Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06055/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/22/2013
Relator:JOAQUIM CONDENSSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
NATUREZA RECEPTÍCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
NOTIFICAÇÃO COMO SIMPLES CONDIÇÃO DE EFICÁCIA DO ACTO TRIBUTÁRIO.
I.V.A. QUALIFICA-SE COMO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
NOTIFICAÇÃO QUE TENHA POR DESTINATÁRIO AS SOCIEDADES.
ARTº.39, Nº.4, DO C.P.P.T.
NOTIFICAÇÃO DEFICIENTE.
Sumário:1. No âmbito do direito tributário o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
2. A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante. A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação.
3. No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.).
4. De acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. qualifica-se como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12). A referida alteração normativa aplica-se aos prazos em curso como é o caso do direito à liquidação do I.V.A. relativo ao ano de 1999.
5. No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades, em face do preceituado no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr.artº.237, do C.P.Civil). É o artº.41, do C.P.P.T., que consagra as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal. Sendo este o objectivo da referida norma, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à “perfeição das notificações” previstas no artº.39, do mesmo diploma.
6. Especificamente, de acordo com o artº.39, nº.4, do C.P.P.T., na notificação por carta registada com aviso de recepção, tem de ser identificada a pessoa que assina o a.r. e indicado no respectivo aviso o número do seu documento de identificação. Se não foi dada satisfação a esse requisito da notificação que é a identificação da pessoa que assina, com anotação do número de um seu documento de identificação, a notificação é irregular e inválida, se não se demonstrar, por qualquer meio, que a carta chegou efectivamente ao conhecimento dos seus destinatários.
7. Como vem sendo jurisprudência do S.T.A., as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição. Por outras palavras, não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº. 342, nº.1, do C.Civil), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor dos destinatários da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido.

O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mmo. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.70 a 82 dos autos, através da qual julgou procedente a presente impugnação tendo por objecto liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1999 e no montante total de € 84.242,19, tudo em virtude da procedência do fundamento caducidade do direito à liquidação.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.92 a 104 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Estando em causa liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, referentes ao ano de 1999 (com os nºs.03256156, 03256154 e 03256155), no valor global de € 84.242,19, a respetiva caducidade, sem interrupções ou suspensões, ocorreria em 1/01/2004, nos termos do disposto no artº.45, da L.G.T., e não em 1/01/2003, como decidido na douta sentença;
2-A Autoridade Tributária (A.T.) procedeu à liquidação do imposto e juros compensatórios dentro do prazo de caducidade, tendo remetido carta registada com aviso de recepção para a sede da sociedade “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, Lda.”, para efeitos de notificação daquelas liquidações, nos termos do disposto no artº.38, do C.P.P.T.;
3-Os avisos de recepção foram assinados em 23/09/2003;
4-Apesar de das notificações constar a sede da sociedade “Rua Nuno Tristão 6 A B, Alto Seixalinho, 2830 Alto do Seixalinho”, foram as mesmas entregues, não na sede da sociedade “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, Lda.”, mas nas instalações da sociedade “B...”, sendo a A.T. alheia a tal facto;
5-Inquiridas as testemunhas, referiram as mesmas ser normal recepcionarem naquelas instalações correspondência dirigida à “A...”, por a mesma já ali ter funcionado;
6-A correspondência dirigida à “A...” não é devolvida como errada ao funcionário dos CTT, ao contrário da restante que não seja destinada à “B...”, ficando com a legal representante da sociedade “B...”, para posterior entrega a C..., legal representante da “A...s”, quando ele ali se desloca;
7-O “Sr. C...” é conhecido dos funcionários da sociedade “B...”, com exceção da funcionária que procedeu à assinatura dos avisos de recepção - D.... No entanto, aquela afirmou ser normal a recepção da correspondência da impugnante e que, quando foi para lá trabalhar, já ali se recebia correspondência da “A...”;
8-A correspondência apenas foi recebida naquela morada por assim estar necessariamente convencionado entre o distribuidor postal, o legal representante da impugnante, e a legal representante da sociedade “B...”;
