Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:6983/13.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPOSTO SUCESSÓRIO
VALOR DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL
CORREÇÕES AO BALANÇO
Sumário:I-Da interpretação conjugada dos preceitos legais 3.º, 20.º, 69.º e 77.º todos do CIMSISD, resulta que o Imposto Sucessório incide sobre a transmissão efetuada a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários, visando tributar a riqueza efetivamente transmitida por negócio inter vivos ou mortis causa, sendo certo que, para efeitos de apuramento do valor do estabelecimento comercial ter-se-á de atender, como regra geral, ao valor constante no último balanço aprovado, podendo, no entanto, tal valor ser corrigido em função de erros contabilísticos que viciem e acarretem a correção desse mesmo balanço.
II-Se a prova carreada aos autos permite discernir no sentido do balanço em que se fundou o apuramento do valor do estabelecimento comercial não refletir a realidade financeira e patrimonial por existirem, a montante, erros contabilísticos que inquinam o seu apuramento e que carecem de correção, então, tal permite concluir que o balanço que serviu de base ao apuramento estava viciado, logo deveria a AT ter procedido às inerentes correções, tanto mais, que à data da segunda avaliação a Recorrida já havia apresentado um balanço corrigido.
III- Consubstancia uma exigência do princípio da capacidade contributiva que a incidência e a repartição dos impostos devam atender à “capacidade económica”, “capacidade de gastar” dos contribuintes, o que não sucede numa situação em o valor atribuído ao estabelecimento comercial, não representa o valor da respetiva riqueza imaterial ou fiduciária.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por C. A. B. S. E O. M. B. S. tendo por objeto o ato de fixação de valor patrimonial resultante da segunda avaliação na qual foi atribuído ao estabelecimento comercial, em nome individual, de C. S., o valor de 60.068.333$00.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“ I. A douta sentença ora recorrida entendeu que a Administração Fiscal estava obrigada “a averiguar da necessidade introduzir correcções ao balanço e, não o fazendo, preteriu formalidades que inquinam o acto avaliativo, por aplicação da regra 2. do § 3 do art. 20 do CIMSISD, conjugada com a regra 4., nos termos da qual, se esse balanço revelar a necessidade de ser corrigido”.

II. Porém, o Mm°. Juiz a quo desconsiderou o facto de a Administração Fiscal ter, em três ocasiões distintas, analisado os elementos probatórios que as impugnantes entenderam por bem oferecer aos autos e que, dessa análise, não resultou que houvesse necessidade de corrigir o balanço elegível como documento base para aferir do valor a atribuir ao estabelecimento.

III. Tais análises ocorreram aquando da primeira e segunda avaliações do estabelecimento e, bem assim, com o termo de exame elaborado pela Divisão de Justiça Contenciosa desta Direcção de Finanças, em cumprimento do disposto nos artigos 111° e 112° do CPPT.

IV. Por outro lado, os fundamentos que permitiriam alicerçar uma decisão de correcção do balanço, teriam sempre de se basear em elementos contabilísticos elaborados de acordo com as regras contabilísticas legalmente aplicáveis.

V. De que seriam exemplo extractos das contas do activo, o diário e os documentos de suporte de todos os movimentos relativos àquelas contas, o que nunca foi oferecido pelas impugnantes.

VI. Não se afigura susceptível de fundar uma decisão de correcção de um balanço, nos termos regra 4a do art° 20°, § 3°do CIMSISSD, as meras afirmações de testemunhas, que reportam situações de confusão de patrimónios; despesas e activos financeiros incorrectamente contabilizados.

VII. Ainda assim, os únicos documentos juntos aos autos pelas impugnantes, com relevo para o apuramento da situação patrimonial e financeira do estabelecimento, são os extractos de contas bancárias, cujos saldos positivos, reportados à data de 31.12.1996, estão em consonância com os valores inscritos como activos líquidos da actividade do de cujus e do respectivo estabelecimento.

VIII. Facto que, como ficou devidamente pormenorizado supra, em sede de alegações, só vem reforçar o entendimento perfilhado pela Administração Fiscal, quanto à inexistência de fundamentos para proceder à correcção do balanço contabilístico que serviu de base à avaliação do estabelecimento comercial em causa.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


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A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Com base nos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão, julgo assente a seguinte factualidade:

A) Por óbito de C. S., ocorrido em 10/5/97, foi instaurado o Processo de Liquidação do Imposto sobre as Sucessões e Doações sob o n.º 26.511, no Serviço de Finanças de Mafra, em apenso aos presentes autos.

C) Do Termo de Apresentação da relação de Bens de fls. 5 e 13 do apenso, consta a Empresa em nome individual designada por C. S., C. A. estabelecimento comercial em nome individual, de comércio de automóveis usados, sito em M.

D) O balanço do estabelecimento relativo ao exercício de 1996, mencionava a existência de 51.426.805$00 de capital próprio (conta 29), tendo como contrapartida a existência de valores em caixa (conta 23) de 45.652.027$00, acrescidos de 1.375.757$00 em bancos (conta 22), cfr. fls. 13 a 21.

E) Em 23/04/1998, as ora impugnantes apresentaram um balanço corrigido, cfr. fls. 22 e segs..

F) A Administração Fiscal determinou o valor total sujeito a imposto de 69.247647$49, cfr. fls. 56 do apenso.

G) Em 11/11/1998, as ora impugnantes requereram 2.ª avaliação da matéria colectável, cfr. fls. 69 do apenso.

H) Foi mantido o valor base fixado na 1.ª avaliação para o Estabelecimento em nome Individual — C. S., cfr. fls. 70 do processo de 2.ª avaliação em apenso.

I) O de cujus conduzia a sua actividade comercial no ramo automóvel, desde há mais de 30 anos sob a forma de estabelecimento em nome individual, cfr. depoimentos das testemunhas.

J) Por escritura pública de 19/05/1989, foi constituída a sociedade C. S., Limitada, cfr. fls. 34 e segs..

K) Reservou, porém, o seu estabelecimento em nome individual para o comércio de viaturas usadas, cfr. depoimentos das testemunhas.

L) Este negócio de viaturas usadas veio a revelar-se residual e a diminuir em volume e lucros de ano para ano, cfr. fls. 38 e segs e depoimentos das testemunhas.

M) Ao longo dos anos, os lucros desse estabelecimento foram tributados, em cada exercício, em sede de IRS, cfr. fls. 215 e segs.

N) E, com o dinheiro que lhes correspondia, o de cujus foi fazendo face às suas necessidades e às do seu agregado familiar e adquirindo algum património, cfr. depoimentos das testemunhas.

O) O de cujus era titular e/ou co-titular desde há muito anos e até à data da morte das contas bancárias de fls. 229 e segs..

P) Em 05/07/2001, foi elaborado o termo de avaliação de fls. 70 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e donde resulta com interesse para a decisão:

«(…)
Analisando a evolução processual da avaliação em apreço afigura-se-me pertinente relevar os seguintes factos:
1 – os serviços da D.D.F Lisboa determinaram o valor do estabelecimento ora contestado, com base no último balanço apresentado antes da transmissão, conforme determina a regra 2.ª do § 3.º do artigo 20.º do CIMSISSD.
2 – Em 17/04/98 através do ofício n.º 9002 da D.D.F. Lisboa foi comunicado à Repartição de Finanças do concelho de Mafra o valor então determinado de 60.068.333$00.
3 – Posteriormente veiculado pelo ofício n.º 4097 de 11/08/98 da Repartição de Finanças de Mafra foi enviado aos serviços competentes o balanço do estabelecimento do ano de 1997 e constante do anexo C da declaração Mod.2 de substituição. Tanto a 1.ª declaração Mod.2 de 1997 como a de substituição foram entregues na mesma data 30/04/98 na Repartição de Finanças de Mafra. A grande alteração da 1.ª declaração para a de substituição verifica-se nas contas “caixa” e de “capital” onde a contra caixa apresenta-se saldada em vez do saldo devedor de 54.420.126$99 e a conta capital apresenta um saldo devedor de 2.992.654$00 em vez do saldo credor de 51.500.975$00. Juntam-se em anexo cópia dos referido anexos.
Invocam os herdeiros que os valores reflectidos no balanço do anexo C da declaração Mod.2 relativa ao exercício de 1997, declaração de substituição, eram os que deveriam servir de base para a determinação do valor do estabelecimento objecto de transmissão. Respeitados os princípios legais previstos no CIMSISSD, e não tendo o louvado da Parte carreado para o processo elementos contabilísticos que sustentam os argumentos invocados, mantenho o valor do estabelecimento no montante de 60.068.333$00, valor este apurado com os elementos constantes do balanço de 31/12/96, conforme determina a regra 2.ª do § 3.º do artigo 20.º do CIMSISSD, Conjugado com a alínea e) do artigo 79.º do referido Código o louvado da Parte não concorda com o louvado da Fazenda conforme argumentos descritos em laudo que se anexa a este termo de avaliação, o louvado com voto de desempate, concorda com o louvado da Fazenda, dando-se por encerrada a presente avaliação. (…)»

Q As Impugnantes foram notificadas do resultado da 2.ª avaliação por carta registada com aviso de recepção em 12/06/2001 e 13/06/2001, cfr. fls. 80 e 81, do processo apenso.

R) A petição inicial foi apresentada em 30/07/2001, cfr. carimbo aposto a fls. 1.

S) Em apreciação da presente impugnação a Divisão de Justiça Contenciosa prestou a seguinte informação (fls. 98 a 101 do apenso):

«(…)
A) - DESCRIÇÃO SUMÁRIA DAS ALEGAÇÕES
C. A. B. S. e O. M. B. S.
NIF’s 11.. e 11.., residentes, respectivamente, na R. B. A n.º .. — C. — M. e na R. F. P., lote .., R. C., F. — 2... L., apresentaram impugnação judicial contra o acto de fixação do valor patrimonial de PTE 60.068.333$00 (€ 299.619,58 ) efectuado em 2ª avaliação nos Termos do art° 96° do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações ( CIMSISSD) do estabelecimento comercial, em nome individual, de C. S., no âmbito do processo de imposto sucessório n° 26511, do Serviço Local de Finanças de Mafra, instaurado por óbito em 10 de Maio de 1997 daquele mesmo C. S., com os fundamentos aduzidos na p.i. e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
B )- DESCRIÇÃO DOS FACTOS
1.- Analisando o presente processado constata-se que os normativos do art° 111° do CPPT se encontram cumpridos;
2.- Em cinco de Junho de dois mil e um, na sequência de contestação, nos termos do art° 87° do CIMSISSD, ao valor atribuído em primeira avaliação do estabelecimento comercial em nome individual em nome de C. S., integrante dos bens da herança deixados por óbito em 10 de Maio de 1997 de C. S., e descrito no processo de imposto sucessório n° 26511 instaurado e a correr seus termos no Serviço de Finanças de Mafra, procedeu-se a 2.ª avaliação nos termos do art° 96° do CMISSSSD.
3.- Segundo o” Termo de Avaliação — Avaliação de Participações Sociais — Art° 96° do CIMSISSD constante de folhas 70 a 779 ( frente e verso) do “ Processo para avaliação de bens nos termos do art° 87° do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações”, processo este junto aos presentes autos por apenso:
“1— Os serviços da D.D.F. Lisboa determinaram o valor do estabelecimento ora contestado, com base no último balanço apresentado antes da transmissão, conforme determina a regra 2° do § 3° do artigo 20° do CIMSISSD.
2 — Em 17/04/98 através do oficio n° 9002 da D.D.F. Lisboa foi comunicado à Repartição de Finanças do concelho de Mafra o valor então determinado de 60.068.333$00.
3 — Posteriormente veiculado pelo oficio n° 4097 de 11/08/98 da repartição de Finanças do concelho de Mafra foi enviado aos serviços competentes o Balanço do estabelecimento do ano de 1997 e constante do Anexo C da Declaração Mod. 2 de Substituição. Tanto a 1ª declaração Mod. 2 de 1997 como a de substituição foram entregues na mesma data 30/04/98 na Repartição de Finanças de Mafra. A grande alteração da 1ª declaração para a de substituição verifica-se nas contas “ Caixa” e na de “Capital”, onde a conta Caixa apresenta-se saldada em vez do saldo devedor de 54.420.126$00 e a conta Capital apresenta um saldo devedor de 2.992.654$00 em vez do saldo credor de 51.500.957$00 .“ ... “ Invocam os herdeiros que os valores reflectidos, no Balanço do Anexo C da Declaração Mod. 2 relativa ao exercício de 1997, declaração de substituição, eram os que deveriam servir de base para a determinação do valor do estabelecimento objecto de transmissão.
Respeitados os princípios legais previstos no CIMNSISSD, e não tendo o louvado da parte carreado parta o processo elementos contabilísticos que sustentem os argumentos invocados mantenho o valor do estabelecimento no montante de 60.068.333$00, valor este apurado com os elementos constantes no Balanço de 31/12/96, conforme determina a regra 2ª do § 3° do art° 20° do referido Código.” (Vide fls. 70 do Processo de avaliação apenso.
Por seu lado o louvado da parte nesta 2ª avaliação, não concordando com o louvado da Fazenda elaborou declaração donde se destaca que:
1.- A decisão adoptada por maioria e de que discordo é ilegal, designadamente por violação do próprio art° 20° do CIMSISSD, especialmente do seu § 3°;
2. A decisão adoptada baseia-se no balanço do estabelecimento relativo a 1996, mas esse balanço, atento o §º 3°do art°20°pode ser corrigido e, se pode, é porque deve ser corrigido se o mesmo, claramente não corresponde à realidade.
Continuando as suas declarações alega que o balanço deve ser organizado conforme o POC “que é lei e, nesta, deve prevalecer o princípio da substância relativamente ao princípio da forma...
ISTO E, 4 — A” vexata quaestio” traduz-se no seguinte: Qual o valor que serve de base à liquidação do imposto sobre as sucessões e doações ? O valor determinado, conforme procederam os serviços da Administração Fiscal (AF) com base no” ... último balanço ...“,de 31 de Dezembro de 1996, de acordo com a primeira parte da regra 2ª do § 3º do art° 20º do CIMSISSD. Ou
5 — Como defendem as impugnantes, o valor que serve de base à liquidação do imposto sobre as sucessões e doações deve ser determinado por “ ... aplicação da regra 2° do § 3° do art° 20° do CIMSISSD (determinação do valor do estabelecimento pelo último balanço à data do óbito) que tem, necessariamente, de ser conjugada com a regra 4°, ( do mesmo § 3º -art° 20°) nos termos da qual, se esse balanço revelar necessidade de ser corrigido (aumentando ou diminuindo), tem obrigatoriamente de o ser, consistindo isso, num poder - dever da administração, sob pena deferir de legalidade a determinação do valor, e, consequentemente, a própria liquidação de imposto. (Vide art° 30º da p.i., cf. Cópia a fls. 8, dos presentes autos).
6 — As contribuintes, ora impugnantes, invocam erro contabilístico no” ... último balanço “ antes da data do óbito do de cujus (o datado de 31 de Dezembro de 1996), balanço esse que, segundo as impugnantes viria a ser corrigido no Balanço constante no Anexo C junto à declaração modelo 2 de IRS de 1997 (Declaração de substituição) apresentada em 30 de Abril de 1998, retirando do Capital próprio ( Conta 59) o valor de 51.426.805$00, por contrapartida das Contas de Existências Terceiros e de Caixa e Depósitos Bancários, respectivamente :4.896.000$00 +8.144.549$00 + 47.027.784$00 = 60.068.333$00) que aparecem “corrigidas “ a saldo zero no “balanço corrigido “.. (Cfr. O “ultimo balanço “ de 31.12.1996 da fls. 36 e 37 com o balanço corrigido a fls. 62 e 63 destes autos.;
7 — Sem que as impugnantes tenham justificado ou comprovado os movimentos contabilísticos efectuados, como se se tratasse de uma liquidação do estabelecimento comercial do de cujus.
8 — Na verdade, naquele Anexo C da declaração de substituição Mod. 2 de IRS de 1997, no Quadro 18 — Informações Complementares declara-se que houve cessação total do exercício de actividade em 31.05.1997. (Vide fls. 66 destes autos).
9 - Refira-se ainda que o “último balanço “ se refere a 31.12.1996 e o “balanço corrigido segundo as impugnantes se refere a 31.05.1997, quando deveria ter sido referido a 31.12.1996, data do último balanço, tendo em conta a data do óbito do de cujus.
10 — Nestes termos, entendemos que o valor do estabelecimento comercial para efeitos de imposto sucessório deve ser determinado com base no último balanço, nos termos da regra 2, do § 3° do art° 20° do CIMSISSD, pelo que,
11 - Atento o exposto supra e à fundamentação contida no Termo de Avaliação referido à 2 avaliação, para manter o valor obtido na 1ª avaliação efectuada ao estabelecimento comercial somos de parecer que o valor do estabelecimento comercial fixado em 2ª avaliação nos termos do art° 96° do CIMSISSD, deve ser mantido.
C) - PROPOSTA
Deste modo propõe-se a manutenção do acto impugnado, remetendo-se de imediato o processo administrativo ao Digno Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa — 2° Juízo — ia Secção, conforma estabelecido pelos art°s 111° e 112° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Submete-se o assunto à consideração Superior.
Divisão de Justiça Contenciosa, 24 de Maio de 2002.»

T) Sobre a informação a que se refere a alínea anterior, recaíram o parecer e o despacho de concordância de fls. 101 do apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidos.


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O Tribunal a quo considerou como factualidade não provada o seguinte:

“Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.”


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No concernente à motivação da matéria de facto ficou consignado o seguinte:

“Todos os factos têm por base probatória, os documentos referidos em cada ponto, o processo administrativo, o acordo das partes e os depoimentos das testemunhas inquiridas.
A testemunha J. C., em síntese, referiu:
Foi indicado como perito na 2.ª comissão de avaliação. A Comissão tinha o poder/dever de averiguar se o balanço correspondia à realidade. Este balanço não contém indícios de realidade. A única verba relevante são os 51 mil contos na verba de capital. Não há mais elementos relevantes em termos de activo e passivo. Sugeriu na comissão a verificação da conformidade do balanço, e apurara as razões que levaram à contabilização do 51 mil contos que tem contrapartida no “caixa” ou nos “bancos”. Não está em “caixa” porque não há nenhum juro nos proveitos activos. Não existe ao longo do tempo qualquer imobilização que justificasse a retirada do caixa para outra conta. Havia todos os indícios de que a 1.ª declaração do contribuinte não correspondia à realidade. Houve recusa em proceder a esse apuramento da real situação e para discutir verosimilhança de coisas que não faziam sentido. Um dos peritos mantinha a convicção que o dinheiro se mantinha em “caixa” porque se fosse distribuído tinha de pagar IRS. Não parecia sensato que se guardasse em caixa 51 mil contos, pois, no banco algum juro renderia. A comissão recusou-se a apurar a realidade da declaração do contribuinte. Não havia nas existências qualquer mercadoria, apenas existiam custos financeiros e provisões. Aquando da reunião da comissão já havia sido apresentado um balanço corrigido, que o depoente utilizou como mais um argumento no sentido da averiguação da verdade fiscal. O balanço tinha poucas rubrica e por isso era relativamente fácil verificar onde estava o dinheiro. O que faria sentido era verificar a conformidade ou desconformidade entre a declaração contabilística e a realidade.
A testemunha J. C., em síntese, referiu:
Fazia a contabilidade do estabelecimento até à data do falecimento de C. S. Quando pegou na contabilidade de C. S. dois ou três anos antes do seu falecimento. A conta de capital era todos os anos aumentada com o valor dos resultados que ia obtendo ao longo dos anos e a contrapartida dessa conta era depositada em caixa. Portanto, o dinheiro não existia. Do valor que estava ficticiamente em caixa serviu para comprar alimentos, pagar a renda da casa, pagar a educação dos filhos de C. S., mas nunca prestou contas dessa sua actividade. O capital continuava inscrito na conta caixa, mas foi-se escoando, pois, C. S. vivia dos resultados da sua actividade. Os lucros que iam acumulando em capital próprio entrava em caixa, o comerciante ia gastando na sua actividade e na sua vida particular e muitas vezes o capital acumulado ao longo dos anos não estava em caixa porque já tinha sido gasto. C. S. fazia anualmente a declaração de rendimentos e era tributado pela colecta determinada no final do exercício. O capital que contava na conta capital social já tinha sido tributado pelas finanças. Antigamente as pessoas pagavam os seus impostos, mas o capital constava do caixa, mas diluía-se com os gastos mas nunca apresentavam as despesas da renda da casa, da água, da luz, com os filhos, a alimentação, viagens, etc., e o capital continuava ficticiamente no caixa. C. S. nos dois últimos anos quase não tinha actividade e assim que este faleceu foram acertar as contas. Perguntou à C., filha do falecido, para fazer a conciliação dos saldos do banco e encontrou um saldo no banco que ficou reflectido na escrita final, para fazer a conciliação dos saldos foi-lhe dito que não havia dinheiro no caixa. Havia uma conta de créditos incobráveis de cerca de 800 contos. Fez reflectir esses valores nas contas finais e foi tributado pelas finanças. Nas contas finais tudo está correcto, está reflectido o saldo de dívidas incobráveis que estavam provisionadas. O dinheiro não existia, no caixa a conciliação foi zero. Era utilizada a conta bancária quer pessoalmente quer comercialmente. Os valores foram acumulados ao longo dos anos. Foi constituída uma nova firma que começou a comercializar as viaturas novas e o C. S. ficou com os “chaços”, os carros antigos que havia adquirido. A Firma nova não teve nada a ver com a actividade de C. S. que entretanto vendeu a quota às filhas. Vendeu as existências e foi tributado. Facturou tudo o que tinha em seu nome.
A testemunha J. L. G. P., em síntese, referiu:
A C. S., Lda. surgiu por imposição da C., foi criada de novo, e a firma que vendia carros usados continuou a vender carros usados. C. S. cedeu as quotas às filhas e reformou-se. Não dispunha de muitos bens. Não tinha outras fontes de rendimento, pagou o curso das filhas. Anualmente ia a C. Os cerca de 51 mil contos que aparecem no balanço não existiam. Não havia lugar a suprimentos, limitava-se a vender as existências.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de fixação de valor patrimonial resultante da segunda avaliação na qual foi atribuído ao estabelecimento comercial, em nome individual, de C. S., o valor de 60.068.333$00.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, indagando, para o efeito, da errónea determinação da matéria coletável, concretamente se o valor atribuído ao estabelecimento comercial, concretamente, 60.068.333$00 se encontrava incorreto, por assentar num balanço que carecia de correções, e bem assim se a AT se encontrava vinculada a encetar diligências adicionais nesse concreto domínio avaliativo, preterindo, assim, formalidades essenciais.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que o Tribunal a quo, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, inexistiu qualquer preterição de formalidades essenciais que inquinam o ato avaliativo, por aplicação da regra 2ª, do § 3 do artigo 20.º do CIMSISD, conjugada com a regra 4ª, sendo certo que a AT não estava obrigada a averiguar da necessidade introduzir quaisquer correções aos balanços.

Ademais, sublinha que a AT, em três ocasiões distintas, analisou os elementos probatórios, concretamente em sede de primeira e segunda avaliação e na informação da Divisão de Justiça Contenciosa elaborada ao abrigo dos artigos 111.º e 112.º do CPPT, conclui pela desnecessidade de corrigir o balanço elegível como documento base para aferir do valor a atribuir ao estabelecimento.

Sendo certo que, de todo o modo, as correções ao balanço, teriam de consubstanciar-se em elementos contabilísticos não sendo suficiente, para o efeito, a prova testemunhal produzida nos autos.

O Tribunal a quo assim o não entendeu tendo relevado, ab initio, que face à regra 4.ª do § 3.º do artigo 20.º do CIMSISSD, o balanço, quando necessário, pode ser corrigido, disciplinado que seja pelas regras legais de contabilidade.

