Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:937/07.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
SISA;
AJUSTE DE REVENDA.
Sumário:I- Se o Recorrido/promitente-comprador outorgou o contrato-promessa e foi investido na posse do prédio através de procuração irrevogável, e depois outorgou, em representação do dono do imóvel, a escritura de compra e venda do prédio a favor de terceiros, está comprovada a posse do promitente-comprador/Recorrido e a existência de ajuste de revenda em favor de terceiros.
II - Estão assim preenchidas as condições para a liquidação de SISA nos termos do § 2º do art. 2º do CIMSISD.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

M.............. veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que apresentou com referência à liquidação de SISA e juros compensatórios efectuada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 27 de Agosto de 2007 no montante de € 22.649,01.

O Recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
“A) O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 30 de Setembro de 2019, no processo de Impugnação Judicial que correu termos sob o n.° 937/07.6BELRS;
B) Na Sentença proferida o Tribunal a quo julgou o pedido formulado improcedente;
C) Em síntese o Tribunal a quo considerou, que o comportamento do Recorrente consubstancia um ajuste de revenda pelo que se encontra preenchida a norma de incidência constante do § 2 do artigo 2° do CIMSISSD;
D) A referida norma legal, prevê uma presunção natural, ou seja, uma presunção que resulta de dados de experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram a essa cedência;
E) O ajuste de revenda, enquanto acto económico, pressupõe que o cedente tenha, para si, uma vantagem o que também não sucedeu no caso concreto;
F) Com efeito, o valor pelo qual o imóvel veio a ser alienado ao terceiro corresponde aos valores adiantados pelo Recorrente;
G) O Recorrente funcionou, pois, como um mero elo activo na transmissão do imóvel para o terceiro, sem que possa afirmar-se que a compra e venda foi realizada por via da revenda;
H) O recorrente não teve, pois, qualquer benefício económico;
I) Não está, pois, verificada a norma de incidência prevista no § 2 do artigo 2.° do CIMSISSD, sendo o acto de liquidação ilegal.
J) É, pois, evidente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento devendo a Sentença recorrida ser anulada por violação do § 2 do artigo 2.° do CIMSISSD;
K) Para preencher o acordo de revenda, não basta a "mera diferenciação de sujeitos entre o que se compromete comprar e o que compra efectivamente "(cfr. Acórdão do STA de 02/12/98, Rec°.22820).
L) A Fazenda Pública tem o ónus de provar a efectiva realização do acordo de revenda, não o podendo presumir, como fez;
M) Sendo o acordo de revenda um facto que a lei exige que se prove, não pode a Fazenda Pública presumi-lo para dessa presunção presumir a tradição "(pois cair-se-ia no absurdo de uma presunção se basear noutra - o que negaria o conceito - art° 349° do C.Civil)".
N) Isto, sem embargo da prova efectiva da existência do ajuste de revenda poder ser feita por meios indirectos v.g. recorrendo a presunções judiciais (arf 351° do Código Civil).
O) Como ficou demonstrado, a liquidação impugnada não se baseou em qualquer contrato promessa, mas numa procuração irrevogável;
P) A equiparação, por via analógica, de uma procuração irrevogável a um contrato promessa com tradição está constitucionalmente vedada (arf 103° da CRP), o que, por si só fere de ilegalidade a liquidação em causa com base no § 2o do artigo 2° do CIMSISSD.
Q) Acresce que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova, como lhe competia, que tivesse sido celebrado qualquer acordo de revenda, ainda que paralelo e sem observância do formalismo legal, entre o Recorrente e o adquirente definitivo, não podendo, assim, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Tribunal a quo presumir a tradição e consequentemente efectuar a liquidação da sisa e acréscimos, como fez.
R) O acto de liquidação de imposto municipal de SISA é, pois, também por este motivo, ilegal, incorrendo a Sentença recorrida em erro de julgamento e violação do disposto nos artigos 103.° da CRP e § 2º do artigo 2º do CIMSISSD.
Termos em que, e nos mais de direito aplicáveis, sempre com o suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente Recurso proceder, anulando-se a Sentença recorrida e, bem assim, o acto de liquidação de Imposto, com as necessárias consequências legais.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter julgado improcedente a impugnação judicial referente à liquidação de sisa.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os Autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:

A) Em 30/01/2001, foi outorgado entre C…………….., Lda. e o Impugnante o instrumento junto a fls. 51 a 57 do Processo Administrativo (PA) apenso aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Contrato de Promessa de Compra e Venda”, ali identificados, respectivamente, como promitente vendedor e promitente comprador;

B) Pelo instrumento referido na alínea anterior, as partes clausularam o seguinte: «(…) SEGUNDA (Promessa de Compra e Venda)
1. pelo presente contrato a PROMITENTE VENDEDORA promete vender ao PROMITENTE COMPRADOR, ou a quem este indicar e este promete comprar pelo preço global de Esc. 35.925.000$00(Trinta e cinco milhões novecentos e vinte e cinco mil escudos) Livre de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e totalmente acabada, a fracção autónoma que vier a corresponder ao apartamento do tipo T1, provisoriamente identificada por 4°Andar, Letra B, conforme planta anexa(anexo I ao presente contrato), bem como 1 lugar de estacionamento automóvel com o número 3 e sito no piso -2, conforme assinalado na planta anexa (anexo II ao presente contrato), anexos estes que deverão ser rubricados pelas partes e farão parte integrante do presente contrato.
2. A PROMITENTE VENDEDORA obriga-se a proceder a alterações na fracção objecto do presente contrato, alterações essas consubstanciadas na redução da sua área útil por ampliação correspondente na área da fracção denominada 4°A, compreendendo a eliminação de um quarto e de uma casa de banho, tal como consta da planta assinalada a vermelho que constitui o Anexo 1 ao presente contrato e como pretendido pelo PROMITENTE COMPRADOR.
3. As alterações do projecto e as obras que forem necessárias para as modificações referidas no número anterior são feitas a expensas da PROMITENTE VENDEDORA, assim como é de sua responsabilidade e de suas custas a obtenção das aprovações oficiais das alterações do projecto.
4. O PROMITENTE COMPRADOR poderá solicitar acabamentos diferentes dos que constam do mapa de acabamentos, ficando a seu cargo o pagamento da diferença de custos, quando existir1. O preço de venda acordado será pago da seguinte forma:
Do sinal e principio de pagamento que a Segunda Contratante paga ao promitente vendedor no acto da assinatura do presente contrato, cuja quantia é de Esc.5.388.750$00(Cinco milhões trezentos e oitenta e oito mil setecentos e cinquenta escudos) é dada por este a competente quitação
2. A titulo de reforço de sinal e continuação de pagamento, o Segundo Contratante pagará ao primeiro as seguintes quantias:
a) Esc.2.874.000$00(Dois milhões oitocentos e setenta e quatro mil escudos) até 30 de Março de 2001.(…)
SÉTIMA (Cessão de posição Contratual)
A posição contratual e os direitos previstos no presente contrato podem ser cedidos ou transferidos pelo Promitente Comprador até 30 (trina) dias antes da data da celebração da escritura de compra e venda e processar-se-á do seguinte modo:
(…)
DÉCIMA (Tradição da Coisa)
1 O recebimento das chaves, por parte do PROMITENTE COMPRADOR, e a consequente posse da fracção a que se refere o presente contrato, significa, sem admissão de prova em contrário, que a mesma não sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, nem carece das qualidades asseguradas pela PROMITENTE VENDEDORA ou necessárias à realização daquele fim, não se incluindo nesta presunção eventuais defeitos de construção que não sejam visíveis. A entrega das chaves da fracção objecto do presente contrato não ocorrerá antes que se mostre paga a totalidade do preço de venda da referida fracção.”.

C) Entre 2000 a 2002, o Impugnante emitiu a favor da C.............. os cheques constantes a fls. 58 e 61 do PA apenso aos Autos, referente ao pagamento da fracção autónoma em causa nos presentes Autos;

D) Em 11/09/2002, foi outorgado no Segundo Cartório Notarial de Almada entre A.............., na qualidade de sócio gerente da C.............. –……., Lda., o instrumento junto a fls. 10 dos Autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos intitulado “Procuração”, através do qual conferiram ao Impugnante poderes para vender, pelo preço de 179.193,13€ a fracção autónoma designada pelas letras “S”, correspondente ao 4º B do prédio urbano sito na Rua…………….., n.º 16 a 16 C;

E) Em 13/05/2004, foi outorgado entre o Impugnante na qualidade de procurador da C.............. –…….., Lda. e C.............. o instrumento junto a fls. 13 a 21 dos Autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, intitulado “Compra e venda e Mútuo com Hipoteca”, através do qual o primeiro vendeu à segunda pelo preço de 179.093,14€ a fracção autónoma identificada pela letra “S” correspondente ao quarto andar B, situado na Rua…………., 16 a 16-C de Lisboa;

F) Em 29/05/2007, foi remetido pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa para o Impugnante o instrumento constante a fls. 22 dos Autos, o qual se dá por integralmente reproduzido, onde consta o seguinte: «Assunto: Acção de controlo de transacções de imóveis
Na acção de inspecção efectuada à empresa C.............., Ld.ª, NIPC………., verificou-se que V.Ex.ªs adquiriram as fracções autónomas designadas pelas letras ”R” e “S ”, que constituem o 4.º andar A e B do prédio urbano sito na Rua ……………n.°s 16 a 16 C e Rua ……………..n.°s 17 a 17 A, em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo n° …….. da freguesia de S. Jorge de Arroios, conforme:
1. Fracção “R” - escritura pública lavrada em 11 de Setembro de 2002, no 15.° Cartório Notarial de Lisboa, tendo declarado o preço de € 294.228,41 e
2. Fracção “S” – procuração irrevogável passada em 11 de Setembro de 2002, no 2.° Cartório Notarial de Almada, pelo valor declarado de € 179.193,14.
No decurso da acção inspectiva, apurou-se:
1. Fracção “R” - o valor real de aquisição foi, pelo menos, de € 392.307,04 e
2. Fracção “ S” - esta aquisição encontra-se sujeita a sisa nos termos do 6 2.° do art.° 9 ° do CIMSISSD sendo que o preço declarado (pago pelo adquirente ao alienante na data da procuração) foi de € 179.193,14, no entanto, não foi paga a sisa respectiva.
Consequentemente, no prazo de 15 dias contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção, poderá deslocar-se ao Serviço de Finanças da área do imóvel - Lisboa 4 - a fim de regularizar, voluntariamente, a situação em sede de SISA, solicitando-se o envio a estes Serviços, de cópia dos documentos comprovativos dos pagamentos efectuados (…)»;

G) Em 23/07/2007, foi remetido pelo SF de Lisboa 4 para o Impugnante o instrumento constante a fls. 23 dos Autos, o qual se dá por integralmente reproduzido, onde consta o seguinte: « (…) NOTIFICAÇÃO
Fica V. Exª. por este meio notificado para no prazo de 30 (trinta) dias contados da data da assinatura do aviso de recepção, proceder ao pagamento de € 22 649,01 (vinte e nove mil seiscentos e quarenta e nove euros e um cêntimos), sendo €17 919,31 de SISA, €3 833,74 juros compensatórios e € 895,96 de coima, conforme despacho proferido pela Sra. Adjunta do Chefe de Finanças 2007/07/23, do qual se junta fotocópia, que recaiu sobre informação - demonstração da liquidação prestada em 2007/07/20. Mais fica notificada de que findo aquele prazo de 30 (trinta) dias sem que seja efectuado o pagamento, apresentada reclamação ou deduzida impugnação, serão extraídas certidões de dívida, nos termos do art.° 117° do CIMSISSD. (…)»;

H) Em 27/08/2007, através do Termo de Declaração SISA n.º 33/…/2007, foi paga no SF de Lisboa 4 o Imposto Municipal de SISA no valor de 22.649,01€ - cfr. fls. 24 dos Autos;

I) Em 28/11/2007 foi elaborado pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa o instrumento constante a fls. 47 a 50 do Processo Administrativo apenso aos Autos, o qual se dá por integralmente reproduzido, onde consta o seguinte: « (…) Na acção de inspecção efectuada à empresa C.............., Lda., NIPC…………, com sede na Rua………, n° 47 - 2°, em Almada verificou-se que os sujeitos passivos adquiriram as fracções autónomas designadas pelas letras ”R” e “S”, que constituem o 4.° andar A e B do prédio urbano sito na Rua …………….. n.°s 16 a 16 C e Rua ………….n.°s 17 a 17 A, em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo n° …… da freguesia de S. Jorge de Arroios, da seguinte forma:
A fracção “R” - por escritura pública lavrada em 11 de Setembro de 2002, no 15.° Cartório Notarial de Lisboa, tendo declarado o preço de € 294.228,41 (valor que serviu de base à liquidação de Imposto Municipal de Sisa, nos termos do § 2.° do artigo 19.° do Código do IMSISSD), no entanto apurou-se que o valor real de aquisição foi, pelo menos, de € 392.307,04.
A fracção “S” - por procuração irrevogável passada em 11 de Setembro de 2002, no 2.° Cartório Notarial de Almada, pelo preço declarado de € 179.193,14. Este valor foi efectivamente pago pelo adquirente ao alienante na data da procuração, encontrando-se sujeito a sisa nos termos do § 2.° do art.° 2.° do CIMSISSD.
Consequentemente, os sujeitos passivos foram notificados através do ofício n° 043435 de 2007/05/29 (cfr Anexo i, fls. 1/3 a fls. 3/3), para, no prazo de 15 dias contados a partir da data da assinatura do aviso de recepção, regularizarem, voluntariamente, a situação em sede de SISA.
No decurso da acção inspectiva, os sujeitos passivos procederam ao pagamento das sisas referentes Fracção R - à matéria colectável omitida de € 98.078,63, bem como dos respectivos juros compensatórios e coima (cfr. Anexo li, fis 1/2 a fis 2/2);
Fracção S - à matéria colectável omitida de € 179.193,14, bem como dos respectivos juros compensatórios e coima (cfr. Anexo 111, fis 1/3 a fis 3/3).
III - Conclusões / Propostas
Pelo exposto, dado que os sujeitos passivos regularizaram a situação tributária, relativamente à matéria colectável omitida, proponho que o presente processo seja objecto de arquivo (…)»;

J) A presente Impugnação foi apresentada no Tribunal Tributário de Lisboa em 6/02/2009 – cfr. fls. 2 dos Autos.
*
Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no teor dos documentos constantes nos Autos e no Processo Administrativo apenso aos mesmos, conforme discriminado em cada uma das alíneas dos Factos Assentes, analisados à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.
Em particular foi efectuada a análise ponderada e detalhada do teor da prova documental junta aos Autos pela Fazenda Pública, designadamente aquela constante de fls. 51 e 57 do PA, correspondente ao contrato promessa celebrado entre o Impugnante e a C.............. e a Procuração constante a fls. 10 dos Autos.
Assim, dos elementos constantes nos Autos verifico que foi outorgado pelo dono do prédio a favor do Impugnante procuração irrevogável com poderes de alienação do imóvel e foi também celebrada escritura definitiva de venda em favor de terceiro da fracção autónoma em causa nos Autos. Donde resulta que houve ajuste de revenda entre o promitente comprador e terceiro, o qual veio a celebrar a escritura definitiva de venda. Depois da outorga da procuração irrevogável (Setembro de 2002), a fracção foi vendida pelos donos a terceiros.
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”.
* *

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Com base na matéria de facto acima transcrita, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a presente impugnação judicial improcedente mantendo a liquidação de SISA com a seguinte fundamentação “(…) Está provado que foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre a C.............. e o Impugnante relativamente a uma fracção autónoma situada na Rua ………. em Lisboa.
Do probatório retira-se também que a C.............. emitiu uma procuração irrevogável a favor do Impugnante.
E por último, consta dos Autos que o Impugnante, na qualidade de procurador da C.............., vendeu a referida fracção autónoma a um terceiro.
Ora, posto isto, e no que respeita à procuração irrevogável com poderes de alienação do imóvel, de referir que tais instrumentos conferem ao procurador poderes sobre o imóvel materialmente idênticos ao do proprietário.
As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste praticamente os mesmos poderes materiais correspondentes ao exercício do proprietário sobre o imóvel.
Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome de terceiro, a verdade é que detém sob a sua disponibilidade os poderes úteis e fácticos correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
No caso dos Autos, o Impugnante outorgou o contrato-promessa e foi investido na posse do prédio, através da outorga da procuração irrevogável, pagou o preço da venda do prédio na quase totalidade e transferiu, em nome do dono do prédio, a fracção em causa a favor de terceiros.
Está, pois, comprovada a posse do promitente-comprador/Impugnante e a existência de ajuste de revenda em favor de terceiros, os quais celebram o negócio jurídico definitivo de compra e venda com o proprietário.
Quer isso dizer que o facto de alguém ter procedido, sem qualquer motivo perceptível, celebrar após um contrato-promessa uma procuração irrevogável, permite, natural e logicamente, inferir que ocorreu um ajuste de revenda do bem, pelo que a menos que se venham a clarificar os elementos justificativos para o acto, pela evidenciação de elementos que apontem, designadamente, para uma impossibilidade de o cedente outorgar o contrato-prometido ou para causas indicativas de uma pura desistência do contrato, justifica-se que a Administração Fiscal conclua pela existência de «ajuste de revenda» para os efeitos previstos no artigo 2º, § 2º do CIMSISSD.
Trata-se de uma presunção natural, isto é, de uma ilação ou inferência extraída de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, que tem por base os dados da experiência comum e que pode ser abalada pela evidenciação dos motivos que levaram à cedência da posição contratual, evidenciação que tem de ser feita pela cedente, dado que só ele pode dar a conhecer esses motivos.
E neste sentido, estando em causa o imposto de SISA liquidado sobre a transmissão de propriedade da fracção autónoma designada pela letra “S” que constitui o 4º B do prédio sito na Rua …………… em Lisboa, pelo que o efeito translativo da operação do direito de disposição sobre o mesmo em favor do Impugnante encontra-se patenteado nos Autos, sendo o Impugnante, enquanto beneficiário da transmissão, sujeito passivo do imposto, razão pela qual a impugnação não pode proceder com base nestes fundamentos.”.

O Recorrente não se conforma com o decidido invocando, também em síntese, que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento dado que, “- O ajuste de revenda, enquanto acto económico, pressupõe que o cedente tenha, para si, uma vantagem o que também não sucedeu no caso concreto pois o valor pelo qual o imóvel veio a ser alienado ao terceiro corresponde aos valores adiantados pelo Recorrente;
- O Recorrente funcionou, pois, como um mero elo activo na transmissão do imóvel para o terceiro, sem que possa afirmar-se que a compra e venda foi realizada por via da revenda, não tendo qualquer benefício económico;
- Não está, pois, verificada a norma de incidência prevista no § 2 do artigo 2.° do CIMSISSD, sendo o acto de liquidação ilegal.
- A Fazenda Pública tem o ónus de provar a efectiva realização do acordo de revenda, não o podendo presumir, como fez e sendo o acordo de revenda um facto que a lei exige que se prove, não pode a Fazenda Pública presumi-lo para dessa presunção presumir a tradição
- A liquidação impugnada não se baseou em qualquer contrato promessa, mas numa procuração irrevogável;
- Acresce que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez prova, como lhe competia, que tivesse sido celebrado qualquer acordo de revenda, ainda que paralelo e sem observância do formalismo legal, entre o Recorrente e o adquirente definitivo, não podendo, assim, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Tribunal a quo presumir a tradição e consequentemente efectuar a liquidação da sisa e acréscimos, como fez pelo que o acto de liquidação de imposto municipal de SISA é, pois, também por este motivo, ilegal, incorrendo a Sentença recorrida em erro de julgamento e violação do disposto nos artigos 103.° da CRP e § 2º do artigo 2º do CIMSISSD.”

Vejamos então.

O Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISD) consagrava no seu artigo 2.º que “A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis”.

E de acordo com o § 1º do mesmo artigo “Consideram-se, para este efeito, transmissões de propriedade imobiliária:
1º (…)
2º As promessa de compra e venda ou de troca de bens imobiliários, logo que verificada a tradição para o promitente comprador ou para os promitentes permutantes, ou quando aquele ou estes estejam usufruindo dos bens;
3º (…)”.
O § 2º do mesmo artigo 2º estabelecia que “Nas promessas de venda entende-se também verificada a tradição se o promitente comprador ajustar a revenda com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for depois outorgada a escritura de venda”.

Do probatório supra enunciado resultou que:
-Em 30/01/2001 foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda entre a sociedade C..............-……………, Lda., na qualidade de promitente vendedora e o ora Recorrente na qualidade de promitente comprador de um imóvel em construção pelo preço de 35.925.000$00 (€ 179.193,14) (cfr. alíneas A) e B) do probatório);
- Em 11.09.2020 foi outorgada procuração irrevogável emitida pela sociedade C.............., Lda., ao ora Recorrente conferindo a este, poderes para vender pelo preço de € 179.193,13 a fracção autónoma designada pela letra “S” (cfr. alínea D) do probatório);
- E em 13.05.2004 o Recorrente na qualidade de procurador da sociedade C..............-……….., Lda., outorgou a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca através do qual o Recorrente vendeu a C.............. a fracção autónoma designada pela letra “S” pelo preço de € 179.193,14 (cfr. alínea E) do probatório).

Importa então decidir se atento o recorte probatório acima enunciado estamos perante uma situação enquadrável no § 2º do art. 2º do CIMSISD e como tal sujeito a SISA.

Ressalta-se, a propósito da procuração irrevogável que foi outorgada a favor do Recorrente, que o art. 265º do Código Civil consagra que:
1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.
2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.
3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.”.

Atendendo que “No que respeita à procuração irrevogável com poderes de alienação do imóvel, de referir que tais instrumentos «conferem ao procurador poderes sobre o imóvel materialmente idênticos ao do proprietário. As cláusulas de irrevogabilidade, bem como a circunstância de serem passadas no interesse do procurador, transmitem para o domínio deste praticamente os mesmos poderes materiais correspondentes ao exercício do proprietário sobre o imóvel. Embora o procurador não seja o titular do direito de propriedade, porque não adquiriu o respectivo título, e exerça esses poderes em nome de terceiro, a verdade é que detém sob a sua disponibilidade os poderes úteis e fácticos correspondentes ao exercício do direito de propriedade – os direitos de uso, fruição e disposição que constituem o conteúdo útil do direito de propriedade” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 17/10/2013 – rec. 01523/06).

Ora a situação dos presentes autos configura situação análoga à descrita naquele Acórdão, pelo que também no caso em apreço se comprova a posse do promitente-comprador/Recorrente e a existência de revenda em favor de terceiros.

A propósito desta matéria destacamos o que foi mencionado no Acórdão do STA de 12/02/2015 – rec. 1547/13 “(…) Donde decorre que embora o imposto de sisa tenha por finalidade tributar a transmissão onerosa de bens imóveis, a qual se afere, por regra, pela noção civilística da transmissão do direito de propriedade ou de figuras parcelares sobre o mesmo, casos há em que o legislador optou por tributar com este imposto operações jurídicas tal como se se tratassem de transmissões onerosas, quando elas estão, na verdade, dissociadas da prática de venda de imóveis, relacionando-se, antes, com actividades que são susceptíveis de gerar rendimentos.
É o que acontece com a sujeição a imposto dos contratos de promessa de compra e venda de imóveis sempre que suceda uma operação jurídica que se configure como um ajuste revenda com um terceiro com o qual o promitente-vendedor venha a celebrar a escritura de venda do imóvel, caso em que a lei presume ter existido tradição (ainda que puramente jurídica) do imóvel para o cedente, com a consequente transmissão económica ou fiscal do imóvel.
Na verdade, e como se deixou explicado no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 2/05/2012, no processo nº 0895/11, e que acolheu a posição jurisprudencial contida no acórdão de 21/04/2010, no processo nº 0924/09 (relatado pela presente Relatora), o Código do imposto de sisa alargou o âmbito de incidência do tributo a situações em que ocorra uma operação jurídica que configure um ajuste de revenda nas promessas de compra e venda, por essa operação pressupor e evidenciar, em princípio, a existência de uma tradição jurídica do bem para aquele que procede a esse tipo de negócio jurídico. Razão por que a lei presume ter existido, nesse específico caso, a tradição do bem para o cedente, ficcionando a partir daí a existência de transmissão (económica) do bem para efeitos de incidência de imposto de sisa.
E face à inexistência de um conceito de transmissão entre as normas respeitantes à sisa, nada obsta a que o conceito abranja não só a transmissão civil como, também, a transmissão puramente económica e fiscal dos bens imobiliários.
É, pois, neste contexto, que se compreende que o aludido § 2º tenha alargado o conceito de transmissão aos casos em que “o promitente comprador ajustar a revenda do imóvel com um terceiro e entre este e o primitivo promitente vendedor for outorgada a escritura de compra e venda”, presumindo uma tradição (puramente jurídica ou fiscal) do imóvel, tornando-se desnecessário que o promitente comprador tenha entrado na posse material do imóvel, isto é, que tenha havido tradição efectiva.”.

Defende o Recorrente que a Fazenda Pública tem o ónus de provar a efectiva realização do acordo de revenda, não podendo a administração tributária presumir a tradição e efectuar a liquidação da sisa.

Entendemos que não lhe assiste razão, porquanto o § 2.º do artigo 2.º do CIMSISD estabelece que, nos casos em que ocorra um ajuste de revenda nas promessas de compra de bens imobiliários, se tem de presumir que existiu uma tradição jurídica do bem para aquele que realizou esse ajuste, pois só com essa tradição se compreende que ele possa ter agenciado a revenda e contratualizado o negócio. E, para afastar essa presunção legal de tradição (presunção juris tantum por força do artigo 73.º da LGT) o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda.

Defende o Recorrente que, não existiu qualquer benefício económico porquanto o valor pelo qual o imóvel veio a ser alienado ao terceiro corresponde aos valores adiantados pelo Recorrente, tendo funcionado apenas como um mero elo na transmissão do imóvel para o terceiro -cfr. Conclusões F) a H).

Contudo, seguindo o entendimento sufragado pelo STA no Acórdão de 02/03/2016 no recurso 0520/14 “O valor a considerar para efeitos de liquidação do imposto de sisa é o mesmo para o terceiro comprador e para o promitente comprador cedente, já que ambos são sujeitos passivos do respectivo imposto, embora cada um por referência ao negócio que celebrou”. Refere-se ainda no mencionado Acórdão “A norma contida no § 2º do artigo 2º CIMSISD prevê a ocorrência de duas transmissões autónomas de propriedade imobiliária sujeitas a tributação por força de contrato de promessa de venda e subsequente ajuste de revenda com terceiro: (i) a transmissão económica do bem que ocorre da esfera jurídica do promitente-vendedor para a esfera jurídica do promitente-comprador originário, sendo este o sujeito passivo do respectivo imposto de sisa; (ii) a transmissão civil do bem que ocorre com o contrato definitivo de compra e venda que vem a ser outorgado entre o promitente-vendedor e o referido terceiro, sendo este o sujeito passivo do respectivo imposto de sisa.
O imposto de sisa, enquanto imposto sobre a transmissão onerosa do imóvel objecto do contrato promessa de compra e venda, incide sobre o preço do imóvel, e esse preço não pode ser senão outro que o preço convencionado para a sua transmissão (seja a transmissão civil, seja a transmissão económica), por referência ao negócio celebrado por cada um dos adquirentes: (i) o terceiro por referência à aquisição do imóvel que realiza através do contrato definitivo de compra e venda que celebra com a proprietária do imóvel, (ii) o originário promitente-comprador por referência à aquisição económica que realizou também com a proprietária do imóvel e que lhe permitiu realizar o negócio de ajuste de revenda do imóvel com um terceiro.”.

Desta forma se conclui que a situação em apreço está efectivamente enquadrada no disposto na § 2º do art. 2º do CIMSISD pelo que a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial de liquidação de SISA não merece qualquer reparo.
Face ao exposto a sentença proferida pelo Tribunal recorrido não padece de erro de julgamento, improcedendo o presente recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2020


Luisa Soares


Mário Rebelo


Patrícia Manuel Pires