9-Ao actuarem da forma descrita, impediram que a correspondência fosse entregue na morada da sede da impugnante e impossibilitaram a A.T. de recorrer ao disposto no nº.5, do artº.39, do C.P.P.T.;
10-Ficou devidamente provado nos autos que as notificações entregues nas instalações da sociedade “B...”, dirigidas à sociedade “A...”, eram entregues ao legal representante da mesma, nas deslocações que ali fazia;
11-Devem as liquidações remetidas para a sede da sociedade “A...”, mas entregues nas instalações da sociedade “B...” (por tal estar necessariamente convencionado entre o distribuidor postal e os legais representantes de ambas as empresas), ser consideradas realizadas na data de assinatura do aviso de recepção, ou seja, em 23/09/2003;
12-Pois embora tais avisos tenham sido assinados por funcionária da sociedade “B...” (terceiro), tal apenas se verificou por aquela morada funcionar como domicílio convencionado entre as partes (que não a A.T.), para recepção da correspondência dirigida à “A...”, na pessoa do legal representante da mesma, nos termos do disposto no nº.3, do artº.39, do C.P.P.T.;
13-Pelo que, a douta sentença de que se recorre, ao decidir como decidiu, violou o disposto no nº.3, do artº.39, do C.P.P.T.;
14-Ao considerar decorrido o prazo de caducidade em 1/01/2003, fez errada interpretação do disposto no artº.45, da L.G.T.;
15-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.ª Ex.as se dignem julgar procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue a impugnação improcedente.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso e consequente revogação da decisão recorrida (cfr.fls.113 a 115 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.118 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.73 a 78 dos autos):
1-A impugnante foi sujeita a procedimento de inspecção constando do Relatório de Inspecção Tributária, entre o mais, que:
“…A acção de inspecção decorreu entre 08/01/2003 e 11/07/2003 (...).
No dia 16 de Janeiro, apresentou-se na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, n.° 22 - 2830 - Barreiro, local onde decorreu a acção inspectiva, o Sr. C., NIF ..., na qualidade de sócio gerente (...).
Face à notificação de 8 de Janeiro de 2003, foi exibida a documentação do exercício de 1999 e 2000 (...).” (cfr.cópia de relatório junta a fls.14 a 30 do processo administrativo apenso);
2-Do anexo nº.5 ao relatório de inspecção tributária referido no nº.1 supra consta, entre o mais, que:
“(…)Para os devidos efeitos, notifica-se V.Exa, de que por meu despacho de 03/de Julho de 2003, foi prorrogado o prazo para a conclusão da acção inspectiva em curso, a essa sociedade por mais um período de três meses.(…)” (cfr.documento junto a fls.42 do processo administrativo apenso);
3-Foi enviada à impugnante uma notificação para o exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção, da qual consta como data interna a de 29/07/2003 (Cfr.anexo 17 ao relatório de inspecção junto a fls.82 do processo administrativo apenso);
4-Em 23/09/2003, foram assinados os avisos de recepção referentes ao envio das liquidações nº.03256156, nº.03256154 e nº.03256155, à impugnante, nos termos dos quais consta como destinatário “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, Lda.”, R Nuno Tristão 6 A B, Alto Seixalinho, 2830 Alto do Seixalinho (cfr.documentos juntos a fls.14, 16 e 19 do processo de reclamação graciosa apenso);
5-A Srª. D...assinou os avisos de recepção referidos no nº.4 supra (cfr.documentos juntos a fls.14, 16 e 19 do processo de reclamação graciosa apenso; depoimento da testemunha D...);
6-No ano de 2003 a Srª. D...não era funcionária da impugnante (cfr.documentos juntos a fls.20 a 32 dos presentes autos; depoimento da testemunha E...);
7-Em 2/04/2004, a impugnante foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº.2160-2004/101108.1, proveniente de I.V.A., com a quantia exequenda de € 84.242,19 (cfr.documentos juntos a fls.89 a 94 do processo administrativo apenso);
8-Em 4/05/2004, a impugnante apresentou reclamação graciosa relativamente à dívida de I.V.A. do ano de 1999 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-Em 29/03/2005, a impugnante foi notificada do arquivamento da reclamação graciosa referida no nº.8 supra (cfr.documentos juntos a fls.23 a 28 do processo de reclamação graciosa apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provou que a Impugnante teve conhecimento em 23/09/2003 das notificações das liquidações referidas em 4 supra. Não foram detectados outros factos relevantes para a presente decisão…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, supra referidos, pela análise crítica efectuada segundo as regras da experiência comum, dos documentos juntos aos autos pelas partes e dos documentos constantes do processo administrativo, e do processo de reclamação graciosa, que não foram impugnados.
