Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1546/09.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:04/07/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IFADAP.
AUXÍLIO.
PRESCRIÇÃO
Sumário:O prazo de prescrição das dívidas emergentes de acto de reposição de auxilio declarado incompatível com o Direito Europeu é o prazo de vinte anos, previsto no Código Civil.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
I- Relatório
F………………………deduziu oposição ao processo de execução fiscal nº………………………. que o Serviço de Finanças de Leiria-1 contra si instaurou, para cobrança coerciva da quantia de €49.034,97- sendo destes €25.608,80, referentes ao capital em dívida e €23.426,17, a título de juros de mora - respeitante à devolução de auxílios estatais de apoio ao sector suinícola e da pecuária intensivo, pagos pelo Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas I.P. (IFADAP, I.P.), atualmente designado por Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.), ao abrigo dos Decretos-Leis nºs146/94, de 24 de Maio, e 4/99, de 4 de Janeiro.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença proferida a fls. 247 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 15 de Dezembro de 2014, julgou a oposição procedente e “determinou a extinção da execução nº…………………………., por prescrição”.
Inconformado, o IFAP, I.P., interpôs o presente recurso jurisdicional contra a sentença, conforme requerimento de fls. 288 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), no qual alega, em síntese, nos termos seguintes:
«A. O presente recurso vem interposto de sentença proferida em 15/12/2014, através da qual foi julgada improcedente a oposição à execução fiscal interposta por F………………., com fundamento na prescrição da divida exequenda e dos juros, nos termos do disposto no nº 1 do Artº 3º do Reg. (Ce, Euratom) nº2988/95, de 18/12.
Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não faz não uma correta interpretação dos factos e do direito, porquanto, na situação em apreço, ou estamos perante um auxilio de estado e são aplicáveis as regras de prescrição do direito nacional ou estamos perante uma irregularidade praticada pelo beneficiário de uma ajuda e aí sim, é aplicável o regime da prescrição constante Reg. (Ce, Euratom) nº 2988/95.
B. A reposição dos incentivos concedidos ao recorrido, como resulta do teor da sentença recorrida, não se prende com qualquer irregularidade por este cometida, mas sim, nas Decisões 2000/200/CE e 2001/86/CE a 25/11/1999 e de 4/10/2000, respetivamente, através das quais a Comissão Europeia declarou os apoios estatais regulados pelo DL n.º146/94, de 24/5 e pelo DL n.º4/99, de 4/1, como auxílios incompatíveis com o mercado comum.
C. Não resultando a devolução dos montantes recebidos pelo ora recorrido, da prática de uma irregularidade por este praticada, não é aplicável o regime de prescrição constante Reg. (Ce, Euratom) nº2988/95, pois este diploma estabelece a regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.
D. Aos auxílios de estado considerados incompatíveis pela Comissão Europeia são aplicáveis as regras de prescrição do direito nacional, mais concretamente, o prazo geral de 20 anos consagrado no Artº 309º do CC.
E. Tendo o recorrido recebido auxílios ao sector da suinicultura, entre os anos de 1994 e 2000 (conforme consta dos Artºs 1 a 5 da fundamentação da matéria de facto constante do ponto III. 1 da sentença recorrida), o prazo de prescrição interrompeu-se com a sua citação em 2009, não se encontrando a dívida prescrita.
F. Neste sentido, remete-se na integra para a fundamentação da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão proferido em 05/02/2015, no âmbito do Proc. nº0770/13 (in dgsi), numa situação idêntica à dos presentes autos, entendeu que “I - Não prescreveu a dívida ao IFADAP por ajudas financeiras concedidas pelo Estado português e que a Comunidade Europeia, por decisão da Comissão, veio a considerar constituírem auxílios incompatíveis com o mercado comum - dívida que, porque não reveste natureza tributária, fica sujeita ao prazo seral de 20 anos consagrado no art.309.º do CC - se, reportando-se a dívida mais antiga ao ano de 1994, o prazo de prescrição se interrompeu com a citação das herdeiras do devedor em 2010 (art. 323.º, n.º1, do CC)”.
G. Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao julgar procedente a oposição à execução fiscal apresentada por F…………………… no entendimento que a dívida exequenda se encontra prescrita, não parece ter sido correto, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provada e em consequência ser proferido acórdão revogando a decisão recorrida.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual suscita a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal, com o fundamento que o recurso deduzido apenas abarca matéria de direito.
X
Ordenada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a apontada questão prévia, nada disseram.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«1. Entre 15/4/1994 e 31/12/1994, o oponente recebeu EUR 10.204,48 do IFADAP referente a auxílios estatais (c31/99 e C65/97) no âmbito da concessão de medidas de auxílio ao sector da suinicultura e pecuária intensiva (cf. certidão de divida a fls. 42 e contabilização da divida a fls. 44 todas dos autos em suporte de papel).
2. Entre 18/4/1995 e 14/4/1996 o oponente recebeu EUR 8.729,96 do IFADAP referente a auxílios estatais (c31/99 e C65/97) no âmbito da concessão de medidas de auxílio ao sector da suinicultura e pecuária intensiva (cf. certidão de divida a fls. 42 e contabilização da divida a fls. 44 todas dos autos em suporte de papel).
3. Entre 15/4/1996 e 31/7/1996 o oponente recebeu EUR 4.376,94 do IFADAP referente a auxílios estatais (c31/99 e C65/97) no âmbito da concessão de medidas de auxílio ao sector da suinicultura e pecuária intensiva (cf. certidão de divida a fls. 42 e contabilização da divida a fls. 44 todas dos autos em suporte de papel).
4. Entre 15/4/1997 e 31/07/1997 o oponente recebeu EUR 1.454,99 do IFADAP referente a auxílios estatais (c31/99 e C65/97) no âmbito da concessão de medidas de auxílio ao sector da suinicultura e pecuária intensiva (cf. certidão de divida a fls. 42 e contabilização da divida a fls. 44 todas dos autos em suporte de papel).
5. Entre 17/4/2000 e 31/12/2000 o oponente recebeu EUR 842,03 do IFADAP referente a auxílios estatais (c31/99 e C65/97) no âmbito da concessão de medidas de auxílio ao sector da suinicultura e pecuária intensiva (cf. certidão de divida a fls. 42 e contabilização da divida a fls. 44 todas dos autos em suporte de papel).
6. Em 25/11/1999 e 4/10/2000 a Comissão da Comunidade Europeia emitiu as decisões constantes de fls. 113 a 127 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 7/5/2009 o IFADAP emitiu o ofício constante de fls. 30 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:
«Imagem no original»
(…)”
8. Em 12/6/2009 o IFADAP emitiu a certidão de divida constante de fls.42 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta o seguinte:
(…)”
«Imagem no original»
(…)”
9. Em 10/7/2009 foi emitido pela Direcção Geral dos Impostos o oficio com o assunto “CITAÇÃO" dirigido ao oponente para cobrança da divida do IFADAP no valor de EUR 25.608,80 acrescido de juros no calor de EUR 23.495.06, recebido pelo impugnante em 18/7/2009 (cf. ofício constante a fls.46 e aviso de recepção a fls. 48 dos autos em suporte de papel).
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
10. Por meio de decisão de 25/11/1999 [Decisão 2000/200/CE], relativa ao regime de auxílios executado por Portugal para o desendividamento das empresas do sector da pecuária e o relançamento da actividade suinícola, a Comissão Europeia determinou o seguinte:
«Imagem no original»

11. Por meio de decisão de 04.10.2000 [Decisão 2001/86/CE], relativa ao regime de auxílios executado por Portugal para o desendividamento das empresas do sector suinícola, a Comissão Europeia determinou o seguinte:
«Imagem no original»

12. O ofício referido no n.º 7 foi entregue ao recorrido, na morada de Rua ……………, 20, 1.º C, ……….., ……………. A………….. – fls. 154/160.
X
2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob escrutínio ao declarar prescrita a dívida exequenda.
A sentença julgou procedente a oposição, com base na asserção da prescrição da dívida exequenda. Considerou que,
«[havia] que aplicar à prescrição da obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas o prazo de prescrição de 4 anos previsto no artigo 3º, nº1 do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995. // Este Regulamento, que entrou em vigor no dia 26 de Dezembro de 1995 (cfr. o seu artigo 11.º), estabelece no nº1 do seu artigo 3.º que o prazo de prescrição do procedimento, é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, interrompendo-se tal prazo por qualquer ato, de que seja dado conhecimento à pessoa em causa, emanado da autoridade competente, tendo em vista instruir ou instaurar procedimento por irregularidade, correndo de novo idêntico prazo a contar de cada interrupção, tendo, porém, a prescrição lugar o mais tardar na data em que termina um prazo igual ao dobro do prazo de prescrição sem que a autoridade competente tenha aplicado uma sanção, excepto nos casos em que o procedimento administrativo tenha sido suspenso em conformidade com o n.º 1 do artigo 6º.»
2.2.2. O recorrente assaca à sentença em crise erro de julgamento quanto ao cômputo do prazo de prescrição. Sustenta que «[n]ão resultando a devolução dos montantes recebidos pelo ora recorrido, da prática de uma irregularidade por este praticada, não é aplicável o regime de prescrição constante Reg. (Ce, Euratom) nº2988/95, pois este diploma estabelece a regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário. // Aos auxílios de estado considerados incompatíveis pela Comissão Europeia são aplicáveis as regras de prescrição do direito nacional, mais concretamente, o prazo geral de 20 anos consagrado no Artº 309º do CC».
Vejamos. Está em causa dívida emergente de acto de reposição de auxílio concedido pelo Estado português declarado incompatível com o Direito Europeu, por decisões proferidas pela Comissão Europeia.
Da jurisprudência colhe-se a orientação seguinte:
«Não prescreveu a dívida ao IFADAP por ajudas financeiras concedidas pelo Estado português e que a Comunidade Europeia, por decisão da Comissão, veio a considerar constituírem auxílios incompatíveis com o mercado comum – dívida que, porque não reveste natureza tributária, fica sujeita ao prazo geral de 20 anos consagrado no art. 309.º do CC – se, reportando-se a dívida mais antiga ao ano de 1994, o prazo de prescrição se interrompeu com a citação das herdeiras do devedor em 2010 (art. 323.º, n.º 1, do CC). // A essa dívida não podem aplicar-se i) o prazo de prescrição do art. 48.º da LGT, porque a mesma não tem natureza tributária, ii) o prazo de prescrição do art. 40.º do Regime de Administração Financeira do Estado, previsto no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Junho, porque este se refere apenas à reposição de dinheiros públicos indevidamente recebidos, porque pagos a mais ou indevidamente por erro de processamento, quando estes tenham natureza de despesas de gestão corrente ou de administração e já não à exigência da devolução de incentivos financeiros atribuídos contratualmente, que têm a natureza de despesas de capital, iii) o prazo do art. 15.º do Regulamento do Conselho (CE) n.º 659/1999, de 22 Março de 1999, porque este se refere apenas às relações entre a Comunidade Europeia e os Estados-Membros». (1)
No caso, as dívidas mais antigas remontam ao período que medeia entre 15/4/1994 e 31/12/1994 (n.º 1). O opoente foi citado em 18/07/2009, pelo que o prazo de prescrição de vinte anos, foi interrompido com a citação do executado, não podendo voltar a correr enquanto não for proferida decisão que ponha termo ao processo (artigos 309.º, 323.º/1, 326.º/1 e 327.º/1, do CC). A dívida não se mostra prescrita.
Motivo porque a sentença recorrida, ao julgar em sentido discrepante não se pode manter, deve ser substituída por decisão que não julgue procedente a oposição com base na alegada prescrição da dívida exequenda.
Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.3. Havendo elementos nos autos e uma vez observado o contraditório prévio, impõe-se conhecer dos demais fundamentos da oposição.
i) O recorrido/oponente invoca falta de notificação do acto constitutivo da dívida em referência [artigos 28.º a 37.º da petição inicial]
ii) O recorrido/oponente invoca prescrição e caducidade da dívida exequenda [artigos 38.ºa 41.º da petição inicial].
iii) O recorrido/oponente invoca o vício de falta de fundamentação da decisão de reposição das quantias em causa [artigos 42.ºa 57.º e 94.º a 111.º da petição inicial].
iv) O recorrido/oponente invoca a ilegalidade da decisão de reposição das quantias em causa [artigos 58.º a 93.º da petição inicial]
Vejamos.
Os fundamentos da oposição à execução fiscal são os que constam, de forma taxativa, do disposto no artigo 204.º do CPPT (“Fundamentos da oposição à execução”).
No caso em exame, o recorrente/oponente invoca a falta de notificação do acto de reposição exequendo. Sucede, porém, que os elementos coligidos no probatório não lhe dão razão (n.º 12), porquanto o ofício de notificação do acto de reposição em apreço ingressou na sua esfera jurídica.
Pelo que se impõe julgar improcedente a presente alegação.
No que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação, cumpre referir que tal asserção não constitui fundamento da inexigibilidade da dívida exequenda. A caducidade do direito à liquidação não constitui fundamento de oposição, na medida em que não está consagrado em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, quando muito poder-se-ia discutir se ocorreu a falta de notificação da liquidação no prazo da caducidade, fundamento de oposição nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT, determinante da inexigibilidade da dívida. Contudo, por não estarmos em presença de um acto tributário, não é aplicável ao caso. Pelo que tal fundamento da oposição deve ser julgado improcedente.
No que respeita aos demais fundamentos da oposição, cabe notar que tais motivos correspondem a questões relativas à invocada ilegalidade do acto de reposição de quantia em apreço, pelo que não são dirimíveis através da presente oposição à execução fiscal, dado que este meio processual não permite o conhecimento da ilegalidade em concreta da liquidação exequenda. Também não se pode invocar o disposto no artigo 204.º/1/h), do CPPT, como argumento que justificaria a possibilidade de apreciação das invocadas ilegalidades do acto exequendo. É que o acto em apreço foi notificado ao recorrente, no tempo próprio (2), podendo este lançar mão da correspondente acção administrativa e impugnação do acto questionado. O que não logrou fazer. Motivo porque se impõe excluir a apreciação dos fundamentos em causa.
Termos em que se julga improcedente a presente imputação.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar improcedente a oposição.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)

(2.ª Adjunta – Ana Cristina Carvalho)


(1) Acórdão do STA, de 05-02-2015, P. 0770/13
(2) N.º 12, do probatório.