Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02859/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/09/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores: IRC
CADUCIDADE
REPORTE DE PREJUÍZOS
CORRECÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL EM EXERCÍCIO QUE NÃO DEU ORIGEM A LIQUIDAÇÃO
Sumário:1. A caducidade do direito à liquidação prende-se com a necessidade de certeza dos direitos e das relações jurídicas dentro de um prazo de tempo tido por adequado;
2. Os fundamentos do instituto da caducidade, nas situações e que esteja em causa a correcção da matéria colectável de um exercício que não tenha dado origem a qualquer liquidação, por forma a repercutir-se em posteriores exercícios, por efeito de reporte, apenas são alcançáveis na medida em que tal correcção fosse possível se, ao invés, o exercício a corrigir tivesse dado origem a um acto de liquidação.
3. Não tendo, o exercício a corrigir dado origem a qualquer liquidação, nem por isso a AT está dispensada de proceder às correcções e de as notificar ao contribuinte no prazo de caducidade, sob pena de estabilização da matéria colectável subjacente ao acto de liquidação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- O RFPública, por se não conformar com a decisão proferida pela Mm.ª juiz do TAF de Almada, documentada de fls. 305 a 318, inclusive, dos autos e, pela qual lhe julgou procedente esta impugnação que deduzira contra a liquidação de IRC, referente a exercício de 1996, com o n.º 8310008418, no valor de € 422.736,34, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1. Não se verifica a alegada caducidade das correcções aos prejuízos fiscais declarados no exercício de 1991, por força do disposto no artº 46º, nº 3 do CIRC (redacção à data dos factos, e actualmente artº 47º do CIRC), e ao disposto no artº 45º, nº 3 da LGT;

2. Não houve liquidação adicional ao exercício de 1991, mas tão só ao exercício de 1996, por força das correcções supra mencionadas; tal correcção é possível e legal, pois que a caducidade se começa a contar do último ano em que se efectuou o reporte de prejuízos.

3. AT nunca poderia em sede de apreciação do direito de audição, efectuar a correcção (do benefício fiscal concedido nos termos do artº 119º, nº 2 do CPEREF), porquanto a mesma está sujeita formalismos legais (vd. Artº 14º, nº 1, alínea a) do EBF), que a impugnante não desencadeou;

4. O exercício do direito de audição não é o momento nem o meio para requerer a atribuição ou anulação de benefícios fiscais que são da competência de instâncias específicas, que não os serviços de Inspecção Tributária, entidade que procedeu à apreciação do direito de audição;

5. A revisão do acto a que a impugnante se refere no exercício do direito de audição, resulta apenas da liquidação da declaração de IR no modelo 22 apresentado, da qual resultou matéria colectável nula, tornando-se evidente que não estão reunidos os requisitos para aplicação do artº 78º, nº 3 da LGT, existência de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, tal como alegado pela impugnante.

6. Ao decidir em sentido contrário ao até agora exposto incorreu o tribunal a quo na violação dos artº 46º, nº 3 do CIRC (redacção à data dos factos, e actualmente o artº 47º do CIRC), e do disposto no artº 45º, nº 3 da LGT, artº 14º, nº 1, alínea a) do EBF e artº 78º, nº 3 da LGT.

- Conclui que, pela procedência do recurso, se revogue a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que julgue a impugnação improcedente com todas as consequências legais.

- O EMMP, junto deste Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 382 pronunciando-se, a final, pela procedência do recurso apoiando-se, para o efeito, na linha argumentativa sustentada pela recorrente.

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- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A) A impugnante exerce a actividade “Obtenção e primeira transformação de metais n/ferro” com o CAE 27450.

B) Na sequência de uma acção de inspecção realizada entre 18/11/1998 e 19/03/1999 à contabilidade do impugnante ao exercício de 1995 e 1996 foi elaborado o respectivo relatório de inspecção no âmbito do qual se propõe correcções à matéria colectável em sede de IRC recurso a correcções técnicas.