Para depois adensar a factualidade reputada relevante para dirimir a lide dela se extratando, designadamente, o seguinte:

“Compulsados os documentos contabilísticos, nem de longe nem de perto se encontra rasto ou indício de que o de cujus tivesse perto de 50 mil contos em dinheiro à data da morte (…)

As Impugnantes juntaram a declaração de substituição Modelo de IRS referente ao ano de 1997, acompanhada do anexo C e o Balancete do Razão reportado a 31/12/1997, a escritura da constituição da sociedade “C. S., Limitada”, as declarações de rendimento que constituem fls. 38 a 228, os extractos bancários de fls. 229 a 328 e arrolaram testemunhas.”

Mais relevando que:

Da prova apresentada e da inquirição das testemunhas em audiência contraditória resulta que as despesas “[f]oram, ao longo dos anos, escrituradas na conta de capital próprio.

Com a constituição da sociedade “C. S., Limitada” o estabelecimento em nome individual passou a ter uma actividade residual de compra e venda de viaturas usadas.

O saldo reflectido na conta “caixa” era proveniente dos lucros auferidos pela actividade comercial do falecido C. S., ao longo dos anos, como contrapartida da conta de capital, todos os anos aumentada com o valor dos resultados. (…) o dinheiro não existia.”

Concluindo, assim, que:

“Nos termos das disposições legais acima transcritas a Administração Fiscal podia introduzir correcções ao balanço de modo a que este pudesse reflectir a realidade.”

Enfatizando, a final, que:

“[t]ambém, nos termos do artigo 58.º da LGT, a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material. Assim, perante os argumentos apresentados pelas ora Impugnantes a Administração Fiscal tinha efectivamente o poder dever de efectuar as necessárias diligências a averiguar da necessidade introduzir correcções ao balanço e, não o fazendo, preteriu formalidades que inquinam o acto avaliativo, por aplicação da regra 2. do § 3 do art. 20 do CIMSISD, conjugada com a regra 4., nos termos da qual, se esse balanço revelar a necessidade de ser corrigido.”

Vejamos, então.

Importa, desde já, relevar que a Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento por complementação, ou por supressão, apenas alegou que o Tribunal a quo, face ao recorte fático dos autos teria que retirar uma conclusão díspar, como visto, no sentido da inexistência de qualquer erro na determinação da matéria coletável porquanto o valor do estabelecimento comercial foi apurado, adequadamente e em conformidade com o valor do último balanço aprovado, sem que possa ser convocada qualquer preterição de formalidade essencial.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto importa apreciar se ocorreu o arguido erro de julgamento de facto e de direito.

Para o efeito, importa, desde já, convocar o regime jurídico que releva para o caso vertente.

De harmonia com o disposto no artigo 3.º do CIMSISD, sob a epígrafe “incidência real do imposto sobre as sucessões e doações”:

“O imposto sobre as sucessões e doações incide sobre as transmissões a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários.

§ 1.º Só se considera transmissão, para efeitos deste imposto, a transferência real e efetiva dos bens; e, assim, não se verificará a transmissão nas disposições sob condição suspensiva, sem se realizar a condição, nas doações por morte e nas doações entre casados, enquanto não falecer o doador ou, no último caso, o donatário não alienar os bens, e nas sucessões ou doações de propriedade separada do usufruto, sem este acabar ou sem a propriedade ser alienada.”

Mais se consignando no artigo 9.º do mesmo diploma legal que:

“Em virtude do disposto no artigo 3.º são designadamente sujeitas a imposto sobre as sucessões e doações: 1.º As transmissões por doação ou sucessão hereditária, ainda que realizadas sob a forma de constituição de direitos ou de desistência ou renúncia a direitos preexistentes”.

Em termos de determinação da matéria coletável dispõe o artigo 20.º do aludido CIMSISD que:

O imposto sobre as sucessões e doações será liquidado pelo valor dos bens transmitidos.(…)

§ 3.º O disposto no parágrafo anterior não prejudicará, porém, a aplicação das seguintes regras:

2ª O Valor do estabelecimento comercial ou industrial determinar-se-á pelo último balanço, a menos que, sendo partilhado ou liquidado judicialmente, se lhe atribua valor diverso, ou, sendo liquidado ou partilhado judicialmente, se lhe atribua valor superior.

Não havendo balanço, partilha ou liquidação, o valor do estabelecimento será o indicado na relação de bens;(…)

4ª Se o último balanço precisar de ser corrigido, o valor do estabelecimento ou das quotas e partes sociais determinar-se-á, quando for caso disso, pelo balanço resultante das correções feitas”.

Consignando, por seu turno, o artigo 69.º, alínea e), do CIMSISD, que:

“Com a relação dos bens apresentar-se-ão, para serem juntos ao processo, os documentos seguintes:

e) Extrato do último balanço do estabelecimento industrial ou comercial, ou do balanço de liquidação, havendo-o, ou certidão do pacto social, nos termos e para os efeitos das regras 2.ª e 3.ª do § 3.º do artigo 20.º. Se não houver balanço, apresentar-se-á um inventário, adrede organizado, dos valores ativos e passivos do estabelecimento, com vista a justificar o valor indicado na relação dos bens.”

Estatuindo, ainda, o artigo 77.º no atinente à verificação e exame à escrita que:

“Fazendo parte da herança ou da doação qualquer estabelecimento comercial ou industrial, ou quotas e partes em sociedades que não sejam por acções cujo valor de liquidação não esteja fixado no pacto social, ou ainda quando façam parte da herança ou da doação acções cujo valor tenha de ser determinado por aplicação da fórmula constante da alínea a) da regra 5.ª do § 3.º do artigo 20.º, o chefe da repartição de finanças remeterá, por intermédio da direcção de finanças do distrito, aos serviços competentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e ou à Inspecção-Geral de Seguros (actualmente Instituto de Seguros de Portugal), consoante os casos, o duplicado do extrato do balanço, havendo-o, e demais elementos apresentados ou de que dispuser.”

Ora, da interpretação conjugada dos aludidos preceitos legais resulta que o Imposto Sucessório incide sobre a transmissão efetuada a título gratuito de bens mobiliários e imobiliários, visando tributar a riqueza efetivamente transmitida por negócio inter vivos ou mortis causa, sendo certo que, para efeitos de apuramento do valor do estabelecimento comercial ter-se-á de atender, como regra geral, ao valor constante no último balanço aprovado, podendo, no entanto, tal valor ser corrigido em função de erros contabilísticos que viciem e acarretem a correção desse mesmo balanço.

No concernente ao âmbito e extensão do aludido artigo 20.º e concreta delimitação do erro contemplado na regra nº4, pronunciou-se o STA em Plenário, no âmbito do processo 01369/04, datado de 22 de junho de 2005, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“A regra proclamada no corpo do artigo 20° do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (doravante apenas Código da Sisa) de que o Imposto sobre as Sucessões e Doações é liquidado pelo valor dos bens transmitidos, outra coisa não representa mais do que um postulado daquele princípio informador do tipo deste tributo.

Mas como esse valor pode dizer respeito às mais diferentes expressões com que a riqueza económica se pode apresentar, ou dizer respeito aos mais diversos bens económico-jurídicos que podem ser objecto de transmissão fiscal, o legislador teve a necessidade de enunciar os critérios de determinação ou de como se acha o valor dos bens transmitidos.

Cada um destes critérios legais representa, assim, o critério de mensuração do valor de transmissão desse tipo de bens.

Ao determinar que o “valor das quotas ou partes em sociedade que não sejam por acções”, que continuem com o herdeiro ou legatário, se determina pelo último balanço, a regra 3ª (e também a 2ª, acrescentamos nós) do § 3º do citado artigo 20°, do Código da Sisa, está, simplesmente a dizer que o valor que resultar do balanço desse tipo de sociedades, evidentemente organizado de acordo ou segundo as respectivas normas contabilísticas legais, é o valor legalmente considerado como sendo o dos bens transmitidos.

Quer dizer, o legislador entendeu que tal balanço, enquanto resultado do cumprimento de certas regras, é que espelha o valor da respectiva riqueza imaterial ou fiduciária que está em causa, como são as quotas das sociedades (ou o estabelecimento comercial).

É dentro deste entendimento que tem de ser interpretada também a regra 4ª do mesmo parágrafo e o preceito procedimental que lhe está associado do artigo 77° do mesmo código que se referem à possibilidade do valor das quotas ser determinado em função da expressão de um balanço corrigido e, consequentemente, à possibilidade de correcção do valor desse balanço.

Todavia, ao admitir a possibilidade de correcção do valor do balanço, a lei está apenas a dizer que o balanço deverá ser tido em conta pela expressão com que ele tem de ser organizado à face das respectivas normas de contabilidade legal, — limitando-se a tanto os poderes de correcção da administração fiscal concedidos no falado artigo 77° —, e não que ele deva ser determinado por aplicação das demais regras, como as da regra 5ª do citado parágrafo do artigo 20°, do Código da Sisa.(…)

O valor de balanço destas não é uma mera resultante do valor que tais elementos tenham no património das empresas participadas, mas também de todos os outros elementos positivos e negativos próprios da empresa participante que têm expressão contabilística naquele, segundo as respectivas normas legais.

Não se esgrima contra a tese que aqui se defende, que a lei permite, no § 2° do artigo 77° do Código da Sisa, a avaliação dos bens subestimados e que, por isso, o balanço pode ser corrigido com recurso a normas próprias do respectivo código.

Tal não é assim. Só será legítimo falar-se de subestimação de valores do activo quando a sua contabilização não esteja feita pelo valor que as leis contabilísticas mandam ter em conta. É que não poderá fazer-se qualquer comparação sem um referente.(…)”

Ora, visto o regime jurídico que releva para o caso vertente, e tecidas as considerações de direito atinentes à determinação do valor do estabelecimento comercial, vejamos, então, se a prova carreada aos autos permite discernir no sentido do balanço em que se fundou o apuramento do valor do estabelecimento comercial não refletir a realidade financeira e patrimonial por existirem, a montante, erros contabilísticos que inquinam o seu apuramento e que carecem de correção.

Vejamos, então.

Atentando no recorte probatório dos autos, e inerente motivação da matéria de facto constante na decisão recorrida, retira-se o seguinte:

C. S. conduzia a sua atividade comercial no ramo automóvel, desde há mais de 30 anos sob a forma de estabelecimento em nome individual, sendo que a 19 de maio de 1989, foi outorgada escritura pública de constituição da sociedade C. S., Limitada, data a partir da qual passou a reservar o seu estabelecimento para o comércio de viaturas usadas, negócio este traduzido como residual e com nítido decréscimo de atividade e de lucros anuais.

Sendo certo que esses mesmos lucros do estabelecimento comercial foram tributados, em cada exercício, e com eles fazendo face às suas necessidades e do agregado familiar, adquirindo, igualmente, algum património.

Mais resultando assente que, aquando a apresentação da primeira declaração de rendimentos, o balanço do estabelecimento comercial relativo ao exercício de 1996, registava 51.426.805$00 de capital próprio (conta 29), tendo como contrapartida a existência de valores em caixa e em bancos, no valor global de 47.027.784$00.

Promanando, ainda, que face à constatação de erros nos registos contabilísticos, foi apresentada declaração de rendimentos de substituição, nela se corrigindo o balanço anteriormente apresentado, expurgando-se, para o efeito, os aludidos valores que padeciam de erro, tendo sido saldada a conta Caixa e a conta Capital a qual passou a apresentar um saldo devedor de 2.992.654$00 em vez do saldo credor de 51.500.957$00.

Resultando, igualmente, assente que a conta de capital todos os anos era aumentada com o valor dos resultados obtidos anualmente, situação computada como erro contabilístico, porquanto a contabilização dos 51.426.805$00 apresentava como contrapartida, maioritariamente, a conta “caixa” e também “bancos”, cujas disponibilidades não correspondiam, de todo, à realidade financeira.

Conforme dimana inequívoco da motivação da matéria de facto, “[l]evaram à contabilização dos 51 mil contos que tem contrapartida na “caixa” ou nos “bancos”. Não está em “caixa” porque não há nenhum juro nos proveitos activos. Não existe ao longo do tempo qualquer imobilização que justificasse a retirada do caixa para outra conta. Havia todos os indícios de que a 1.ª declaração do contribuinte não correspondia à realidade. A conta de capital era todos os anos aumentada com o valor dos resultados que ia obtendo ao longo dos anos e a contrapartida dessa conta era depositada em caixa. Portanto, o dinheiro não existia. Houve recusa em proceder a esse apuramento da real situação (…).”

Ora face ao supra expendido resulta, efetivamente, que o balanço em que se fundou o apuramento do estabelecimento comercial, em contenda, não reflete as saídas de capital, logo, os valores monetários refletidos na contabilidade não tinham corelação, padecendo de nítido erro formal e contabilístico, estando em desconformidade com a realidade substantiva e financeira.

Como é consabido, o balanço é o documento que expressa a posição financeira de uma organização num determinado momento, cuja equação fundamental assenta no Ativo=Passivo+Capital Próprio.
Sendo que, o ativo permite avaliar a possibilidade de obtenção de benefícios económicos e de gerar liquidez. Por seu turno, “O capital próprio corresponde ao património líquido da empresa e é composto pelas seguintes rubricas com tradução contabilística: capital social, reservas, prestações suplementares e resultados transitados. O capital próprio de uma empresa é sempre igual ao seu activo deduzido do passivo. Estas são realidades dinâmicas pelo que o que nos é dado pelas demonstrações financeiras (balanço e demonstração de resultados), é como uma “fotografia” tirada no momento à empresa e não deve ser encarado numa perspectiva estática, devendo a análise ser sempre efectuada em perspectiva. (1)

Ora, in casu, resulta provado que o balanço em que se fundou o apuramento do estabelecimento comercial não representa a realidade financeira de C. S., enquanto empresário em nome individual, estando o ativo, mormente, a conta caixa manifestamente sobrevalorizada.

Assim, se as disponibilidades financeiras não se encontravam em conformidade com o registado na contabilidade, face a erros contabilísticos, expressamente reconhecidos, tal permite concluir que o balanço que serviu de base estava viciado, logo deveria a AT ter procedido às inerentes correções, tanto mais, que à data da segunda avaliação a Recorrida já havia apresentado um balanço corrigido. Note-se, ademais, que no Anexo C da declaração de substituição, no Quadro 18, constava a expressa menção como “Informações Complementares” da cessação total do exercício de atividade, a 31 de maio de 1997.

E por assim ser, ter-se-á de concluir que a AT desrespeitou, efetivamente, as regras constantes no citado artigo 20.º do CIMSISD.

Neste particular, importa relevar que contrariamente ao alegado pela Recorrente a prova de que o balanço não refletia a realidade patrimonial e financeira foi ponderada e fixada mediante a concatenação de duas provas, concretamente, prova testemunhal e prova documental, conforme resulta inequívoco da motivação da matéria de facto constante na decisão recorrida, sendo que no domínio da primeira, a Recorrente nada controverte, não sindicando, por reporte contextualizado e pormenorizado aos depoimentos legais, porque motivo se teria de valorar distintamente a prova e mais ainda qual o sentido que deveria ficar plasmado no probatório, o que, per se e sem mais, implicaria a manutenção do acervo nos exatos moldes contemplados.

Note-se, ademais, que uma das testemunhas inquiridas foi precisamente o TOC que elaborou a contabilidade e reconheceu os erros contabilísticos incorridos, e adensou que o balanço em que se fundou a avaliação do estabelecimento não representava a realidade patrimonial e financeira da sociedade, bem como as razões atinentes à apresentação de ulterior balanço, tendo, outrossim, prestado depoimento o Perito que foi nomeado na comissão de avaliação, e que corroborou toda essa realidade fática.

Como doutrina F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes,(2)



Tribunal Central Administrativo Sul 28/29
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“O estabelecimento comercial ou industrial é uma universalidade constituída por um conjunto de valores activos e passivos através dos quais se desenvolve uma actividade comercial ou industrial, valores que têm uma expressão gráfica consubstanciada numa contabilidade devidamente estruturada e com suportes que fundamentem esses valores. Assim sendo, o seu valor há-de corresponder a uma situação líquida resultante do balanço (…)”

Ora, se as aludidas rubricas padecem de erro e carecem da competente correção, na medida em que influenciam quantitativamente os valores respetivos, particularmente e para o caso dos autos o valor atribuído ao estabelecimento comercial, não representando o valor da respetiva riqueza imaterial ou fiduciária que está em causa, então a AT deveria, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, ter diligenciado no sentido da correção do balanço, com as inerentes repercussões em termos de quantum da realidade em contenda.

De relevar, neste particular, que tendo sido apresentado um balanço corrigido, a AT tinha de ir mais além, não podendo negligenciar a descoberta da verdade material e nada requerer em termos de diligências adicionais. Acresce que, existindo dois balanços e bastando-se o citado artigo 68.º, alínea e), do CIMSISD com a junção, singela, do extrato do último balanço ou do balanço de liquidação, existindo dúvidas quanto aos valores corrigidos no balanço, as mesmas teriam de ser dissipadas mediante a solicitação dos competentes elementos de suporte, não podendo a manutenção do resultado de segunda avaliação refugiar-se numa redutora e conclusiva falta de junção, sem nunca os ter requisitado.

Noutra formulação, dir-se-á que se é convocado um erro contabilístico, se inclusive é apresentado um balanço corrigido, que evidencia que a rubrica capital próprio não corresponde à verdade material, convocando o Perito do Contribuinte, de forma expressa, no seu laudo, esses mesmos erros formais, apelando ao balanço corrigido, e requerendo, desde logo, uma análise dos saldos bancários do estabelecimento, então a AT poderia/deveria requerer- antes de indeferir tout court, ou seja, antes de indeferir o pedido por falta de apresentação de elementos contabilísticos- os atinentes ao efeito, designadamente os extratos bancários, os extratos das contas caixa e bancos referentes ao período em causa, os correspondentes diários, demonstrações de fluxos de caixa, e respetivas reconciliações bancárias.

Acresce que, as próprias regras da experiência ditavam e demandavam essa atuação, não sendo, de facto, plausível, desde logo face ao caráter residual da atividade, a existência de um capital próprio de 51.426.805$00, como contrapartida de caixa e bancos, no valor global de 47.027.784$00, quando, nem tão-pouco, existe a contabilização de quaisquer juros associados. De sublinhar que, esta realidade foi, igualmente, adensada pelo Perito do Contribuinte na comissão de avaliação e inteiramente descurada, sem que motivasse, designadamente, a requerida análise dos saldos bancários e respetiva reconciliação bancária.

Não podendo, assim, lograr provimento, neste e para este efeito, o por si aduzido em sede de recurso de que “uma correcta interpretação do disposto na regra 4a do art° 20°, § 3°do CIMSISSD conduz a que, apenas se faça incorrer a Administração Fiscal no dever de proceder à correcção dos balanços, caso haja prova documental que contradiga a informação neles contida”, e isto porque a AT, em ordem ao princípio da colaboração e do inquisitório, poderia/deveria notificar a Recorrente para juntar a prova documental que reputava relevante, e após a sua análise decidir em conformidade.

Vide neste sentido, entre outros, o Aresto do STA, proferido no processo nº 0519/13, datado de 15 de Maio de 2013, disponível para consulta em www.dgsi.pt, o qual doutrina de forma clara que: “Se a recorrente alegou os pressupostos (…) mas não juntou a documentação necessária a fazer prova dos mesmos, não subsistem razões que impeçam a Administração Tributária de convidar a recorrente a suprir as incorrecções do requerimento deficientemente instruído.”

Donde, não assiste, assim, razão à Recorrente quando defende que contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, inexistiu qualquer preterição de formalidades essenciais que inquinam o ato avaliativo, por aplicação da regra 2ª do § 3 do artigo 20.º do CIMSISD, conjugada com a regra 4ª, e bem assim que a AT não estava obrigada a averiguar de a necessidade introduzir quaisquer correções aos balanços.

De salientar, neste conspecto, que não logra o efeito por si almejado, donde provimento, o aduzido pela Recorrente em II e III das suas conclusões, desde logo, porque na primeira avaliação os valores foram ponderados de acordo com o balanço apresentado aquando da entrega da primeira declaração Modelo 3, sendo que só no pedido de segunda avaliação se aprecia da adequacidade do balanço corrigido e respetivo suporte. Sendo certo que, conforme dimana expresso do termo de avaliação e já sublinhado, a AT não convocou a apreciação de qualquer documento, refugiando-se, tão-só, na falta de apresentação de documentos atinentes ao efeito, nada contraditando, com a devida substanciação, quanto aos valores inscritos no balanço corrigido.

Acresce, outrossim, que em nada pode relevar, neste e para este efeito, a apreciação da Divisão da Justiça Contenciosa, ao abrigo dos artigos 111.º e 112.º do CPPT, porquanto ulterior ao ato impugnado, consubstanciando, assim, fundamentação a posteriori.

Mais importa relevar que, não se granjeia a procedência preconizada em VII, não só porque, por um lado, a aludida alegação não se encontra minimamente consubstanciada, sendo absolutamente genérica, não sendo, tão-pouco, requerido qualquer aditamento que pudesse concretizar qualquer erro fático a valorar para a presente lide, como, por outro lado, a rubrica contabilística com superior expressão quantitativa, coadunou-se com a conta caixa e cuja prova produzida logrou demonstrar a necessidade de correções ao balanço por parte da AT, consistindo um poder/dever, desde logo, em linha com o princípio da capacidade contributiva.

Como doutrinado, no Aresto deste Tribunal, prolatado no âmbito do processo nº 9814/16.9, de 14 de janeiro de 2020:

“[c]onsubstancia uma exigência do princípio da capacidade contributiva (princípio que exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal na sua vertente de “uniformidade”) que postula que a incidência e a repartição dos impostos devem atender a “capacidade económica”, “capacidade de gastar” dos contribuintes, afastando o legislador fiscal do arbítrio ao atender-se às manifestações da capacidade tributária, constituindo o pressuposto da tributação.

Repare-se que fazendo apelo ao princípio da capacidade contributiva o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2003, de 28/04/2003, proc. n.º 308/2002 julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º do antigo Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro), a qual estabelecia uma presunção juris et de jure da existência, na herança, de bens mobiliários de uso pessoal e doméstico em certas percentagens do valor do activo restante da sucessão.

Pese embora este acórdão não verse sobre a matéria em causa dos autos, do mesmo podemos extrair com segurança o ensinamento de que em respeito pelo princípio da capacidade contributiva a determinação da matéria colectável em sede de imposto de sucessões e doações deve assentar no valor dos bens efectivamente transmitidos.” (destaques e sublinhados nossos).

Assentindo-se, assim, com o ajuizado pelo Tribunal a quo no sentido de que: “[p]erante os argumentos apresentados pelas ora Impugnantes a Administração Fiscal tinha efectivamente o poder dever de efectuar as necessárias diligências a averiguar da necessidade introduzir correcções ao balanço e, não o fazendo, preteriu formalidades que inquinam o acto avaliativo, por aplicação da regra 2. do § 3 do art. 20 do CIMSISD, conjugada com a regra 4., nos termos da qual, se esse balanço revelar a necessidade de ser corrigido.”

E por assim ser, a decisão recorrida não merece a censura que lhe é gizada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


***

Uma nota final quanto à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, constante no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, resulta claramente que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns, encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


***


IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, com a dispensa do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 07 de dezembro de 2021

(Patrícia Manuel Pires)

(Cristina Flora)

(Luísa Soares)
















1) João Antunes, O capital próprio, Revista TOC 99-junho de 2008, pág. 32.
2) CIMSISD anotado e comentado, Reis dos Livros, 3ª edição, 1993, pág.334.