Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 76/19.7BEBJA |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 06/06/2019 |
Relator: | ALDA NUNES |
Descritores: | SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ATO ADMINISTRATIVO FACTOS PERICULUM IN MORA FUMUS BONI IURIS |
Sumário: | - O requerente cautelar tem o ónus geral de alegação da matéria de facto que integra os requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida. - Os factos não devem incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto ou conclusões de facto, mas a linha divisória entre cada um destes termos não é rígida e tem a ver com a estrutura da norma aplicável e os termos da causa. Assim encerra realidade factual, que não pode ser excluída por meramente conclusiva ou de direito, aquela que resulte dum desenvolvimento ou explicitação de outra factualidade que se mostra alegada e provada. Pelo que a falta de produção de prova, testemunhal e por declarações de parte, sobre esses factos viola o direito à produção de prova. - O aditamento ao probatório, por recurso à faculdade prevista no artigo 662º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, se não alterar o desfecho da ação não se justifica. Pois, caso não se verifique probabilidade de procedência dos autos principais, a qual é imposta pelo artigo 120º, nº 1, parte final do CPTA, sempre se imporia considerar como não verificado o requisito do fumus boni iuris, e, assim, indeferir-se a providência requerida. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Relatório A.......... – Associação............. interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que, nos autos de providência cautelar de suspensão de eficácia por si deduzidos contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas – IFAP, IP, julgou improcedente a providência cautelar requerida. Nas alegações de recurso que apresentou concluiu: 1º O despacho “a quo” viola o dever de gestão processual consagrado nos arts 7º-A e 118º nºs. 1 e 5 CPTA; 2º Ao não admitir os meios de prova requeridos pela Requerente, o despacho “a quo” pôs em crise as condições do processo para a justa composição do litígio; 3º A matéria articulada nos arts. 199º a 214º do requerimento inicial da providência, contem verdadeiros factos que consubstanciam o requisito do “periculum in mora” para o decretamento da providência; 4º A matéria articulada nos arts. 199º a 214º do requerimento inicial pode ser provada por prova documental, testemunhal e pela tomada de depoimento de parte do representante legal da Requerente; 5º os documentos nºs. 29 a 34 juntos com o requerimento inicial comprovam a incapacidade financeira da Requerente para o pagamento da quantia exigida no ato suspendendo, consubstanciando o requisito do “periculum in mora”; 6º Ao não apreciar e valorar a documentação junta aos autos pela Requerente, o tribunal “a quo” violou o dever da boa gestão processual; 7º Ao decidir como decidiu, impedindo a produção de prova requerida pela Requerente, o despacho “a quo” não permitiu o exercício do direito de contraditório da Requerente, violando o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes (cfr. artº 3º e 4º CPC); 8º O despacho “a quo” violou o direito da Requerente à prova dos factos alegados, em desrespeito manifesto do princípio do processo equitativo consagrado no artº 10º da Declaração Universal do Direitos do Homem e no artº 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa; 9º Importa para a aferição dos prejuízos que se querem evitar com a presente providência, a apreciação e prova da concreta factualidade constante dos arts. 199º a 214º do requerimento inicial, e que foi desprezada na decisão “a quo”; 10º A sentença “a quo” é também errada quando não sujeitou aqueles factos a uma fase de instrução, não obstante os julgar como controvertidos, para a prova dos prejuízos e das suas consequências na sobrevivência da Requerente. Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e determinando-se a baixa do processo para que seja aberta uma fase de instrução para a prova dos factos alegados nos arts 199º a 214º do requerimento inicial». O recorrido contra-alegou o recurso concluindo: «1.ª Na Sentença recorrida, a Mª Juiz a quo conheceu, apreciou e julgou, em J), k) e L) da sua Fundamentação de Facto, toda a factualidade relevante à averiguação do periculum in mora, enquanto requisito do decretamento da providência cautelar requerida, para tal não se tendo mostrado necessária a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte; 2ª Por outro lado, os factos relativamente aos quais a A........... pretende, no âmbito do presente recurso, que fosse produzida tal prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte, não constitui factualidade controvertida, razão pela qual também, por isso, sobre ela não se mostraria necessária (ou, sequer, pertinente) a produção de prova; 3ª Acresce que resulta dos factos que a A........... pretenderia submeter a produção de prova por testemunhas e a tomada de declarações de parte é que a A..........., - não sendo «possuidora ou proprietária de qualquer património»; - não tendo «qualquer capacidade para devolver a parte do valor do subsídio determinada pelo ato ora requerido»; - não tendo «meios económicos nem bens penhoráveis que possam permitir a constituição de garantia que determine a adoção da presente providência cautelar ao abrigo do n° 6 do art° 120º CPTA»; é que a A........... se encontra, objetiva, material e concretamente, numa situação de real e efetiva insolvência, pelo que se lhe impunha/impõe a sua apresentação à insolvência em conformidade com o disposto no artº 18º do CIRE; 4ª Como tal, será de concluir que: - nem o decretamento da providência requerida contribuiria para a solvência da A..........; - nem o seu não decretamento contribuiria para o agravamento da sua situação económica e financeira – de insolvência em que objetivamente já se encontra; 5ª Como tal, também, afigura-se absolutamente irrelevante a produção de prova sobre tal factualidade, sem que isso seja suscetível de poder constituir para a A.......... qualquer denegação e/ou preterição das suas garantias processuais ou, mesmo, suscetível de poder influir na decisão da causa; 6ª Todavia, também se admitirá que este TCA, no uso dos poderes conferidos pelo artº 662º do CPC, possa entender dever aditar tal factualidade à Fundamentação de Facto da Sentença recorrida, sendo que dela não resultará perfuntoriamente, que seja, minimamente provado: - que «A manutenção das atividades da Requerente depend[a] assim da imediata suspensão dos efeitos do ato requerido», porquanto tal suspensão de eficácia nenhuns efeitos teria na situação efetiva de insolvência em que a A.......... já se encontra; - que «A devolução do subsídio atribuído pelo Requerido à Requerente conduz[a], necessariamente ao estrangulamento financeiro da Requerente, com o consequente incumprimento das obrigações da Requerente perante trabalhadores, fornecedores e proprietários das zonas integradas florestais e das áreas agrupadas», porquanto tal «estrangulamento financeiro» financeiro já decorre da circunstância de não lhe serem processados subsídios e não da requerida suspensão de eficácia; - que «Em suma, a não suspensão de eficácia do ato requerido signifi[que] a insolvência da Requerente, pelo que o efeito da ação principal, por força da anulação da decisão impugnada, de nada lhe valerá», porquanto a A.......... já se encontra material e legalmente numa situação de efetiva insolvência; - e que tal factualidade, «Constitu[a] uma situação de facto consumado e prejuízos de impossível reparação para os interesses que a Requerente visa assegurar no processo principal (cfr. art° 120º n° 1 CPTA)», que, por um lado, a A.......... não indica, e que, por outro lado, também se não vislumbra, dada, precisamente, a efetiva situação de insolvência em que a A.......... já se encontra; 7ª Finalmente, também importará observar que a factualidade subjacente à prática do ato suspendendo, bem como também subjacente à prática dos demais atos administrativos referentes às demais Operações da A.......... se acha em averiguação no Inquérito a ser tramitado na 2ª Secção de Inquéritos da Procuradoria da Instância local – Portalegre - sob o nº 776/16.3T9PTG, no qual o IFAP já requereu a sua constituição como Assistente nos termos do disposto no artº 77º do CPP, o que não poderá deixar de relevar para efeitos de ponderação de interesses públicos e privados em presença; 8ª Resulta, assim, das precedentes Conclusões, que nem o Despacho da Mª Juiz a quo que considerou dispensável a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações de parte, nem a Sentença recorrida se mostram passíveis de qualquer censura; 9ª Todavia, no caso de assim se não entender, sempre, então, se afiguraria poder ser aproveitada a prova já produzida relativamente a tal factualidade no âmbito do Proc. nº 162/18.0 BECTB em conformidade com o decidido no Acórdão deste TCA de 07/02/2019, com a consequente decisão de não decretamento da providência cautelar requerida». O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste TCAS, notificada nos termos e para efeitos do art 146º, nº 1 do CTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. Objeto do recurso Considerando o disposto nos arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC ex vi art 140º, nº 3 do CPTA, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, verificamos que cumpre saber se: - Se o tribunal a quo errou ao ter indeferido a produção de prova testemunhal e a tomada de declarações de parte requeridas; - Se o Tribunal a quo errou ao não suspender a eficácia da decisão, de 11.10.2018, do Presidente do Conselho Diretivo do IFAP, pela qual havia sido determinado a devolução do valor de EUR 214.764,03, recebido pela recorrente a título de subsídio de investimento, por ter considerado não verificado o requisito do periculum in mora. Fundamentação De facto O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: A) «A Requerente é uma associação de direito privado, sem fins lucrativos, constituída por produtores florestais, tem por objeto social a defesa e promoção dos interesses dos produtores e proprietários florestais e o desenvolvimento de ações de preservação e valorização das florestas, dos espaços naturais, da fauna e flora; a defesa e valorização do ambiente, do património natural construído, a conservação da natureza, bem como, de uma maneira geral, a valorização do património fundiário e cultural dos seus associados: cfr. doc. 1 junto com o Requerimento Inicial – RI; B) Em 2012-12-25, a Requerente celebrou com a Entidade Requerido um acordo denominado “Contrato de Financiamento nº 02024626/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000030481, designada por Área Agrupada da ................., no âmbito da candidatura ao Programa PRODER – Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, no Eixo “Melhoria do Ambiente e da Paisagem Rural”, subprograma 2 – “Gestão Sustentável do Espaço Rural”, Medida 2.3 – “Gestão do Espaço Florestal e Agroflorestal”, Ação 2.3.3 – “Valorização Ambiental dos Espaços Florestais”, Sub ação 2.3.3.3 “Proteção contra Agentes Bióticos Nocivos”: cfr. doc. 2 junto com o RI; C) Do acima referido contrato, ressalta além do mais, que a Entidade Requerida concedeu à Requerente um subsídio não reembolsável no valor de € 300.838,78, correspondente a 54,36% do valor do investimento total da operação aprovada para aquela Área Agrupada; que os pagamentos são realizados sob a condição da sua elegibilidade e conformidade com as normas aplicáveis e; ainda que, em caso de incumprimento, pode ocorrer a modificação unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução das ajudas indevidamente recebidas: cfr. doc. 2 junto com o RI; D) Em 2016-09-27, a Requerente foi notificada, para efeitos de audiência prévia, nos seguintes termos: (“texto integral no original; imagem”) : cfr. doc. 4 junto com o RI;
E) Em 2016-10-12, a Requerente pronunciou-se em sede de audiência prévia, sustentando, em resumo, inexistirem relações especiais (entre o Promotor e Fornecedores) e terem sido executados e pagos os trabalhos faturados, requerendo produção de prova complementar e pugnando pela reformulação da intenção de alteração unilateral do contrato de financiamento e a consequente devolução do montante do subsídio atribuído, mantendo-se o valor do subsídio inicial atribuído à ora Requerente: cfr. doc. 5 junto com o RI; G) Ato suspendendo: Em 2018-10-11, o Presidente do Conselho Diretivo da Entidade Requerida decidiu: (“texto integral no original; imagem”) : cfr. doc. 3 junto com o RI;
1. Operação nº 020000038846, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 78.374,48; 2. Operação nº 020000043789, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 108.207,98; 3. Operação nº 020000038767, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 59.024,78; 4. Operação nº 020000040403, designada por Área Agrupada de................., determinando a devolução do valor de € 228.765,26; 5. Operação nº 020000038799, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 3.622,24; 6. Operação nº 020000038861, designada por Área Agrupada de ................, determinando a devolução do valor de € 11.880,40; 7. Operação nº 020000038768, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 100.007,12; 8. Operação nº 020000040404, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 520.042,98; 9. Operação nº 020000040402, designada por Área Agrupada da ................, determinando a devolução do valor de € 524.383,54; 10. Operação nº 020000043664, designada por Área Agrupada de ................., determinando a devolução do valor de € 166.543,04; 11. Operação nº 020000045617, designada por Área Agrupada .................., determinando a devolução do valor de € 109.647,58; 12. Operação nº 020000043667, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 60.655,78; 13. Operação nº 020000038787, designada por Área Agrupada da................., determinando a devolução do valor de € 3.379,32; 14. Operação nº 020000043660, designada por Área Agrupada de .................., determinando a devolução do valor de € 33.112,94; 15. Operação nº 020000043549, designada por Área Agrupada da ..................., determinando a devolução do valor de € 55.618,87. 16. Operação nº 020000018555, designada por Área Agrupada de................, determinando a devolução do valor de € 56.229,86. 17. Operação nº 020000030529, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 87.842,47. 18. Operação nº 020000045669, designada por ................. , determinando a devolução do valor de € 379.233,88. 19. Operação nº 020000034968, designada por ................., determinando a devolução do valor de € 44.858,90. 20. Operação nº 020000040221, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 106.942,59. 21. Operação nº 020000034865, designada por ................., determinando a devolução do valor de € 101.729,42. 22. Operação nº 020000017979, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 47.814,85. 23. Operação nº 020000017931, designada por Área Agrupada ................., determinando a devolução do valor de € 125.759,29. : cfr. doc. 6 a doc. 28 juntos com o RI; K) A Requerente não é possuidora ou proprietária de qualquer património: cfr. doc. 33 junto com o RI: L) Em agosto de 2018, nas contas bancárias tituladas pela Requerente, todas da Caixa Geral de Depósitos, o saldo bancário disponível em agosto de 2018, é de €1.040,60: cfr. doc. 34 junto com o RI». Consta ainda da sentença recorrida que não se provou que: «Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções das partes integram, no mais, meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito».
Na verdade, a decisão recorrida dispensou a produção de prova testemunhal e bem assim a tomada de declarações de parte, por entender que a matéria que se discute é essencialmente de direito e integrada por factos a provar por documentos juntos aos autos. Nos factos não provados, o tribunal recorrido julgou «não provados outros factos sobre que o tribunal se deva pronunciar, já que as demais asserções das partes integram meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ ou de direito». Para de seguida, atento o quadro fáctico apurado nas als A) a L), concluir que não se verifica fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal, isto é, não se verifica o periculum in mora. O tribunal recorrido fundamenta a falta do pressuposto periculum in mora nos seguintes termos: «Como decorre dos autos e o probatório elege, a alegação genérica da incapacidade da Requerente para proceder à ordenada devolução das quantias recebidas no âmbito da candidatura sub judice e das consequências da devolução da quantia que, em concreto, o ato suspendendo determina, não resultou indiciariamente assente: cfr. alínea A) a L) supra. Uma vez que não logrou densificar em que medida é que o ato suspendendo poderia conduzir à invocada colocação em risco da manutenção da sua atividade e à insolvência, pois que, por um lado, no universo das demais candidaturas e respetivos contratos de financiamento que outorgou e identifica, não logrou contextualizar o impacto desta candidatura em concreto, nem, sobretudo, do ato suspendendo: cfr. alínea A) a L) supra. i) Os pagamentos das operações contratualizadas com a requerente; ii) O pagamento dos subsídios atribuídos e devidos à requerente nas operações já executadas; iii) A análise e aprovação das candidaturas submetidas pela requerente para as operações em áreas agrupadas e nas zonas integradas florestais. Entendeu o STA na apreciação das questões de direito nele suscitadas, idênticas à presente, o seguinte: Enquadremos, portanto, e antes de mais, em termos de direito comunitário e nacional, o exercício administrativo traduzido no ato impugnado pela A………….. e anulado pelas instâncias. Prescreve o Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 - respeitante ao financiamento da política agrícola comum, e aplicável ex vi artigo 119º do Regulamento nº 1306/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - no seu artigo 9º - sobre «Protecção dos interesses financeiros da Comunidade e garantias relativas à gestão dos fundos comunitários» - o seguinte: […] «1- Os Estados-Membros devem: a) Adoptar, no âmbito da política agrícola comum, todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, bem como quaisquer outras medidas necessárias para assegurar a proteção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade em especial a fim de: [i] Se certificarem da realidade e regularidade das operações financiadas pelo FEAGA e pelo FEADER; [ii] Prevenir irregularidades e proceder judicialmente contra as mesmas; [iii] Recuperar os montantes perdidos devido a irregularidades e negligências; [iv] Criar um sistema eficaz de gestão e controlo, que inclua a certificação das contas e uma declaração de fiabilidade assinada pelo responsável do organismo pagador creditado. 2. A Comissão assegura que os Estados-Membros se certifiquem da legalidade e regularidade das despesas referidas no nº1 do artigo 3º e no artigo 4º, bem como do respeito dos princípios de boa gestão financeira […]» […]. O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09 - relativo ao «Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural» [FEADER], e aplicável ex vi artigo 88º do Regulamento nº1305/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17.12 - refere nos seus considerandos o seguinte: «61. De acordo com o princípio da subsidiariedade e sob reserva de excepções, devem ser estabelecidas regras nacionais aplicáveis à elegibilidade de despesas». E este mesmo Regulamento, diz, no seu artigo 71º, e sob a epígrafe «Elegibilidade das Despesas», que «[…] 2. As despesas são elegíveis para contribuição do FEADER apenas quando incorridas para a realização de operações decididas pela autoridade de gestão do programa em questão, ou sob a sua responsabilidade, de acordo com os critérios de selecção fixados pelo organismo competente. 3. As regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas ao nível nacional, sob reserva das condições especiais estabelecidas no presente regulamento para determinadas medidas de desenvolvimento rural». E diz ainda, para o que aqui interessa, no seu artigo 74º, nº1, sob a epígrafe «Responsabilidade dos Estados-Membros» que «1. Os Estados-Membros aprovam todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nos termos do nº1 do artigo 9º do Regulamento [CE] nº1290/2005, a fim de garantir a protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade». O Regulamento [EU] nº65/2011, da Comissão, de 27.01 - que estabelece «as regras de execução do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09», relativas «aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural», e aplicável por força do artigo 43º do Regulamento Delegado nº640/2014, da Comissão, de 11.03 – estipula no seu artigo 24º, sob a epígrafe «Controlos administrativos», que «[…] 2. Os controlos administrativos dos pedidos de apoio incluem, nomeadamente, a verificação: […] d) Do carácter razoável dos custos propostos, que são avaliados através de um sistema de avaliação adequado, tais como custos de referência, comparação de diferentes propostas ou um comité de avaliação; […] 3. Os controlos administrativos dos pedidos de pagamento incluem, nomeadamente, e tanto quanto seja adequado relativamente ao pedido em causa, a verificação: […] b) Da realidade das despesas declaradas; c) Da operação concluída, por comparação com a operação para a qual o pedido de apoio foi apresentado e concedido». O DL nº37-A/2008, de 05.03 - que estabelece «as regras gerais de aplicação dos programas de desenvolvimento rural [PDR] financiados pelo FEADER», e «aprovados nos termos do Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09, para o período 2007/2013» [alterado pelo DL nº66/2009, de 20.03, que o republica, e pelo DL nº69/2010, de 16.06] - considera como «despesa elegível» [artigo 3º, alínea l)] aquela que é «perfeitamente identificada e claramente associada à concretização de uma operação cuja natureza e data de realização respeitem a regulamentação específica do PDR em causa, bem como as demais regras nacionais e comunitárias aplicáveis». A Portaria nº1137-D/2008, de 09.10 - aprova o Regulamento de Aplicação da Acção nº2.3.3, «Valorização Ambiental dos Espaços Florestais», da Medida 2.3, «Gestão do Espaço Florestal e Agro-Florestal», integrada no Subprograma nº2, «Gestão sustentável do espaço rural», do «Programa de Desenvolvimento Rural do Continente [PRODER] [e alterada pelas Portarias nº147/2009, de 06.02, nº739-B/2009, de 09.07, nº814/2010, de 27.08, nº228/2011, de 09.06, e nº253/2013, de 07.08] - diz, no seu artigo 11º, que «As despesas elegíveis e não elegíveis são, nomeadamente, as constantes do Anexo I ao presente regulamento» sendo que, no dito Anexo I, se descriminam, nos seus vários pontos, as despesas elegíveis e não elegíveis para cada uma das intervenções, estando tal descriminação efectuada por espécies de despesas. Mas, note-se, não só as despesas, para «serem elegíveis», terão de ser enquadradas numa das espécies expressamente previstas em cada um dos subpontos do ponto 1, como também resulta - do intróito do referido ponto 1 - que o serão atendendo ao respectivo valor de mercado e até ao limite dos valores constantes nas tabelas da Comissão de Acompanhamento para as Operações Florestais [CAOF] quando aplicável. Por fim, importará referir o chamado «Manual Técnico do Beneficiário - Contratação e Pedidos de Pagamento FEADER [Investimento] e FEP» - cuja 1ª versão foi «aprovada» em Junho de 2012, e a 2ª versão em Abril de 2014, pelo Presidente do IFAP - que «de uma forma simplificada visa dar a conhecer as principais regras nacionais e comunitárias que os beneficiários dos Programas de Desenvolvimento Rural e do FEP devem adoptar em sede de contratação das operações e na apresentação dos pedidos de pagamento». Ora, segundo este Manual, as «facturas apresentadas a pagamento» no âmbito de operações de financiamento comunitário, devem integrar sempre, como elemento obrigatório, a «Quantidade e denominação dos bens/serviços» adquiridos e prestados, e prescreve o seu ponto «6.2», sobre «Disposições Complementares de Elegibilidade da Despesa», e além do mais, que «A despesa a considerar elegível é a que estiver de acordo com os preços de mercado, sendo que no âmbito da subcontratação o valor aceite será limitado ao montante dessa subcontratação [1º preço de venda/preço de entrada]». Foi este o enquadramento jurídico - comunitário e nacional - que assistiu ao «acto impugnado», e «anulado». 7. E dele ressuma, desde logo, a consagração pelo «direito comunitário» de um dever de protecção eficaz dos interesses financeiros da Comunidade por parte de todos os Estados-Membros, aos quais cabe, respeitados determinados princípios gerais, estabelecer as regras sobre elegibilidade, designadamente, de despesas apresentadas nos pedidos de pagamento, mediante as necessárias «disposições legislativas, regulamentares e administrativas» e podem ser responsabilizados se não o fizerem. E ressuma o dever de respeito pelo princípio da boa-gestão financeira e pelos critérios de selecção de despesas fixados pelo organismo competente, não se podendo prescindir nem da verificação da realidade das despesas declaradas, nem da sua aferição segundo o critério da razoabilidade de custos. Assim, do referido e citado artigo 24º, do Regulamento nº 65/2011, mais do que a mera possibilidade, resulta o dever de o aqui IFAP, regido pelos princípios da boa gestão financeira e da eficaz defesa dos interesses financeiros da Comunidade, excluir, do financiamento pelo FEADER, despesas sem correspondência real, isto é, despesas que não obstante corresponderem a uma acção executada não lhes subjaz o correspectivo bem ou prestação, mostrando-se, por isso, irrazoáveis em termos de mercado concorrencial. É esta, aliás, e ao que tudo indica, a razão de ser da consagração, no referido «Manual Técnico», do critério do «1º preço de venda/preço de entrada», aplicável no âmbito da subcontratação, e em sintonia com o DL nº37-A/2008, de 05.03, e com a Portaria 1137-D/2008, de 09.10, que exige a ponderação do «valor de mercado» - que é sempre valor de algo, nomeadamente de bens ou serviços - como necessária à elegibilidade das despesas