C) Os serviços de inspecção considerámos seguintes elementos para proporem correcções:
a. A impugnante tem 2 actividades, uma tributada no regime normal relativa à produção de ligas de manganês e outra ligada à produção de sinter, tributada no regime de transição com redução de taxa em 50% desde 1987 a 1996;
b. A impugnante não utilizou critérios uniformes na afectação dos custos às actividades, em especial os encargos comuns;
c. Os proveitos e os custos incorridos em 1991 não foram os correctos, tendo influenciado o rateio pelas 2 actividades, dos proveitos extraordinários obtidos em 1995 resultantes de um perdão de dívidas ocorrido nesse exercício;
d. As anomalias originaram correcções no valor dos custos e das vendas contabilizadas em 1991 e o valor dos prejuízos a reportar por cada uma das actividades bem como o valor dos proveitos extraordinários rateados em 1995;
e. A impugnante declarou, em 1996, no regime geral o montante de 182.054.427$00 e no regime de transição o montante de 0$00, tendo sido corrigidos para 182.054.427$00 e 0$00, respectivamente;
f. A impugnante declarou como reporte de prejuízos em 1996, no regime geral o montante de 2271.469$00 e no regime de transição o montante de 140.960.502$00, tendo os mesmos sido corrigidos para 5.539.962$00 e 326.167.377$00;
g. Em 1996 a matéria colectável declarada sendo nula nas das actividades, foi corrigida para 176.154.465$00 no regime geral por força das correcções efectuadas aos prejuízos reportáveis;
h. A impugnante e a sociedade “Companhia Portuguesa de Electricidade” celebraram um contrato de fornecimento de energia em 27/06/1973, por um período de 10 anos renováveis por períodos sucessivos de 5 anos;
i. A sociedade “EDP” sucessora da “Companhia Portuguesa de Electricidade”, em 01/01/1984 alterou o tarifário do contrato;
j. Em consequência do mencionado na alínea anterior, a impugnante não pagou a totalidade dos valores facturados e a sociedade “EDP”, em 1987 instaurou um processo especial de reclamação de créditos;
k. A impugnante, impossibilitada de laborar instaurou um processo judicial de danos causados à sociedade “EDP”, tendo em 14/02/1994 apresentado no Tribunal Judicial de Setúbal um processo judicial de recuperação de empresas;
l. Na sequência do processo especial de recuperação de empresas, mencionado na alínea anterior, e por acordo em assembleia de credores, realizada em 10/03/1995, foram perdoados à impugnante 68,1% dos créditos no montante total de 673.672.117$00;
m. A impugnante para separação de rentabilidade dos 2 sectores de actividade, organizou a sua contabilidade de modo a que:
1- Os resíduos da actividade principal são valorados para efeitos de custo de actividade complementar (sintetização) e de proveitos na actividade principal – produção de ligas de manganês;
2- Os encargos comuns são rateados por cada uma das actividades. Destes, destacam-se os encargos financeiros que exceptuando o exercício de 1991, foram rateados em função das vendas de cada actividade;
n. A factura emitida pela sociedade “Italghisa”, referente a matéria-prima, foi erradamente contabilizada como vendas no montante de 97.211.069$00;
o. A factura emitida pela impugnante, referente ao valor da mercadoria, foi erradamente contabilizada como venda no montante de 97.211.069$00;
p. O valor total facturado pela impugnante foi no montante de 161.666.405$00, o qual inclui o montante de 97.211.069$00 de matéria-prima colocada em Portugal gratuitamente pela sociedade mencionada em m);
q. O valor dos serviços prestados pela impugnante no montante de 64.455.336$00 – 161.666.405$00 – 97.211.069$00, ou seja, o montante de 64.455.336$00 corresponde à diferença entre o total das facturas emitidas pela impugnante e o valor da matéria- -prima fornecida pela sociedade “Italghisa” e que daquelas facturas faz parte apenas para efeitos alfandegários, e não o montante de 161.666.405$00 que estão contabilizados;
r. A impugnante desde 1987 até 1994 usou o critério proporcional pelo valor das vendas de cada actividade, excepto no ano de 1991 cujo critério foi pelo valor do imobilizado corpóreo bruto;
s. Em sequência do mencionado na alínea anterior os serviços de inspecção vão aplicar no ano de 1991 o mesmo critério de rateio utilizado entre 1987 e 1994, corrigindo os resultados fiscais, pelo que o rateio vai ser corrigido proporcionalmente às vendas efectuadas;
t. Os serviços de inspecção corrigiram o valor das vendas em 1991 por actividade:
Vendas declaradasVendas corrigidas
Reg. Trib. GeralReg. de TransiçãoReg. Trib. GeralReg. de Transição
4.009.663$161.666.405$4.009.663$64.455.336$

