probatória [com produção, mormente, de prova documental, declarações de parte e testemunhal], corporizada na afirmação/constatação daquilo que é a natureza da associação Requerente [uma “associação sem fins lucrativos” como já derivava do descrito sob o n.º XXI) dos factos fixados], bem como da constatação duma total ausência de património próprio por parte da mesma associação e do facto da sua atividade normal e fim estatutário se mostrarem condicionados pelos apoios financeiros obtidos no quadro das ajudas concedidas pelo Estado, e da decorrente inferência, enquanto desenvolvimento ou explicitação do que a Requerente visou com a respetiva alegação, quanto à sua total impossibilidade e incapacidade para proceder à restituição dos subsídios que lhe foram atribuídos, já que arrimada quer no facto de não dispor de património próprio e da sua atividade se mostrar condicionada e/ou dependente dos apoios obtidos, como no que demais se mostra descrito sob o n.º XXXI - Os subsídios pagos à Requerente foram por esta integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos), ou seja, do facto dos subsídios pagos à Requerente haverem sido já pela mesma integralmente aplicados na execução dos trabalhos previstos em cada operação, designadamente no pagamento a fornecedores e prestadores de serviços que realizaram os diversos trabalhos previstos.
XXVI. Encerra o mesmo, pois, realidade factual e não meramente conclusiva, juízo este que se mostra e tem como igualmente transponível para aquilo que se mostra descrito sob os nº:
XXXIII) A Requerente não tem capacidade para prestar garantia das quantias que são objeto das catorze decisões da Entidade Requerida que ordenaram a devolução dos subsídios atribuídos e pagos à Requerente.
XXXIV) A manutenção da eficácia do ato suspendendo tem como consequência a insolvência da Requerente e o encerramento das suas atividades, afetando de forma irremediável a sobrevivência de trabalhadores, fornecedores e prestadores de serviços que sobrevivem graças às atividades desenvolvidas pela Requerente.
XXXV) A manutenção da eficácia do ato suspendendo provoca o fim das operações da Requerente na defesa e promoção dos interesses gerais dos produtores e proprietários florestais que a integram, e o fim das atividades de preservação e valorização da Floresta)
da factualidade fixada pelo «TAF/CB», já que também aqui nos mesmos resulta aportada realidade estribada em substrato factual que havia sido alegado, nomeadamente, sob os arts. 72.º a 79.º, 82.º a 88.º da petição inicial e sobre a qual recaiu instrução probatória [com produção, mormente, de prova documental, declarações de parte e testemunhal], corporizada na inferência, enquanto desenvolvimento ou explicitação do que a Requerente visou com a respetiva alegação, quanto ao impacto da decisão suspendenda, em conjunto com todas as outras decisões similares, no contexto da sua situação patrimonial e financeira, para a sua impossibilidade/incapacidade de poder prestar garantia, ou para a muito potencial e provável situação de encerramento da atividade a que a mesma se dedica e do elevado risco de incumprimento das suas obrigações perante terceiros conducentes à sua provável insolvência e extinção e consequente impacto, mormente nos seus associados, fornecedores e prestadores de serviços.
XXVII. No fundo, bem vistas as coisas, a realidade ali descrita surge como que um desenvolvimento ou explicitação de tudo daquilo que já resultava alegado e apurado quanto à natureza, atividade desenvolvida [pautada pela ausência de fins lucrativos ou de angariação de quaisquer proventos] e situação patrimonial da Requerente [marcada pela total ausência de património e de proventos], corporizando como que uma espécie de “factos-síntese” e que têm pressuposto um ou mais juízos conclusivos sobre aqueles outros elementos de facto.
XXVIII. Refira-se, ainda, que toda esta realidade, tida pelo acórdão recorrido como conclusiva, e destinando-se a preencher o conceito/requisito do periculum in mora, não encerra em si nenhum juízo sobre tal questão jurídica, nem a sua interpretação e o seu teor, que, note-se, poderia ser aprimorado e melhorado considerando até alguma da própria realidade alegada na petição, implicam o recurso ou uso conclusivo daquele conceito inserto na regra de direito em causa.
XXIX. Desta feita, tal realidade deve ser recuperada e considerada como integrante do elenco da matéria de facto a considerar na decisão do litígio.
XXX. Assim, firmada esta conclusão, temos que já se vê que a decisão recorrida relativa à insubsistência do requisito do periculum in mora e decorrente indeferimento da pretensão cautelar, firmada, aliás, em consequência de tal eliminação do acervo factual, não poderá subsistir, devendo prevalecer o juízo adotado na sentença do «TAF/CB» que, tomando em consideração tal realidade, como se impunha, deferiu a pretensão cautelar mercê da verificação do referido requisito e, bem assim, dos demais insertos nos n.ºs 1 e 2 do art. 120.º do CPTA» [sublinhados nossos].
Perante a unanimidade de entendimento do STA, em qualificar como factos concretos matéria idêntica à que o tribunal aqui recorrido considerou como conclusões/ formulações genéricas, não temos como divergir.
Na verdade, a questão de o requerido ter suspendido os pagamentos dos subsídios atribuídos à requerente e a análise e aprovação das candidaturas submetidas pela requerente para as operações em áreas agrupadas e nas zonas integradas florestais; de a requerente ter de devolver a totalidade do valor do subsídio já pago nas operações executadas e aprovadas; de o valor do subsídio atribuído e pago à Requerente já foi integralmente aplicado no pagamento dos trabalhos e fornecimentos executados na operação; de as contas da requerente registam um prejuízo de €: 579.202,72 e apresenta prejuízos acumulados de €: 3.577.408,07, assim como teve proveitos nulos; de não ter qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato, acrescido da devolução dos restantes valores identificados nos arts 196º e 197º; de não ter meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da providência; de a devolução do subsídio atribuído conduz ao estrangulamento financeiro e significa a insolvência da requerente – são alegações que, como decidiu o STA, contêm uma dimensão fáctica, carecida de prova.
Nesta parte o tribunal a quo errou ao considerar que nos presentes autos a matéria que se discutia era essencialmente de direito, e integrada por factos a provar por documentos já juntos aos autos.
A matéria articulada nos arts 199º a 207 e 210º a 214º do requerimento inicial (a alegação dos arts 208 e 209 encontra-se provada nas als K) e L) do probatório), relativa à situação patrimonial e financeira da recorrente e às consequências para si da execução do ato suspendendo é suscetível de prova e a recorrente ofereceu-a no articulado inicial.
Ou seja, do exposto resulta que a falta de produção de prova testemunhal e das declarações de parte viola o direito à produção de prova que assiste à ora recorrente.
Mas, como decidiu o TCA Sul, em acórdão proferido, em 23.5.2019, no processo nº 27/19.9BEBJA (em que a ora relatora foi adjunta), a consequência do apontado erro de julgamento não gera a imediata procedência do recurso, nem é determinativa da baixa dos autos para ulterior instrução da causa.
Com efeito, como refere o recorrido nas suas contra-alegações, lendo a oposição, constata-se que a factualidade inscrita nos arts 199, 200, 201, 202, 203, 210, 211, 213, 214 do requerimento inicial – está admitida por acordo, por ausência de impugnação (cfr art 118º, nº 2, do CPTA). E os factos dos arts 204 a 207 resultam de prova documental.
De todo o modo, mesmo a efetivar-se o aditamento ao probatório, por recurso à faculdade prevista no artigo 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, tal em nada alteraria o desfecho da ação. Pois, no caso concreto não se verifica uma probabilidade de procedência dos autos principais, a qual é imposta pelo artigo 120° do CPTA, pelo que sempre se imporia considerar como não verificado o requisito do fumus boni iuris, e, assim, indeferir-se a providência requerida. Matéria que este tribunal ad quem está em condições de conhecer.

