Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:729/15.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
TAXA
FACTURA
FALSIDADE DO TÍTULO
Sumário:I - A nulidade da sentença por excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido suscitadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
II - Nos termos do art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, “o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”.
III - Esta norma não tem aplicabilidade quando o acto notificando (liquidação da taxa) seja praticado por uma entidade privada concessionária de serviços públicos e não por um órgão administrativo.
IV - O mesmo é dizer que nessas situações (que é a dos autos), a não indicação do autor do acto não inquina de nulidade o acto de notificação, falecendo o pressuposto do conhecimento oficioso.
V - A ilegalidade em concreto do acto que deu origem à dívida exequenda só é admitida como fundamento de oposição à execução fiscal nas raras situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» [cf. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio.
VI - O fundamento de oposição à execução fiscal previsto na alínea c) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT – a falsidade do título executivo – refere-se exclusivamente à falsidade material do próprio título, à eventual desconformidade entre o título e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime.
VII - Tal é o caso se a certidão de dívida que serve de base à execução indica dívida de 20.575,44€ relativa a “taxas devidas” e os documentos de suporte de que foi extraída indicam que aquela dívida se refere a taxas e IVA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

ANA – AEROPORTOS DE PORTUGAL, S.A., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a oposição deduzida por “A…, LDA.” à execução fiscal n.º … contra si instaurada para cobrança de dívida proveniente de taxas de exploração, referenciadas ao ano de 2014, no valor de 20.575,44€, apresentando para tal as seguintes e doutas conclusões:
«

A. A sentença declarou oficiosamente a nulidade do ato de liquidação da taxa com fundamento no disposto no n.º 12 do artigo 39.º do CPPT, que determina a obrigatoriedade de indicação (expressa) do autor do ato, questão que não foi suscitada pela Opoente, aqui Impugnada, que não teve quaisquer dificuldades em identificar o autor da liquidação nem em impugná-la nos termos legais.
B. As faturas em causa, emitidas em papel timbrado da ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., cumprem integralmente com os requisitos legais do art.º 36 do Código do IVA, incluindo quanto à indicação (designação social, morada, número fiscal) do autor do ato / prestador do serviço em apreço.
C. Resulta inequivocamente das faturas em análise a indicação expressa do fornecedor do serviço (a Impugnante), quer através da referência à designação oficial da pessoa coletiva em causa (ANA), quer através da indicação da respetiva morada, quer, ainda, através da menção ao seu número fiscal, existindo, até, uma referência expressa ao grupo empresarial a que esta pertence (VINCI).
D. A designação social da então Exequente é, aliás, expressamente referida em diversas partes das faturas em apreço, assim como a morada da sede da Impugnante, o número de identificação fiscal e demais informação sobre o seu capital social e matrícula na Conservatória do Registo Comercial.
E. Resulta, ainda, da fatura a indicação e número de contacto da Direção Administrativa e Financeira da ANA, encarregue, entre outros, da emissão de faturas e do processamento dos respetivos pagamentos.
F. O n.º 12 do artigo 39.º do CPPT, não obstante determinar a obrigatoriedade de indicação do autor do ato tributário, não concretiza o conceito de autor do ato, nada fazendo crer estarmos perante uma interpretação excecional do conceito normal de identificação de pessoas singulares ou coletivas para efeitos fiscais, que se consubstancia na menção da sua designação social, morada e número fiscal.
G. A ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., é uma pessoa coletiva privada e não tem a complexidade orgânico-institucional da Administração Tributária, tendo um único órgão deliberativo – o seu Conselho de Administração –, pelo que o conjunto de serviços que integram a Impugnante é um conjunto uno.
H. Nos casos em que o exequente é a Autoridade Tributária, revela-se, de facto, fundamental aos contribuintes a dissecação da pessoa / órgão / serviço em causa, de forma a permitir (i) confirmar a qualidade (delegada ou não) em que o ato foi praticado e (ii) aferir o serviço ou órgão (central, local) a demandar.
I. Não poderia, no entanto, tal realidade estar mais longe da realidade da Impugnante, que não tem serviços autónomos, nem uma organização desconcentrada e periférica, com poder deliberativo disperso por vários serviços.
J. Não possuindo a ANA mais do que um órgão, o Conselho de Administração, tão-pouco é relevante a necessidade de indicar qualquer delegação de competências
K. A interpretação das exigências legais tem de ser feita à luz desta realidade fáctica e jurídica; assim, quando o n.º 12 do artigo 39.º do CPPT alude ao “autor do ato”, deve entender-se que o “autor do ato” é a ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., a pessoa coletiva a quem o ato é imputável para todos os efeitos.
L. Esta interpretação é secundada pela jurisprudência tributária aplicável, que frisa que a expressão “autor do ato” deve ser interpretada à luz da razoabilidade e da normalidade.
M. Face ao exposto, mal andou a douta sentença recorrida quando julgou pela declaração da nulidade do ato de liquidação da taxa de exploração à Oponente por falta de indicação do autor do ato.
N. Por outro lado, não é absolutamente claro se a sentença entende que o ato é nulo por não indicar meios de defesa e prazo para reagir contra o ato notificado; no entanto, o artigo 39.º do CPPT apenas comina com a nulidade a situação de falta de indicação do autor do ato.
O. Facto é que a ausência de indicação dos meios de defesa e prazo de reação não causaram transtorno algum ao particular.
P. A entender-se que este motivo também determinou o sentido da decisão recorrida, então sempre se dirá que, ao contrário do que sucede relativamente à questão sobre o autor do ato, a nulidade da execução por falta de indicação do prazo e meios de reação não foi suscitada previamente pelo Tribunal, constituindo uma “decisão-surpresa”.
Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser admitido e julgado integralmente procedente, revogando-se a douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, e descendo o processo ao tribunal a quo para apreciar a questão de fundo.».

Não foram apresentadas contra-alegações

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deverá ser julgado procedente, designadamente e se bem apreendemos, por a sentença ter conhecido de questões novas sem prévio contraditório de parte, o que consubstancia decisão-surpresa cominada de nulidade processual, bem como a própria decisão padece de nulidade por não ter conhecido da suscitada questão do vício de inexigibilidade da dívida por falta de notificação.

Com dispensa dos vistos legais dado estarem em causa questões jurídicas já antes tratadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e deste Tribunal Central Administrativo e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação da Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão que importa apreciar reconduz-se a indagar (i) se a nulidade do acto exequendo “por falta de indicação do autor do acto” se trata de questão nova que não foi suscitada pelas partes, nem é de conhecimento oficioso.


3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«

Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, os factos infra indicados:

A) ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., remeteu a A…, Lda, a factura/Invoice n.º 01…/2014, de 15-10-2014, a qual tem o seguinte teor:
(imagem no original)

(cfr. fls. 13 do Documento n.º 004281153 dos autos no SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
B) ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., remeteu a A…, Lda, a factura/Invoice n.º …/2014, de 15-10-2014, a qual tem o seguinte teor:
(imagem no original)
(cfr. fls. 14 do Documento n.º 004281153 dos autos no SITAF, idem);

C) Em 16-07-2015, foi emitida certidão de dívida pela ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., com o seguinte teor:

(cfr. fls. 5 do Documento n.º 004281152 dos autos, ibidem);

D) Em 13-08-2015, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …, pelo Serviço de Finanças de Portimão, com base na certidão de dívida identificada em C) supra (cfr. fls. 1 do Documento n.º 004281152 dos autos, ibidem).
***
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, referidos em cada uma das alíneas supra.».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Vem invocado pela Recorrente e também pela Exma. Senhora PGA nulidade processual porquanto a sentença decidiu questão não suscitada pelas partes – falta de indicação do autor do acto exequendo na notificação – sem contraditório prévio, o que consubstancia uma decisão-surpresa. E, se bem apreendemos, a Exma. Senhora PGA entenderá ainda ocorrer nulidade da sentença por pronúncia indevida na medida em que conheceu de questão que as partes não colocaram ao tribunal.

Como a jurisprudência vem entendendo de forma unânime em inúmeros arestos, uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão/ excesso de pronúncia, um vício referente aos limites da decisão.

No que em particular respeita às nulidades processuais, importará ter em conta o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, bem expressado no seu ac. de 16/09/2020, tirado no proc.º 01762/13.0BEBRG, em que se consignou:
«
Abordando as nulidades processuais, dir-se-á que as mesmas consubstanciam os desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (cfr.artº.195, do C.P.Civil; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.176; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.79).

As nulidades de processo que não sejam de conhecimento oficioso têm de ser arguidas, em princípio, perante o Tribunal que as cometeu (cfr.artºs.196 e 199, do C.P.Civil). São as nulidades secundárias, com o regime de arguição previsto no artº.199, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6.

No entanto, relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença (omissão de actos que deveriam ser praticados antes dela), este Tribunal tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respectiva arguição pode ser efectuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença. Entende a jurisprudência do S.T.A. que a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que se situa a montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação, e que, sendo o meio próprio de a atacar o do recurso, a sua arguição se mostra feita atempadamente por situada no prazo deste. Por outras palavras, as nulidades do processo que sejam susceptíveis de influir no exame ou na decisão da causa e forem conhecidas apenas com a notificação da sentença, têm o mesmo regime das nulidades desta (cfr.artº.615, do C.P.C.) e devem ser arguidas em recurso desta interposto, quando admissível, que não em reclamação perante o Tribunal "a quo" (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 6/07/2011, rec.786/10; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 30/01/2002, rec.26653; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/07/2002, rec.25998; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2012, rec.684/11; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.183; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.355 e seg.)» (fim de cit.).

Começando por apreciar a nulidade da sentença, dir-se-á que as nulidades estão taxativamente previstas no art.º 615.º do CPC, com correspondência no processo tributário, no art.º 125/1 do CPPT, aí se prevendo como integrando nulidade da sentença, “a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.

Relaciona-se esta nulidade com o estatuído no art.º 608/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Pois bem, de acordo com o disposto no art.º 39.º, n.º 12, do CPPT, «O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data».

Como se sabe, quer no regime do actual Cód. de Procedimento Administrativo, quer no anterior, as nulidades dos actos são de conhecimento oficioso do tribunal (artigos 161.º e 162.º, n.ºs 1 e 2, com correspondência nos anteriores 133.º e 134.º).
No entanto, concluir tratar-se de questão de conhecimento oficioso (omissão do autor do acto na notificação) supõe previamente resolvida a qualificação como nulo do acto em causa.

E neste ponto, não podemos discordar mais da sentença recorrida, aliás na linha do que propugna a Recorrente.

A ANA – Aeroportos de Portugal, S.A., é uma sociedade comercial que tem por objecto social a exploração, em regime de concessão, do serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil em Portugal, assegurando ainda a exploração de espaços comerciais e publicitários nos aeroportos, a oferta de imóveis (ligados à operação aeroportuária, edifícios comerciais e hotéis), parques de estacionamento e serviços de rent-a-car (designados de negócios não aviação).

Como resulta do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro, trata-se de uma sociedade anónima concessionária de serviço público, a quem compete liquidar e cobrar as taxas previstas nesse diploma (art.º 43.º), podendo proceder à sua cobrança coerciva através do processo de execução fiscal (art.º 45/2).

Não se trata de um órgão da Administração Pública enquadrável no art.º 2.º, n.º 2 do Cód. do Procedimento Administrativo à data vigente (DL 442/91 de 15 de Novembro), cuja competência é definida por lei (art.º 29.º).

Ora, salvo o devido respeito, a não indicação do autor do acto na factura que externa a liquidação da taxa (cf. art.º 44.º do Decreto-Lei n.º 254/2012, de 28 de Novembro), não integra a nulidade do acto prevista no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, pela elementar razão de que o mesmo não foi praticado por um órgão administrativo, a que se restringe, em nosso entender, o campo de aplicação daquela norma, mas por uma entidade privada concessionária de serviço público, autorizada por lei a cobrar taxas pela utilização dos serviços concessionados que presta.

Não se aplicando, no caso em apreço (facturação da taxa por entidade privada), os requisitos da notificação previstos no art.º 39.º, n.º 12 do CPPT, que supõe a prática do acto notificando por órgão administrativo, é manifesto que o tribunal a quo conheceu de questão que não é de conhecimento oficioso nem foi suscitada pelas partes, incorrendo em excesso de pronúncia, sendo de declarar nula.

O recurso merece provimento.

Fica prejudicado o conhecimento da eventual nulidade processual por violação do contraditório, posto que unicamente reportada ao segmento da decisão declarado nulo.

Procedendo a apelação, haverá que conhecer das questões que o Tribunal recorrido não conheceu por prejudicadas em vista da solução dada ao litígio – art.º 665.º do CPC.

Ora, várias das questões que a oponente coloca na P.I. prendem-se com a legalidade concreta da liquidação exequenda, como é a de saber se poderá ser liquidado imposto (IVA) sobre taxa (cf. artigos 15 a 19 da douta P.I.), ou se a liquidação tem subjacente normas regulamentares cuja suspensão de eficácia foi judicialmente pedida por associações do sector em que opera (cf. artigos 31 a 40 da P.I.) ou, ainda, se ocorrem os pressupostos factuais e jurídicos da liquidação (cf. artigo 40.º da P.I.).

Como à saciedade tem decidido o Supremo Tribunal Administrativo, a oposição à execução fiscal tem como fundamentos os taxativamente indicados no art.º 204.º do CPPT, sendo que a ilegalidade em concreto da liquidação da dívida exequenda apenas constitui fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (cf. ac. do STA, de 02/04/2009, tirado no proc.º 0925/08).

Ora, o acto exequendo de liquidação da taxa, externado através da factura remetida ao contribuinte, é contenciosamente impugnável e, nessa medida, não preenche a condição de que a lei faz depender a possibilidade de conhecimento da legalidade concreta da liquidação na oposição, o que obsta ao conhecimento do respectivo mérito nesta forma de processo, por manifesta impropriedade do meio utilizado.

No mais, invoca a oponente, nomeadamente, a falsidade da certidão de dívida que serve de base à execução (cf. artigo 20.º da P.I.).
Entre os fundamentos de oposição à execução fiscal enumerados no n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, consta, na alínea c), a «falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução».

Como se deixou pedagogicamente consignado no ac. do Supremo tribunal administrativo, de 05/02/2012, tirado no proc.º 01094/11, «A falsidade do título executivo, que se refere nesta alínea c) como fundamento de oposição à execução, é, segundo o entendimento que vem sendo feito pela jurisprudência do STA, apenas a que resulta da desconformidade entre o título executivo e a base fáctico-documental cuja atestação nele se exprime, as divergências entre o teor do título e os conhecimentos ou outros instrumentos de cobrança que nele se referem lhe estarem subjacentes, por serem esses os factos em relação aos quais ele tem força probatória plena, por poderem ser apercebidos pela entidade emissora (arts. 371.º, n.º 1, e 372.º, n.ºs 1 e 2, do CC).

Estará, assim, fora do conceito de falsidade a eventual divergência entre o teor do título e factos que não são objecto da percepção da entidade emitente.

A divergência entre o conteúdo do título e os referidos instrumentos que são a sua base fáctica, para além dos casos em que a entidade emitente não relata fielmente os factos de que se apercebe, poderá resultar também da falta de genuinidade do título (falsidade material), designadamente por o título não ter sido emitido por quem nele é indicado como emitente, ou por ter ocorrido alteração do conteúdo de um título originariamente genuíno, por aditamento, supressão ou substituição do seu teor levada a cabo por quem não é o seu emitente» (JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 32 ao art. 204.º, págs. 482/483.).

Ou seja, a falsidade susceptível de constituir fundamento de oposição à execução fiscal consiste na desconformidade do conteúdo do título face à realidade certificada, não sendo falso o título que reflecte correctamente o suporte de onde foi extraído, ainda que o conteúdo desse suporte seja, porventura, inverídico. A falsidade do título executivo a que se refere o citado normativo legal, enquanto fundamento válido de oposição à execução fiscal, é tão só a falsidade material do próprio título, a sua eventual desconformidade com o original, e não a eventual falsidade intelectual ou ideológica porventura traduzida na atestada desconformidade entre a realidade e o teor do título executivo.

Este fundamento de oposição não deve, portanto, confundir-se com a inveracidade dos pressupostos de facto da liquidação» (fim de cit.).

No caso dos autos, o que a oponente alega e comprova é que a certidão de dívida remetida à execução não reflecte o suporte documental (facturas) de que foi extraída, pois indica uma dívida de 20.575,44€ por “taxas devidas”, e os documentos de cobrança (facturas) que o título refere, indicam 16.150,00€ e 578,00€ de taxas e 3.714,50€ e 132,94€, respectivamente, de IVA – cf. pontos A), B) e C) do probatório.

Trata-se de falsidade do título por indicação errada da proveniência da dívida (cf. art.º 163.º, n.º 1 alínea e), do CPPT), subsumível na alínea c) do n.º 1 do art.º 204.º do CPPT, a qual, porém, só pode ser declarada quando a mesma possa influir nos termos da execução, aliás, de acordo com o conteúdo literal do seu próprio comando.

Note-se, no entanto, que a lei manda atender à mera possibilidade de a falsidade do título influir nos termos da execução, não exigindo que tal tenha ocorrido e que do facto o executado faça prova.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, “CPPT – Anotado”, 4.ª ed. (2003), a pág.903, “…essa influência deve ser apreciada na perspectiva do executado e as possibilidades de defesa que a lei lhe confere, de forma a entender-se que tal influência ocorre sempre que possam ser afectados os seus direitos de defesa (por exemplo, a indicação errada da proveniência da dívida, que pode afectar a possibilidade de serem invocados fundamentos de oposição, como estar paga a obrigação tributária, estar prescrita ou haver duplicação de colecta)”.

A oposição terá, pois, de ser julgada procedente por este fundamento.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões da oposição.



5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder provimento ao recurso e declarar nula a sentença recorrida.
ii. Conhecendo em substituição, julgar procedente a oposição e extinta a execução fiscal.

Condena-se a Recorrente em custas.

Lisboa, 12 de Maio de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha