Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1007/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO
REVERSÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA.
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DO ACTO
Sumário:1. No procedimento de reversão a audição prévia do contribuinte permite contrapor ao projecto de decisão, que lhe foi notificado, as razões de discordância e a apresentação de meios de prova (artigos 23.º, n.º 4 e 60.º da LGT).

2. Não sendo o direito de audição prévia assegurado pela AT forma prevista no art.º 60.º da LGT, nomeadamente fazendo-se tábua rasa do disposto no seu n.º 7, em conjugação com o disposto no art.º 104.º do CPA à data vigente (2009), tal inquina o despacho de reversão de vício de forma por preterição do direito de participação, determinante da sua anulação.

3. O princípio do aproveitamento do acto administrativo apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente ou se trate de actividade administrativa vinculada, não se vislumbrando a mínima possibilidade de a audição poder ter influência sobre o conteúdo da decisão.

4. Não estando em causa actividade vinculada nem uma solução legal evidente e tendo a Administração Fiscal feito tábua rasa quanto aos elementos factuais novos invocados pelo oponente em sede do direito de audiência, omitindo qualquer valoração e apreciação dos mesmos, com violação do art. 60º, nº 7, da LGT, nem tendo feito quaisquer diligências instrutórias complementares, como lhe impõe os arts. 58º do CPPT e art. 104º do CPA, as insuficiências instrutórias do procedimento de reversão não são de molde a poder concluir-se com segurança que o sentido do despacho final teria necessariamente de ter aquele conteúdo e não outro, pelo que não é de aplicar o princípio do aproveitamento do acto.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A… à execução fiscal n.º 3… e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “O P…, Lda.” por dívidas de IVA, IRS, IRC e coimas fiscais.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«
A.
A questão controvertida consiste em saber se houve efectivamente uma violação do direito de audição prévia e do direito de participação por parte do órgão de execução fiscal geradora de ilegalidade do despacho de reversão.
B.
O Tribunal a quo decidiu que “(…) atenta a informação que precede o despacho de reversão e o despacho de reversão, verifica-se que, quanto ao alegado em sede de direito de audição pelo Oponente, em termos dos mencionados pressupostos, nada foi dito, nada tendo sido igualmente dito quanto à (não) realização das diligências instrutórias requeridas, a saber a inquirição das testemunhas arroladas./ Ora, esta ausência de pronúncia por parte do órgão de execução fiscal fere de ilegalidade o despacho de reversão, por se ter preterido uma formalidade essencial que, face aos fundamentos invocados pelo oponente, não poderia deixar de ter sido cumprida.”
C.
O direito de audição de que gozam os contribuintes, consagrado no art. 60° n°1, da LGT, constitui um direito constitucional aplicado ao procedimento tributário, enquanto corolário do princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações da Administração Pública que lhe digam respeito, visando assegurar uma tutela preventiva contra qualquer lesão dos seus direitos ou interesses (art.267º, n°5, da CRP).
D.
Segundo o disposto no nº 7 do art. 60º da LGT, “os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão”.
E.
A apresentação destes elementos novos, se se tratar de elementos atinentes à matéria de facto, poderá justificar a realização de novas diligências que deverão ser realizadas, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, caso se devam considerar como convenientes para apuramento da matéria factual em que deve assentar a decisão. (arts. 58º da LGT e 104º do CPA).
F.
A obrigatoriedade de ter em conta estes elementos novos, na fundamentação da decisão, traduz-se em eles deverem ser mencionados e apreciados, sendo que a falta de apreciação dos elementos factuais ou jurídicos novos invocados pelos interessados constituirá vício de forma, por deficiência de fundamentação, susceptível de levar à anulação das decisões do procedimento.
G.
Conforme se apreende da leitura do requerimento do oponente através do qual veio exercer o seu direito de audição prévia, não foram suscitados quaisquer elementos novos, limitando- se o mesmo a negar o exercício da gerência de facto, gerência devidamente comprovada pela documentação junta aos autos pelo órgão de execução fiscal, e a alegar que a sociedade executada tinha bens susceptíveis de penhora, no entanto, mais uma vez, sem diligenciar no sentido de nomear/referenciar quais os bens a que se referia.
H.
Atento o facto de não terem sido trazidos quaisquer elementos novos aquando do exercício do direito de audição, não podemos concordar, com todo o devido respeito, com a afirmação da Meritíssima Juiz quando afirma que, in casu, não estamos perante uma situação de eventual degradação de uma formalidade essencial em não essencial por não se poder antecipar quais teriam sido os resultados de eventuais diligências instrutórias, mais concretamente, a audição das testemunhas, o que por si só implica não poder ser aqui aplicável a teoria do aproveitamento do acto.
I.
Estando em causa vícios procedimentais geradores de mera anulabilidade, como é o caso da violação do art. 60º da LGT, por falta de audição das testemunhas oferecidas, admite-se, por força do princípio geral de direito administrativo do aproveitamento do acto, que, por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual, o acto administrativo, apesar de inválido, não deve ser anulado quando, designadamente, o seu conteúdo “não possa ser outro e não haja interesse relevante na anulação” ou “quando se comprove sem margem para dúvidas que o vício formal não teve qualquer influência na decisão” (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE; Lições de Direito Administrativo, 2ª ed., Coimbra, 2011, p. 179.).
J.
No caso em apreço, não houve uma omissão do dever de audiência prévia, isto é, o oponente foi devidamente notificado nos termos dos artigos 23º e 60º da LGT, tendo vindo exercer o seu direito, o qual mereceu uma resposta por parte da Administração Tributária.
K.
O que realmente sucedeu é que, analisado o requerimento apresentado, e inexistindo quaisquer factos ou elementos novos que pudessem influenciar/modificar a decisão do órgão de execução fiscal, decisão essa, sustentada por uma vasta documentação – tanto quanto ao requisito do exercício da gerência de facto, tanto quanto à inexistência de bens em nome da sociedade executada – o órgão de execução fiscal decidiu pelo prosseguimento da reversão e ordenou a citação dos responsáveis subsidiários.
L.
A formalidade em causa, consubstanciada na audição das testemunhas oferecidas em sede de audição prévia degradou-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão de reversão, uma vez que a realização daquela diligência probatória não tinha a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que por si só impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur.
M.
Aplicando a teoria do aproveitamento do acto ao caso em análise, concluímos que, o órgão de execução fiscal decidiu pela não inquirição das testemunhas em sede de audiência prévia pelo facto de ter em seu poder provas suficientes e irrefutáveis da gerência de facto exercida pelo Oponente, requisito decisivo e determinante para o prosseguimento da reversão contra o mesmo.
N.
Perante este quadro, entende a Fazenda Pública que o Tribunal a quo errou no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, violando o disposto nos artigos 23 º, 58º e 60º da LGT, e ainda art. 58º do CPA, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente.
Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo no sentido da improcedência do recurso, mantendo-se a sentença na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela preterição do direito de participação no procedimento de reversão e (ii) se no caso em apreço estavam reunidos os pressupostos para a aplicação do princípio do aproveitamento do acto.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) Pela inscrição 1, ap. 2…/1…, foi registada, na Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira, a constituição da sociedade O P…, Lda, e a designação do oponente como seu gerente (cfr. fls. 114 e 115, dos autos, e fls. 104 e 105, do PEF 3… apenso).

2) Pelo Av. 1 – AP. 1…/2… foi registada, na Conservatória do Registo Comercial de Vila Franca de Xira, a cessação de funções de gerência do oponente, na sociedade mencionada em 1), por ter renunciado em 29 de junho de 2006 (cfr. fls. 115 e 116, dos autos, e fls. 105 e 106, do PEF 3… apenso).

3) Foi apresentada, junto dos serviços da AT, declaração de inscrição no registo / início de atividade, datada de outubro de 1997, relativa à sociedade mencionada em 1), na qual foi aposta a assinatura do oponente (cfr. fls. 245 e 246, dos autos, e fls. 169 e 170, do PEF 3… apenso).

4) Foi apresentada, junto dos serviços da AT, declaração de alterações de atividade, datada de 31.05.2000, relativa à sociedade mencionada em 1), na qual foi aposta a assinatura do oponente (cfr. fls. 247 e 248, dos autos, e fls. 171 e 172, do PEF 3… apenso).

5) Foi apresentada, junto dos serviços da AT, declaração de alterações de atividade, datada de junho de 2001, relativa à sociedade mencionada em 1), na qual foi aposta a assinatura do oponente (cfr. fls. 249 e 250, dos autos, e fls. 173 e 174, do PEF 3… apenso).

6) Foram apresentadas pela sociedade referida em 1) guias de retenção na fonte de IRS, relativas aos períodos compreendidos entre junho de 2005 e Setembro de 2005, submetidas a 20.07.2005, 10.08.2005, 16.09.2005 e 17.10.2005 (cfr. fls. 281 a 288).

7) Foram apresentadas pela sociedade referida em 1) declarações periódicas de IVA, relativas aos períodos …T, …T, …T e …T, submetidas respetivamente a 16.05.2005, 16.02.2006, 22.02.2006 e 22.02.2006 (cfr. fls. 289 a 296).

8) Foi apresentada pela sociedade referida em 1) declaração de IRC, relativa ao exercício de 2004, submetida a 12.05.2005 (cfr. fls. 298 e 299).

9) Foi emitida, a 31.03.2008, liquidação oficiosa de IRC relativa à sociedade mencionada em 1) e ao exercício de 2006, no valor de 1.515,51 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 09.06.2008 (cfr. fls. 303 a 308 e 311, dos autos, e fls. 191, do PEF 3… apenso).

10) Foram remetidos, pelos serviços da AT, ofícios relativos à liquidação mencionada em 9), dirigidos à sociedade referida em 1), via correio postal registado com aviso de receção, que foram devolvidos ao remetente com indicação “desconhecido” (cfr. fls. 311 a 315, dos autos, e fls. 191 a 195, do PEF 3… apenso).

11) Foi instaurado, a 30.06.2005, no SF de Vila de Franca de Xira 2, contra a sociedade mencionada em 1), o PEF n.º 3…, relativo a IVA do primeiro trimestre de 2005, cujo prazo para pagamento voluntário ocorreu a 31.05.2005, sendo a quantia exequenda no valor de 1.777,03 Eur. (cfr. fls. 49 e 50, dos autos, e fls. 1 e 2, do PEF 3… apenso).

12) Ao PEF mencionado em 11) foram apensados os seguintes PEF:

N° Processo
Data
    Instauração
    Proveniência
Data limite para pagamento voluntário
Quantia
    Exequenda
3…
    13-09-2005
IRC 2004
    10-08-2005
909,10
3…
    17-10-2005
IRS 2005
    20-07-2005

    20-08-2005

97,50
3…
    04-11-2005
IRS 2005
    20-09-2005
48,75
3…
    06-12-2005
IRS 2005
    20-10-2005
97/50
3…
    19-03-2006
Coimas
    15-02-2006
1.044,86
3…
    23-03-2006
IVA dos 2.0 83.° trimestres de
    16-08-2005

    18-11-2005

2.794,14


N° Processo
Data
    Instauração
    Proveniência
Data limite para pagamento voluntário
Quantia
    Exequenda
2005
3…
    09-04-2006
IVA do 4.0 trimestre de 2005
20-02-2006
1.625,66
3…
    25-12-2006
Coima
24-11-2006
894,44
3…
    02-03-2007
Coima
29-01-2007
376,95
3…
    04-06-2007
Coima
04-05-2007
224,60
3…
05-07-2007
Coima
03-06-2007
253,30
3…
    30-09-2007
Coima
19-08-2007
140,29
3…
19-07-2008
IRC 2006
28-06-2008
1.515,51

(cfr. fls. 1, 2, 166, 168, 175 a 226, dos autos, e fls. 128 e 129, do PEF 3…apenso, e fls. não numeradas dos demais PEF apensos).

13) No âmbito do PEF mencionado em 11) e apensos, foram realizadas, entre 2007 e 2009, no SF de Vila Franca de Xira 2, pesquisas junto de instituições bancárias e devedores, bem como diligências para efeitos de cumprimento de mandados de penhora, respeitantes à sociedade mencionada em 1), não tendo sido identificados ou localizados quaisquer bens (cfr. fls. 51 a 105 e 112, dos autos, e fls. 3 a 101, do PEF 3… apenso).