O Tribunal considerou o depoimento das testemunhas E..., D... e F.... Estas testemunhas mereceram a credibilidade do Tribunal por terem demonstrado possuir conhecimento directo dos factos em análise.
E..., demonstrou possuir conhecimento dos factos porque trabalhou para a Impugnante e trabalhava à data dos factos, em part-time para a sociedade B...- Automóveis, S.A. Depôs de forma espontânea, isenta e verosímil. Foi particularmente esclarecedor nos procedimentos relativos à recepção diária do correio e à intervenção dos funcionários nesses procedimentos. Referiu que conhece a funcionária D...há muitos anos, que a mesma não trabalhou para a sociedade A..., que o correio apesar de ser recebido por aquela, não é por ela aberto, sendo essa tarefa realizada pela Administração. Mais referiu que a entrega das cartas terá resultado de um engano do carteiro.
D... demonstrou possuir conhecimento dos factos pelas suas funções de trabalhadora da B...- Automóveis, S.A. Depôs de forma segura e credível, merecendo a credibilidade do Tribunal. Referiu-se aos procedimentos relativos à recepção diária do correio, afirmando que assina sem confirmar as cartas. Precisou que as instalações actuais da B...- Automóveis, S.A., já foram da A...e que nunca trabalhou para esta sociedade. Quando questionada directamente pelo Tribunal confirmou a sua assinatura nos Avisos de Recepção das notificações das liquidações em causa nos presentes autos.
F... demonstrou possuir conhecimento dos factos atendendo às suas funções de vendedor da B...- Automóveis, S.A. Prestou depoimento de forma serena, merecendo a credibilidade do Tribunal. Referiu que a A...funcionou nas instalações que agora são da B...- Automóveis, S.A..
Quanto ao facto não provado, tal deveu-se à ausência de prova produzida que permitisse ao Tribunal concluir em sentido diverso. Ademais os depoimentos das diversas testemunhas não permitem a formação de uma convicção sustentável no sentido da entrega das notificações ao gerente da Impugnante aquando das suas visitas às instalações da B...- Automóveis, S.A.…”.
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A decisão da matéria de facto em 1ª. Instância baseou-se, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apensos, pelo que, este Tribunal julga provada a seguinte factualidade que se reputa relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.712, nº.1, al.a), do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P. Tributário):
10-Em 2003, a sociedade impugnante, “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, L.da.”, com o n.i.p.c. 503 240 249, tinha a sua sede e domicílio fiscal sitos na Rua Nuno Tristão, nº.6 A/B, 2830, Barreiro (cfr.cópia do relatório de inspecção junta a fls.14 a 30 do processo administrativo apenso; documento junto a fls.83 do processo administrativo apenso);
11-Dos avisos de recepção mencionados nos nºs.4 e 5 do probatório não consta o reconhecimento da pessoa que assinou os mesmos e a anotação do número de um seu documento oficial de identificação (cfr.documentos juntos a fls.14, 16 e 19 do processo de reclamação graciosa apenso).
