Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2360/15.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
EXECUÇÃO FISCAL;
GERÊNCIA EFECTIVA;
REVERSÃO.
Sumário:I – A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.

II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M... deduziu oposição, na sequência da reversão efetuada no âmbito do processo de execução fiscal com o n° 3107200801..., em que é devedora originária a sociedade "F..., Lda.", com vista à cobrança coerciva do valor de € 33.608,85.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 14 de Junho de 2018, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou totalmente procedente a oposição à execução, e, em consequência, determinou a extinção do processo de execução n.° 3107200801... e apensos, por considerar que a Oponente é parte ilegítima no mesmo, atento o disposto no art. 204.°, n.° 1, alínea b) do CPPT.

B) O douto Tribunal “a quo” entende que, e passando-se a transcrever parte da fundamentação de direito da douta sentença proferida, que “a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, mas porque se trata de mera presunção judicial, admite-se que seja ilidida por qualquer meio de prova, bastando para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário (cfr. arts. 350.° e 351.° do Código Civil)”.

C) Ora, com o devido respeito e salvo melhor opinião, a douta sentença carece, nesta matéria, de rigor jurídico, sendo que o raciocínio formulado e supra transcrito conduziu a que fosse, a nosso ver, incorrectamente, valorada a prova feita pela Representação da Fazenda Pública e considerada provada, para efeitos da decisão jurídica alcançada.

D) Em matéria probatória, em regra, é a quem invoca um direito que cabe provar os factos seus constitutivos do mesmo (vide art. 341.° e 342.° do Código Civil).

E) Por outro lado, ao abrigo do disposto no artigo 346° do Código Civil, «à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos», sendo então «a questão decidida contra a parte onerada com a prova».

F) Não obstante, as presunções influenciam este regime geral do ónus probatório.

G) De acordo com o artigo 349° do Código Civil, «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

H) Há, pois, presunções legais - ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido - e presunções judiciais - ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

I) O artigo 350° n°1 do mesmo diploma diz-nos que «quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz». (vide artigos 342° n.°1, 344.°, n.° 1 e 350.°, todos do Código Civil).

J) Ao contrário da presunção legal, que está plasmada na lei, a presunção judicial não tem existência prévia, é um juízo casuístico que o julgador retira da prova produzida num concreto processo quando a aprecia e valora.

K) Por isso, se faz sentido o regime contido no artigo 350° n° 2 do Código Civil, quando estabelece as condições em que podem ser ilididas as presunções legais, o mesmo regime nenhum sentido faria se aplicado às presunções judiciais.

L) Quanto a estas, quem está onerado com a obrigação de fazer a prova fica desonerado se o facto se provar mediante presunção judicial; mas sem que caiba falar, aqui, de inversão do ónus.

M) Não se trata, portanto, de ilidir as presunções judiciais, produzindo contraprova ou prova em contrário, porque não há nenhum facto que, estando, em princípio, provado por força da lei, possa deixar de se dar por provado por obra dessa prova em contrário ou contraprova.

N) Com efeito, em matéria do ónus probatório, das duas uma: ou se segue o regime geral, previsto no art. 342.° do Código Civil, que se inverte no caso de pré existir uma presunção legalmente estabelecida; ou se aceita que, no caso concreto, o julgador, usando as regras da experiência, fazendo juízos de probabilidade, possa retirar ilações de um facto conhecido de forma a firmar um facto desconhecido.