14) Na sequência do mencionado em 13), foi elaborada, a 18.05.2009, no SF de Vila Franca de Xira 2, informação, da qual consta designadamente o seguinte:
“…



(…)
«Imagem no original»
«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

…” (cfr. fls. 118 e 119, dos autos, e fls. 109 a 111, do PEF 3… apenso).

15) Na sequência da informação mencionada em 14), foi proferido, a 19.05.2009, pela Chefe de Finanças adjunta do SF de Vila Franca de Xira 2, despacho, designado de “Projeto de Reversão”, do qual consta designadamente o seguinte:
“…
«Imagem no original»


«Imagem no original»


…” (cfr. fls. 121, dos autos, e fls. 112, do PEF 3… apenso).

16) Foi remetido, via correio postal registado, ofício, para efeitos de audição prévia do oponente, na sequência do qual o oponente apresentou documento de exercício do mencionado direito de audição, no qual arrolou testemunhas e do qual consta designadamente o seguinte:
“…







(…)
«Imagem no original»

…” (cfr. fls. 135 a 145, dos autos, e fls. 126 a 137, do PEF 3…apenso).

17) Na sequência do mencionado em 16), foi elaborada informação, no SF de Vila Franca de Xira 2, datada de 25.06.2009, da qual consta designadamente o seguinte:
“…
«Imagem no original»
«Imagem no original»

…” (cfr. fls. 154, dos autos, e fls. 145, do PEF 3… apenso).

18) Na sequência do mencionado em 17), foi proferido despacho de reversão contra o oponente, a 26.06.2009, pela chefe do SF de Vila Franca de Xira 2, do qual consta designadamente o seguinte:
“…
«Imagem no original»

(…)

…” (cfr. fls. 161 e 164, dos autos, e fls. 153 a 155, do PEF 3…apenso).
19) Na sequência do mencionado em 18), foi remetido ao oponente ofício, designado de “Citação (Reversão)”, via correio postal registado com aviso de receção , da qual consta designadamente o seguinte:
“…
(…)






…” (cfr. fls. 41 e 165 a 171, dos autos, e fls. 156 a 160, do PEF 3…apenso).

20) No aviso de receção mencionado em 19) foi aposta assinatura, no campo para preenchimento no destino, e carimbo com a data 01.07.2009 (cfr. fls. 169, dos autos, e fls. 160, do PEF 3… apenso).
*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão, considera-se não provado o seguinte facto:
A) À data da prolação do despacho da reversão mencionado em 18), a sociedade referida em 1) dispunha de bens suscetíveis de serem penhorados.
Não existem outros factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.
No tocante ao facto não provado, alegado pelo oponente, não foi feita qualquer prova sobre o mesmo, resultando, aliás, o contrário da prova documental constante do PEF [cfr. facto 13)]. Aliás, a própria testemunha F…, primo do oponente, apesar de vago no seu depoimento, refere que a mencionada sociedade não tinha qualquer património.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O presente recurso vem interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução por reversão na verificação de vício de forma por preterição da audição prévia, tendo anulado o acto de reversão por inadmissibilidade, em concreto, do apelado princípio do aproveitamento do acto.

Resulta do probatório, que notificado para exercer o direito de participação no procedimento, o revertido (oponente e ora recorrido), alegou, destacadamente o seguinte: ausência de culpa sua na situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária; que não exerceu a gerência de facto da SDO; que a SDO possui bens penhoráveis. E arrolou testemunhas cuja inquirição solicitou à Administração tributária – cf. ponto 16 do probatório.

A obrigatoriedade de concessão do direito de audição prévia, permitindo que os interessados participem na formação das decisões que lhes digam respeito resulta de imposição constitucional (art.º 267/4) e, no procedimento tributário, encontra expressa consagração no art.º 60.º da Lei Geral Tributária e, em especial no procedimento de reversão, no art.º 23.º, n.º 4 da mesma LGT.

De acordo com o disposto no n.º 7 do art.º 60.º da LGT, «Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão».

Sucede que, na decisão final, a AT não se pronunciou, em absoluto, sobre os elementos apontados em sede de audição prévia, nomeadamente, não esclareceu minimamente as razões por que não inquiriu as testemunhas arroladas, já que a realização da requerida inquirição se insere no conceito indeterminado de “diligências complementares que se mostrem convenientes”, previsto no art.º 104.º do Cód. do Procedimento Administrativo à data vigente (2009), aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea c), da LGT, interpretado como diligências de prova úteis para o esclarecimento dos factos com interesse para a decisão a proferir.

Como bem nota a Exma. Senhora PGA, “estaríamos perante uma situação perversa, por um lado permitir ao contribuinte trazer elementos novos em sede de audição prévia e, por outro, permitir que a AT não fundamentasse minimamente as razões da desconsideração desses mesmos elementos, tirando-lhe assim todo o efeito útil”.

E acompanhando a síntese conclusiva do parecer da Exma. Senhora PGA, concluímos que foi preterida, sem justificação plausível, diligência complementar de instrução requerida pelo interessado, conveniente para o esclarecimento dos pressupostos do exercício da gerência, da culpa na dissipação do património social e da falta de bens penhoráveis da SDO, o que consubstancia violação do preceituado nos artigos 23.º , n.º 4 e 60.º, n.º 7 da LGT e 104.º do Cód. do Procedimento Administrativo, que inquina de vício de forma por preterição do direito de participação o despacho de reversão, determinante da sua anulação, posto que o direito de participação não foi assegurado na forma prevista naqueles citados artigos.

Isso assente, cumpre agora ver se foi correcta a decisão da 1.ª instância que veio a concluir pela não aplicabilidade “in casu” do princípio do aproveitamento do acto, com o que se não conforma a Recorrente.

Sobre o tema já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no seu ac. de 24/10/2012, tirado no proc.º 0548/12, cuja linha decisória tem sido seguida neste TCAS (vd. recente ac. de 13/01/2022, tirado no proc.º 1158/13.4BELRS).