A A.........., ora recorrente, pretende obter a suspensão da eficácia da decisão de 11.10.2018, que determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02024626/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000030481, designada por Área Agrupada da .............. e anexas, e a devolução do valor de €: 214.764,03, recebido pela requerente a título de subsídio de investimento, imputando-lhe: i) prescrição do procedimento, ii) erro nos pressupostos de facto e de direito; iii) ilegalidade na aplicação da redução prevista no art 30º, nº do Regulamento (EU) nº 65/2011, da Comissão de 27.1; iv) preterição de audiência prévia e v) falta de fundamentação.

Relativamente à invocada prescrição, importa desde já observar que, considerando a natureza continuada e/ou repetida das irregularidades constatadas no universo das operações da A.........., em 11.7.2013, 13.11.2013, 29.7.2014, estamos perante uma infracção repetida e continuada da mesma norma de elegibilidade de despesas decorrente da faturação da A....., Lda. Pelo que o início da contagem do prazo da prescrição do procedimento iniciar-se-ia na data da cessação da última irregularidade praticada no universo de tais operações, tal como resulta do disposto no 2ª parágrafo do art 3º do Regulamento 2988/95, bem como da jurisprudência do STA sobre a matéria.

Com efeito, neste caso está em causa a inelegibilidade de despesas faturadas à A.......... pela A......, Lda, sendo tal irregularidade praticada repetidamente pela ora recorrente, infringindo-se, em todas elas, como arguido pelo recorrido, a mesma norma referente à elegibilidade de despesas. E tendo presente, por um lado, a natureza continuada e/ou repetida das irregularidades em causa e, por outro lado, a data do termo da operação – 16.1.2018 – e a data em que a A.......... foi notificada da intenção de o IFAP recuperar as quantias tidas por indevidamente recebidas no seu âmbito – 27.9.2016 - ter-se-á que concluir que em 11.10.2018 o procedimento não se acha prescrito pelo decurso de um prazo de 4 anos, sendo que sempre teria que considerar-se que se teria interrompido o prazo prescricional entretanto decorrido (11.7.2013, 13.11.2013, 29.7.2014 – 27.9.2016).
O art 3º, nº 1 do Regulamento (CE, Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, prevê um prazo de prescrição do procedimento de quatro anos, cujo inicio de contagem varia consoante o tipo de irregularidades detetadas ou o tipo de programas em causa.
O referido preceito normativo estipula que nas situações em que estão em causa programas plurianuais, o prazo de prescrição corre até ao encerramento definitivo do programa.
E acrescenta que, a prescrição do procedimento é interrompida por qualquer ato que dê conhecimento da instauração do procedimento por irregularidade. Ora, e sem prejuízo de uma análise mais cuidada, o prazo de 4 anos para a prescrição iniciar-se-ia a partir da data prevista no contrato para o termo da operação. No entanto, considerando que por oficio datado de 27.09.2016, a requerente foi notificada do projeto de decisão e para exercer audiência prévia, tal constitui uma causa de interrupção, iniciando-se novo prazo a partir desse evento.
Tal leva concluir, numa análise perfunctória, que à data em que foi praticado o ato suspendendo, em 11.10.2018, o procedimento de aplicação de sanções e de restituição dos subsídios, não havia prescrito.
A matéria de fundo que é abordada no presente processo prende-se com a erro acerca da (in)eligibilidade das despesas, tendo presente um critério de razoabilidade das despesas em face dos preços praticados no mercado concorrencial. Ou dito de outro modo, no caso de apoio à subcontratação, a demonstração de que os valores cobrados pelo fornecedor estão em desconformidade com os valores de mercado dos bens e/ou serviços.
Ora, sobre esta questão já se pronunciou o STA, no acórdão proferido em 4.10.2017, processo nº 550/17, no qual foi recorrente o IFAP e recorrida a A.........., com o seguinte sumário: I- É legítimo o IFAP considerar como não elegíveis, para efeito de financiamento pelo FEADER, despesas apresentadas pelo promotor, em pedido de pagamento, consubstanciadas em faturas emitidas por fornecedor subcontratado, naquilo em que tais despesas, sem correspondência real, ultrapassam o chamado preço de entrada, ou 1º preço. // II - O ato administrativo que exclui essas despesas está acobertado pelo regime comunitário e nacional no que respeita à elegibilidade de despesas.