u. Os encargos financeiros contabilizados pela impugnante foram no montante de – 111.972.890$00;
v. Os serviços de inspecção corrigiram os encargos financeiros afectos a cada uma das actividades face aos valores das vendas corrigidas e à aplicação de rateio uniforme:
Valores declaradosValores corrigidos
Reg. Trib. GeralReg. de TransiçãoReg. Trib. GeralReg. de Transição
86.416.168$25.556.722$6.650.009$105.322.880$

w. Em virtude das correcções efectuadas na alínea anterior, apresentam-se diferentes os resultados das actividades que se manifestam através da alteração dos prejuízos a reportar:
Prejuízos declaradosPrejuízos corrigidos
ExercícioReg. GeralReg. TransiçãoReg. GeralReg. Transição
1991127.082212$77.210.823$47.316.053$156.976.981$ (a)
(a) – 47.316.053$00 = 127.082.212$00 – 86.416.168$00 + 6.650.009$00
- 156.976981$00 = 77.210.823$00 – 25.556.722$00 + 105.322.880$00

x. Em face da redistribuição do montante de 673.672.117$00 referente às dívidas perdoadas e face aos novos valores de vendas apurados em 1991:
Valores de vendas declaradas Valores de vendas corrigidas
ExercícioReg. GeralReg. TransiçãoReg. GeralReg. Transição
19914.69.663$161.666.405$4.069.663$64.455.336$ (a)
199244.108.525$-$44.108.525$-$
199368.294.245$-$68.294.245$-$
199416.466.600$-$16.466.600$-$
1956.009.918$-$6.009.918$-$
Total138.978.951$161.666.405$138.978.951$64.455.336$
% de rateio46%54%68,3%31,7%
a) Valores corrigidos ver alínea s)

y. Os serviços de inspecção em relação à afectação do perdão de dívidas pela empresa/afectação do perdão de dívidas corrigidos;
Reg. GeralReg. TransiçãoReg. GeralReg. Transição
Afectação (a)294.060.359$345.201.291$436.615.707$202.645.943$
Afectação (b)34.410.467$0$34.410.467$0$
Total328.470.826$345.201.291$471.026.174$202.645.943$
a) Rateio dos encargos financeiros perdoados no montante de 639.261.650$00
b) Distribuição das dívidas perdoadas por fornecedores e outros credores

z. Os serviços de inspecção consideraram como reporte de prejuízos susceptíveis de utilização em 1996;
DeclaradosCorrigidos
Reg. GeralRreg. TransiçãoReg. Geral Reg. Transição
1991- 0$-$- 0$156.976.981$
199268.737.297$28.175.183$- 0$56.405.077$
1993145.455.934$56.688.580$- 0$56.688.580$
199413.668.238$56.096.739$5.539.962$56.096.739$
1995- 0$- 0$- 0$- 0$
Total227.861.469$140.960.502$5.539.962$326.167.377$

aa. Os serviços de inspecção consideraram os seguintes valores como apuramento da matéria colectável corrigida para o exercício de 1996;
Reg. GeralReg. Transição
Lucro Trib. Decl. 125.957.687$182.054.427$(56.096.740$)
Dedução prejuízos5.539.962$- 0$
Matéria colectável corrigida176.514.465$0$
A matéria colectável declarada neste exercício era nula em ambas as actividades. Porém, em resultado das correcções efectuadas, a matéria colectável da actividade principal foi corrigido para 176.514.465$00.

bb. Os serviços de inspecção analisaram o direito de audição da impugnante referindo que:
1- A legitimidade da Administração Tributária para corrigir os prejuízos advém- -lhe do art.º 46.º n.º 3 do CIRC e “De facto, a alteração não contestada, dos actos praticados em 1991, teve reflexos na matéria colectável de 1996, exercício esse ainda dentro do prazo de caducidade previsto no artigo 79.º do CIRC e 33.º do CPT”.
2- Quanto ao benefício fiscal concedido nos termos do art.º 119.º n.º 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência, os serviços de inspecção entendem que a impugnante poderia ter utilizado aquele benefício declarando-o na declaração de rendimentos do exercício de 1995, manifestando a sua vontade nos termos do art.º 14.º n.º al. a) do EBF, não tendo o feito. Acresce que, a impugnante alega erro no preenchimento da declaração, sendo que os serviços de inspecção consideram que poderia ter reclamado nos termos do art.º 111.º do CIRC e art.º 151.º do CPT.
3- Quanto á renúncia ao regime de transição de benefícios fiscais, a Administração Tributária entende que o direito de audição tem limitações específicas não constituindo um meio de atribuição ou anulação de benefícios fiscais.
4- Com respeito á revisão do acto tributário, os serviços de inspecção entendem que o mesmo poderá ser revisto por iniciativa da impugnante no prazo da reclamação administrativa, podendo o dirigente máximo do serviço autorizar, excepcionalmente nos 3 anos posteriores a revisão do acto com fundamento em injustiça grave e notória, contudo a revisão do acto a que a impugnante se refere é a liquidação da declaração de rendimentos mod. 22, em que a matéria colectável foi nula e assim sendo não existe tributação manifestamente exagerada e desproporcionada, nos termos do art.º 78.º n.º 4 da LGT.
5- Os serviços de inspecção concluíram que do direito de audição a impugnante não trouxe factos novos susceptíveis de alterar o conteúdo das correcções efectuadas.

D) Em 26/04/1999 foi proferido parecer pelo coordenador dos serviços de inspecção que confirmou as correcções propostas no relatório de inspecção.

E) Em 30/04/1999 foi proferido despacho de concordância com o parecer e com o relatório de inspecção do Chefe de Divisão, no uso de poderes delegados, que fixou o lucro tributável de 182.054.427$00 e de (56.096.740$00), respectivamente sector sujeito e sector do regime de transição para 176.514.465$00 e 0$00, respectivamente, sendo que o reporte de prejuízos corrigido para 5.539.962$00 e 0$, respectivamente, com recurso a correcções técnicas.

F) Em 03/05/1999, sob o ofício n.º 14057, dos Serviços de Inspecção Tributária foi emitida a notificação para o impugnante da fixação do lucro tributável mencionado na alínea anterior.

G) Na sequência da fixação do lucro tributável nos termos na alínea anterior foi efectuada a liquidação adicional de IRC n.º 8310008418 referente ao exercício de 1996 no montante de € 422.736,34.

H) Em 27/05/1999 o impugnante deduziu reclamação graciosa da liquidação mencionada na alínea anterior.

I) Em 12/06/2003 foi proferido despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária no uso de poderes delegados, que indefere a reclamação Graciosa apresentada pelo impugnante com fundamento de “Considerando o informado pelos serviços indefiro o pedido, conforme proposto.”

J) A impugnante pagou ao abrigo do DL n.º 248-A/2002 de 14/11 o imposto mencionado na alínea G).

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- Mais se deram, como não provados, quaisquer outros factos, diversos dos mencionados nas precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir e à luz das possíveis soluções de direito.

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- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida, que “(…) a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso.”.

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- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- No caso vertente a recorrente «EUROMINAS», veio deduzir esta impugnação contra acto tributário de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1996, na sequência de indeferimento expresso de reclamação graciosa, também, contra o mesmo deduzida.

- E tal impugnação fá-la repousar, no essencial, na correcção operada, pela AF, ao volume/valor de vendas e de custos, referentes ao exercício de 1991 e ao critério de repartição dos últimos, tendo em consideração que a recorrida exercera duas actividades, uma delas sujeitas ao régie geral de tributação em IRC e, a outra, com redução de taxa em 50%, até ao referido exercício de 1996, inclusive.

- Isto, porque, tendo a alteração da repartição de custos surgido como consequência da alteração proporcional das vendas, nos termos do corrigido, para o exercício de 1991, na medida em que a AF se socorreu do critério de imputação proporcional às vendas registadas de cada um daqueles sectores de actividade, tal implicou, logo no exercício de 1995, a re-afectação do rateio de um proveito extraordinário de tal exercício, no valor de Esc. 673.672.117$ (€ 3.360.26,35), relativo a um perdão de dívidas aprovado em Assembleia de Credores, no âmbito de um processo de recuperação de empresa e homologado por sentença judicial passada em julgado, que determinaram correcções ao lucro tributável de tal exercício e, no exercício de 1996, redução do montante dos prejuízos acumulados susceptíveis de serem reportados em tal exercício.

- Assim, a recorrida esgrimiu com a ilegalidade da liquidação em causa, seja porque entendeu caducado o direito de se proceder à respectiva liquidação com recurso a correcções operadas ao exercício de 1991, com influência decisiva no valor dos prejuízos nele reportáveis, seja porque a correcção acima referida ao exercício de 1995, reflectindo- -se àquele mesmo nível, é, ainda ilegal em virtude do referido proveito (perdão de dívida) se encontrar isento de IRC, seja, ainda e finalmente, porque autoliquidou imposto, no exercício em causa, erradamente, já que fez constar da respectiva declaração Mod./22 a sujeição àqueles dois regimes de tributação quando, por requerimento de 1999MAI28 solicitou ao Director do Benefícios Fiscais a renúncia ao benefício fiscal de redução de taxa quanto a um dos sectores de actividade, fazendo reportar os efeitos de tal renúncia a 1994JAN01; Quanto a esta última causa de pedir – erro na autoliquidação – ela surge, tanto quanto de se nos afigura legítimo extrapolar do articulado inicial, como meramente subsidiária, já que, com ela se visa a restrição do lucro tributável do exercício, fazendo-o passar dos declarados € 908.083,65, para € 628.274,29 (cfr. art.º 219.º da p.i.), quando é certo que a procedência da impugnação por ilegalidade nas correcções operadas ao exercício de 1991, nos termos invocados na p.i., implica a eliminação total do acto tributário sindicado, desde logo com a inerente consequência de os prejuízos reportados absorverem integralmente aquele lucro tributável declarado.

- Por seu turno e ao que aqui releva, a M.ª juiz recorrida, elencou, assim, as questões que entendeu dever apreciar;

«Atento os contornos da relação tributária trazida à lide a questão essencial a decidir se prende com a resolução no caso sub judice de três questões: se a Administração Tributária ao desconsiderar o reporte de prejuízos em 1999, relativo ao exercício de 1996 e sendo os mesmos provenientes e 1991, poderiam ou não ter sido efectuados face ao prazo de caducidade e, em caso afirmativo se os mesmos deveriam ou não ser notificados à impugnante; Se o montante de 673.672.117$00 é indevidamente sujeito a tributação nos termos do art.º 119.º, n.º 2 do CPEREF, em virtude de os mesmos estarem isentos; e por último, se há erro na autoliquidação uma vez que a impugnante entregou a Mod. 22, juntamente com o anexo 22-A quando deveria ter entregue só a Mod. 22, em virtude da renúncia ao regime de transição, pelo que a Mod. 22 de substituição deve ser aceite.».

- E, a verdade é que os apreciou a todos e cada um deles sendo que os julgou, a todos e cada um deles, como fundamento legalmente adequado, por demonstrado, à anulação do acto tributário impugnado (liquidação de IRC).

- Ora, o que se vem de dizer merecem-nos as seguintes ordens de considerações;

a) Desde logo, na linha do acima referido, se se considera, como considerou a Mm.ª juiz recorrida, que estava caducado o direito da AF proceder às correcções do exercício de 1991, em 1999, nessa medida não se podendo alterar a matéria colectável do exercício de 1996 por desconsideração dos prejuízos reportados e resultantes dos declarados daquele outro exercício de 1991, então e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não se impunha a apreciação da causa de pedir consubstanciada no erro na autoliquidação na medida em que, mesmo a assistir razão à recorrida, como considerou a decisão aqui em crise, a sua utilidade é nula uma vez que o acto tributário impugnado, na sua totalidade, será de eliminar da ordem jurídica, por força da aludida caducidade, uma vez que se ancora, em última instância e exclusivamente, nas correcções aos volumes de vendas e de custos declarados, com referência ao exercício de 1991;
b) Por outro lado e adjuvantemente, quanto à correcção operada ao exercício de 1995 e relativa ao perdão de dívida em Assembleia de Credores, no âmbito de Processo de Recuperação de Empresa, devidamente homologada por decisão judicial passada em julgado, a mesma apenas indirectamente influenciará a liquidação adicional de IRC/96, já que ela se repercute ao nível do lucro tributável do aludido exercício de 1995, pelo a sua manifestação directa terá sido na liquidação adicional deste mesmo exercício (1995).

- Mas sendo assim, então crê-se que não é possível apreciar, nestes autos, em que apenas está em causa a liquidação adicional de IRC, do exercício de 1996, uma correcção operada à matéria colectável de 1995, e que deu, também, origem a uma liquidação adicional.

- Quando muito e considerando que o lucro tributável do exercício de 1996 se encontra dependente do que, a tal propósito, vier a ser decidido para o exercício de 1995, o que se admite poderia ter sido feito era a determinação da suspensão destes autos até àquela decisão, face à sua admitida prejudicialidade; Refira-se, aliás e na linha do que se vem de referir, que é a própria impugnante e recorrida que informa o tribunal, documentando nos autos, ter deduzido impugnação judicial da liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 1995, com suporte, ao que aqui releva, naquele aludido circunstancialismo (ilegalidade da correcção no que concerne ao referido perdão de dívida), como o atestam os art.ºs 157 e segs., da p.i., e o doc. n.º 9, (cfr. fls. 205, dos autos) para que aquele art.º 157.º remete.

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- Recorreu da decisão proferida nos autos e da autoria da Mm.ª juiz do TAF de Almada, a FPública, nos termos das conclusões acima transcritas, abordando os diversos segmentos da decisão recorrida.

- Cabe, por isso, apreciar da conformidade legal da decisão recorrida, à luz das conclusões do recurso apresentado, tendo em linha de conta, à luz do acima aludido, que, a considerar-se o mesmo improcedente, quanto à declarada caducidade do direito à correcção do exercício de 1991, na medida em que, nela, assenta a liquidação sindicada nos autos, nada mais se imporá apreciar.

- E, antecipando desde já, o nosso entendimento quanto a tal questão – caducidade - cremos que bem decidiu a Mm.ª juiz recorrida e que, nessa medida, a razão falece à recorrente.

- Diga-se que se percebe a argumentação da recorrente, ao contrapor, e bem, à linha argumentativa da recorrida, que o que está em causa é a liquidação do exercício de 1996 e não do exercício de 1991, em que nenhuma houve; por isso que, ao abrigo do que preceituava o art.º 46.º/3, do CIRC, que dispunha que “quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo contribuinte, alterar-se-ão em conformidade as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de cinco anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite” sustente que, no caso, aquelas correcções ao exercício de 1991 não estão sujeitas a qualquer prazo de caducidade, já que não houve qualquer liquidação e o que lei regulamenta é caducidade do direito à liquidação, podendo delas extrapolar os necessários efeitos ao nível de suporte de uma liquidação adicional de um qualquer outro exercício posterior desde que, relativamente a este, ainda se não mostre esgotado o prazo de caducidade, com sucedeu no caso em análise.

- Crê-se, no entanto, que se está perante uma argumentação mais formal que substancial, mas que, a nosso ver, afronta a coerência do ordenamento jurídico, no que à figura da caducidade concerne, frustrando, de uma forma nosso ver injustificada, os objectivos visados por tal instituto e que, por isso, não será sustentável.

- De facto e seguindo de perto o trabalho de Exm.º Cons. Joaquim Gonçalves(1),- para o qual se remete, pela melhor e mais profunda abordagem do tema -, o instituto da caducidade ancora-se em razões que se prendem, de um lado, com um fundamento político-social, traduzido na necessidade da certeza dos direitos e das relações jurídicas, suporte do “(…) interesse público da paz familiar e segurança social da circulação e interesse da brevidade das relações jurídicas” e, de outro, com um fundamento jurídico que se consubstancia “(…) no não exercício dos direitos prolongado por certo decurso de tempo.”.

- Isto é e secundando o Prof.Vaz Serra, “a lei ao fixar a caducidade, fá-lo por razões objectivas de segurança jurídica, sem atenção à negligência ou inércia do titular do direito, atendendo apenas à necessidade de definir com brevidade a situação jurídica.”.

- Isto porque, em acatamento do referido interesse público de apaziguamento e segurança no estabelecimento de relações jurídicas, a lei, para as diversas situações plasmadas na ordem jurídica sujeitas ao instituto em questão, considerou que um determinado período, balizado no tempo, será o justificado para o exercício de um direito, pelo que, o seu não exercício acarreta, inexoravelmente, a estabilização/consolidação da situação subjacente e em que aquele, por isso, se fundamenta.

- Ou seja, a circunstância, ao que aqui nos importa, do art.º 33.º, do revogado CPT, estatuir que o caducava era o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias se, a mesma, não fosse notificada aos destinatários no prazo de cinco anos contados nos termos ali mencionados, não significa, necessariamente, que o instituto apenas seja utilizável nos casos em que ocorra um acto de liquidação.

- Isto porque, como se referiu antes, a caducidade à prática de tal acto tributário, acarreta a estabilização/consolidação da situação que lhe está subjacente o que, a nosso ver, não pode deixar de implicar que a caducidade do direito á liquidação implique a caducidade à prática de um qualquer outro acto tributário que corporize a referida situação subjacente, se e ao menos na medida em que se traduza no acto tributário desfavorável e agressivo da esfera jurídica do contribuinte.

- Tal é o que sucede, exactamente, com as situações de correcção da matéria colectável, por referência a exercícios em que não tenha sido apurado lucro tributável e, por isso, não tenha dado origem a qualquer liquidação, em que se não entende possível o operar tal correcção por forma reflectir-se em exercícios subsequentes, por efeitos do exercício do direito ao reporte de prejuízos, se tal correcção não fosse possível, por intempestividade, no caso de, ao invés, ter ocorrido um acto tributário de liquidação naquele referido exercício pretendido corrigir.

- Nestas situações entende-se que a AF, ainda que o exercício que pretenda corrigir não tenha dado origem a qualquer liquidação, não pode deixar de operar, sob pena de caducidade, essas mesmas correcções e notificá-las ao contribuinte, dentro do prazo do instituto em questão, prazo esse que, nos casos de reporte poderá ser igual ao do respectivo exercício.

- Há que não olvidar, igualmente, que, nos referidos casos de fixação da matéria colectável que não origine subsequente liquidação de tributo, como sempre foi entendido e hoje se encontre expressamente plasmado na lei (cfr. art.º 97.º/1/b, do CPPT), em excepção ao regime do princípio da impugnação unitária, o respectivo acto em que ela se consubstancie, configura um acto destacável para efeitos de impugnação judicial, por parte do contribuinte, em defesa dos seus direitos; E se tal acto é impugnável ele pressupõe, necessariamente a sua notificação, desde logo para efeitos de aferição da tempestividade da utilização de tal meio processual, pelo que se não afigura que neste circunstancialismo, a AF possa, a todo o tempo, corrigir os resultados do exercício que não tenha dado origem à liquidação, em prejuízo, não só, da estabilização das relações jurídicas tributárias entre contribuinte e Fisco, mas mais do que isso, com eventual e desproporcionada inviabilização da defesa plena dos direitos do contribuinte(2).

- E, a nosso ver, o teor do n.º 6, do art.º 43.º, do CIRC, não se apresenta com um sentido necessariamente unívoco no sentido sustentado pela recorrente, podendo ser entendido, antes, como estabelecendo a conformidade expressa com o art.º 79.º(3), do mesmo compêndio legal, isto é, no sentido de que as correcções aos prejuízos fiscais declarados e relativos a um qualquer exercício, apenas podem dar lugar ou a anulação de liquidação, quando a tenha havido, ou a este tipo de acto tributário, de natureza adicional, se dentro do prazo de caducidade.

- E, a ser assim, a decisão recorrida fez adequada interpretação e aplicação da lei, no caso vertente, no que concerne à caducidade, não sendo, nessa medida, passível de censura.

- Por outro lado e tal como acima se aludiu, tal ilação leva a que a apreciação de tal questão baste, com prejuízo de qualquer outra, à decisão final da presente impugnação, uma vez que, como acima se referiu, acarreta, por si só, a anulação integral do acto tributário impugnado.

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- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, assim se confirmando a decisão recorrida que, com a fundamentação acima expendida, se mantém na ordem jurídica.
- Sem custas.

LISBOA 09/02/2010

LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA


1 - Cfr. “Problemas Fundamentais do Direito Tributário”, Vislis, 1999, 227 e segs..
2 - Como poderá suceder, crê-se a seguir-se a posição de princípio sustentada pela AT, nos casos de reporte de prejuízos após a vigência da Lei n.º 18/97JAN21, por cotejo com o prazo legalmente imposto e durante o qual os contribuintes devem conservar os seus elementos de escrita.
3 - Cfr. Imposto Único sobre o Rendimento, do Dr. Correia dos Santos, II Vol. IRC, 125, Coimbra Editora, 1989.