Escreveu-se naquele ac. do Supremo Tribunal Administrativo:
«Em primeiro lugar, a sentença recorrida incorre em erro de direito ao concluir que cabia ao oponente fazer prova no âmbito da Oposição da factualidade por si alegada em sede procedimental. Se é verdade que cabia ao oponente carrear para o procedimento em sede de audiência a prova da factualidade por si alegada tendente a demonstrar quer a existência de créditos da devedora originária quer quanto à alegada falta de culpa pela não existência de património da sociedade devedora, a questão está precisamente em que nada teria impedido que o ora recorrente pudesse em sede de diligências complementares suprir a omissão dos pertinentes elementos de prova, se a Administração Fiscal o tivesse permitido como era seu dever. Como bem se pode ler no Parecer do Ministério Público, atrás referenciado, “(…) a administração tributária deve realizar todas as diligências necessárias à descoberta da verdade material, sem subordinação à iniciativa do contribuinte, podendo utilizar todos os meios de prova admitidos em direito (arts. 58° e 72° LGT)”, pelo que “o juízo formulado na sentença sobre a falta de comprovação dos créditos invocados (nos precisos limites da prova produzida no processo) não é impeditivo de diversa apreciação a efectuar pela administração tributária, perante melhor prova a apresentar no decurso do procedimento conducente ao proferimento/não proferimento do despacho de reversão”. Não pode, pois, o Tribunal, substituindo-se à Administração Fiscal, pretender suprir em sede de processo judicial tributário a preterição de um vício que ocorreu no procedimento impondo ao particular o ónus de carrear para esse processo diligências de prova cuja sede própria deveria ter ocorrido aquando do exercício de audiência prévia. Ainda segundo o douto Parecer do Ministério Público, a observância do direito de audiência “não se esgota num ritual inócuo, no qual recai sobre os argumentos e documentos apresentados pelo contribuinte sobranceira indiferença, antes exige a sua análise pela administração, por forma a tomar visível que a decisão do procedimento resulta de uma transparente ponderação dos elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação”. Em segundo lugar, como vimos, a preterição do direito de audição, por via da aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, apenas é admissível quando a intervenção do interessado no procedimento tributário for inequivocamente insusceptível de influenciar a decisão final, o que acontece em geral nos casos em que se esteja perante uma situação legal evidente (Cfr. Acórdão do STA de 15/2/2007, proc. nº 1071/06.) ou se trate de actividade administrativa vinculada. E, mesmo aqui, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que “(…) pode ainda ser possível, em certos casos de actividade vinculada, admitir a influência da participação do interessado no sentido daquela. Consequentemente, a formalidade em causa (essencial) só se degrada em não essencial, não sendo, por isso, invalidante da decisão, nos casos em que a audiência prévia não tivesse a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que impõe o aproveitamento do acto - utile per inutile non viciatur - já que, como se salientou, a audiência dos interessados não é um mero rito procedimental.” (cfr. o Acórdão de 14/5/2003, recurso nº 317/03). Ora, acontece que, no caso em apreço, não estamos sequer perante actividade vinculada. Com efeito, a reversão contra o Oponente, ora recorrente, foi determinada a coberto do disposto no art. 24º, n.º1, alínea b), da LGT, que dispõe que “os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas, entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.” O art. 23º da LGT descreve o procedimento de execução da responsabilidade subsidiária, cujos pressupostos se encontram no art. 24º do mesmo normativo, estabelecendo no seu nº 1 que “a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal”, dispondo o nº 2 que “A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 153º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) preceitua que: “O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.” A utilização do conceito indeterminado “insuficiência” de bens associada à exigência de que tal insuficiência seja “fundada” exige, como ficou consignado no Acórdão do STA de 12/4/2012, proc nº 257/12, que “O órgão de execução fiscal está vinculado a fazer uma investigação aprofundada sobre a existência de bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, (…)”. Por outro lado, a lei não só exige uma “fundada insuficiência”, como fixa alguns critérios para se formular o juízo de insuficiência, ao mandar atender aos valores constantes do auto de penhora e outros elementos que a administração tributária disponha. Considerando o exposto, significa que também por esta via, em face dos novos elementos factuais apresentados pelo ora recorrente, na resposta ao direito de audiência, impendia sobre a Administração Fiscal ter apreciado e valorado os mesmos e requer inclusivamente, se tal considerasse necessário, diligências complementares (Nos termos do disposto no art. 104º do CPA “Após a audiência, podem ser efectuadas, oficiosamente ou a pedido dos interessados, as diligências complementares que se mostrem convenientes”.), suprindo as omissões e insuficiências da instrução. Em anotação ao art. 104º do CPA, que tem como epígrafe “Diligências complementares”, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTROS (Cfr. Código do Procedimento Administrativo, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2007, pp. 467-68.) ponderam que “entre as diligências complementares a que se refere este preceito”, sobretudo perante questões que tenham sido suscitadas ex novo,” pode incluir-se (…) dar nova audiência (e em termos formais), com respeito das exigências e prazos da lei”, desde que seja relevante. Acontece que, no caso em apreço, a Administração Fiscal fez tábua rasa quanto aos elementos factuais novos aduzidos pelo oponente, omitindo qualquer valoração e apreciação dos mesmos na fundamentação da decisão final, com violação do disposto no art. 60º, nº 7, da LGT, que impõe, recorde-se, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes sejam tidos em conta obrigatoriamente na fundamentação da decisão. E, além do mais, em face da invocação de elementos factuais novos abstractamente pertinentes, também não deu qualquer passo no sentido de completar a instrução com outras diligências instrutórias. Perante o circunstancialismo do caso em apreço, afigura-se que não é possível concluir-se com segurança que o interessado não pudesse apresentar provas sobre os factos alegados e pronunciar-se sobre questões relevantes, com eventuais reflexos no sentido da decisão final. Assim sendo, não obstante a Administração Fiscal ter formalmente dado início ao procedimento de audição do interessado, do ponto de vista material deparamo-nos com o incumprimento da formalidade inserta no nº 7 do art. 60º da LGT, que se revela, no caso, essencial, o que torna inaplicável o princípio do aproveitamento do acto administrativo. Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 30/3/2011, proc nº 877/09, referindo-se à aplicação do princípio do aproveitamento do acto administrativo, “(…) apenas nas situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto pode ser efectuada aplicação daquele princípio”.».

Como assim, as irregularidades assinaladas na audição prévia só não determinariam a anulação do despacho de reversão se pudessem degradar-se em formalidades não essenciais, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos actos, o que no caso, não se verifica, como bem decidiu a sentença recorrida, na linha da jurisprudência dominante que aqui também acompanhamos.

O recurso não merece provimento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Patrícia Manuel Pires