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Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada uma dos números do probatório.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação tendo por objecto liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1999 e no montante total de € 84.242,19, tudo em virtude da procedência do fundamento caducidade do direito à liquidação.
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Refira-se, antes de mais, que são as conclusões das alegações do recurso que definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.89 e seg.; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.41).
O apelante dissente do julgado alegando, em síntese e conforme aludido supra, que estando em causa liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, referentes ao ano de 1999 (com os nºs.03256156, 03256154 e 03256155), no valor global de € 84.242,19, a respetiva caducidade, sem interrupções ou suspensões, ocorreria em 1/01/2004, nos termos do disposto no artº.45, da L.G.T., e não em 1/01/2003, como decidido na douta sentença. Que a A.T. procedeu à liquidação do imposto e juros compensatórios dentro do prazo de caducidade, tendo remetido carta registada com aviso de recepção para a sede da sociedade “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, Lda.”, para efeitos de notificação daquelas liquidações, nos termos do disposto no artº.38, do C.P.P.T. Que os avisos de recepção foram assinados em 23/09/2003. Que apesar das notificações serem enviadas para a sede da sociedade, na “Rua Nuno Tristão 6 A B, Alto Seixalinho, 2830 Alto do Seixalinho”, foram as mesmas entregues, não na sede da sociedade “A...- Comércio de Automóveis Novos e Usados, Lda.”, mas nas instalações da sociedade “B...”, sendo a A.T. alheia a tal facto. Que inquiridas as testemunhas, referiram as mesmas ser normal recepcionarem naquelas instalações correspondência dirigida à “A...”, por a mesma já ali ter funcionado. Que devem as liquidações remetidas para a sede da sociedade “A...”, mas entregues nas instalações da sociedade “B...” (por tal estar necessariamente convencionado entre o distribuidor postal e os legais representantes de ambas as empresas), ser consideradas realizadas na data de assinatura do aviso de recepção, ou seja, em 23/09/2003. Que embora tais avisos tenham sido assinados por funcionária da sociedade “B...” (terceiro), tal apenas se verificou por aquela morada funcionar como domicílio convencionado entre as partes (que não a A.T.), para recepção da correspondência dirigida à “A...”, na pessoa do legal representante da mesma, nos termos do disposto no nº.3, do artº.39, do C.P.P.T. Pelo que, a douta sentença de que se recorre, ao decidir como decidiu, violou o disposto no nº.3, do artº.39, do C.P.P.T. E ao considerar decorrido o prazo de caducidade em 1/01/2003, fez errada interpretação do disposto no artº.45, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à sentença recorrida erros de julgamento de direito.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 3ª. Edição, 2003, pág.207 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª. edição revista, Coimbra, 1993, pág.935).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr.Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul, 25/10/2011, proc.4870/11; ac.T.C.A.Sul, 2/10/2012, proc.5673/12).
Conforme mencionado supra, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos, nos termos do artº.45, nº.1, da L.G.Tributária.
Diremos ainda que, de acordo com a jurisprudência que perfilhamos, o I.V.A. se qualifica como imposto de obrigação única, dado incidir sobre factos tributários de carácter instantâneo, embora o prazo extintivo do direito da Fazenda Pública à liquidação do tributo tenha como termo inicial de cômputo o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o mesmo facto tributário (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária, na redacção introduzida pelo artº.43, nº.1, da Lei 32-B/2002, de 30/12). A referida alteração normativa aplica-se aos prazos em curso como é o caso dos presentes autos (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/11/2008, rec.598/08; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.361 e seg.). Face ao exposto, o termo inicial do prazo de caducidade em causa nos presentes autos é o dia 1/1/2000.
