Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12175/15
Secção:CA-2º JUÍZO
Data do Acordão:12/16/2015
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:OBRA, VALOR PROCESSUAL
Sumário:
I - Numa ação relativa a uma autorização de instalação de estação de telecomunicações, o valor processual apura-se com base na alínea a) do art. 33º do CPTA, i.e., com referencia ao custo previsto da obra projetada.
II - Se o tribunal tiver dúvidas quanto ao valor processual indicado na p.i., deve fazer as diligencias necessárias para apurar o custo da obra, de acordo com o art. 308º CPC.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO
· ………………………………………………………, SA, com sede em Lisboa, Avenida Pais, n.º 2, intentou no T.A.C. de Leiria
Ação administrativa especial contra
· MUNICÍPIO DE LEIRIA.
Pediu o seguinte:
- Anulação do ato de indeferimento da autorização da instalação de estação de telecomunicações no Município de Leiria.
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Por sentença de 17-5-2014, o referido tribunal singular decidiu absolver o réu do pedido.
Inconformada, a a. reclamou contra a sentença para a conferência.
A Mmª juiz a quo não admitiu tal reclamação, ao abrigo do art. 629º NCPC e do art. 40º/1 ETAF, com base no baixo valor da causa, que fixou o valor da causa em 1.515,00 euros.
Inconformada de novo, a a. voltou a reclamar para a conferência, agora contra tal despacho, onde também se fixou o valor da causa.
A Mmª juiz a quo não admitiu esta 2ª reclamação, com o mesmo fundamento, mas convolou-a em recurso para este TCA-Sul.
São as seguintes as conclusões do recurso:

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O Ministério Público foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo.

Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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Este tribunal tem presente o seguinte:
(1º) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida socioeconómica submetida ao bem comum e à suprema dignidade de cada ser humano (conforme a nossa Lei Fundamental); (2º) os valores ético-jurídicos do ponto de vista da nossa Lei Fundamental; (3º) os princípios constitucionais estruturantes do Estado de Direito (ex.: a juridicidade, a segurança jurídica para todas as pessoas e a igualdade jurídica de todos os seres humanos); (4º) os comandos definitivos ou normas jurídicas que exijam algo de modo definitivo, dispositivo ou quase-conclusivo (i.e., as normas-regra), sob a égide dos importantíssimos artigos 9º a 11º do nosso Código Civil (cf. K. LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, trad., 3ª ed., FCG, Lisboa, 1997; M. TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 301-411); (5º) os eventuais comandos de otimização que exijam do aplicador a otimização das possibilidades de facto e de direito existentes no caso concreto, através do sopesamento/ponderação racional e justificado das normas colidentes que tenham significados não específicos ou valorativos, sopesamento pelo qual se escolhe a norma a concretizar depois no caso concreto (i.e., normas-princípio, normas não conclusivas, com textura aberta ou com significado não específico e valorativo) (cf. R. GUASTINI, Il giudice e la legge. Lezioni di diritto costituzionale, Giappichelli, Torino, 1995; Lezioni di teoria costituzionale, Giappichelli, Torino, 2001; Lezioni di teoria del diritto e dello stato, Giappichelli, Torino, 2006; “Sobre el concepto de constitución”, in Miguel Carbonell (ed.), Teoría del neoconstitucionalismo. Ensayos escogidos, Trotta-UNAM, Madrid, 2007, pp. 15-27; “A propósito del neoconstitucionalismo”, trad., in Gaceta Constitucional, Tomo 67, Julio-2013, Lima, pp. 231-240; diferentemente R. ALEXY, “Direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade”, in O Direito, Ano 146º, 2014, IV, Lisboa, pp. 817-834); e (6º) a máxima da unidade e coerência do sistema jurídico, bem como, quando estritamente necessário, as máximas metódicas da igualdade e da proporcionalidade (cf. arts. 2º, 13º e 18º da CRP).

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Os recursos, seja para o TCA, seja para o STA, devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos. Têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido (TAC, TCA ou STA (1)), ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
1.
Segunda a p.i., está em causa o indeferimento da autorização da instalação de estação de telecomunicações no Município de Leiria.
De acordo com o art. 33º/a) do CPTA, que contém um critério especial de apuramento do valor da causa (diferente dos critérios gerais do art. 31º/1 e do art. 32º/2 CPTA), o que aqui releva imperativamente é o custo previsto da obra projetada, i.e., o valor da obra de instalação da estação de telecomunicações.
Na p.i., a A., sem fundamentar, indicou o valor de 5000,00 euros.
A Mmª juiz a quo, sob a égide dos arts. 306º e 308º do CPC, fixou a final o valor, após ouvir o réu, nos 1.150,00 euros, correspondentes ao valor das taxas a pagar ao município pela autora a propósito da autorização pedida.
Ora, ante o art. 33º/a) cit., não se compreende como foi possível tal conclusão, a não ser, claro, com o erro de invocar o art. 32º.
E, se o TAC tinha dúvidas quanto aos 5000,00 euros indicados na p.i., deveria fazer as diligencias necessárias para apurar com razoabilidade o custo da obra, de acordo com o art. 308º CPC. A melhor maneira de o fazer era e é requisitar as provas de tal custo à própria autora. Mas não o fez. Ouviu apenas o réu, por causa das taxas cits.
Portanto, o TAC errou sob 2 pontos de vista:
-Aplicou a norma errada (art. 32º) em vez da do art. 33º/a) cit.;
-Não aplicou corretamente o art. 308º CPC, ao não solicitar a ambas as partes, especialmente à autora, os elementos necessários para apurar o custo da obra.
Terá de o fazer, portanto. Omitiu uma diligência essencial para resolver o incidente, assim cometendo uma nulidade processual, que inutiliza quer a sentença emitida pelo juiz singular, quer o seu consequente processado (cf. arts. 195º e 196º/in fine CPC).
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III. DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os Juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, julgando-o procedente, declarando a nulidade processual citada e anulando o processado desde o 1º despacho de 17-5-2014, devendo o TAC obter os elementos necessários para apurar o custo da obra e, assim, fixar o valor processual (cfr. art. 33º/a) do CPTA).
Sem custas.
D.N. (notif.; reg.; e public. nos termos do art. 30º/2 do CPTA/2015)
Lisboa, 16-12-2015


(Paulo H. Pereira Gouveia - relator)


(Nuno Coutinho)


(Carlos Araújo)

(1) Quanto aos recursos para o nosso Tribunal Constitucional: no caso do recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, ele tem por objeto apenas uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria do caso concreto, não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo para defesa de direitos fundamentais. Daí que não podem as particularidades do caso concreto ou as circunstâncias que rodearam a sua aplicação ao caso, se não integrarem o conteúdo normativo sindicado, delimitando-o, serem fatores determinantes de um juízo de inconstitucionalidade que vai afetar uma norma que, apesar de fundamentar a decisão tomada no processo, tem uma eficácia que extravasa o caso, por força das suas características de generalidade e abstração.