O) Destarte, e quanto à prova do exercício da gerência de facto da sociedade executada originária pela ora recorrida, admitindo-se a inexistência de presunção legal que permita extrair esse facto a partir da nomeação da mesma como gerente:

- ou se considera que a Representação da Fazenda Pública, a quem incumbe o ónus da prova, não logrou provar o exercício da gerência de facto, o que conduz à inevitável procedência da Oposição Judicial por falta de legitimidade da Oponente para os autos executivos;

- ou se considera que, não obstante os meios de prova juntos pela Representação da Fazenda Pública, a Oponente fez contraprova a respeito dos mesmos factos, de forma a torná-los duvidosos, o que também conduz à inevitável procedência da Oposição Judicial por falta de legitimidade da Oponente para os autos executivos;

- ou se considera que a Representação da Fazenda Pública, a quem incumbe o ónus da prova, logrou provar o exercício da gerência de facto, o que conduz à inevitável improcedência da Oposição Judicial por falta de legitimidade da Oponente para os autos executivos;

- ou se considera, como o faz o douto Tribunal “a quo”, provado o exercício da gerência de facto da sociedade pela Oponente (o que apenas poderia fazer se a Representação da Fazenda Pública não lograsse provar esse facto desconhecido por qualquer meio probatório, o que não acontece no caso concreto) a partir da nomeação de direito da mesma para o cargo de gerente, caso em que o pressuposto da responsabilidade subsidiária se considera provado por presunção judicial, ficando a Representação da Fazenda Pública desonerada de o provar, o que conduz à inevitável improcedência da Oposição Judicial por falta de legitimidade da Oponente para os autos executivos.

P) Com a devida vénia, o que não poderá acontecer, no nosso entender, é que o juiz considere provado um determinado facto desconhecido com fase numa presunção judicial, e depois admita que tal facto possa ser ilidido por contraprova da parte contrária, como se estivéssemos perante o regime probatório regra, conforme entende o douto Tribunal “a quo".

Q) Assim, no nosso entendimento, da afirmação que o douto Tribunal “a quo" profere na fundamentação de direito da douta sentença: “a gerência de direito faz presumir a gerência de facto", deveria ter sido obtida, necessariamente, a decisão de mérito no sentido da improcedência da Oposição Judicial com base na legitimidade da Oponente nos autos de execução fiscal, nos termos do disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 204.° do CPPT, a contrario,

R) pois que, conforme consta dos factos provados da douta sentença (pontos 2 e 6 dos mesmos), a Oponente foi nomeada gerente de direito da sociedade devedora originária em 29/04/2002, tendo renunciado ao cargo em 15/03/2009, renúncia que é registada em 16/09/2009.

S) Sem prescindir, ainda que assim não se entenda, o que apenas por mera hipótese académica se concede, e se entenda que se aplica ao caso concreto a regra geral do ónus probatório, de igual forma a decisão de mérito proferida nos presentes autos deveria ter sido outra.

T) Impendendo o ónus da prova do pressuposto do exercício da gerência de facto sob a Representação da Fazenda Pública, foi junto aos autos de primeira instância cópia de um requerimento preenchido e assinado pela Oponente, ora recorrida, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária e em representação desta, através do qual solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8 o pagamento prestacional das quantias exequendas que se encontravam em cobrança no âmbito dos processos de execução fiscal.° n.°s 31072007011..., 3107200801..., 310720080102..., 31072008010..., 3107200801... e 31072008010... (cfr. ponto 3 dos factos provados).

U) Acresce que, foi ainda junto pela Representação da Fazenda Pública aos autos de primeira instância print obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária, no qual consta que a ora recorrida recebeu rendimentos da categoria A de IRS - trabalho dependente, pagos pela sociedade executada originária, nos exercícios de 2007 (€ 15.306,40), 2008 (€10.500,00) e 2009 (€ 2.000,00) - cfr. ponto 4 dos factos provados.

V) A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo relações jurídicas com outros sujeitos de direito.

W) Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome e representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos arts. 252°, 259°, 260° e 261° do Código das Sociedades Comerciais.

X) A obrigação do administrador é a de dirigir, administrar, conduzir a gestão social, o que se deve concretizar, particularmente, no exercício da actividade para que a sociedade se constitui actuando com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores (cf. art. 64.° do Código das Sociedades Comerciais).

Y) O estatuto do gerente/administrador advém-lhe, portanto, por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (vide n.° 2 do art. 23.° da LGT).

Z) Ora, e conforme consta do facto considerado provado no ponto 2 da fundamentação de facto da douta sentença proferida pelo Ilustre Tribunal “a quo”, a ora recorrida era um dos gerentes designados no pacto social, sendo que os contratos devem ser integralmente cumpridos, de acordo com os ditames da boa fé.

AA) Não se poderá olvidar, por outro lado, que foi dado como provado nos autos de primeira instância, que a Oponente, ora recorrida, representou a sociedade executada originária perante a Autoridade Tributária, tendo, pelo seu próprio punho e de livre vontade, intitulando-se gerente da mesma, vinculado a mesma a um pagamento em prestações, assinando o documento que se encontra junto aos autos de primeira instância e aposto ainda o carimbo da sociedade junto da sua assinatura.

BB) Ora, do requerimento assinado pela ora recorrida e apresentado junto do Serviço de Finanças de Lisboa 8 ressalta, claramente, a aposição da assinatura da ora recorrida, na qualidade de representante legal da sociedade devedora originária, representando-a e exteriorizando a sua vontade perante a Autoridade Tributária.

CC) O douto Tribunal de primeira instância considerou, não obstante, que o facto de a Oponente, ora recorrida, ter auferido rendimentos da categoria A de IRS, inclusive em anos em que já não era gerente de direito (2009), aliado ao facto de ter subscrito um requerimento em nome da devedora originária, só por si desgarrados de outros elementos, não provam o exercício da administração da sociedade, fazendo apelo a uma ideia de continuidade dos actos de gestão que vinculam a sociedade perante terceiros, fornecedores, clientes, trabalhadores e que permitem aferir a intervenção do gerente nos mais variados destinos da empresa, que não foi provada no caso concreto, baseando-se no Acórdão proferido pelo TCAS proferido em 06/11/2012, no âmbito do processo n.° 05666/12.

DD) Ora, com o devido respeito e salvo melhor opinião, o legislador, no n.° 1 do art. 24.° da LGT, estabelece o exercício da gerência de facto como pressuposto da responsabilidade subsidiária sem, no entanto, exigir que o mesmo abarque todo o período de vida da sociedade enquanto ente com personalidade jurídica, ou sequer, que abranja todo o período em que o pretenso responsável subsidiário foi nomeado gerente de direito, pois que, como o Ilustre Tribunal “a quo” considerou, o pressuposto da gerência não se basta com a nomeação de direito para este cargo, podendo até dar-se o caso de que a gerência de facto exista sem a gerência de direito.

EE) A este propósito, trazemos aqui à colação o Aresto proferido pelo TCAS em 13/10/2017, no âmbito do processo n.° 1240/11.2BELRS, cujo entendimento subscrevemos na íntegra: “E tal como vem sendo jurisprudencialmente entendido, a lei não exige que os gerentes, para que sejam responsabilizados pelas dívidas da sociedade, exerçam uma administração continuada, apenas exigindo que eles pratiquem actos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto.

O legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade".

FF) Trazemos aqui à colação o Acórdão do STA de 8 de Maio de 1996 (recurso n° 19916), cujo sumário se transcreve, por se considerar ter interesse para o juízo de aferição acerca do efeito do momento ou período temporal em que são praticados os actos de gerência na responsabilidade subsidiária do mesmo para efeitos fiscais: “Não sendo possível fraccionar os rendimentos objecto de impostos periódicos em função da parte do período respectivo ao imposto em que o gerente exerceu funções, é o mesmo responsável subsidiário pela totalidade do imposto incidente no período fiscal considerado." I) Bem como o Ac. do TCAS da 18-06-2002 (recurso n°6134/01): “2- Quando a dívida de imposto respeita a um período uno e, consequentemente, incindível para efeitos fiscais (como é o caso de IRC), a responsabilidade do gerente quanto a tal dívida reporta-se sempre a todo o período, ainda que tenha apenas exercido a gerência por um período inferior”"... pelo que não releva que o oponente só tenha exercido a gerência parte do trimestre, fundando-se esta incindibilidade do período do exercício nos termos em que o art. 13° n° 1 do CPT reporta e delimita o âmbito temporal da responsabilidade, tanto ao momento em que ocorram os factos geradores do imposto - que no caso do IRC é, precisamente, o ano do exercício económico - como ao momento da cobrança do imposto. ”

GG) Contrariamente ao que entende o douto Tribunal “a quo”, o facto de a recorrida ter assinado o documento a que supra aludimos, em nome, no interesse e em representação da sociedade devedora originária, é o suficiente para que se considere que praticou actos de gerência, não sendo necessário, para a prova deste pressuposto legal da responsabilidade subsidiária, que se prove a continuidade dos actos de gerência.

HH) Por outro lado, e relativamente ao teor do print obtido a partir do sistema informático da Autoridade Tributária, junto aos autos de primeira instância pela Representação da Fazenda Pública, através do qual se logrou provar os factos vertidos no ponto 4 dos factos provados da douta sentença proferida, o mesmo foi junto no sentido de fazer contraprova dos factos alegados pela ora recorrida no libelo inicial e que constam do curriculum vitae apresentado juntamente com aquele articulado.

II) Ora, o referido documento comprova que, contrariamente ao que a Oponente, ora recorrida, pretende fazer crer nos autos de primeira instância, a mesma não se encontrava alheada da vida societária da executada originária para se dedicar em exclusivo à vida académica e profissional na sua área de formação, pois que, durante vários anos, recebeu vencimento pago pela executada originária, o que implica, em princípio, a prestação de um trabalho dependente.

JJ) Uma vez que estamos, no nosso raciocínio cognitivo e conforme supra mencionamos, na hipótese do regime probatório regra, o teor do supra mencionado documento, dado como provado, deveria ter sido valorado, na fundamentação de direito, a título de contraprova dos factos alegados pela Oponente, ora recorrida, no libelo inicial, em que refere que o seu percurso académico e profissional a impediam de exercer a gerência de facto da sociedade executada originária, nos termos do disposto no art. 346.° do Código Civil, sendo essa contraprova destinada, portanto, a tornar tais factos duvidosos.

KK) Por outro lado, e ainda no que respeita ao regime geral probatório em que alicerçamos o nosso raciocínio, por mera cautela de patrocínio, conforme supra mencionamos, não se poderá olvidar que, segundo os factos provados, a Oponente não fez contraprova suficiente de forma a tornar duvidosos os factos alegados e provados pela Representação da Fazenda Pública, no sentido do exercício efectivo de gerência da sociedade executada originária,

LL) pois que o facto de um sujeito de direito prosseguir a vida académica e exercer actividade profissional na área da sua formação não constituem factos suficientemente fortes para causar dúvida na convicção do julgador quanto ao exercício de gerência de facto, por aquele, de uma sociedade comercial, uma vez confrontados tais factos com um documento assinado por esse sujeito de direito, na qualidade de gerente dessa sociedade.

MM) Com base no raciocínio e argumentos supra expostos, deveria a douta sentença proferida ter considerado que a Representação da Fazenda Pública logrou provar o exercício da gerência de facto da Oponente e ora recorrida na sociedade executada originária nos períodos em que terminaram os prazos legais de pagamento de imposto (vide pontos 3 e 4 dos factos provados), assim se considerando verificado, no caso concreto, o pressuposto legal da responsabilidade subsidiária previsto na alínea b) do n.° 1 do art. 24.° da LGT, não tendo a Oponente e ora recorrida logrado fazer contraprova de tais factos nos autos de primeira instância.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.

*

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Em 31/05/2000, é registada na Conservatória do Registo Comercial a Lda.", a qual tem por objeto social " A produção, comercialização, importação e exportação de produtos naturais para cosmética e dietética, prestação de serviços e formação nas áreas da estética profissional e naturologia" - cfr. fls. 11 a 13 do processo instrutor em apenso aos autos;

2. No contrato de sociedade são designados gerentes: P...; I... e M..., esta última designada em 29/04/2002 - cfr. fls. 11 a 13 do processo instrutor em apenso aos autos;

3. Em 26/11/2008, a Oponente assina um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-8, solicitando o pagamento em prestações em vários processos de execução fiscal instaurados à originária devedora - cfr. fls. 105 dos autos;

4. A oponente recebeu rendimentos da categoria A de IRS, da originária executada, nos exercícios de 2007 (€ 15.306,40), 2008 (€ 10.500,00) e 2009 (€ 2.000,00) - cfr. fls. 106 dos autos;

5. Em 27/09/2008 foram instaurados à sociedade "F..., Lda.", os seguintes processos de execução fiscal


«Imagem no original»


- cfr. fls. 3 e ss. do processo instrutor em apenso aos autos;

6. Em 16/09/2009, é registada a renúncia da gerência de M..., por renúncia de 15/03/2009 - cfr. fls. 11 a 13 do processo instrutor em apenso aos autos;

7. Em 22/06/2015, foi proferido despacho de reversão, no âmbito do processo de execução fiscal com n° 3107200801... e apensos, em que consta como revertido, entre outros, M..., sendo-lhe imputada a dívida exequenda referente a dívidas de IVA / IRS de 2008 e IRC de 2007, no valor total de € 33.608,85 - cfr. doc. n° 1 em anexo à p.i.;

8. Do despacho de reversão consta como "Fundamentos da Reversão" (...) Insuficiência de bens da devedora originária (art. 23º/2 e 3 LGT): decorrente da situação liquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal. Gerência (administrador, gerente ou diretor) de direito (art. 24º/1/b) da LGT) no términus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT); Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos art.s 255º e/ou 399º do Código das Sociedades Comerciais) ” - cfr. doc. n° 1 em anexo à p.i.;

9. Em 28/07/2015, é remetida para o Serviço de Finanças de Lisboa-8, por meio de carta registada, a p.i. que consubstancia a presente oposição - cfr. fls. 2 e ss. dos autos.

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3 - MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos não impugnados, juntos aos autos e, expressamente, referidos no probatório supra.



*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso, verifica-se que as questões a apreciar e decidir são as de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade da Oponente, ora Recorrida, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu, efectivamente, tais funções no período de tempo que releva nos autos e se a sentença padece de falta de rigor jurídico.

A sentença recorrida, proferida pelo TT de Lisboa, julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida pela ora Recorrida, revertida na qualidade de responsável subsidiária, por ter entendido que a AT não logrou demonstrar e provar que a Recorrida, para além de ser gerente de direito, exerceu, de facto, aquela função.

A questão que cumpre apreciar é a de saber se é correcto o entendimento vertido na sentença recorrida no sentido de considerar demonstrada a ilegitimidade da Recorrida, por não ter sido provado que exerceu, de facto, a gerência da sociedade devedora originária.

A Recorrente não concorda com a sentença recorrida no segmento em que considerou não ter a FP, em momento algum, logrado provar o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária por parte da Recorrida, pelo que foi considerada parte ilegítima.

Para tanto afirma, por um lado, que foram produzidas provas que permitem a conclusão de que a Recorrida exerceu a gerência efectiva da sociedade devedora originária durante o prazo legal de pagamento das dívidas em cobrança coerciva.

Refere, por outro lado, que a sentença carece de rigor jurídico ao afirmar que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, mas porque se trata de mera presunção judicial, admite-se que seja ilidida por qualquer meio de prova, bastando, para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário.

Os argumentos avançados pela ora Recorrente não têm a virtualidade de abalar o decidido relativamente ao (não) exercício da gerência pela Recorrida.