Entendeu o STA na apreciação das questões de direito nele suscitadas, idênticas à presente, o seguinte:

Enquadremos, portanto, e antes de mais, em termos de direito comunitário e nacional, o exercício administrativo traduzido no ato impugnado pela A………….. e anulado pelas instâncias.

Prescreve o Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 - respeitante ao financiamento da política agrícola comum, e aplicável ex vi artigo 119º do Regulamento nº 1306/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - no seu artigo 9º - sobre «Protecção dos interesses financeiros da Comunidade e garantias relativas à gestão dos fundos comunitários» - o seguinte: […] «1- Os Estados-Membros devem: a) Adoptar, no âmbito da política agrícola comum, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, bem como quaisquer outras medidas necessárias para assegurar a proteção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade em especial a fim de: [i] Se certificarem da realidade e regularidade das operações financiadas pelo FEAGA e pelo FEADER; [ii] Prevenir irregularidades e proceder judicialmente contra as mesmas; [iii] Recuperar os montantes perdidos devido a irregularidades e negligências; [iv] Criar um sistema eficaz de gestão e controlo, que inclua a certificação das contas e uma declaração de fiabilidade assinada pelo responsável do organismo pagador creditado. 2. A Comissão assegura que os Estados-Membros se certifiquem da legalidade e regularidade das despesas referidas no nº1 do artigo 3º e no artigo 4º, bem como do respeito dos princípios de boa gestão financeira […]» […].

O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09 - relativo ao «Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural» [FEADER], e aplicável ex vi artigo 88º do Regulamento nº1305/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - refere nos seus considerandos o seguinte: «61. De acordo com o princípio da subsidiariedade e sob reserva de excepções, devem ser estabelecidas regras nacionais aplicáveis à elegibilidade de despesas». E este mesmo Regulamento, diz, no seu artigo 71º, e sob a epígrafe «Elegibilidade das Despesas», que «[…] 2. As despesas são elegíveis para contribuição do FEADER apenas quando incorridas para a realização de operações decididas pela autoridade de gestão do programa em questão, ou sob a sua responsabilidade, de acordo com os critérios de selecção fixados pelo organismo competente. 3. As regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas ao nível nacional, sob reserva das condições especiais estabelecidas no presente regulamento para determinadas medidas de desenvolvimento rural». E diz ainda, para o que aqui interessa, no seu artigo 74º, nº1, sob a epígrafe «Responsabilidade dos Estados-Membros» que «1. Os Estados-Membros aprovam todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nos termos do nº1 do artigo 9º do Regulamento [CE] nº1290/2005, a fim de garantir a protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade».

O Regulamento [EU] nº65/2011, da Comissão, de 27.01 - que estabelece «as regras de execução do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09», relativas «aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural», e aplicável por força do artigo 43º do Regulamento Delegado nº640/2014, da Comissão, de 11.03 – estipula no seu artigo 24º, sob a epígrafe «Controlos administrativos», que «[…] 2. Os controlos administrativos dos pedidos de apoio incluem, nomeadamente, a verificação: […] d) Do carácter razoável dos custos propostos, que são avaliados através de um sistema de avaliação adequado, tais como custos de referência, comparação de diferentes propostas ou um comité de avaliação; […] 3. Os controlos administrativos dos pedidos de pagamento incluem, nomeadamente, e tanto quanto seja adequado relativamente ao pedido em causa, a verificação: […] b) Da realidade das despesas declaradas; c) Da operação concluída, por comparação com a operação para a qual o pedido de apoio foi apresentado e concedido».

O DL nº37-A/2008, de 05.03 - que estabelece «as regras gerais de aplicação dos programas de desenvolvimento rural [PDR] financiados pelo FEADER», e «aprovados nos termos do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09, para o período 2007/2013» [alterado pelo DL nº66/2009, de 20.03, que o republica, e pelo DL nº69/2010, de 16.06] - considera como «despesa elegível» [artigo 3º, alínea l)] aquela que é «perfeitamente identificada e claramente associada à concretização de uma operação cuja natureza e data de realização respeitem a regulamentação específica do PDR em causa, bem como as demais regras nacionais e comunitárias aplicáveis».

A Portaria nº1137-D/2008, de 09.10 - aprova o Regulamento de Aplicação da Acção nº2.3.3, «Valorização Ambiental dos Espaços Florestais», da Medida 2.3, «Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal», integrada no Subprograma nº2, «Gestão sustentável do espaço rural», do «Programa de Desenvolvimento Rural do Continente [PRODER] [e alterada pelas Portarias nº147/2009, de 06.02, nº739-B/2009, de 09.07, nº814/2010, de 27.08, nº228/2011, de 09.06, e nº253/2013, de 07.08] - diz, no seu artigo 11º, que «As despesas elegíveis e não elegíveis são, nomeadamente, as constantes do Anexo I ao presente regulamento» sendo que, no dito Anexo I, se descriminam, nos seus vários pontos, as despesas elegíveis e não elegíveis para cada uma das intervenções, estando tal descriminação efectuada por espécies de despesas. Mas, note-se, não só as despesas, para «serem elegíveis», terão de ser enquadradas numa das espécies expressamente previstas em cada um dos subpontos do ponto 1, como também resulta - do intróito do referido ponto 1 - que o serão atendendo ao respectivo valor de mercado e até ao limite dos valores constantes nas tabelas da Comissão de Acompanhamento para as Operações Florestais [CAOF] quando aplicável.

Por fim, importará referir o chamado «Manual Técnico do Beneficiário - Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER [Investimento] e FEP» - cuja 1ª versão foi «aprovada» em Junho de 2012, e a 2ª versão em Abril de 2014, pelo Presidente do IFAP - que «de uma forma simplificada visa dar a conhecer as principais regras nacionais e comunitárias que os beneficiários dos Programas de Desenvolvimento Rural e do FEP devem adoptar em sede de contratação das operações e na apresentação dos pedidos de pagamento». Ora, segundo este Manual, as «facturas apresentadas a pagamento» no âmbito de operações de financiamento comunitário, devem integrar sempre, como elemento obrigatório, a «Quantidade e denominação dos bens/serviços» adquiridos e prestados, e prescreve o seu ponto «6.2», sobre «Disposições Complementares de Elegibilidade da Despesa», e além do mais, que «A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação [1º preço de venda/preço de entrada]».

Foi este o enquadramento jurídico - comunitário e nacional - que assistiu ao «acto impugnado», e «anulado».

7. E dele ressuma, desde logo, a consagração pelo «direito comunitário» de um dever de protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade por parte de todos os Estados-Membros, aos quais cabe, respeitados determinados princípios gerais, estabelecer as regras sobre elegibilidade, designadamente, de despesas apresentadas nos pedidos de pagamento, mediante as necessárias «disposições legislativas, regulamentares e administrativas» e podem ser responsabilizados se não o fizerem. E ressuma o dever de respeito pelo princípio da boa-gestão financeira e pelos critérios de selecção de despesas fixados pelo organismo competente, não se podendo prescindir nem da verificação da realidade das despesas declaradas, nem da sua aferição segundo o critério da razoabilidade de custos.