comparticipadas. E com esse decreto-lei, portaria, e manual técnico, o Estado Português, como Estado-Membro da União Europeia, está precisamente a dar «cumprimento» ao dever que emerge dos supra citados regulamentos comunitários, concretamente ao dever imposto no artigo 9º, nº1 alínea a) do Regulamento [CE] nº1290/2005, do Conselho, de 21.06 [ver, também, o citado artigo 74º, nº1, do O Regulamento [CE] nº1698/2005, do Conselho, de 20.09], que determina a adopção, no âmbito da política agrícola comum, de todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias à protecção eficaz dos interesses da Comunidade, mormente na linha de exigência de uma boa gestão financeira, gerindo e verificando de forma inteligente e arguta, a concessão e aplicação de recursos escassos, que, no fim da linha, encontram os bolsos de todos os cidadãos europeus. 8. Ora, a decisão administrativa tomada pelo «Presidente do Conselho Directivo do IFAP», que determinou a alteração do contrato de financiamento referente à operação «Área Agrupada de ...........» e a devolução do valor já recebido pela A……….., insere-se precisamente no âmbito de aplicação deste quadro normativo acabado de abordar. Efetivamente, e logo na vanguarda normativa, porque se encontravam perante uma situação de despesas emergentes de subcontratação, impunha-se ao IFAP, para as poder considerar «elegíveis» para pagamento, a sua aferição de acordo com os preços de mercado, mas com o limite imposto pelo critério do «1º preço de venda/preço de entrada». Critério este oportunamente aprovado pelo Presidente do IFAP, e, ao que vimos, no exercício de competência perfeitamente legitimada no direito comunitário. Mas, não só legitimada. É que a fixação desse «critério» está em sintonia com o dever imposto pelo «direito comunitário» aos Estados-Membros, de procederem a uma «boa gestão financeira» dos subsídios comunitários concedidos aos seus nacionais, o que impõe - como já dissemos - uma gestão inteligente, previdente, e arguta, que feche a porta a despesas irreais. No caso, a A…………, enquanto «promotora» da operação subsidiada, instruiu os dois primeiros pedidos de pagamento com duas facturas - factura nº17/2013 e factura nº14/2014 - ambas emitidas pela B…………, nas quais esta empresa, enquanto fornecedora, adicionava uma margem de lucro ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer mais-valia, qualquer valor acrescentado da sua parte. Trata-se, portanto, da pura adição de um valor a que não corresponde qualquer contrapartida, sem correspondência real, que abre a porta a preços fictícios e à especulação, e que, nas referidas circunstâncias factuais e jurídicas, não poderá ser qualificado de razoável num mercado concorrencial. Na verdade, os terceiros que forneceram os bens adquiridos e prestaram os serviços solicitados fizeram-no, obviamente, com margem de lucro, pois para isso trabalham, de modo que os valores por eles cobrados já traduziam custos razoáveis, não tendo de ser os dinheiros comunitários a suportar novas, e irreais, margens de lucro. Por isso mesmo, o IFAP, ao utilizar o critério da razoabilidade do preço que consta do ponto 6.2 do referido «Manual Técnico» - «1º preço de venda/preço de entrada» - considerando como custos máximos elegíveis, para efeitos de co-financiamento, os limitados aos montantes da subcontratação, não só cumpriu essa disposição administrativa como agiu em consonância com o preceituado no artigo 24º, nº3 alínea b), do Regulamento [EU] nº65/2011, que exclui do financiamento despesas sem correspondência real. 9. Deste modo, e ao contrário do decidido, a decisão administrativa impugnada não está contaminada pelo «erro nos pressupostos» que lhe foi apontado pela autora da acção e requerente cautelar, pois o IFAP podia ter considerado, como considerou, apenas elegível a parte das despesas correspondente ao valor que os bens e serviços tiveram no âmbito da subcontratação”. No caso dos autos, em tudo análogo ao decidido pelo STA, o IFAP podia considerar, como considerou, que a margem de lucro adicionada pela A.......... ao preço dos bens e serviços que havia subcontratado, sem que lhe correspondesse qualquer valor acrescentado da sua parte, não era elegível para efeito de financiamento. Pelo o exposto, num juízo sumário e perfunctório, conclui-se que o ato suspendendo não padece do apontado vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito. Outro vício que vem apontado ao ato suspendendo consiste na ilegalidade na aplicação da redução prevista no nº 1 do art.º 30º do Regulamento (EU) nº 65/2011, da Comissão de 27 de janeiro. O art 30º, nº 1, 3§ do Regulamento nº 65/2011 estabelece que não será aplicada qualquer redução, se o beneficiário puder demonstrar que não cometeu qualquer infração no que se refere à inclusão do montante não elegível. Sucede que, no juízo de probabilidade da procedência do vício, importa realçar que a requerente/ recorrente não demonstra que a inclusão dos montantes considerados não elegíveis nas faturas que apresentou não é de sua responsabilidade. Se atentarmos nas razões que determinaram a não elegibilidade da despesa, como sejam, a discrepância de datas entre as faturas emitidas pelos fornecedores e as faturas apresentadas pela A.......... a pagamento pela requerente, a ausência de meios dos prestadores de serviços, a falta de concordância entre as faturas emitidas pelos subcontratados e a fatura levada a pagamento, nomeadamente quanto à descrição da área de execução do contrato, facilmente se conclui ser imputável à requerente a apresentação da mesma a pagamento. O que determina a provável improcedência do vício. No que se refere à falta de fundamentação, resulta de forma expressa e clara da decisão de 11.10.2018 que, na sequência de controlo efetuado à Operação em causa, em auditoria da Inspeção Geral de Finanças, no âmbito da Certificação de Contas, e pelo IFAP, foram constatadas irregularidades relativas a elegibilidade de despesas faturadas por A.........., Lda, tendo resultado dessa ação a demonstração, pormenorizada, com factos e com a lei, das despesas apresentadas pela requerente que não foram validadas e, por isso, foram excluídas e, em consequência, foi determinada a devolução do valor de €: 214.764,83 indevidamente recebido a título de subsídio ao Investimento. Dito de outro modo, a decisão suspendenda enuncia explicitamente e com rigor, como exigem os arts 152º, nº 1, al a) e 153º do CPA, as razões e motivos, de facto e de direito, que conduziram o IFAP a proferir o ato de 11.10.2018. De tal ordem que a requerente, quer no requerimento inicial, quer nas alegações de recurso, vai muito além da alegação do vício de falta de fundamentação, e imputa ao ato erro sobre os pressupostos de facto e de direito, o que evidencia que efetivamente discorda dos fundamentos do mesmo. Inclusive discorda da aplicação do disposto no art 33º do Regulamento nº 65/2011, da Comissão de 27.1. Por conseguinte, a posição da recorrente não consubstancia falta de entendimento do ato, antes lhe aponta erros de facto e de direito, que já vimos que provavelmente soçobram. Em suma, do teor do ato suspendendo resulta o mesmo contém a devida fundamentação de facto e de direito e a requerente não teve dificuldades em entende-lo. Conclui-se assim pela probabilidade de improcedência do alegado vício de falta de fundamentação do ato. Percorrida a fundamentação do fumus boni iuris falta-nos aferir da probabilidade de procedência do vício de preterição do direito de audiência prévia. A requerente sustenta a necessidade de repetição desta formalidade, uma vez que foi ouvida, mas o ato final é diferente nos seus fundamentos de facto e de direito da intenção de decisão que lhe foi previamente notificada, considerando que o requerido alterou tais fundamentos (da existência de relações especiais entre a requerente e os fornecedores A............, Lda, passaram a desconformidades nos documentos de suporte apresentados pela requerente e a ausência de pista de controlo das despesas), deveria ter promovido nova audiência prévia sobre o novo conteúdo do ato. Acrescenta ainda que, em sede de audiência prévia, requereu a realização de diligências instrutórias complementares que não foram promovidas e cuja recusa não foi fundamentada. O teor do ofício de notificação da requerente para audiência prévia e o teor do ofício com a decisão final mostram que os factos se mantiveram, existindo divergência apenas no enquadramento que é feito na notificação da intenção do sentido decisório, que efetivamente faz apelo às ditas relações especiais entre a requerente e os fornecedores A.........., Lda, e na decisão de 11.10.2018, em que a elegibilidade das despesas não se reconduz a tal justificação.
Decisão Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em substituição, indeferir o pedido cautelar. |