Efectivamente, pretende a Recorrente que está provada a gerência efectiva pelas seguintes circunstâncias:

i) o facto de a recorrida figurar como gerente da sociedade devedora originária;

ii) o facto de a recorrida ter assinado requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, solicitando o pagamento prestacional das quantias exequendas;

iii) e a circunstância de a Recorrida ter recebido rendimentos da categoria A de IRS, pagos pela devedora originária, nos exercícios de 2007 a 2009.

A sentença deu, efectivamente, como provados os factos constantes dos pontos 3 e 4 do probatório, que atestam ter a Recorrida assinado o requerimento solicitando o pagamento prestacional e ter recebido rendimentos da categoria A de IRS, pagos pela devedora originária, nos exercícios de 2007 a 2009.

Porém, é também certo, que a sentença não os considerou aptos a demonstrar e provar o exercício efectivo da gerência por parte da Recorrida.

Para tanto, aí se referiu que tais circunstâncias de facto, por si só, desgarrados de outros elementos, não provam o exercício da administração da sociedade. E que, a gerência passa por actos de disposição e de administração contínuos que vinculam a empresa perante terceiros, fornecedores, clientes, trabalhadores e que permitem aferir a intervenção do gerente nos mais variados destinos da empresa, prova que a AT não fez (v.g. acórdão do TCA Sul, de 16/11/2012, proc. 05666/12).

Não vindo questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária), vejamos então se assiste razão à Recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária aí instituído.

O regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável é, pois, o que decorre do artigo 24.º da LGT, nos termos do qual os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si :

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito, em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência - neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10.

No que diz respeito ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, é ao exequente, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência efectiva como pressuposto da responsabilidade subsidiária.

Relativamente a esta matéria afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no âmbito do processo n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

É sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (conforme estipula o artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

Não oferece dúvida que gerência nominal (de direito) da Oponente não vem questionada, contudo, como já afirmamos, inexiste disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo.

Regressando ao caso dos autos, e considerando a matéria de facto provada, não se pode concluir que assista razão à Fazenda Pública, já que concordamos com a apreciação efectuada na sentença recorrida relativamente aos concretos pontos de facto a que a Recorrente pretende atribuir força suficiente para se considerar verificado o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida.

Por um lado, a circunstância da Recorrida ter assinado em 26.11.2008 um requerimento solicitando o pagamento prestacional em diversos processos de execução fiscal instaurados à devedora originária não é suficiente para que se possa inferir que tenha, efectivamente, exercido a gerência da sociedade devedora originária, já que se trata, claramente, da prática de actos isolados. Como, aliás, bem considerou a sentença recorrida.

Ou seja, a prática de um acto isolado pela Recorrida em que terá agido em representação da executada originária nesses concretos momentos, não é susceptível, à luz das regras de experiência comum, de levar à conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da devedora originária, já que o exercício da gerência constitui uma actividade continuada.

Acresce que o invocado recebimento de rendimentos por parte da Recorrida em nada altera o que supra se disse, já que, por si só, e mesmo em conjugação com os actos isolados supra referidos, não tem a virtualidade de demonstrar o exercício efectivo da gerência pela Recorrida.

Dito isto, perante o circunstancialismo fáctico provado (e não impugnado), temos assim que concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que a Recorrida tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma.

Resta apreciar a invocada falta de rigor jurídico da sentença quando afirma que a gerência de direito faz presumir a gerência de facto, mas porque se trata de mera presunção judicial, admite-se que seja ilidida por qualquer meio de prova, bastando, para o efeito a contraprova, não sendo exigível a prova do contrário.

Admitimos e concordamos que a afirmação da sentença não é correcta, como disso se dá nota no Acórdão do STA que referimos supra. Não obstante, esta incorrecção, que se deve ter como não escrita, em nada abala a fundamentação e o sentido da decisão.

Atento o exposto, será de negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida, que bem decidiu.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Hélia Gameiro Silva.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)


(Hélia Gameiro Silva)