Assim, do referido e citado artigo 24º, do Regulamento nº 65/2011, mais do que a mera possibilidade, resulta o dever de o aqui IFAP, regido pelos princípios da boa gestão financeira e da eficaz defesa dos interesses financeiros da Comunidade, excluir, do financiamento pelo FEADER, despesas sem correspondência real, isto é, despesas que não obstante corresponderem a uma acção executada não lhes subjaz o correspectivo bem ou prestação, mostrando-se, por isso, irrazoáveis em termos de mercado concorrencial.

É esta, aliás, e ao que tudo indica, a razão de ser da consagração, no referido «Manual Técnico», do critério do «1º preço de venda/preço de entrada», aplicável no âmbito da subcontratação, e em sintonia com o DL nº37-A/2008, de 05.03, e com a Portaria 1137-D/2008, de 09.10, que exige a ponderação do «valor de mercado» - que é sempre valor de algo, nomeadamente de bens ou serviços - como necessária à elegibilidade das despesas comparticipadas.

E com esse decreto-lei, portaria, e manual técnico, o Estado Português, como Estado-Membro da União Europeia, está precisamente a dar «cumprimento» ao dever que emerge dos supra citados regulamentos comunitários, concretamente ao dever imposto no artigo 9º, nº1 alínea a) do Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 [ver, também, o citado artigo 74º, nº1, do O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09], que determina a adopção, no âmbito da política agrícola comum, de todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à protecção eficaz dos interesses da Comunidade, mormente na linha de exigência de uma boa gestão financeira, gerindo e verificando de forma inteligente e arguta, a concessão e aplicação de recursos escassos, que, no fim da linha, encontram os bolsos de todos os cidadãos europeus.

8. Ora, a decisão administrativa tomada pelo «Presidente do Conselho Directivo do IFAP», que determinou a alteração do contrato de financiamento referente à operação «Área Agrupada de ...........» e a devolução do valor já recebido pela A……….., insere-se precisamente no âmbito de aplicação deste quadro normativo acabado de abordar.

Efetivamente, e logo na vanguarda normativa, porque se encontravam perante uma situação de despesas emergentes de subcontratação, impunha-se ao IFAP, para as poder considerar «elegíveis» para pagamento, a sua aferição de acordo com os preços de mercado, mas com o limite imposto pelo critério do «1º preço de venda/preço de entrada». Critério este oportunamente aprovado pelo Presidente do IFAP, e, ao que vimos, no exercício de competência perfeitamente legitimada no direito comunitário.

Mas, não só legitimada. É que a fixação desse «critério» está em sintonia com o dever imposto pelo «direito comunitário» aos Estados-Membros, de procederem a uma «boa gestão financeira» dos subsídios comunitários concedidos aos seus nacionais, o que impõe - como já dissemos - uma gestão inteligente, previdente, e arguta, que feche a porta a despesas irreais.

No caso, a A…………, enquanto «promotora» da operação subsidiada, instruiu os dois primeiros pedidos de pagamento com duas facturas - factura nº17/2013 e factura nº14/2014 - ambas emitidas pela B…………, nas quais esta empresa, enquanto fornecedora, adicionava uma margem de lucro ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer mais-valia, qualquer valor acrescentado da sua parte.

Trata-se, portanto, da pura adição de um valor a que não corresponde qualquer contrapartida, sem correspondência real, que abre a porta a preços fictícios e à especulação, e que, nas referidas circunstâncias factuais e jurídicas, não poderá ser qualificado de razoável num mercado concorrencial. Na verdade, os terceiros que forneceram os bens adquiridos e prestaram os serviços solicitados fizeram-no, obviamente, com margem de lucro, pois para isso trabalham, de modo que os valores por eles cobrados já traduziam custos razoáveis, não tendo de ser os dinheiros comunitários a suportar novas, e irreais, margens de lucro.

Por isso mesmo, o IFAP, ao utilizar o critério da razoabilidade do preço que consta do ponto 6.2 do referido «Manual Técnico» - «1º preço de venda/preço de entrada» - considerando como custos máximos elegíveis, para efeitos de co-financiamento, os limitados aos montantes da subcontratação, não só cumpriu essa disposição administrativa como agiu em consonância com o preceituado no artigo 24º, nº3 alínea b), do Regulamento [EU] nº65/2011, que exclui do financiamento despesas sem correspondência real.

9. Deste modo, e ao contrário do decidido, a decisão administrativa impugnada não está contaminada pelo «erro nos pressupostos» que lhe foi apontado pela autora da acção e requerente cautelar, pois o IFAP podia ter considerado, como considerou, apenas elegível a parte das despesas correspondente ao valor que os bens e serviços tiveram no âmbito da subcontratação”.

No caso dos autos, em tudo análogo ao decidido pelo STA, o IFAP podia considerar, como considerou, que a margem de lucro adicionada pela A.......... ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer valor acrescentado da sua parte, não era elegível para efeito de financiamento.

Pelo o exposto, num juízo sumário e perfunctório, conclui-se que o ato suspendendo não padece do apontado vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Outro vício que vem apontado ao ato suspendendo consiste na ilegalidade na aplicação da redução prevista no nº 1 do art.º 30º do Regulamento (EU) nº 65/2011, da Comissão de 27 de janeiro.

O art 30º, nº 1, 3§ do Regulamento nº 65/2011 estabelece que não será aplicada qualquer redução, se o beneficiário puder demonstrar que não cometeu qualquer infração no que se refere à inclusão do montante não elegível. Sucede que, no juízo de probabilidade da procedência do vício, importa realçar que a requerente/ recorrente não demonstra que a inclusão dos montantes considerados não elegíveis nas faturas que apresentou não é de sua responsabilidade. Se atentarmos nas razões que determinaram a não elegibilidade da despesa, como sejam, a discrepância de datas entre as faturas emitidas pelos fornecedores e as faturas apresentadas pela A.......... a pagamento pela requerente, a ausência de meios dos prestadores de serviços, a falta de concordância entre as faturas emitidas pelos subcontratados e a fatura levada a pagamento, nomeadamente quanto à descrição da área de execução do contrato, facilmente se conclui ser imputável à requerente a apresentação da mesma a pagamento. O que determina a provável improcedência do vício.

No que se refere à falta de fundamentação, resulta de forma expressa e clara da decisão de 11.10.2018 que, na sequência de controlo efetuado à Operação em causa, em auditoria da Inspeção Geral de Finanças, no âmbito da Certificação de Contas, e pelo IFAP, foram constatadas irregularidades relativas a elegibilidade de despesas faturadas por A.........., Lda, tendo resultado dessa ação a demonstração, pormenorizada, com factos e com a lei, das despesas apresentadas pela requerente que não foram validadas e, por isso, foram excluídas e, em consequência, foi determinada a devolução do valor de €: 214.764,83 indevidamente recebido a título de subsídio ao Investimento.

Dito de outro modo, a decisão suspendenda enuncia explicitamente e com rigor, como exigem os arts 152º, nº 1, al a) e 153º do CPA, as razões e motivos, de facto e de direito, que conduziram o IFAP a proferir o ato de 11.10.2018. De tal ordem que a requerente, quer no requerimento inicial, quer nas alegações de recurso, vai muito além da alegação do vício de falta de fundamentação, e imputa ao ato erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que evidencia que efetivamente discorda dos fundamentos do mesmo. Inclusive discorda da aplicação do disposto no art 33º do Regulamento nº 65/2011, da Comissão de 27.1.

Por conseguinte, a posição da recorrente não consubstancia falta de entendimento do ato, antes lhe aponta erros de facto e de direito, que já vimos que provavelmente soçobram.

Em suma, do teor do ato suspendendo resulta o mesmo contém a devida fundamentação de facto e de direito e a requerente não teve dificuldades em entende-lo.

Conclui-se assim pela probabilidade de improcedência do alegado vício de falta de fundamentação do ato.

Percorrida a fundamentação do fumus boni iuris falta-nos aferir da probabilidade de procedência do vício de preterição do direito de audiência prévia. A requerente sustenta a necessidade de repetição desta formalidade, uma vez que foi ouvida, mas o ato final é diferente nos seus fundamentos de facto e de direito da intenção de decisão que lhe foi previamente notificada, considerando que o requerido alterou tais fundamentos (da existência de relações especiais entre a requerente e os fornecedores A............, Lda, passaram a desconformidades nos documentos de suporte apresentados pela requerente e a ausência de pista de controlo das despesas), deveria ter promovido nova audiência prévia sobre o novo conteúdo do ato. Acrescenta ainda que, em sede de audiência prévia, requereu a realização de diligências instrutórias complementares que não foram promovidas e cuja recusa não foi fundamentada.

O teor do ofício de notificação da requerente para audiência prévia e o teor do ofício com a decisão final mostram que os factos se mantiveram, existindo divergência apenas no enquadramento que é feito na notificação da intenção do sentido decisório, que efetivamente faz apelo às ditas relações especiais entre a requerente e os fornecedores A.........., Lda, e na decisão de 11.10.2018, em que a elegibilidade das despesas não se reconduz a tal justificação.
As razões que determinaram a decisão de modificação do contrato são coincidentes em ambos os ofícios, inexistindo necessidade de ser novamente assegurada a participação do interessado.
Já no que concerne ao facto da requerente ter requerido diligências de prova em sede de audiência prévia e as mesmas não terem sido produzidas nem a recusa ter sido fundamentada, importa referir que o IFAP não se pronunciou quanto às diligências requeridas. Na verdade, não procedeu às inquirições requeridas, nem justificou a eventual desnecessidade de tal diligência e o seu indeferimento. Mas devia tê-lo feito.
Porque apesar da entidade administrativa não estar vinculada a efetuar as diligências de prova requeridas, dado que a suficiência ou insuficiência da instrução fica no âmbito da ação discricionária de tal entidade, não pode, no entanto, omitir pronúncia quanto ao pedido deduzido pela interessada/requerente, justificando sumariamente a razão pela qual a diligência não terá lugar. O que significa que, neste aspeto concreto, é bastante provável a procedência do alegado vício de preterição de audiência prévia.
De todo o modo, importa dizer ainda que, atendendo ao vício em causa que se traduz na preterição de uma formalidade essencial do procedimento, haverá que equacionar a possibilidade do afastamento do efeito anulatório, nos termos atualmente previstos no artº 163º, nº 5 do CPA. Atentas as circunstâncias do caso, maxime a inexistência de erro sobre os pressupostos de facto e de direito da decisão administrativa de 11.10.2018, é possível concluir que o efeito anulatório do ato, pode ser afastado, dado que ainda que o IFAP tivesse realizado as diligências complementares requeridas, ou tivesse fundamentado a desnecessidade das mesmas, tal não alteraria o teor do ato. Isto porque as diligências instrutórias requeridas se reconduziam a prova testemunhal, que não é idónea a suprir as faltas na demonstração na pista de controlo.
Por assim ser, conclui-se pela improcedência do vício de preterição de audiência prévia.

Num juízo de summario cognitio, a improcedência de todos os vícios alegados pela requerente/ recorrente leva-nos a decidir que não resulta provável a procedência da pretensão da requerente no processo principal.

Pelo que não se pode dar como preenchido o pressuposto da existência de fumus boni juris na providência cautelar requerida, o que conduz ao seu indeferimento, tornando-se assim inútil efetuar a análise do periculum in mora e o juízo de ponderação de interesses, a que alude o art 120º, nº 1 e 2 do CPTA, pois os requisitos cautelares são de verificação cumulativa.

Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em substituição, indeferir o pedido cautelar.

Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
*
Lisboa, 2019-06-06,

(Alda Nunes)

(José Gomes Correia)

(António Vasconcelos).