Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2476/17.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
QUESTÃO NOVA
NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I - Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1ª instância, o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
II - A notificação da decisão de aplicação da coima deve conter os seus termos, elencados no n.º 1 do art.º 79.º do RGIT, e, bem assim, os elementos mencionados no n.º 2 da mesma disposição legal.
III - Tendo sido efetuada notificação que não contém todos os elementos referidos nas als. a) a f) do n.º 1 do art.º 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do PCO.
IV - Esta nulidade afeta a notificação e os termos subsequentes do processo que dela dependam, podendo a autoridade administrativa proceder à sua repetição.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

P…, Lda (doravante Recorrente) veio apresentar recurso do despacho decisório proferido a 16.06.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, no qual foi julgado improcedente o recurso por si apresentado, da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Mafra, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 154………….

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) O presente recurso tem como objecto a douta decisão que julgou o recurso de contra-ordenação e as nulidades nele invocadas pela recorrente improcedente e manteve a decisão de aplicação de coima, no valor de € 23.053,10, acrescida de custas, proferida no âmbito do processo de contra-ordenação nº 154…………. e condenou o recorrente em custas.

B) Não aceita a recorrente a douta decisão do Tribunal Tributário de Lisboa.

C) A recorrente não aceita a aplicação da coima no processo de contraordenação nº 1546………, porquanto o processo contraordenacional enferma de diversas nulidades.

D) Da falta dos requisitos constantes do artigo 79º Nº 1 alínea b) e 2 do RGIT.

E) Nos termos do artigo 79º nº 2 do RGIT “ A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas”.

F) Sucede que a notificação da decisão dos presentes autos não contém os termos da decisão da aplicação da coima.

G) Nomeadamente, olvida a identificação do infractor e dos elementos que determinaram a aplicação da coima.

H) Não constam também os requisitos de fixação da coima, nem a existência ou não de actos de ocultação, a existência ou não de benefício económico, a frequência da prática de contra-ordenações, a existência de dolo ou negligência, obrigação de não cometer a infracção, a situação económica financeira da recorrente e o período de tempo decorrido desde a prática da infracção.

I) Pelo que nos termos do artigo 63º nº 1, alínea d) do RGIT sempre terá que se considerar a nulidade da notificação ora recorrida.

J) Nulidade que a recorrente desde já argui.

K) Por outro lado, a decisão da aplicação da coima enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contraordenação do artigo 114º nº 2, nº 5 a) do RGIT.

L) A decisão de aplicação da coima deverá fazer referência na punição, aos factos que consubstanciam a aplicação da coima e consequente aplicação da norma punitiva.

M) No caso em apreço nos presentes a dedução da prestação tributária constitui elemento essencial do tipo de contra-ordenação em causa.

N) Não constando a este respeito qualquer indicação na decisão da contra-ordenação que aplicou a coima à recorrente.

O) Faltando naturalmente “os requisitos legais da decisão de aplicação das coimas”.

P) O que como já referido e nos termos do artigo 63º nº 1 alínea d ) do RGIT, comporta uma nulidade insuprível que a ora recorrente desde já argui.

Q) Por outro lado, entende a recorrente que a situação dos presentes autos não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, nomeadamente artigo 114º nº 2 e 5 do RGIT.

R) Mas antes ao normativo do artigo 114º nº 3 do RGIT.

S) Vide a este respeito sempre se dirá o constante no Acórdão do STA, Processo 0209/11 datado de 11 de Maio de 2011, do Relator Casimiro Gonçalves, não indicando a recorrente mais vasta jurisprudência acerca desta matéria, porquanto o presente acórdão já o faz, in htt p://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3c96ff5591cea88880257893003c0491?OpenDocument&ExpandSection=1

T) Enfermando também por este motivo a decisão de aplicação da coima de uma nulidade insuprível, artigo 63º nº 1 alínea d) do RGIT, o que implica a nulidade do processo contra-ordenacional e sua correspondente extinção.

Termos em que

- Deverá a douta sentença ser revogada e proferido Acórdão no sentido de o processo de contra-ordenação nº 154…….. ser declarado nulo pelos motivos ora alegados, absolvendo-se a Recorrente da coima aplicada e das custas em que foi condenada.

Assim se fará Justiça!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Fazenda Pública e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributária (RGIT), nenhum apresentou resposta.

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.

