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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07689/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA. PROVA TESTEMUNHAL.
REGIME DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA CONSTANTE DO ARTº.13, Nº.1, DO C. P. TRIBUTÁRIO.
ÓNUS DA PROVA DA FALTA DE CULPA PELA INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL COMPETE AO REVERTIDO.
MÉTODO DE AFERIÇÃO DA CULPA DO RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO.
PROCESSOS JUDICIAIS INICIADOS ATÉ AO FINAL DE 2003. FAZENDA PÚBLICA GOZA DE ISENÇÃO DE CUSTAS.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.

4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário). Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6.

5. Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

6. Ao abrigo do regime constante do artº.13, nº.1, do C.P.Tributário, não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social.

7. Nos termos do citado regime recai sobre o gerente o ónus da prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para responder pelos créditos exequendos, sendo que para ilidir a presunção de culpa desse preceito, não basta ao gerente em sede de oposição, mediante contraprova, criar a dúvida quanto à sua culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, antes se lhe exigindo que demonstre que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias" no sentido de evitar essa situação. Por outro lado, a falta de prova a esse propósito deve valorar-se contra o oponente.

8. A culpa em causa no artº.13, nº.1, do C.P.Tributário, deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto - isto, quer se entenda que a responsabilidade em causa tem natureza contratual ou extra-contratual (cfr.artºs.487, nº.2, e 799, nº.2, do C.Civil) - e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um “bonus pater familiae”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável.

9. Relativamente a processos judiciais iniciados até ao final de 2003, a Fazenda Pública goza de isenção de custas nos termos do artº.3, nº.1, al.a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/2, isenção que foi mantida em vigor pelo artº.14, nº.1, do dec.lei 324/2003, de 27/12, depois pelo artº.27, nº.1, do dec. lei 34/2008, de 26/2 (diploma que consagrou o actual Regulamento das Custas Processuais) e pelo artº.8, nº.4, da Lei 7/2012, de 13/2, a qual procedeu a alterações ao Regulamento das Custas Processuais.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.255 a 264 do presente processo que julgou procedente a oposição pelo recorrido, Aleixo …………………., intentada visando a execução fiscal nº……………. e apensos, a qual corre seus termos no 3º. Serviço de Finanças de Sintra, contra este revertida e instaurada para a cobrança de dívidas de I.V.A., dos anos de 1996, 1997 e 1998 e no montante total de € 264.568,10.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.283 a 290 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Contrariamente ao entendido na douta sentença ora recorrida não foi produzida prova nos autos, susceptível de satisfazer o ónus de prova que recaía sobre o oponente nos termos do art. 13 do CPT, de que não foi por culpa do oponente, enquanto gerente de facto da sociedade devedora originária que o património desta se tomou insuficiente para solver os créditos fiscais;
2-Não foram explicitados os factos subjacentes à consideração do oponente como gerente zeloso e cumpridor das suas obrigações e bem assim de que forma a sua actuação foi de molde a excluir a sua culpa pela insuficiência do património societário;
3-Sendo certo que os testemunhos de que o oponente era um gerente zeloso e cumpridor das suas obrigações se situam no campo da emissão de uma opinião por parte das testemunhas e não no campo do testemunho de factos efectivamente por estas presenciados e susceptíveis de ser objecto de prova testemunhal;
4-Por outro lado, quanto à crise que afectou o sector de construção civil e que provocou uma redução das encomendas e obras da devedora originária, igualmente se constata que os depoimentos testemunhais e documentação apresentada, não permitem concluir que não tenha existido culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da devedora originária, atendendo a que era o oponente enquanto gerente de facto da devedora originária quem tomava as decisões de gestão desta sociedade, e nomeadamente de efectuar as encomendas e pagamentos;
5-Quanto à condenação da Fazenda Pública em custas, fixando-se o valor tributário em € 93.606,67, nos termos do preceituado na alínea e) do n.° 1 do artigo 97°-A do CPPT, há que referir que no caso dos presentes autos, verifica-se que os mesmos foram instaurados em 2003, beneficiando a Fazenda Pública de isenção de custas. Isto porque:
6-O Código das Custas Judiciais aprovado pelo Dec. Lei n.° 224-A/96, de 26 de Novembro, previa no seu art.° 2, n.° 1 al. a) a isenção de custas da Fazenda Pública, enquanto serviço ou organismo do Estado, situação que se manteve até à aprovação e publicação do Dec. Lei n.° 324/2003, de 27 de Dezembro, no entanto, atento o disposto no art.° 14.° do Dec. Lei n.° 324/2003, de 27 de Dezembro, as alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais, só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor;
7-Mesmo com a entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Dec. Lei n.° 34/2008, de 26 de Fevereiro, no caso em apreço a Fazenda pública continuou a beneficiar da supra referida isenção, atento o disposto no art.° 27° daquele diploma legal. E o mesmo se verificando actualmente e após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao Regulamento das Custas Processuais, pela Lei n.° 7/2012, de 13 de Fevereiro, a qual no seu art.° 8°, n.° 4 dispõe que: "Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas (...), e a isenção aplicada não encontra correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas.";
8-A sentença recorrida, ao assim não entender, apresenta-se ilegal por desconformidade com os preceitos acima assinalados, não merecendo por isso ser confirmada;
9-Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça, bem como reconhecida a isenção de custas por parte da Fazenda Pública nos presentes autos.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do parcial provimento do presente recurso (cfr.fls.305 e 306 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.257 a 259 dos autos - numeração nossa):
1-Corre termos contra "A….. & S…. - Construção Civil, Lda" o processo de execução fiscal ……………. e apensos, por dívidas de I.V.A. e juros compensatórios dos anos de 1996, 1997 e 1998 (cfr.documentos juntos a fls.1 a 7 do processo de execução fiscal apenso; informação exarada a fls.35 dos presentes autos);
2-O processo de execução fiscal referido no número anterior reverteu contra o oponente, na qualidade de sócio-gerente, por despacho de 31 de Março de 2003, do Sr. Chefe do 3º. Serviço de Finanças de Sintra (cfr.documento junto a fls.30 dos presentes autos);
3-Os fundamentos da reversão referida no nº.2 foram os seguintes:
"Insuficiência de bens do executado/devedor originário susceptíveis de serem penhorados.
Exercício da gerência/administração na data a que respeitam os factos tributários."
(cfr.documento junto a fls.30 dos presentes autos);
4-O ora oponente é sócio-gerente da executada originária "A….. & S…. - Construção Civil, Lda" (cfr.documento junto a fls.27 e 28 dos presentes autos; factualidade admitida pelo opoente na p.i.);
5-Em 7 de Maio de 2003 o oponente requereu à Administração Fiscal a extinção das dívidas mediante dação em pagamento de bem imóvel (cfr.documentos juntos a fls.33 e 34 dos presentes autos);
6-Em 24 de Julho de 2003 foi proferido despacho, pelo Subdirector-geral dos Impostos, indeferindo o requerimento do oponente referido no nº.5 (cfr.documento junto a fls.40 dos presentes autos);
7-No ano de 2001 verificou-se uma grande crise no sector da construção (cfr. depoimento da testemunha João ………………, cujo depoimento se revelou claro, revelador de um conhecimento directo dos factos);
8-No ano de 2001 verificou-se quebra de trabalho na empresa de que o oponente era gerente (cfr.depoimento da testemunha João …………………, cujo depoimento se revelou claro, revelador de um conhecimento directo dos factos);
9-O oponente era um gerente zeloso, cumpridor das suas obrigações (cfr.depoimento da testemunha João ………………………, cujo depoimento se revelou claro, revelador de um conhecimento directo dos factos);
10-A insuficiência patrimonial do património social decorreu da crise do sector da construção, da cessação de obras e concursos, da inexistência de encomendas e da cerrada concorrência no sector de actividade da devedora originária (cfr.depoimento da testemunha João ……………., cujo depoimento se revelou claro, revelador de um conhecimento directo dos factos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados e das informações oficiais constantes dos autos, bem como do depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido no probatório…”.
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Ao abrigo dos artºs.646, nº.4, e 712, nº.2, do C.P.Civil, na redacção anterior à Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), este Tribunal, oficiosamente, considera não escrito o nº.9 da matéria de facto supra exarada, dado conter somente juízos conclusivos de facto (1) (cfr.António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.237 e seg.; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg.).
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Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou, além do mais, em prova documental constante dos presentes autos e apenso este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa igualmente relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
11-O opoente, Aleixo ……………….., com o n.i.f. ………., era o único gerente da sociedade executada originária, "A….. & S…. - Construção Civil, Lda" (cfr.documento junto a fls.16 e 17 do processo de execução fiscal apenso; documento junto a fls.44 dos presentes autos).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou totalmente procedente a oposição que originou o presente processo, tudo em consequência de o oponente ter logrado demonstrar a sua ausência de culpa quanto à circunstância do património da sociedade executada originária se ter tornado insuficiente para o pagamento dos créditos fiscais objecto da execução fiscal nº……………. e apensos, em virtude do que se declarou a sua ilegitimidade e, consequentemente, se julgou extinta, quanto a ele, a mesma execução fiscal.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr. artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e como supra se alude, que não foram explicitados os factos subjacentes à consideração do oponente como gerente zeloso e cumpridor das suas obrigações e bem assim de que forma a sua actuação foi de molde a excluir a sua culpa pela insuficiência do património societário. Que os testemunhos de que o oponente era um gerente zeloso e cumpridor das suas obrigações se situam no campo da emissão de uma opinião por parte das testemunhas e não no campo do testemunho de factos efectivamente por estas presenciados e susceptíveis de ser objecto de prova testemunhal (cfr.conclusões 2 e 3 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, segundo percebemos, consubstanciar erro de julgamento de facto da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo, quanto aos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Por outro lado, no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
Apesar disso, sempre se remete o recorrente para a decisão supra exarada deste Tribunal, efectuada com base em poderes oficiosos e que considera não escrito o nº.9 da matéria de facto supra exarada, dado conter somente juízos conclusivos de facto.
Aduz, igualmente, o apelante que contrariamente ao entendido na sentença recorrida não foi produzida prova nos autos susceptível de satisfazer o ónus de prova que recaía sobre o oponente nos termos do artº.13, do C.P.T., de que não foi por culpa sua, enquanto gerente de facto da sociedade devedora originária, que o património desta se tomou insuficiente para solver os créditos fiscais. Por outro lado, quanto à crise que afectou o sector de construção civil e que provocou uma redução das encomendas e obras da sociedade devedora originária, igualmente se constata que os depoimentos testemunhais e documentação apresentada, não permitem concluir que não tenha existido culpa do oponente na situação de insuficiência patrimonial da devedora originária, atendendo a que era este, enquanto gerente de facto da sociedade, quem tomava as decisões de gestão da mesma e, nomeadamente, de efectuar as encomendas e pagamentos (cfr.conclusões 1 e 4 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O vício em causa envolve a análise do fundamento de oposição previsto no artº.204, nº.1, al.b), do C.P.P.Tributário (ilegitimidade devido a falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda - cfr.artº.286, nº.1, al.b), do anterior C.P.Tributário).
Antes de mais, diremos que as normas com base nas quais se decide a responsabilidade subsidiária, inclusivamente aquelas que determinam as condições da sua efectivação e o ónus da prova dos factos que lhe servem de suporte, devem considerar-se como normas de carácter substantivo, pois a sua aplicação tem reflexos materiais na esfera jurídica dos revertidos. Nestes termos, a aplicação do regime previsto na L.G.Tributária aos requisitos da reversão da execução fiscal contra responsáveis subsidiários apenas tem suporte legal quando os factos que servem de fundamento à mesma reversão ocorreram depois da sua entrada em vigor (cfr.artº.12, do C.Civil; artº.12, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 28/9/2006, rec.488/06; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª. Secção, 24/3/2010, rec.58/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.456 e seg.).
No processo vertente, a eventual responsabilidade subsidiária do revertido/opoente deve ser analisada à luz do regime previsto no artº.13, do C. P. Tributário, levando em consideração os períodos temporais a que respeitam as liquidações que constituem o débito exequendo revertido - cfr.nº.1 do probatório (cfr.por todos ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.).
Mas que responsabilidade é esta. Segundo a opinião que defendemos, a responsabilidade do gerente pela violação das normas que impõem o cumprimento da obrigação fiscal radica no instituto da responsabilidade por facto ilícito assente em culpa funcional, isto é, em responsabilidade civil extracontratual (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2004, rec.28/04, in Revista Fiscal, Vida Económica, Fevereiro, 2006, pág.28; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
O estatuto do gerente/administrador advém-lhe por virtude da sua relação negocial com a sociedade, iniciada com a sua nomeação para o exercício do cargo de gerente e consequente aceitação do mesmo, em virtude do que assume uma situação de garante das dívidas sociais, embora com direito à prévia excussão dos bens da empresa (cfr.artº.146, do C.P.C.Impostos; artº.239, nº.2, do C.P.Tributário; artº.153, nº.2, do C.P.P. Tributário).
A lei não define precisamente em que é que se consubstanciam os poderes de gerência, mas, em face do preceituado nos artºs.259 e 260, do Código das Sociedades Comerciais, parece dever entender-se que serão típicos actos de gerência aqueles que se consubstanciam na representação da sociedade perante terceiros e aqueles através dos quais a sociedade fique juridicamente vinculada e que estejam de acordo com o objecto social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/5/1989, rec.10492; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.).
É no artº.64, do C. S. Comerciais, que se encontra consagrado o dever de diligência dos administradores/gerentes de sociedade, nos termos do qual estes devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores.
A gerência é, por força da lei e salvo casos excepcionais, o órgão da sociedade criado para lhe permitir actuar no comércio jurídico, criando, modificando, extinguindo, relações jurídicas com outros sujeitos de direito. Estes poderes não são restritos a alguma espécie de relações jurídicas; compreendem tantas quantas abranja a capacidade da sociedade (cfr.objecto social), com a simples excepção dos casos em que as deliberações dos sócios produzam efeitos externos (cfr.artºs.260, nº.1, e 409, nº.1, do C.S.Comerciais). O gerente/ administrador goza de poderes representativos e de poderes administrativos face à sociedade. A distinção entre ambos radica no seguinte: se o acto em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra, situamo-nos no campo dos poderes administrativos do gerente. Pelo contrário, se o acto respeita às relações da sociedade com terceiros, estamos no campo dos poderes representativos. Por outras palavras, se o acto em causa tem apenas eficácia interna, estamos perante poderes de administração ou gestão. Se o acto tem eficácia sobre terceiros, verifica-se o exercício de poderes de representação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, III, Almedina, 1991, pág.128 e seg.; Rui Rangel, A vinculação das sociedades anónimas, Edições Cosmos, Lisboa, 1998, pág.27 e seg.).
Analisada a plêiade de actos que o gerente/administrador pode exercer, enquanto representante da sociedade, passemos à responsabilidade subsidiária do mesmo.
No domínio do artº.16, do C.P.C.Impostos, encontrávamo-nos perante responsabilidade “ex lege”, alicerçada num critério de culpa funcional presumida, assim dispensando a imputação subjectiva (ao nível do nexo de culpa) baseada num comportamento individual do gerente, antes se ligando ao mero exercício do cargo ou funções de gerência. Verificada a gerência de direito, presumia-se a gerência de facto, incumbindo ao responsável subsidiário, em sede de oposição à execução contra si revertida, o ónus de provar que, apesar da gerência de direito, não a exerceu de facto ou, por outro lado, que não a exerceu de forma culposa no que diz respeito à verificada insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/9/93, C.T.F.376, pág.211 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/10/95, C.T.F.381, pág.311 e seg.; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.51 e seg.).
Com o dec.lei 68/87, de 9/2, o qual veio submeter a responsabilidade subsidiária consagrada no artº.16, do C.P.C.Impostos, ao regime previsto no artº.78, do C. S. Comerciais, de acordo com a jurisprudência dominante, passou a ser exigível a culpa dos administradores ou gerentes das sociedades para que a mesma se efectivasse. Por outro lado, onerou-se a Fazenda Pública, nos termos do artº.487, nº.1, do C. Civil, com o obrigação da alegação e prova da culpa do responsável subsidiário pela inexistência de bens do devedor originário com vista à satisfação dos créditos fiscais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/1/97, C.T.F.386, pág.379 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 9/7/97, Acórdãos Doutrinais, nº.432, pág.1467 e seg.).
Com a entrada em vigor do C.P.Tributário (1/7/91), a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes de sociedades de responsabilidade limitada passa a estar consagrada no artº.13, deste diploma. Ao abrigo deste regime, desde logo, se dirá que a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes passou a estar restrita às dívidas ao Estado por contribuições e impostos, quando anteriormente a mesma responsabilidade podia abarcar também multas e quaisquer outras dívidas que não somente as aludidas contribuições e impostos. Por outro lado, contrariamente ao regime resultante do aludido dec.lei 68/87, de 9/2, volta o ónus da prova da actuação sem culpa a pender sobre os administradores ou gerentes. E não é pequena, para os mesmos, esta diferença de perspectiva legal, já que, se era difícil para a Fazenda Pública, face ao regime resultante do dec.lei 68/87, de 9/2, fazer a prova positiva da culpa, mais difícil será para os administradores ou gerentes fazerem a prova negativa de tal factualidade (cfr.A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.55; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2007, pág.340; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13).
No entanto, ao abrigo do regime em análise, o constante do artº.13, nº.1, do C.P. Tributário, já não existe qualquer presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função de gerente ou administrador, pelo que compete à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, neles se incluindo o exercício de facto da gerência, e apenas se podendo esta valer da presunção legal respeitante à culpa pela insuficiência do património social (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec. 1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6732/13; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).
Nos presentes autos, não está em causa o exercício da gerência pelo opoente/recorrido, o qual reconhece que o mesmo se verificou (cfr.artºs.39 a 41 da p.i.).
No que ao objecto do presente recurso diz respeito, a sentença recorrida conclui pela procedência da oposição, considerando que o opoente/recorrido fez prova de não ter havido culpa sua na diminuição do património societário para a satisfação dos créditos fiscais.
Pelo contrário, o apelante pugna pela revogação da decisão recorrida, defendendo que não foi produzida prova nos autos susceptível de satisfazer o ónus de prova que recaía sobre o oponente/recorrido nos termos do artº.13, do C.P.T., de que não foi por culpa sua, enquanto gerente de facto da sociedade devedora originária, que o património desta se tomou insuficiente para solver os créditos fiscais
O recorrente tem razão.
Expliquemos porquê.
O artº.13, nº.1, do C.P.Tributário, na redacção resultante do artº.52, da Lei 52-C/96, de 27/12 (O.E. de 1997), versão que se aplica ao caso “sub judice” (cfr.artº.12, do C.Civil), consagrava o seguinte:
“Artigo 13º.
Responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada
1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.
(...)".

De acordo com a jurisprudência dominante, no regime constante do artº.13, nº.1, do C. P. Tributário, relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. Nos termos do regime sob exame recai sobre o gerente o ónus da prova de que não teve culpa pela insuficiência do património social para responder pelos créditos exequendos, sendo que para ilidir a presunção de culpa desse preceito, não basta ao gerente em sede de oposição, mediante contraprova, criar a dúvida quanto à sua culpa pela insuficiência patrimonial da sociedade originária devedora, antes se lhe exigindo que demonstre que a situação de insuficiência se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias" no sentido de evitar essa situação. Por outro lado, a falta de prova a esse propósito deve valorar-se contra o oponente (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 28/2/2007, rec.1132/06; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/12/2008, rec.861/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/11/2005, proc.783/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/04/2011, proc.4510/11).
Sabido que são os administradores ou gerentes quem exterioriza a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos, através dos quais se manifesta a sua capacidade de exercício de direitos, a responsabilidade subsidiária assenta na ideia de que os poderes de que estavam investidos lhes permitiam uma actuação determinante na condução da sociedade. Assim, há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do ora recorrido como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo “ex ante”. É que a causalidade não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, não podendo existir causalidade adequada quando o dano se verificou apenas por virtude de circunstâncias excepcionais ou anómalas que, no caso concreto, se registaram e que interferiram no processo de causalidade, considerado este no seu conjunto.
Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a citada diligência de um “bonus pater familias”, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do C.S.Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que o não pagamento das dívidas tributárias revertidas se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem pois que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/3/2003, rec.1209/02; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 11/7/2012, rec.824/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/10/2009, proc. 3267/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/5/2012, proc.5392/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/11/2012, proc.5746/12; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.465 e seg.; Isabel Marques da Silva, A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais, em Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, pág.121 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do exame da factualidade provada não se pode concluir que o opoente/recorrido tenha produzido prova demonstrativa de que a situação de insuficiência patrimonial da sociedade "A….. & S…. - Construção Civil, Lda" se ficou a dever exclusivamente a factores exógenos e que, no exercício da gerência, usou da diligência de um "bonus pater familias". Desde logo, se deve relevar o facto de as dívidas exequendas e revertidas no âmbito da execução de que a presente oposição constitui apenso serem relativas aos anos de 1996 a 1998 (cfr.nº.1 do probatório), sendo que a alegada crise no sector da construção civil ocorreu a partir de 2001 (cfr.nºs.7, 8 e 10 da factualidade provada).
Por outro lado, do exame da matéria de facto provada e aditada ao probatório (cfr.nºs.7, 8, 10 e 11 da matéria de facto provada), deve reconhecer-se que o opoente/recorrido não produziu prova que permita concluir que não teve culpa no acto de não pagamento da dívida exequenda. Assim é, porquanto se impunha ao mesmo, enquanto gerente único da empresa executada originária, que tivesse conhecimento da situação económico-financeira concreta da sociedade "A….. & S…. - Construção Civil, Lda". Pelo que, concluindo que esta sociedade não teria possibilidade de cumprir as suas obrigações tributárias, deveria ter tomado medidas no sentido de obviar a esta situação, maxime, pedindo a declaração de insolvência da empresa atempadamente. Esta forma de actuação era imposta pelo citado critério do bom pai de família, do gerente competente e criterioso.
Não pode, pois, considerar-se que o oponente tenha logrado ilidir a presunção de culpa pelo não pagamento da dívida exequenda que sobre si impendia. Não fazendo tal prova, deve considerar-se procedente este fundamento do recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e julgar parte legítima para a execução fiscal nº. 3557/01/105402.3 e apensos o opoente/recorrido quanto às dívidas revertidas, contra si devendo prosseguir a citada execução enquanto responsável subsidiário.
Por último, alega o recorrente que relativamente à condenação da Fazenda Pública em custas, fixando-se o valor tributário em € 93.606,67, nos termos do preceituado no artº. 97-A, nº.1, al.e), do C.P.P.T., há que referir que no caso dos presentes autos, verifica-se que os mesmos foram instaurados em 2003, beneficiando a Fazenda Pública de isenção de custas (cfr.conclusões 5 a 8 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um novo erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal vício.
Sem necessidade de grandes considerações, temos que dar razão ao recorrente, visto que a presente acção foi instaurada em 7/5/2003, pelo que no seu âmbito a Fazenda Pública goza de isenção de custas nos termos do artº.3, nº.1, al.a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo dec.lei 29/98, de 11/2, isenção que foi mantida em vigor pelo artº.14, nº.1, do dec.lei 324/2003, de 27/12, depois pelo artº.27, nº.1, do dec. lei 34/2008, de 26/2 (diploma que consagrou o actual Regulamento das Custas Processuais) e pelo artº.8, nº.4, da Lei 7/2012, de 13/2, a qual procedeu a alterações ao Regulamento das Custas Processuais.
Arrematando, julga-se procedente o examinado recurso e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em, CONCEDENDO PROVIMENTO AO RECURSO, revogar a sentença recorrida, julgar improcedente a oposição e parte legítima o opoente Aleixo …………….. no âmbito da execução fiscal à execução fiscal nº……………………. e apensos, a qual corre termos no 3º. Serviço de Finanças de Sintra.
X
Condena-se o opoente/recorrido em custas, somente em 1ª. Instância.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 1 de Outubro de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)


(1) (quanto à destrinça entre matéria de facto e juízos conclusivos de facto vide António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág.237 e seg.; José Lebre de Freitas e Outros, C.P.Civil anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2008, pág.605 e seg.).