Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06303/10
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/21/2013
Relator:COELHO DA CUNHA
Descritores:VALORAÇÃO DO PRINCIPIO DA JURISDIÇÃO PLENA.
CONDENAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO.
EXCLUSÃO INDEVIDA DO CANDIDATO.
ARTº 71º Nº2 DO CPTA.
Sumário:I-A recente evolução do direito administrativo tende a valorizar o princípio da plena jurisdição de poderes, inclusive na possibilidade de condenar a Administração à prática de actos administrativos legalmente devidos.

II- Se uma prova escrita realizada no âmbito de um exame de acesso à Ordem dos Advogados contém matéria não prevista nos preceitos legais do Regulamento da Prova, verifica-se erro grosseiro no procedimento.

III- Determinando esse erro a exclusão indevida de um candidato, pode este exigir a realização de nova prova escrita, sem que isso constitua violação do artigo 71º nº2 do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul

1. Relatório
A Ordem dos Advogados veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção intentada por Teresa …………………….., anulando o acto de recusa de anulação com fundamento em vício de lei e determinou os procedimentos necessários à repetição da prova escrita por parte da autora.
Nas suas alegações de recurso enunciou as conclusões seguintes:

“a) Relativamente ao pretenso erro imputado à formulação da questão d) do grupo II da área de Prática Processual Civil e pese embora o esforço argumentativo do MM Juiz a quo, a verdade é que, salvo o devido respeito, não se mostra verificada a existência de qualquer vício de violação de lei na elaboração da prova de exame em causa.

b) É certo que competia à CNF "(...) proceder à marcação das datas da prova escrita e à CNA definir o seu conteúdo e a correspondente grelha de correcção, ficando a cargos dos centros de estágio a execução e classificação das provas segundo uma tabela de 1a 20".

c) É certo, ainda, que no exercício das suas competências a CNF, definiu e publicou regras sobre o procedimento das provas a realizar, entre as quais as de que: "As provas incidirão sobre as matérias constantes dos programas da formação na 1ª e 2ª fases de estágio aprovados pela Comissão Nacional de Estágio e Formação, com excepção, no que a Prática Processual Civil respeita, das partes referentes aos recursos e ao processo de execução".

d) No entanto, ao contrário do doutamente defendido na sentença recorrida, a definição do conteúdo da prova final de agregação em questão respeitou a informação veiculada pelo CNF.

e) Com efeito, não poderá deixar de se colher o entendimento vertido no parecer da Comissão Nacional de Avaliação, no sentido de que "«a referida questão não era exigido aos Srs. Advogados estagiários a elaboração do requerimento de interposição de recurso, nem de alegações, hipótese que não respeitaria a nota informativa da CNEF e CNA, mas apenas que identificassem o recurso e o prazo de interposição do mesmo ".

f) Ora, uma vez analisado o programa de formação na 1ª fase de estágio, aprovado pela Comissão Nacional de Formação, poderá concluir-se que a matéria referente nos recursos abarca matérias diferentes daquela que foi questionada, pois que se centram no tipo, prazo, forma de requerimento, alegações de recurso, regime de subida e efeitos.

g) O que significa que poderiam ter sido questionados, como foram, aspectos gerais relativos à garantia de impugnabilidade das decisões judiciais e respectivos prazos, sendo certo que a matéria questionada e posta em crise pela Recorrida constitui uma hipótese enquadrada nos domínios da apresentação de provas, nomeadamente o prazo para apresentação das mesmas e audiência de discussão e julgamento.

h) Donde resulta não ter o exame final de agregação desrespeitado, de qualquer forma, a nota informativa veiculada pela CNEF e CNA, antes se tendo conformado nos seus estreitos limites.

i) Daí que a decisão da Comissão Nacional de Avaliação (CNA) ao considerar improcedente o recurso interposto pela aqui Recorrida, não violou o disposto no artigo 47°, n°2 do Regulamente Geral de Formação, e bem assim a directiva emanada ao abrigo deste preceito de definição do conteúdo das provas.

j) Termos em que se impõe concluir que a douta sentença recorrida procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 47°, n°2 do Regulamento Geral de Formação e, bem assim, da directiva emanada ao abrigo deste preceito de definição do conteúdo das provas.

k) Mas ainda que se entenda que o exame final de agregação padece do invocado vício de violação de lei, sempre se dirá que tal não acarreta, nem pode acarretar a consequência que é extraída pela douta sentença recorrida, nos termos da qual a aqui Recorrida deverá ser admitida à realização de nova prova escrita, por alegadamente ser a solução que "(...) melhor repõe a situação de legalidade ".

l) Conforme bem defende a jurisprudência mais avisada, a matéria de irregularidades na elaboração das provas não está sujeita a normas legais ou regulamentares especificais, pelo que, na resolução de cada situação surgida, a Administração dispõe de amplos poderes, embora limitada pelas fronteiras da prossecução do interesse público no respeito dos legítimos interesses dos candidatos, tudo apreciado à luz dos princípios da igualdade, justiça e proporcionalidade.

m) "Nestas circunstâncias, estando-se em matéria em que a Administração dispõe de amplos poderes discricionários balizados pela prossecução do interesse público da forma mais ajustada ao tratamento imparcial e igual dos candidatos, a Administração pode, em princípio, escolher qual a solução a adoptar" (cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12/1 1/02, in www.dgsi.pt ).

n) É certo que, por força do disposto no art. 66° do CPTA, também se afigura possível a condenação da Administração à prática de actos administrativos de conteúdo discricionário, todavia tal como se deixa dito no art. 71°, n.°2 do CPTA "quando a emissão do acto pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do acto a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do acto devido".

o) Ora, no caso em apreço, ao ter condenado a aqui Recorrente a admitir a Recorrida à realização de novo exame, a douta sentença recorrida extravasou claramente os poderes de pronúncia consagrados no art. 71°, n.°2 do CPTA, contendendo, assim, com a margem de livre discricionariedade da Recorrente (a qual se acha afastada do controlo judicial, conforme resulta do art. 3º/1 do CPTA).

p) Com efeito, tal como acima se deixou dito, a entidade Recorrente dispunha de amplos poderes discricionários na escolha da solução a adoptar, ainda que balizados pela prossecução do interesse público e pela necessidade de tratamento imparcial e igual dos candidatos.

q) Nessa medida e inexistindo qualquer situação de precedente (ou prática anterior da aqui Recorrente), sempre poderia a Recorrente optar livremente pela solução que, no seu entender, melhor se ajustasse ao caso concreto.

r) In casu, poderia, na verdade, proceder-se a uma redistribuição da cotação do item viciado proporcionalmente por todos os restantes itens da prova (tal como a Recorrente veio sustentar na sua contestação), por forma a manter a escala de 0 a 20 e a assegurar que o formando que ficou à frente de outro não fique para trás. Esta seria, salvo o devido respeito, a solução que melhor respeitaria o princípio da igualdade de tratamento de todos os formandos.

s) Efectivamente, fazendo a aplicação deste mecanismo de redistribuição da cotação do item viciado pelos restantes estar-se-ia a garantir a justeza ao nível da nota final, pois que, a cotação daquela questão não seria igual para todos, variando em função da classificação de cada um no resto da prova.

t) Desta forma estaria assegurada a veracidade dos resultados finais, face àquele que foi o desempenho de cada um dos formandos e, em especial, da recorrida nas restantes questões do exame.

v) Entendeu, no entanto, o MM Juiz que "«ao tendo as "partes" chegado a entendimento quanto a outra solução que salvaguardando interesse e legítimo direito da autora, não implicasse negativamente na posição de outros examinandos, entendemos que a solução, face à anulação daquela vertente da prova, por erro, passa pela repetição da prova por parte da autora".

x) Salvo o devido respeito, tal solução sempre redundaria numa verdadeira violação do princípio da igualdade e do tratamento imparcial entre os formandos, pois que, apenas à aqui Recorrida (e não já aos demais candidatos que com ela realizaram o exame em questão) seria concedida a possibilidade de realizar um novo exame.

z) Ora, existindo ampla margem de manobra da entidade Recorrente quanto ao conteúdo do acto a praticar, conforme acima se adiantou, o MM Juiz a quo não poderia deixar de ver os seus poderes de pronúncia limitados à mera indicação das vinculações, afirmando as linhas orientadoras da decisão e, não já, impondo à Recorrente, em concreto, uma determinada solução.

aa) Nesta medida, fácil se torna concluir que a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 3° e 71°, n°2 do CPTA, na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos.”



Não houve contra-alegações
O Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
x x
2. Fundamentação
2.1. De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

a) A aqui autora, na qualidade de Advogada - Estagiária, com cédula n°…………., candidatou-se a inscrição definitiva como advogada, a cujo processo de inscrição foi atribuído o n°………..-doc.s 1 e 2 juntos com a petição;

b) Foi admitida a exame escrito nacional de avaliação a agregação que realizou a 03.03.2007-doc. 3;

c) A autora tem como informação final de Estágio "Aprovada com distinção"—doc.4;

d) Veio a repetir a prova escrita do exame nacional de avaliação e agregação, na qual obteve a classificação de 8,1 valores.

e) Por não se conformar com tal classificação, a autora interpôs recurso para a Comissão Nacional de Avaliação (CNA) da Ordem dos Advogados expondo as suas razões, dizendo, entre o mais:

«... a pergunta do Grupo II - d) foi formulada contrariamente ao veiculado na nota informativa da C NE FF e CNA. // Pela razão aduzida (...), requer-se a atribuição da pontuação máxima da pergunta do Grupo II - d) formulada na prova de exame de Prática Processual Civil, ou seja, 1,5 valor. // Pelo exposto deve o presente; recurso merecer provimento e em consequência, ser a recorrente admitida a prova oral, conforme disposto no art. 52° do RGF.» - doc. 5;

f) E invocava não ter ficado "...esclarecida quanto à apreciação e cotação das suas respostas face à grelha de correcção nem sobre a concreta motivação dos formadores correctores para a não valorização de determinados itens das suas respostas.”

g) A mencionada questão d) do Grupo II referente à área da Prática Processual Civil versava sobre matéria de Recursos em Processo Civil, e era-lhe atribuída uma cotação de 1,5 valores, sendo do seguinte teor:

«d) Se o advogado do Manuel requeresse a realização de diligências tendentes à descoberta da verdade e o advogado do José se opusesse ao requerido, o despacho favorável do Juiz sobre essas diligências poderia ser impugnado? Como, e em que prazo? 1, 5v» - doc. 6;

h) Na nota informativa emanada a 23.02.2007, pela CNEF e a CNA da Ordem dos Advogados e relativa ao "Exame final de avaliação e agregação a realizar no dia 3 de Março de 2007", consta, entre o mais:
«A CNEF e a CNA vêm prestar aos Advogados Estagiários as seguintes informações:
(…)
// 3- Para os Senhores Advogados Estagiários inscritos ao abrigo do Regulamento 42-A/2005 (RGF):
As provas incidirão sobre as matérias constantes dos programas da formação na 1ª e 2ª fases do estágio aprovados pela Comissão Nacional de Estágio e Formação, com excepção, no que a Prática Processual Civil respeita, das partes referentes aos recursos e ao processo de execução.» - doc. 7;

i) Por ofício de 23.05.2007, da Secretária Geral do CD de Lisboa da OA, a autora era notificada de que:
«Na sequência do pedido de revisão formulado, comunico a V. Exa. que o mesmo não obteve provimento, sendo que o resultado final da prova é de 8 valores (Não Aprovado). // Subsequentemente, deverá V. Exa. requerer, nos termos do artigo 49° do Regulamento n°42-A/2002, de 29.10, D.R. II Série, em 10 dias úteis, a repetição da fase de formação complementar, sob pena de suspensão automática da inscrição, conforme o disposto no artigo 50° do regulamento citado.
Deverá Igualmente, proceder ao pagamento do emolumento referente ao não provimento no pedido de revisão (€75). /
//Junto em anexo cópia do parecer emitido pelo(a) Senhor(a) Formador(a) relativo à(s) área(s) objecto de revisão» - doc. 8;

j) Nesse parecer é referido, entre o mais:
«Relativamente à questão D. embora não tenha respondido, a Recorrente entende que lhe deve ser atribuída a cotação total porque a questão foi formulada contrariamente ao veiculado na nota informativa da CNEF e CNA. /
/ Ora, salvo o devido respeito, carece de razão. Na referida questão não era exigido aos Srs. advogados estagiários a elaboração do requerimento de interposição do recurso, nem de alegações, hipótese que não respeitaria a nota informativa de CNEF e CNA, mas apenas que identificassem o recurso e o prazo de interposição do mesmo. Qualquer advogado estagiário tem obrigação de saber que as decisões Judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos. /
/Em face do exposto, decide-se não alterar o resultado da prova de PPC.» - doc. 8 parte final do parecer;

k) Consta do n°2 do artigo 47° do "Regulamento Geral da Formação", aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, e publicado em DR, 2a Série:
«Artigo 47° // Provas escritas nacionais //
2 - Cabe à CNF, ouvidos os diversos centros de estágio, proceder à marcação das datas da prova escrita e à CNA definir o seu conteúdo e a correspondente grelha de correcção, ficando a cargo dos centros de estágio a execução e classificação das provas segundo uma tabela de 0 a 20. //(...)»- doc. 9”.
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2.2. De Direito
Como decorre das conclusões da Ordem dos Advogados supra transcritas e ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, a definição do conteúdo da prova final de agregação em questão respeitou a informação veiculada pela CNF.
O exame final de agregação não respeitou a nota informativa veiculada pela CNEF e CNA, antes se tendo conformado nos seus estreitos limites, razão pela qual a CNA, ao considerar improcedente o recurso interposto, não violou o disposto no artigo 47º nº3 do Regulamento Geral de Formação. A sentença recorrida terá assim procedido a uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 47º nº3 do Regulamento Geral de Formação e da directiva emanada ao abrigo da definição do conteúdo das provas.
Acresce que, referindo “ a jurisprudência mais avisada”, a matéria de irregularidades na elaboração das provas não está sujeita a normas legais de regulamentos específicos, pelo que, na resolução de cada situação surgida, a Administração dispõe de amplos poderes (...), podendo, em princípio, “escolher “ qual a solução a adoptar.
Cita, a propósito, os artigos 66º e 71º, nº2, do CPTA, que impede o Tribunal de determinar o conteúdo do acto a determinar.
Ao determinar a realização de novo exame, a sentença recorrida extravasou claramente os poderes de pronúncia consagrados no artigo 71º, nº2 do CPTA.
Salvo o devido respeito, entendemos que não é assim.
No plano dos princípios, a recente evolução do direito administrativo tende a valorizar o princípio da plena jurisdição dos tribunais administrativos, que exerceram demasiado tempo uma jurisdição de poderes limitados, inclusive no plano dos poderes de condenação que lhe são conferidos, de onde reveste especial importância o novo poder de condenarem a Administração à prática de actos administrativos ilegalmente omitidos ou recusados, que o CPTA regula nos artigos 66º e seguintes. (cfr. Freitas do Amaral e Aroso de Almeida, “Grandes Linhas de Reforma do Contencioso Administrativo”, Almedina, 3ª ed., 59; Vieira de Andrade , “Os direitos fundamentais na Constituição Português”, 1976, 2ªed., Coimbra, 2001, p.363).
A nosso ver é demasiado restritiva a interpretação que a entidade demandada efectua do artigo 71º, nº2 do CPTA.
A sentença recorrida, ao determinar a realização de novo exame não extravasou os poderes de pronúncia do tribunal.
A questão essencial a resolver não mostra, face a estes princípios, especial dificuldade.
A tese da A., ora recorrida, sustenta que a matéria relativa a recursos em processo civil foi excluída do exame nacional de avaliação e agregação, sendo certo que a prova escrita continha uma questão relativa a tal matéria e a cuja resposta foi atribuída a cotação de 1,5 pontos. Trata-se de erro grosseiro. Como a recorrida não respondeu a tal questão obteve “0” (zero) pontos, com reflexos na sua pontuação e constitutivo da violação de preceitos constitucionais e princípios do CPA (artigos 3º, 13º, nº1, 47º e 266º da CRP e 3º nº1, 4º e 5º do CPA).
É notório, como se explica a fls.245 dos autos, que a questão d) do Grupo II referente à área da Prática Processual Civil viola tais preceitos legais ou as regras do Regulamento da Prova por inserir matéria que estava afastada (cfr. regras publicitadas pelo CNF sobre o procedimento da prova), a fls. 246, nas quais é excepcionada a parte referente aos recursos e ao processo civil.
Não se pode assim defender como o faz a Comissão Nacional de Avaliação que a matéria da questão em causa não estivesse fora do âmbito da prova, só se podendo concluir, como o fez a sentença recorrida, que existiu violação do disposto no nº2 do artigo 47º do Regulamento geral de Formação, o que confere à recorrente o direito à reparação de tal erro, em virtude do qual foi excluída. Tratando-se de erro procedimental grosseiro, não se verifica qualquer invasão do poder discricionário que a Administração se arroga, que eventualmente lhe conferisse a faculdade de resolver a questão na sua óptica, dentro dos princípios que defende, podendo vir a cometer novo erro.
Na verdade, a iniciativa deve ser dada à recorrida, que pede à Ordem dos Advogados a conduta indispensável para assegurar o exercício do referido direito, seja pela atribuição da cotação total à questão do Grupo II da área de Prática I Processo Civil, ou seja, 1,5 valores que permite o acesso directo à prova oral, seja por outra solução tal como a repetição da Prova Escrita ferida de vício. Esta é a mais adequada.
No tocante à primeira solução, como o diz a sentença recorrida, a atribuição de 1,5 valores na questão em referência, significaria que o tribunal se estava a substituir ao avaliador, invadindo a sua área técnica, e podendo gerar uma situação de desigualdade face aos demais examinandos, cuja situação se ignora. A nosso ver, a solução derivada da anulação do acto ilegal praticado pela Ordem dos Advogados não pode deixar de passar pela admissão da autora à realização de nova prova escrita. Solução esta insusceptível de invadir a área de discricionariedade técnica da Ordem dos Advogados e que se mostra a mais susceptível de repor a situação de legalidade.
Deve, pois, a entidade demandada encetar os procedimentos necessários à repetição da prova escrita por parte da Autora, tal como justamente determinado em 1ª instância.
x x
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela entidade demandada em ambas as instâncias.
Lisboa, 21.02.2013
António A. Coelho da Cunha (relator por vencimento)
Fonseca da Paz
Paulo Pereira Gouveia VOTO DE VENCIDO
(Discordo, com o devido respeito, do entendimento que fez vencimento quanto à questão relativa ao modo de repor a legalidade, como passo a expor.
O presente recurso vem interposto pela ré.
· TERESA .............................. intentou no T.A.C. de LISBOA Acção Administrativa Especial contra
· ORDEM DOS ADVOGADOS.
Pediu ao tribunal da 1ª instância o seguinte:
-anulação do acto que recusou provimento ao recurso de revisão do Exame Nacional de Avaliação e Agregação da Ordem dos Advogados, com a consequente atribuição da cotação total à questão d) do Grupo II da área de Prática Processual Civil.
Por sentença de 17-9-2009, o referido tribunal decidiu julgar procedente a acção pela verificação do invocado vício de violação de lei relativamente ao enunciado da prova escrita que incluía matéria que estava excluída, o que determina a consequente anulação do acto sindicado e impõe à autoridade demandada a admissão da autora a nova prova escrita em substituição daquela.
Os FACTOS relevantes provados na 1ª instância foram:
a) A aqui autora, na qualidade de Advogada-Estagiária, com cédula n° ............., candidatou-se a inscrição definitiva como advogada, a cujo processo de inscrição foi atribuído o n° .......... – doc.s 1 e 2 juntos com a petição;
b) Foi admitida a exame escrito nacional de avaliação e agregação que realizou a 03.03.2007 – doc. 3;
c) A autora tem como informação final de Estágio "Aprovada com distinção" – doc. 4;
d) Veio a repetir a prova escrita do exame nacional de avaliação e agregação, na qual obteve a classificação de 8,1 valores.
e) Por não se conformar com tal classificação, a autora interpôs recurso para a Comissão Nacional de Avaliação (CNA) da Ordem dos Advogados, expondo as suas razões, dizendo, entre o mais: «... a pergunta do Grupo II - d) foi formulada contrariamente ao veiculado na nota informativa da CNEFF e CNA. // Pela razão aduzida (...), requer-se a atribuição da pontuação máxima da pergunta do Grupo II - d) formulada na prova de exame de Prática Processual Civil, ou seja, 1, 5 valor. // Pelo exposto deve o presente recurso merecer provimento e em consequência, ser a recorrente admitida a prova oral, conforme disposto no art. 52° do RGF.» - doc. 5;
f) E invocava não ter ficado “...esclarecida quanto à apreciação e cotação das suas respostas face à grelha de correcção nem sobre a concreta motivação dos formadores correctores para a não valorização de determinados itens das suas respostas.”
g) A mencionada questão d) do Grupo II referente à área da Prática Processual Civil versava sobre matéria de Recursos em Processo Civil, e era-lhe atribuída uma cotação de 1,5 valores, sendo do seguinte teor: «d) Se o advogado do Manuel requeresse a realização de diligências tendentes à descoberta da verdade e o advogado do José se opusesse ao requerido, o despacho favorável do Juiz sobre essas diligências poderia ser impugnado? Como, e em que prazo? 1,5v» - doc. 6;
h) Na nota informativa emanada a 23.02.2007, pela CNEF e a CNA da Ordem dos Advogados e relativa ao “Exame final de avaliação e agregação a realizar no dia 3 de Março de 2007”, consta, entre o mais: «A CNEF e a CNA vêm prestar aos Advogados Estagiários as seguintes informações: (...) // 3.- Para os Senhores Advogados Estagiários inscritos ao abrigo do Regulamento 42­ A/2005 (RGF): As provas incidirão sobre as matérias constantes dos programas da formação na 1ª e 2ª fases do estágio aprovados pela Comissão Nacional de Estágio e Formação, com excepção, no que a Prática Processual Civil respeita, das partes referentes aos recursos e ao processo de execução.» - doc. 7;
i) Por ofício de 23.05.2007, da Secretária Geral do CD de Lisboa da OA, a autora era notificada de que: «Na sequência do pedido de revisão formulado, comunico a V. Exa. que o mesmo não obteve provimento, sendo que o resultado final da prova é de 8 valores (Não Aprovado). // Subsequentemente, deverá V. Exa. requerer, nos termos do artigo 49° do Regulamento n° 42-A/2002, de 29.10, D.R. II Série, em 10 dias úteis, a repetição da fase de formação complementar, sob pena de suspensão automática da inscrição, conforme o disposto no artigo 50° do regulamento citado. Deverá Igualmente, proceder ao pagamento do emolumento referente ao não provimento no pedido de revisão (€ 75).// /Junto em anexo cópia do parecer emitido pelo(a) Senhor(a) Formador(a), relativo à(s) área(s) objecto de revisão» - doc. 8;
j) Nesse parecer é referido, entre o mais: «Relativamente à questão D, embora não tenha respondido, a Recorrente entende que lhe deve ser atribuída a cotação total porque a questão foi formulada contrariamente ao veiculado na nota informativa da CNEF e CNA. / / Ora, salvo o devido respeito, carece de razão. Na referida questão não era exigido aos Srs. advogados estagiários a elaboração do requerimento de interposição do recurso, nem de alegações, hipótese que não respeitaria a nota informativa da CNEF e CNA, mas apenas que identificassem o recurso e o prazo de interposição do mesmo. Qualquer advogado estagiário tem obrigação de saber que as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos. / /Em face do exposto, decide-se não alterar o resultado da prova de PPC.» - doc. 8 parte final do parecer;
k) Consta do nº 2 do artigo 47º do “Regulamento Geral da Formação”, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados, e publicado em DR, 2ª Série: «Artigo 47° // Provas escritas nacionais // 2 - Cabe à CNF, ouvidos os diversos centros de estágio, proceder à marcação das datas da prova escrita e à CNA definir o seu conteúdo e a correspondente grelha de correcção, ficando a cargo dos centros de estágio a execução e classificação das provas segundo uma tabela de 0 a 20. // (...)» - doc. 9.
A DECISÃO JURISDICIONAL ORA RECORRIDA entendeu o seguinte:
«Feito o saneamento do processo e conhecidas as questões sobre a cumulação de pedidos e objecto da acção, insurge-se agora a ED contra o que diz ser a inadmissível ampliação do pedido feita pela autora, nomeadamente quando, nas alegações, pede a atribuição da cotação de 1,5 valores na questão a que não respondeu, ou seja, quanto ao pedido de condenação da ré na prática de acto devido. No saneador e, porque assim o entendera a Entidade demandada, definiu-se que se tratava de impugnação de acto administrativo, com vista à declaração da sua anulabilidade, por ser esse o pedido que se afigura ser o principal formulado pela autora, i. é o de seja anulado "o acto que recusou provimento ao recurso de revisão do Exame Nacional de Avaliação e Agregação à Comissão Nacional de Avaliação da Ordem dos Advogados".
Sendo que já na petição a autora avançava como uma das soluções/hipóteses, que lhe fosse atribuída a “cotação total à questão d) do Grupo II da área de Prática Processual Civil”.
Posto isto, entendemos que nas alegações da autora não existe propriamente um novo pedido ou uma ampliação do inicial, contendo-se a vertente de que seja o tribunal a fixar a atribuição dessa pontuação de 1,5 valores naquela questão, pois que se prende com uma das vertentes do pedido e a apreciar em sede de procedência ou improcedência desta vertente do pedido, ou antes como consequência da procedência do pedido principal.
Por outro lado, verificamos que a autora tendo invocado, na petição, outros factos como causa de pedir, deixou-os cair nas suas alegações, o que terá de ser entendido como desistência quanto a esses alegados vícios do acto, e consequente causa de pedir, pelo que deles se não conhecerá.
A questão da (in)validade do acto.
Sustenta a autora que a matéria relativa a recursos em processo civil foi excluída do exame nacional de avaliação e agregação e que a prova escrita continha uma questão relativa a tal matéria e a cuja resposta foi atribuída a cotação de 1,5 pontos. A autora não respondeu a esta questão, obtendo “0” pontos e sente-se com isso prejudicada porque diz, existe erro grosseiro na elaboração da dita prova com reflexos na sua pontuação, enfermando por isso o acto de recusa de vício por violação de preceitos constitucionais e de princípios do CPA que indica como sendo os normativos constantes dos artigos 3º, 13°, n° 1, 47° e 266° da CRP e artigos 3º, n° 1, 4º, 5º e 6º do CPA.
Vejamos então se resulta que a prova escrita do exame nacional na questão d) do Grupo II referente à área da Prática Processual Civil, viola aqueles preceitos legais ou as regras do Regulamento das provas por inserir matéria que estava afastada.
Tal questão era: Se o advogado do Manuel requeresse a realização de diligências tendentes à descoberta da verdade e o advogado do José se opusesse ao requerido, o despacho favorável do Juiz sobre essas diligências poderia ser impugnado? Como, e em que prazo – cf. supra al. g) da matéria de facto.
Verificamos competir à CNF “… proceder à marcação das datas da prova escrita e à CNA definir o seu conteúdo e a correspondente grelha de correcção, ficando a cargo dos centros de estágio a execução e classificação das provas segundo uma tabela de 0 a 20” – artigo 47º do RGF, e supra alínea k).
E apurou-se que a CNF, no exercício dessas competências, definiu e publicitou regras sobre o procedimento das provas a realizar, entre as quais as de que:
“As provas incidirão sobre as matérias constantes dos programas da formação na 1ª e 2ª fases do estágio aprovados pela Comissão Nacional de Estágio e Formação, com excepção, no que a Prática Processual Civil respeita, das partes referentes aos recursos e ao processo de execução.” – alínea h) da matéria de facto, ou seja, excluiu das matérias das provas a “referentes aos recursos”.
Entendeu a Comissão Nacional de Avaliação, na apreciação do recurso interposto pela aqui autora, e entende a aqui ré, que aquela matéria da questão não estava fora do âmbito da prova por ser matéria cujo conhecimento era exigível a qualquer candidato fazendo parte do programa e porque nela se não era pedido nem a elaboração de requerimento para interposição de recurso nem peça de alegações –[cf. supra, al. j)].
Ora, com o devido respeito, entendemos não ser de aceitar esta versão dos factos pois que a questão colocada implica necessariamente conhecimentos em matéria de recursos, matéria essa que fora afastada da incidência da prova, e por isso aquela questão não tinha quer ser colocada.
E nem parece colher o argumento de que se tratava de matéria constante dos programas de formação na 1ª e 2ª fase do estágio, porque o que se diz é que a prova abrange tais matérias do programa, com excepção das partes referentes aos recursos.
E o perguntar se determinada decisão do juiz é ou não susceptível de impugnação, como e em que prazo, inclui-se claramente dentro da matéria relativa aos recursos, sobre que tipo de impugnação, de recurso, e qual o prazo.
E nem se cura de saber se era matéria que devia ou não ser do conhecimento dos advogados-estagiários submetidos à prova escrita porte a matéria relativa a recursos fora afastada da incidência das provas, e sendo-o, naturalmente que a sua inclusão viola as regras preestabelecidas para as ditas provas, e bem assim as regras do Regulamento das provas, mormente o citado preceito do artigo 47º que comete a função de definir os conteúdos das provas, o que a dita Comissão fez, mas não respeitou, nem aceitou tal erro quando chamada a decidir o recurso da autora com tal fundamento.
Assim sendo parece manifesto falecerem os argumentos da entidade demandada ao sustentar que aquela matéria não estava afastada, ou que, estando-o podia ser incluída do enunciado das provas.
Por isso que a decisão da Comissão Nacional de Avaliação (CNA), mencionada em i) e j) supra, que considerou improcedente o recurso apresentado pela aqui autora, na vertente que abrange esta questão da matéria de recursos, violou o disposto o disposto no nº 2 do artigo 47º do Regulamento Geral de Formação, e bem assim a directiva emanada ao abrigo deste preceito de definição do conteúdo das provas, como consta do ponto 3 transcrito h) supra.
Mostra-se pois verificado o vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, pelo acto administrativo produzido pelos Órgãos da Entidade Demandada e sindicados nesta acção.

Temos então que concluindo-se como se concluiu, estar o acto em causa afectado por vício de violação de lei, vejamos quais as consequências jurídicas daí a retirar.
Não podendo proceder o pedido inicial da autora, de intimação, para que fosse admitida às provas que se realizavam entre 9 e 13 de Julho desse ano até pela impossibilidade de em tempo útil apreciar tal pedido nesta acção entrada a 14 de Junho, verifica-se que a autora, nas alegações pede: «… impondo à Ordem dos Advogados a conduta indispensável para assegurar o exercício do referido direito, /
/i. Seja pela atribuição da cotação total da à questão d) do Grupo II da área de Prática Processual Civil, ou seja, 1,5 valor, que permite o acesso directo à Prova Oral; /
ii. Seja por outra solução, tal como a repetição da Prova Escrita ferida de vício.»
Sustenta a propósito a Entidade Demandada ser inadmissível esta primeira solução, pois a atribuir-se-lhe a pontuação de 1,5 valores naquela questão estaria o Tribunal a substituir-se ao avaliador, e que tal opção geraria uma situação de desigualdade face aos demais examinandos.
Ora, neste particular, entende-se assistir plena razão à entidade demandada por não ser legalmente possível, na situação, o tribunal substituir-se nas atribuições da entidade competente e atribuir uma pontuação sem conhecimento das demais situações de provas existentes, até pela razão de que ao estar-se a tentar resolver tal situação de ilegalidade do acto se estaria a criar uma outra situação que geraria desigualdade e injustiça perante os demais candidatos que não tiveram semelhante oportunidade.
Por isso que não possa proceder esta vertente do pedido.
Intenta a Entidade Demandada a hipótese de, na pontuação da autora, se “proceder a uma redistribuição da cotação do item viciado proporcionalmente por todos os restantes itens da prova, por forma a manter a escala de 0 a 20 e a assegurar que o formando que ficou à frente de outro não fique para trás”.
Tal como refere a ED, perante esta solução verifica-se que, pela aplicação de tal fórmula percentual, a autora não obteria notação positiva, pois ficaria pelos 8,75 valores, como resulta do cálculo apresentado.
Ora, independentemente deste resultado, entendemos não ser esta a situação que, perante a invalidade daquela questão do enunciado da prova, melhor reponha na esfera jurídica da autora a situação que existiria se o acto em causa não tivesse sido praticado ferido de tal vício.
Isto porque sendo da responsabilidade da ED o erro cometido na formulação do enunciado da prova, ficamos sem saber qual a pontuação que a autora porventura teria se não tivesse sido cometido, e por isso que sendo impossível prognosticar qual a pontuação que a autora teria se tal questão não tivesse sido formulada, não parece que deva ser ela a suportar o ónus ou parte do ónus desse erro, porque dessa forma não lhe é resposta a situação hipotética que existiria.
E, não tendo as “partes” chegado a entendimento quanto a outra solução que salvaguardando interesse e legítimo direito da autora, não implicasse negativamente na posição de outros examinandos, entendemos que a solução, face à anulação daquela vertente da prova, por erro, passa pela repetição da prova por parte da autora.
Noutra perspectiva refere a autora ser pública e notória a existência de casos em que a o.a. permitiu aos Estagiários uma forma de reparação de erros, acontece que não está descrita ou concretizada qualquer situação em que tal tenha ocorrido e nada nos permite concluir que se trate de situação de conhecimento que seja público e notório, do conhecimento da generalidade das pessoas, pelo que não pode proceder esta argumentação. Temos então que a solução derivada da anulação do acto passa pela admissão da autora à realização de nova prova escrita, em substituição daquela, até porque se trata de um dos pedidos que formula e se afigura aquele que melhor repõe a situação de legalidade e ainda assim apesar do tempo entretanto decorrido.
Assim sendo, impõe-se julgar procedente a acção pela verificação do invocado vício de violação de lei relativamente ao enunciado da prova escrita que incluía matéria que estava excluída, o que determina a consequente anulação do acto sindicado e impõe à autoridade demandada a admissão da autora a nova prova escrita em substituição daquela».

Como referi, discordo, em parte, do decidido na 1ª instância, confirmado agora neste Ac.
a. O caso
A O.A. publicitou, nos termos legais e regulamentares, que a matéria dos recursos não seria incluída nas provas cits. No entanto, desrespeitou tal regra.
O TAC, corretamente, anulou a recusa de provimento dada no recurso de revisão do Exame Nacional de Avaliação e Agregação da Ordem dos Advogados, interposto pela A.
E, havendo ainda um pedido condenatório (atribuição da cotação total à questão d) do Grupo II da área de Prática Processual Civil), decidiu impor à autoridade demandada a admissão da autora a nova prova escrita em substituição da prova feita com a pergunta proibida. É este o ponto de que se discorda.
Está em causa, neste 2º pedido da autora, apurar como respeitar o nº 3 do art. 95º do CPTA, na parte em que, note-se, é igual aos arts. 71º,2, e 179º,1, CPTA.
Discordo desde logo da seguinte afirmação do Ac.: «Tratando-se de erro procedimental grosseiro, não se verifica qualquer invasão do poder discricionário que a Administração se arroga, que eventualmente lhe conferisse a faculdade de resolver a questão na sua ótica, dentro dos princípios que defende, podendo vir a cometer novo erro».
Também discordo da seguinte afirmação do Ac. que fez vencimento, que é uma conclusão, aliás, não fundamentada: «A nosso ver, a solução derivada da anulação do acto ilegal praticado pela Ordem dos Advogados não pode deixar de passar pela admissão da autora à realização de nova prova escrita. Solução esta insusceptível de invadir a área de discricionariedade técnica da Ordem dos Advogados e que se mostra a mais susceptível de repor a situação de legalidade».
E, ao contrário do referido no Ac. que fez vencimento, esta questão oferece especial dificuldade. Consabidamente, a meu ver.
b. Os arts. 71º e 95º CPTA
Não está aqui em causa o invocado art. 71º,2, mas sim o semelhante art. 95º,3,4,5 CPTA.
Com efeito, a situação trazida a juízo não cabe nas previsões dos arts. 66º e 67º do CPTA, pois que do que se trata aqui é de “apenas” invalidar um ato administrativo que não resulta de um requerimento pretensivo por parte da A.; ou seja, é litígio a tramitar de acordo com os arts. 50º a 65º e 78º ss do CPTA, uma vez que não foi recusada a apreciação de um requerimento autónomo da a. ou a emissão de uma concreta decisão administrativa imposta por lei. Mas, sendo lícito o 2º pedido cumulado, acessório ou consequente, cabe ao juiz apreciá-lo (arts. 212º,3 CRP e 2º,2 CPTA). Note-se que os pedidos cumulativos previstos no art. 47º do CPTA têm, logicamente, de ser, cada um por si, lícitos ou admitidos pelo CPTA. E aqui são. Houve, na realidade, a cumulação dum pedido anulatório com um pedido condenatório, sendo este acessório ou consequente do primeiro. É lícita tal cumulação, ao abrigo dos arts. 4º,1,2,a),e) e 47º,1,2,b) do CPTA, uma vez que há dependência nos pedidos e estes dependem da apreciação dos mesmos factos.
De acordo com o art. 95º,3, cit., se a adoção da conduta devida, aqui em consequência da anulação do ato administrativo impugnado, envolver a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (=que envolvam juízos de mérito/conteúdo, de oportunidade ou de conveniência, em vez de juízos estritamente jurídicos), sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo da conduta a adotar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração. Ou seja, o tribunal não se pode intrometer no espaço próprio de valoração que corresponde ao exercício de poderes discricionários por parte da Administração.
Quando, em determinada matéria, o quadro normativo aplicável reserva para a Administração o poder de introduzir a definição jurídica primária através da prática de um acto administrativo, a Administração beneficia de uma reserva de princípio quanto ao poder de definir o Direito nessa matéria. Só deste modo se assegura o respeito pelo princípio da separação e interdependência de poderes. Do mesmo postulado resulta, entretanto, o imperativo de que o tribunal deve dizer e aplicar o Direito, em toda a extensão com que as normas jurídicas sejam chamados a intervir para dirimir os litígios jurídico-administrativos (assim: MÁRIO AROSO, in Temas e Problemas do Proc. Adm., ICJP da FDL, 2ª ed., 2011, ed. online, pp. 106-107).
Ora, no caso presente, é certo que aquela concreta pergunta não poderia ter sido incluída na prova. Foi isso que a O.A. determinou e publicitou no tempo e modo devidos. E por isso a resposta a tal pergunta não podia contar para a avaliação de 0 a 20 valores dos examinandos, como a autora.
Mas, tendo a prova feita pela A e pelos outros candidatos violado uma regra pré-fixada e devidamente publicitada, temos de saber como repor a legalidade administrativa concreta (cfr. o texto dos arts. 95º,3, e 173º,1 CPTA).
c. Jurisdição, legalidade e discricionariedade
O tribunal recorrido ouviu as partes sobre isso. Não houve “acordo”.
A discricionariedade administrativa (em sentido amplo) ou a (desde Bachof em meados do séc. XX) margem de livre apreciação administrativa (vd. MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.MATOS, D. Adm. Geral, § 9; FREITAS DO AMARAL, Curso…, II, 2011, pp. 116 ss; VIEIRA DE ANDRADE, Lições de D. Adm., 2011, pp. 42 ss), integrável na margem de livre decisão administrativa, é onde ocorrem as valorações próprias da função administrativa para a aplicação da lei ao caso concreto, na procura da melhor solução, orientada pelo fim da norma legal e sob a égide da juridicidade (vd. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/C.C., Comentário ao CPTA, anot. aos arts. 71º e 95º).
Penso que a cit. solução adotada na 1ª instância, e ora mantida, é apenas uma solução de entre outras possíveis, num contexto como este, em que está em causa a atividade administrativa, amplamente “discricionária”, de avaliar candidatos a advogados, o que aqui inclui “discricionariedade optativa” e discricionariedade criativa” (vd. SERVULO CORREIA, Legalidade…, p. 479). Por ex., considerando a O.A. os objetivos prosseguidos, o tipo de perguntas lícitas feitas, as necessidades da O.A., etc., poderia esta optar por:
i. - Manter a prova de 0 a 20 valores tirando os 1,5 valores desta pergunta ilegal a todos os examinandos, sendo-se reprovado com menos de metade 18,5 valores;
ii. – Desconsiderar a pergunta ilegal a todos os examinandos, ficando a prova como sendo de 0 a 18,5 valores, convertendo-se depois a nota obtida para uma nota na escala de 0 a 20 valores;
iii. - Atribuir os 1,5 valores desta pergunta a todos os examinandos;
iv. – Ou, contra a imparcialidade objetiva, redistribuir os 1,5 valores pelas restantes respostas, já conhecidas do avaliador da O.A.
Não há, portanto, redução da margem de liberdade ou escolha dada à O. A. pela lei, mesmo depois de detetada esta concreta ilegalidade.
Muito longe disso.
Pelo que o juiz não pode impor uma solução. Tendo-o feito, o TAC não respeitou os espaços de valoração próprios do exercício da função administrativa e assim violou o nº 3 do art. 95º cit., semelhante aliás ao nº 1 do art. 179º, que não tolera esta imposição decidida na 1ª instância e ora mantida.
d. Igualdade, ponderação e proporcionalidade
A norma-princípio da igualdade prevista nos arts. 13º e 266º da CRP é aqui chamada num contexto de “reposição do cumprimento” de uma regra regulamentar administrativa destinada à O.A. e aos examinandos como a A., qual seja o art. 47º,2 cit., conjugado com a cit. nota informativa emanada a 23.02.2007, pela CNEF e pela CNA da Ordem dos Advogados, relativa ao “Exame final de avaliação e agregação a realizar no dia 3 de Março de 2007”.
Sendo o princípio da igualdade um dos limites internos ou imanentes da margem de livre decisão administrativa, o juiz tem o dever de fazer cumprir tal princípio pela Administração, o que normalmente implica uma atuação “negativa” por parte do juiz, que dirá o que não pode ser feito.
A solução ora adotada, jurisdicional, mas que poderia ser administrativa (!), viola, no entanto, o princípio da igualdade: os restantes examinandos só fazem uma prova e com a pergunta ilegal, enquanto que a A fará duas provas, sendo uma sem a pergunta ilegal; para o bem ou para o mal; de uma e ou de outros.
No caso presente, a prestação de nova prova de avaliação pela autora coloca-a numa posição desigual, favorável e ou desfavorável, ante os outros examinandos, para quem esta pergunta ilegal ou proibida foi base da sua classificação.
Além disso, não descortino aqui qualquer argumento que, em sede ponderativa e de respeito pela regra suprema da proporcionalidade, imponha a solução concreta adotada pelo TAC e agora neste Ac. Pensemos, aliás, na possibilidade, face à norma regulamentar em causa, obrigatória, de a O.A. decidir agora desconsiderar a cit. pergunta/resposta, para depois converter a classificação obtida por cada examinando, de 0 a 18,5 valores, para a escala normal de 0 a 20 valores.
Não tenho dúvidas de que esta solução seria objetivamente mais consentânea com as normas/princípios da igualdade e da transparência, sem beliscar o princípio formal da legalidade administrativa, o qual aqui impõe a regra clara que proibiu que a O.A. fizesse perguntas aos examinandos sobre a matéria dos recursos. Mas como, teoricamente, pode haver ainda outra solução avaliativa justa, para cumprir a cit. regra, o juiz deve abster-se de impor aquela solução. O que demonstra, na ponderação jurisdicional, a iniquidade relativa da solução adotada.
Aliás, no plano dos princípios (v.g., legalidade, igualdade e tutela da confiança legítima) tudo aqui aponta para o que acabo de dizer. Não existem aqui, contra os princípios citados e contra a regra administrativa cit., quaisquer “cancelling facts”, como diria JOSEPH RATZ (Practical Reason and Norms, Oxford, 1999, p. 187).
Por outro lado, o disposto no art. 161º CPTA não substitui, nem se sobrepõe ao princípio da igualdade como um limite imanente da margem de livre decisão administrativa ou jurisdicional.
e. Vinculações da Ad. P. em atividade discricionária
Já vimos a ilegalidade administrativa cometida pela O.A. contra as suas regras devidamente publicitadas.
Está em causa a atividade administrativa amplamente discricionária de avaliar candidatos a advogados.
O mais importante, assim, seria que agora a O.A., ao dar cumprimento ao julgado anulatório, não atuasse em termos que ponham ainda em causa outros princípios ou regras de direito, como por ex. a imparcialidade objetiva, a igualdade, a boa fé, a transparência da A.P. e a livre concorrência ante a A.P.; não poderia, por isto, a O.A., por ex., sujeitar a autora a segunda prova, diferente, sem a pergunta ilegal, ou redistribuir os 1,5 valores da pergunta ilegal cit. pelas restantes perguntas da prova, como se referiu na alegação (!), porque a O.A. já conhece as respostas dadas pelos examinandos, A. incluída; sob pena de inquinar o cumprimento pleno da sentença com a violação de tais princípios.
Não desconheço a jurisprudência sobre litígios nesta área das provas ou exames com ilegalidades. Mas a variedade dos casos jurídicos a resolver é muita e as soluções respetivas não são transponíveis para outros casos; o que não surpreende, pois estamos no mundo da margem de livre decisão administrativa.
f. Conclusão
Pelo ora exposto, concederia parcial provimento ao recurso e revogaria a sentença na parte em que impõe à autoridade demandada a admissão da autora a nova prova escrita, deixando à O.A. a margem de livre decisão que o direito aqui lhe dá.) Paulo Pereira Gouveia