Colhidos os vistos legais vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se nulidade do PCO, em virtude de a notificação da decisão de aplicação da coima não conter todos os elementos da decisão, nomeadamente a identificação do infrator e os elementos que determinaram a aplicação da coima?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que a decisão da aplicação da coima enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contraordenação prevista no art.º 114.º, n.ºs 2 e 5, al. a), do RGIT?

c) Verifica-se erro de julgamento, uma vez que a situação in casu não se subsume a nenhuma das normas punitivas aplicadas, designadamente o art.º 114.º, n.ºs 2 e 5, do RGIT, subsumindo-se, sim, ao seu n.º 3?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 30-08-2015 foi instaurado contra a Recorrente o processo de contra-ordenação n.º 154……… com base em auto de noticia levantado na mesma data (cfr. fls. 2 e 3 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. Em 30-08-2015 foi emitida em nome da Recorrente notificação para apresentação de defesa ou pagamento voluntário (cfr. fls. 5 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em 04-10-2015 foi pelo Chefe do Serviço de Finanças de Mafra aplicada coima à Recorrente no valor de € 23.053,10, no processo de contra-ordenação n.º 1546……………., de acordo com decisão com o seguinte teor:

(cfr. fls. 42 e 43 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. À Recorrente foi entregue notificação da decisão de aplicação da cima identificada no número antecedente, com o seguinte teor:

(cfr. fls. 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Em 06-01-2017 a Recorrente apresentou no Serviço de Finanças de Mafra recurso da decisão de aplicação de coima identificada no número antecedente, o qual deu entrada neste Tribunal em 07-12-2017 (cfr. fls. 1 e 12 dos autos)”.

II.B. Refere-se ainda no despacho decisório recorrido:

“Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do Tribunal resultou do exame dos documentos, não impugnados, do processo de contra-ordenação e das informações oficiais constantes dos autos, não impugnados, conforme remissão efectuada em cada número do probatório, tudo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Tendo em conta que o alegado pela Recorrente afeta, em parte, a decisão proferida em sede de PCO e, em parte, a respetiva notificação, começa-se a apreciação das questões suscitadas não pela ordem contida nas alegações, mas sim pela ordem que confere uma tutela mais abrangente.

III.A. Do erro de julgamento, por falta de subsunção ao tipo

Considera a Recorrente que se verifica erro de julgamento, uma vez que, na sua perspetiva, a situação em causa não se subsume ao disposto no art.º 114.º, n.ºs 2 e 5, al. a), do RGIT.

Cumpre, antes de proceder à apreciação do alegado, fazer um breve enquadramento atinente ao tipo legal contraordenacional em causa.

Nos termos do art.º 114.º do RGIT:

“1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.

(…) 5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:

a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais”.

Assim, esta disposição legal expressamente equipara “a falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente” a “falta de entrega da prestação tributária”, ao contrário do que sucedia na primitiva redação do art.º 114.º do RGIT.

Com efeito, antes da alteração ao RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, era entendimento jurisprudencial unânime que uma situação fática como a dos autos (entrega de declaração periódica de IVA desacompanhada do respetivo meio de pagamento) não preenchia o tipo legal previsto no art.º 114.º do RGIT(1).

Já atualmente, a redação do art.º 114.º, n.º 5, al. a), do RGIT, em vigor tipifica como contraordenação a falta de entrega de imposto liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, não sendo sequer elemento essencial do tipo que o imposto tenha sido recebido.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.04.2016 (Processo: 0156/16), “[c]omparando a letra dos dois preceitos, haverá de se concluir que de facto se verificou um alargamento da previsão legal, de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços”.

Atento este enquadramento, resulta que não assiste razão à Recorrente, quando refere que a conduta em causa não se enquadra no âmbito das normas punitivas mencionadas, uma vez que, tal como referido, a redação atualmente em vigor abrange situações como a dos autos.

Aliás, a jurisprudência referida pela Recorrente respeita à anterior redação do art.º 114.º do RGIT.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, quanto à nulidade da decisão por falta de fundamentação

Considera, por outro lado, a Recorrente que a decisão da aplicação da coima enferma da falta de fundamentação para o preenchimento dos elementos típicos da contraordenação do art.º 114.º, n.º 2 e n.º 5, al. a), do RGIT, sendo que a dedução da prestação tributária constitui elemento essencial do tipo contraordenacional em causa.

Vejamos então.

No tocante aos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, há que atentar no disposto no art.º 79.º, n.º 1, do RGIT, nos termos do qual:

“1 - A decisão que aplica a coima contém:

a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas”.

Assim, determina esta disposição legal, na sua al. b), que a decisão que aplica a coima deve conter a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas.

A decisão administrativa, não tendo de conter a profundidade de uma sentença, tem, no entanto, de ser suficientemente fundamentada e de forma expressa, não sendo admissível a fundamentação por remissão, por exemplo, para o auto de notícia.

As exigências de fundamentação consideram-se suficientes quando seja possível ao infrator exercer o seu direito de defesa, permitindo-lhe apreender os factos que lhe são imputados.

Como referido por Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos(2), “… [a] «descrição sumária» referida naquele art. 79.º, nº 1, al . b), não exige «a enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», que é exigida pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP para as sentenças proferidas em processo criminal. // Trata-se, neste art. 79.º, n.º 1, al. b), de estabelecer um regime de menor solenidade para as decisões de aplicação de coimas comparativamente com as sentenças criminais, regime esse justificável pela menor gravidade das sanções contra-ordenacionais. // O que exige aquela al. b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art . 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente…”.

No caso dos autos, a alegada nulidade suscitada pela Recorrente tem franca relação com o já apreciado em III.A.

Com efeito, ao contrário do que refere a Recorrente, a dedução da prestação tributária não é elemento essencial deste tipo contraordenacional, quando estejamos perante uma situação subsumível ao art.º 114.º, n.º 5, al. a), do RGIT, que abrange a falta de entrega de imposto, nos termos já referidos – elemento fático esse contido na decisão proferida pela autoridade administrativa.

Como tal, não assiste igualmente razão à Recorrente nesta parte.

III.C. Da nulidade atinente à notificação da decisão de aplicação de coima

Considera, ainda, a Recorrente que se verifica nulidade do PCO, uma vez que a notificação efetuada pela autoridade administrativa não contém os termos da decisão de aplicação da coima, concretamente quanto à identificação do infrator e quanto aos elementos que determinaram a aplicação da coima.

Refira-se, desde já, que esta questão não foi suscitada perante o Tribunal a quo.

A este propósito, segue-se a jurisprudência uniformizada junto dos tribunais da jurisdição comum, no Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.05.2019 (Processo: 13/17.3T8PTB.G1-A.S1), onde se decidiu fixar a seguinte jurisprudência:

“Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”.

Como tal, cumpre apreciar.

Nos termos do art.º 63.º do RGIT:

“1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contraordenação tributário:

a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;

b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infração;

c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;

d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido” (sublinhado nosso).

Por seu turno, nos termos do art.º 79.º do RGIT:

“1 - A decisão que aplica a coima contém:

a) A identificação do infrator e eventuais comparticipantes;

b) A descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;

c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;

d) A indicação de que vigora o princípio da proibição da reformatio in pejus, sem prejuízo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situação económica e financeira do infrator tiver entretanto melhorado de forma sensível;

e) A indicação do destino das mercadorias apreendidas;

f) A condenação em custas.

2 - A notificação da decisão que aplicou a coima contém, além dos termos da decisão e do montante das custas, a advertência expressa de que, no prazo de 30 dias, o infrator deve efetuar o pagamento ou recorrer judicialmente, sob pena de se proceder à sua cobrança coerciva”.

Quer isto dizer que, se a notificação da decisão de aplicação de coima não for efetuada nos termos legalmente exigidos, tal ocorrência consubstancia nulidade do processo contraordenacional.

Como referem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (ob. cit., pp. 444 e 445):

“Esta norma, contendo a referência à notificação na mesma alínea que alude à falta dos requisitos legais da decisão de aplicação de coima, previstos no n.° 1 do art. 79.° do RGIT, refere-se, também quanto à notificação, aos requisitos legais a que a mesma deve obedecer, previstos no n.° 2 do mesmo art. 79.°.

O que se prevê no referido art. 79.°, porém, são requisitos relativos ao conteúdo da decisão de aplicação de coima e relativos ao conteúdo da notificação e não os requisitos formais das mesmas.

Sendo assim, no que concerne à notificação, o que constitui nulidade insuprível, para efeitos desta al. d) é a falta dos requisitos relativos ao conteúdo da notificação (é o que se exige naquele n.° 2 do art. 79.°) (…)

A falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível e, por isso, tal irregularidade não pode ser sanada por qualquer forma distinta da repetição do acto afectado”.

In casu, compulsada a notificação mencionada em 4. do probatório, verifica-se que a mesma não contém todos os elementos pertinentes da decisão.

Como vimos, a decisão de aplicação de coima deverá conter os elementos referidos no n.º 1 do art.º 79.º do RGIT, que têm de ser notificados.

Compulsada a notificação da decisão, verifica-se que, da mesma, constam a identificação do infrator, destinatário da notificação (nisso não se acompanhando o entendimento da Recorrente), a descrição sumária dos factos (dado que da mesma constam os elementos essenciais quanto ao valor de imposto exigível, ao valor entregue, ao valor da prestação tributária em falta, ao termo do prazo para cumprimento da obrigação e ao período a que respeita) e a indicação das normas violadas e punitivas.

No entanto, e apesar de a decisão de aplicação de coima conter a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação em concreto da coima, os mesmos não constam da notificação efetuada à Recorrente.

Trata-se de elementos que revelam pertinência, na medida em que, desde logo, é imputada a prática frequente da infração e 0,00 Eur. de benefício económico, tudo elementos importantes para efeitos de cabal exercício do direito de recurso, nomeadamente no que respeita à discussão da concreta coima aplicada [23.053,10 Eur., que se situou acima do mínimo da moldura (20.642,10 Eur.) em cerca de 12 pontos percentuais, equivalentes a quase 2.500,00 Eur.].

Estes elementos, como resulta da leitura do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 79.º do RGIT, deveriam constar da notificação, sob pena de nulidade insuprível, não sendo suficiente a remissão para o processo constante do portal das finanças (da mesma forma que não é aqui de chamar à colação o disposto no art.º 37.º do CPPT). Com efeito, tal remissão configura-se genérica e de modo algum equivale à notificação dos concretos termos da decisão aplicada, notificação essa não só legalmente exigida, mas cuja falta é cominada como nulidade insuprível do PCO.

Como referido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2021 (Processo: 02673/15.0BELRS):

“Ocorre nulidade insuprível se houve falta de notificação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima exigida pelo art.° 63, n° 1, al. d), do RGIT, nulidade que é de conhecimento oficioso e importa a anulação dos termos subsequentes do processo (cfr. n°.s 3 e 5 do art.° 63º do RGIT)”.

A este respeito, v. ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 10.09.2020 (Processo: 00913/16.8BEAVR), onde se refere:

“[N]ão contendo a notificação efectuada à arguida todos os elementos que fazem parte da decisão de aplicação da coima, referidos nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 79.º RGIT, tal omissão constitui nulidade insuprível do processo de contra ordenação, como resulta expressamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 63.º RGIT, e que é do conhecimento oficioso (artigo 63.º, n.º 5 RGIT) – cfr. no mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul, de 28/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º 2477/17.6BELRS.

Nulidade que não impede nova notificação nos termos da lei, que poderá concretizar-se pela transcrição integral dos elementos mencionados em falta ou pela anexação de cópia da decisão de aplicação de coima (da qual constam todos os elementos que contribuíram para a fixação da mesma), após devolução dos autos ao Serviço de Finanças.

(…) É, realmente, verdade que, para além dos elementos já referidos, consta ainda da notificação a menção de que a Recorrente poderia consultar os elementos do processo, quer acedendo electronicamente ao Portal das Finanças, quer deslocando-se ao respectivo Serviço de Finanças.

Não olvidamos estar perante actos de notificação praticados em massa, com as dificuldades acrescidas que tal significa, e que da notificação da decisão à Recorrente, que foi efectuada por via electrónica, consta que, pela mesma via, o processo pode ser consultado: quer na internet, no endereço www.portaldasfinanças.gov.pt, mediante utilização da senha de acesso, quer no serviço de finanças que instruiu o processo. Mas, na nossa óptica, como a falta dos requisitos legais das notificações das decisões de aplicação de coimas constitui nulidade insuprível, tal irregularidade não pode ser sanada por qualquer forma distinta da repetição do acto afectado – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 3.ª Edição, 2008, Áreas Editora, página 533.

(…) Além do mais, mesmo não esquecendo que a notificação foi realizada electronicamente, a remissão para o “portal das finanças” apresenta-se efectuada genericamente, não podendo ser considerada uma remissão concreta para qualquer documento que pudesse estar, eventualmente, anexo à notificação e que contivesse os elementos integrais que contribuíram para a fixação da coima” [no mesmo sentido, v. os Acórdãos deste TCAS de 10.02.2022 (Processo: 742/19.7BELLE) e de 14.01.2021 (Processo: 902/17.5BEALM)].

A verificação desta nulidade do PCO, não invalidando a decisão de aplicação de coima, importa a anulação da notificação e do processado ulterior à mesma que dela dependa absolutamente.

A sua ocorrência, por outro lado, não impede que seja repetida a notificação, desprovida das deficiências de que padece.

Como tal, assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, anulando-se a notificação dessa decisão de fixação da coima e o processado ulterior à mesma que dela dependa absolutamente, devendo os autos retornar ao Tribunal a quo, para que este os remeta à autoridade administrativa, com vista a eventual repetição do ato de notificação afetado;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de março de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


________________________________
(1) Cfr. exemplificativamente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.10.2015 (Processo: 01175/15) e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.04.2016 (Processo: 0156/16). V. ainda, a este respeito, para uma análise dos dois regimes, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.01.2010 – Processo: 01163/06.7BEPRT.
(2) Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 517 a 519.