Já quanto ao termo final de tal prazo, deve concluir-se que, não tendo ocorrido nenhuma causa de suspensão do prazo de caducidade (cfr.nºs.1 e 2 do probatório; artº.46, nº.1, da L.G.T.), o mesmo teve o seu termo final em 1/1/2004 e não em 1/1/2003, como se refere na decisão recorrida, certamente por lapso.
Examinemos agora, a forma e conteúdo da notificação dos actos tributários de liquidação objecto dos presentes autos (recorde-se a natureza receptícia do acto tributário a que já supra se aludiu).
No que diz respeito à notificação que tenha por destinatário as sociedades, em face do preceituado no artº.38, nº.1, do C.P.P.T., ela é efectuada, em regra, através de carta registada com aviso de recepção, sempre que tenha por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes, como é o caso dos actos tributários de liquidação. Tal notificação deverá ser efectuada em nome da própria sociedade, mas tem de ser levada à prática em determinadas pessoas físicas, à semelhança do que sucede no processo civil (cfr.artº.237, do C.P.Civil). É o artº.41, do C.P.P.T., que consagra as pessoas em quem pode ser feita a notificação, tanto no caso da notificação postal como no caso da citação pessoal. Sendo este o objectivo da referida norma, serão aplicáveis, quanto às notificações por carta registada, as regras relativas à “perfeição das notificações” previstas no artº.39, do mesmo diploma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P. Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.400 e seg.).
Especificamente, de acordo com o artº.39, nº.4, do C.P.P.T., na notificação por carta registada com aviso de recepção, tem de ser identificada a pessoa que assina o a.r. e indicado no respectivo aviso o número do seu documento de identificação. Se não foi dada satisfação a esse requisito da notificação que é a identificação da pessoa que assina, com anotação do número de um seu documento de identificação, a notificação é irregular e inválida, se não se demonstrar, por qualquer meio, que a carta chegou efectivamente ao conhecimento dos seus destinatários. Na verdade, como vem sendo jurisprudência do S.T.A., as formalidades procedimentais previstas na lei são essenciais, apenas se degradando em não essenciais se, apesar delas, for atingido o fim que a lei visava alcançar com a sua imposição. Por outras palavras, não se cumprindo todas as formalidades da notificação e não se provando que, apesar de elas não terem sido cumpridas, foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a notificação, esta é inválida. Neste caso, sendo sobre a Administração Tributária que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária (cfr.artº. 342, nº.1, do C.Civil), designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir aos destinatários o teor da liquidação, tem de se valorar processualmente a favor dos destinatários da notificação a dúvida sobre estes pontos, o que se reconduz a que tudo se passe, para efeitos do processo, como se tal notificação não tivesse ocorrido (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2005, rec.500/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/9/2010, rec.437/10; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.384).
Voltando ao caso concreto, conforme se retira do exame da factualidade provada (cfr.nºs.4, 10 e 11 do probatório), embora a A. Fiscal tenha enviado a notificação das liquidações de I.V.A. e juros compensatórios, relativas ao ano de 1999, através de correio, para a sede e domicílio fiscal da sociedade impugnante (cfr.artº.19, nº.1, da L.G.T.), foi preterida uma formalidade legal prevista no examinado artº.39, nº.4, do C.P.P.T., pelo que, tal notificação não produziu efeito, porquanto a A. Fiscal não efectuou prova de que o sujeito passivo, apesar da omissão de tal formalidade, terá tomado conhecimento do teor das liquidações em causa na mesma data (23/09/2003) ou, pelo menos, em data que obviasse à caducidade do direito à liquidação (1/1/2004). Tal não tendo acontecido, deve o Tribunal concluir que a sociedade impugnante não tomou conhecimento das liquidações em causa até 1/01/2004, pelo que, os actos de liquidação não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes, o que se declara.
Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso deduzido e confirma-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se procederá na parte dispositiva do acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 22 de Janeiro de 2013



(Joaquim Condesso - Relator)


(Lucas Martins - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto)