Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:237/05.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:11/30/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
ELEMENTOS OBJECTIVO E SUBJECTIVO DO FACTO TRIBUTÁRIO, EM SEDE DE I.R.S.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA.
RENDIMENTOS DA CATEGORIA B, DE I.R.S. ARTº.3, DO C.I.R.S., NA REDACÇÃO EM VIGOR EM 2000.
LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA PADECE DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI.
Sumário:1. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
2. O facto tributário é composto por dois elementos que se complementam e que são imprescindíveis para a sua formação, a saber: o elemento objectivo e o elemento subjectivo. O elemento objectivo reconduz-se ao facto tributário em si mesmo, desligado de um sujeito passivo de imposto. No caso do I.R.S., o elemento objectivo do facto tributário corresponde à percepção de rendimento. Por seu turno, o elemento subjectivo é aquele que estabelece uma relação entre o elemento objectivo do facto e uma determinada categoria de sujeitos, imputando-lhes a obrigação tributária. No I.R.S., o elemento subjectivo está intrinsecamente relacionado com as normas de incidência pessoal do imposto, ou seja, as normas de incidência subjectiva do imposto, as quais determinam quem são os sujeitos passivos para efeitos do mesmo tributo.
3. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.).
4. As normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.
5. No ano 2000, a categoria B de rendimento, em sede de I.R.S., englobava os rendimentos do trabalho independente, considerando-se como tal os auferidos, por conta própria, no exercício de actividades de carácter científico, artístico ou técnico e os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário (cfr.artº.3, nº.1, do C.I.R.S., vigente em 2000). Consideravam-se ainda rendimentos de trabalho independente os auferidos no exercício, por conta própria, de uma actividade exclusivamente de prestação de serviços não compreendida noutras categorias, sempre que o sujeito passivo não tivesse nenhum empregado ou colaborador ao seu serviço (cfr. artº.3, nº.4, do C.I.R.S., vigente em 2000).
6. Face à matéria de facto assente nos presentes autos, que nos diz que o valor pago ao impugnante/recorrido teve como fim o reembolso de despesas por aquele efectuadas em deslocações para arbitrar jogos de andebol no território nacional, resulta com mediana clareza que não obteve o mesmo o rendimento-acréscimo que o C.I.R.S. exige para efeitos de tributação. Não se podendo por isso afirmar que o impugnante/recorrido obteve um incremento patrimonial susceptível de tributação, assim não sendo enquadráveis tais montantes na norma de incidência constante do citado artº.3, do C.I.R.S., na redacção em vigor à data, assim padecendo a liquidação impugnada do vício de violação de lei.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.125 a 144 do presente processo, a qual julgou procedente a impugnação intentada pelo recorrido, R..., tendo por objecto liquidação adicional de I.R.S. e respectivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2000 e no montante total de € 1.585,96.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.162 a 173 dos autos) formulando as seguintes Conclusões:
1-Não se concorda com a decisão de procedência dos presentes autos de impugnação e com a respetiva fundamentação, segundo a qual, “considerando que os valores em causa foram efectivamente recebidos pelo impugnante, a título de despesas, pelas suas deslocações para arbitrar jogos, não se nos afigura que os mesmos possam ser enquadrados como rendimentos da categoria B e, nessa medida, sujeitos a tributação.”;
2-Não se concorda também com o Tribunal “a quo” quando decide que, quanto à obrigação de emitir recibos exigida pelo art.º 107 n.º 1, alínea a) do CIRS, na redação à data, para todas as importâncias recebidas, ainda que a título de provisão, a mesma é obrigação meramente declarativa, da qual não decorre, de per si, a obrigação de pagar imposto;
3-Foram pela Federação efetuados pagamentos ao impugnante no ano de 2000 e entre ambas as entidades, como é pacífico, não existia qualquer vínculo laboral. Também resulta assente que o impugnante foi, naquele ano, prestador de serviços para a Federação, os quais consistiram na arbitragem de jogos de andebol;
4-O art.º 3.º do CIRS à data dos factos dispunha que se consideravam rendimentos de trabalho independente os auferidos por conta própria no exercício de atividades de caráter científico, artístico ou técnico. E o n.º 2 do mesmo preceito estipulava que “Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, só se consideram de carácter científico, artístico ou técnico, as actividades desenvolvidas no âmbito das profissões constantes da lista anexa ao Código”;
5-Nesta lista anexa ao CIRS consta a atividade de “Desportista”, na qual se subsume aquela aqui em causa. São, desta forma, enquadráveis no art.º 3.º do CIRS a atividade e os rendimentos em análise;
6-Tendo o “cliente” procedido ao pagamento de determinados montantes ao prestador de serviços, estava este obrigado a emitir recibo, ainda que tratando-se de valores pagos a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas, pois assim o exigia a alínea a) do n.º 1 do art.º 107.º do CIRS;
7-Pelo n.º 4 do mesmo artigo, a entidade pagadora daqueles rendimentos estava obrigada a exigir os respetivos recibos e a conservá-los - nada a Lei refere quanto à mera emissão e guarda de documentos internos;
8-Por outro lado, o prestador dos serviços estava ainda obrigado a “evidenciar em separado no livro de registo as importâncias respeitantes a reembolsos de despesas efectuadas em nome e por conta do cliente, as quais, quando devidamente documentadas, não influenciam a determinação dos rendimentos ilíquidos”, tendo em conta o disposto na alínea c) do n.º 1 do mesmo artigo 107.º do CIRS;
9-Atento o que, tanto a emissão dos respetivos recibos, acompanhada dos respetivos lançamentos contabilísticos, assim como a documentação das despesas incorridas, não revestem, no caso, mera relevância declarativa, antes constituem a diferença entre estarmos perante valores recebidos e que não vão influenciar a determinação do rendimento coletável, ou, pelo contrário, estarmos perante recebimentos que necessariamente influenciam a determinação daqueles rendimentos, ou seja, tratarem-se de valores recebidos a título de prestação de serviços;
10-Pelo que, com todo o respeito devido, e ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”, entende a Fazenda não ter o impugnante feito prova que o valor em causa foi obtido a título de reembolso pelas despesas incorridas em deslocações, ou melhor, de despesas incorridas em deslocações “em nome e por conta do cliente”;
11-Pelo que, tais recebimentos são necessariamente enquadráveis como rendimento da categoria B, nos termos da lei e, como tal, tributáveis, devendo os mesmos ficar sujeitos a retenção na fonte. A entidade obrigada a realizar essa retenção estava ainda vinculada à obrigação prevista na alínea a) do n.º 1 do então art.º 114.º do CIRS, o que também aqui não aconteceu;
12-Não há assim, também, lugar à aplicação do disposto no art.º 100.º do CPPT, como feito na douta sentença;
13-A qual, mais uma vez com devido respeito, e na decorrência de tudo o supra exposto, erra também quando considera parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
14-Ao decidir, como decidiu, a douta sentença fez errada apreciação dos factos apurados - erro de julgamento de facto - e errada aplicação do direito - erro de julgamento de Direito, tendo violado o disposto nos art.ºs 3.º, 66.º, 96.º, 107.º e 114.º, todos do CIRS;
15-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.183 e 184 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.128 a 133 dos autos - com renumeração devido a lapso):
1-O impugnante, R..., com o n.i.f. …, exerce a actividade de militar da Marinha, e, nos tempos livres, exerce a actividade de árbitro de andebol (cfr.factualidade admitida por acordo das partes);
2-No ano de 2000 o impugnante recebeu da Federação de Andebol de Portugal o montante de € 4.085,90 (cfr.factualidade admitida por acordo das partes);
3-Em 13-09-2004 os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal elaboraram projecto de conclusões de relatório de inspecção de análise interna com o seguinte teor:
“(…)

texto e imagem no original

(…)”
(cfr.documento junto a fls.21 a 23 dos presentes autos);
4-Em 27-09-2004, através do ofício n.º 29677, foi remetida ao impugnante notificação do projecto de conclusões do relatório identificado no número anterior, para este se pronunciar sobre o mesmo, no prazo de 10 dias (cfr.documento junto a fls.20 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5-Em 15-10-2004, o impugnante pronunciou-se, por escrito, sobre o projecto de conclusões do relatório identificado no nº.3 (cfr.documentos juntos a fls.24 a 29 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6-No seguimento da pronúncia do impugnante, em 29-10-2004, os serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Setúbal procederam à elaboração do relatório final de inspecção, com o seguinte teor:
“(…)


“texto no original”


(…)”
(cfr.documento junto a fls.33 a 36 dos presentes autos);
7-O relatório final, identificado no número antecedente, foi remetido ao impugnante através do ofício n.º 37657 (cfr.documento junto a fls.31 e 32 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8-Em 17-11-2004 foi em nome do impugnante emitida a liquidação n.º 2004 5004259702, com imposto a pagar no valor de € 1.585,96, já incluindo juros compensatórios no montante de € 226,95 (cfr.documento junto a fls.41 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9-Em 26-11-2004 foi emitida em nome do impugnante a demonstração de compensação n.º …, da qual resultou um valor de imposto a pagar de € 1.228,79, com data limite de pagamento o dia 05-01-2005, sendo o estorno na quantia de € 357,17 (cfr.documento junto a fls.42 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10-Na mesma data - 26-11-2004 - foram emitidas em nome do impugnante as liquidações de juros compensatórios n.º …, no total de € 226,95 (cfr.documento junto a fls.43 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
11-Em 05-10-2004, foi pela Federação de Andebol de Portugal emitida declaração com o seguinte teor:
“Declaramos que a verba de € 4.085,90, colocadas à disposição de R... contribuinte n.º , se destinou ao reembolso de despesas de alimentação e transportes, não tendo ultrapassado os mínimos legais e estas despesas estão documentadas por elementos internos e controlados pela FAP, de acordo com as convocatórias que lhe foram efectuadas.”
(cfr.documento junto a fls.44 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
12-O valor referido em 2) e 11), de € 4.085,90, foi pago pela Federação de Andebol de Portugal ao impugnante a título de reembolso por despesas de deslocação, transportes e refeições (cfr.documento junto a fls.44 dos presentes autos; prova testemunhal produzida);
13-No início de cada ano a Federação de Andebol de Portugal aprova os montantes máximos a pagar aos árbitros pelos quilómetros percorridos, pela alimentação e demais despesas incorridas pelos mesmos (cfr.prova testemunhal produzida);
14-Nos jogos realizados no Continente, os árbitros deslocam-se em meios de transporte próprios, suportando antecipadamente todas as despesas (cfr.prova testemunhal produzida);
15-Em determinadas cidades, como Lisboa, Porto e Leiria, tal como nas Ilhas, a Federação de Andebol de Portugal tem acordos celebrados com hotéis que possibilitam a estadia aos árbitros que aí se desloquem para arbitrar jogos (cfr.prova testemunhal produzida);
16-Perante a falta de pagamento voluntário do valor constante em 9), de € 1.228,79, foi instaurado no 2º. Serviço de Finanças do … o processo de execução fiscal n.º … para cobrança da referida dívida (cfr.documentos juntos a fls.3 a 8 do processo administrativo apenso; informação exarada a fls.1 e 2 do processo administrativo apenso);
17-A presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Almada em 06-04-2005 (cfr.carimbo de entrada aposto a fls.2 dos presentes autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “...A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.
A convicção do tribunal baseou-se ainda, especificamente, quantos aos factos provados n.ºs 12, 13, 14 e 15, na prova testemunhal produzida.
Com efeito, todas as testemunhas inquiridas confirmaram que, no início de cada época desportiva, a Federação de Andebol de Portugal fixava os valores a pagar aos árbitros a título de despesas com as deslocações para os jogos que eram nomeados. Com efeito, evidenciaram as testemunhas que o reembolso das despesas era efectuado de acordo com uma tabela fixa, acordada no início de cada época, que incluía quilómetros, despesas de transporte, portagens, alimentação, em função da cidade a que os árbitros se deslocavam.
Mais evidenciou uma das testemunhas - F… - que integrava a dupla de arbitragem com o impugnante, que o valor pago ao impugnante corresponde ao reembolso de despesas efectuadas por aquele, à semelhança do que sucede com todos os árbitros.
Confirmaram ainda as testemunhas que a estadia em hotéis dependia se, na localidade onde iria decorrer o jogo, havia hotéis com os quais a Federação tinha acordos. Se não houvesse hotéis com acordo, os árbitros pagavam a estadia, sendo posteriormente reembolsados pela Federação. A Federação nunca exigiu a emissão de recibos por parte dos árbitros…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu:
1-Julgar procedente a impugnação quanto ao pedido de anulação dos actos tributários impugnados, de I.R.S. e juros compensatórios (cfr.nºs.8 e 10 do probatório);
2-Julgar parcialmente procedente a impugnação quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o qual incide somente sobre o montante de estorno, € 357,17 (cfr.nº.9 do probatório).
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o apelante, em síntese, que os valores recebidos pelo impugnante/recorrido o foram a título de prestação de serviços. Que o impugnante/recorrido não fez prova de que o valor em causa foi obtido a título de reembolso pelas despesas incorridas em deslocações “em nome e por conta do cliente”. Que tais montantes são enquadráveis como rendimento da categoria B, nos termos da lei e, como tal, tributáveis, devendo os mesmos ficar sujeitos a retenção na fonte. Que a entidade obrigada a realizar essa retenção estava ainda vinculada à obrigação prevista no então artº.114, nº.1, al.a), do C.I.R.S., o que também não aconteceu. Que não há lugar à aplicação do disposto no artº. 100, do C.P.P.T. Que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs.3, 66, 96, 107 e 114, todos do C.I.R.S. (cfr.conclusões 1 a 14 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
Convém recordar que o facto tributário é composto por dois elementos que se complementam e que são imprescindíveis para a sua formação, a saber: o elemento objectivo e o elemento subjectivo. O elemento objectivo reconduz-se ao facto tributário em si mesmo, desligado de um sujeito passivo de imposto. No caso do I.R.S., o elemento objectivo do facto tributário corresponde à percepção de rendimento. Por seu turno, o elemento subjectivo é aquele que estabelece uma relação entre o elemento objectivo do facto e uma determinada categoria de sujeitos, imputando-lhes a obrigação tributária. No I.R.S., o elemento subjectivo está intrinsecamente relacionado com as normas de incidência pessoal do imposto, ou seja, as normas de incidência subjectiva do imposto, as quais determinam quem são os sujeitos passivos para efeitos do mesmo tributo (cfr.Gianni de Luca, Diritto Tributario, 23.ª Edição, Nápoles, Edizioni Giuridiche Simone, 2009, pág. 111).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Revertendo ao caso dos autos, da matéria de facto (cfr.nºs.3 e 6 do probatório) retira-se que a A. Fiscal estruturou liquidação de I.R.S. relativa ao ano de 2000, incidente sobre os rendimentos da categoria B, alegadamente auferidos pelo sujeito passivo R..., derivados da prestação de serviços à Federação de Andebol de Portugal, enquanto profissional independente (cfr.artº.3, do C.I.R.S., na redacção anterior à Lei 30-G/2000, de 29/12, a aplicável ao caso “sub judice”).
Antes de mais, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
A categoria B dos rendimentos sujeitos a tributação em I.R.S. goza actualmente de uma característica especial que consiste no seu carácter predominante, relativamente aos rendimentos de qualquer outra categoria. Até à reforma operada em 2000 (cfr.citada Lei 30-G/2000, de 29/12), os rendimentos profissionais não tinham a característica da preponderância, pelo que, mesmo que obtidos no desenvolvimento de uma actividade profissional não se tornavam rendimentos de categoria B, antes sendo tributados como rendimentos da categoria a que, pela natureza, correspondessem (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/11/2011, proc.3130/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9043/15; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.169 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.85 e seg.).
A categoria B englobava os rendimentos do trabalho independente, considerando-se como tal os auferidos, por conta própria, no exercício de actividades de carácter científico, artístico ou técnico e os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário (cfr.artº.3, nº.1, do C.I.R.S., vigente em 2000). Consideravam-se ainda rendimentos de trabalho independente os auferidos no exercício, por conta própria, de uma actividade exclusivamente de prestação de serviços não compreendida noutras categorias, sempre que o sujeito passivo não tenha nenhum empregado ou colaborador ao seu serviço (cfr. artº.3, nº.4, do C.I.R.S., vigente em 2000).
Ora, considerando que os valores em causa foram efectivamente recebidos pelo impugnante/recorrido, a título de reembolso de despesas (cfr.nº.12 do probatório), pelas suas deslocações para arbitrar jogos, não se nos afigura que os mesmos possam ser enquadrados como rendimentos da categoria B e, nessa medida, sujeitos a tributação.
Refere o apelante que o C.I.R.S., nomeadamente o seu artº.107, nº.1, al.a), na redacção em vigor à data, impunha a obrigação de passar recibo, em impresso de modelo oficial, de todas as importâncias recebidas, ainda que a título de provisão, adiantamento ou reembolso de despesas. O que significa que a emissão dos recibos não se encontra condicionada pela sua solicitação, ou não, por parte da entidade pagadora dos rendimentos. A emissão do respectivo recibo resulta da lei, que o impõe. E é igualmente certo que a circunstância de a entidade pagadora dos rendimentos não cumprir com as suas obrigações fiscais, nomeadamente, não comunicando os rendimentos pagos aos seus colaboradores e não solicitando a emissão dos respectivos recibos, não desonera os contribuintes de cumprir com as suas obrigações fiscais. Ou seja, o incumprimento da lei por parte da entidade pagadora dos valores - neste caso a Federação de Andebol de Portugal - não legitima o incumprimento da lei por parte do impugnante/recorrido, nem de qualquer outro contribuinte.
Porém, cumpre sublinhar, com o Tribunal “a quo”, que as obrigações em causa são de natureza declarativa, ou seja, obrigações acessórias e não obrigações de pagamento de imposto. O que significa que dessa obrigação acessória não decorre, de “per si”, a obrigação de pagar imposto. A obrigação de pagamento de imposto resulta, apenas e só, do enquadramento dos valores recebidos na respectiva norma de incidência tributária, neste caso, no artº.3, do C.I.R.S.
Importa recordar que o objecto do imposto corresponde à manifestação, em concreto, da realidade económica que é alvo de tributação. Trata-se de um facto representativo de riqueza e sobre o qual o legislador fará impender o facto tributário. Assim, por exemplo, o objecto do IRS é o rendimento sobre o qual incide o imposto, isto é, a manifestação de capacidade contributiva sobre a qual a lei faz recair a tributação (cfr.Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, Volume I, Lisboa, 1974, pág.250 e seg.).
Portanto, o facto tributário - a sua expressão material - assume-se como um instrumento de concretização do princípio da capacidade contributiva, que por isso constitui o pilar da tributação, devendo os impostos, nessa medida, incidir sobre manifestações de riqueza que reflictam a real capacidade económica do contribuinte, realidades que se possam reconduzir sinteticamente ao rendimento (de acordo com a citada teoria do rendimento-acréscimo).
Ora, tendo em consideração a noção de facto tributário e os princípios da capacidade contributiva e da justiça, face à matéria de facto assente, que nos diz que o valor pago ao impugnante/recorrido teve como fim o reembolso de despesas por aquele efectuadas em deslocações para arbitrar jogos de andebol no território nacional, resulta com mediana clareza que não obteve o mesmo o rendimento-acréscimo que o C.I.R.S. exige para efeitos de tributação. Não se podendo por isso afirmar que o impugnante/recorrido obteve um incremento patrimonial susceptível de tributação, assim não sendo enquadráveis tais montantes na norma de incidência constante do citado artº.3, do C.I.R.S., na redacção em vigor à data.
Por último, recorde-se que competia à A. Fiscal o ónus de prova da existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito, nos termos do artº.74, nº.1, da L.G.T.
Consequentemente, o acto tributário de liquidação sindicado padece do vício de violação de lei, devendo ser anulado e o impugnante/recorrido ressarcido de qualquer quantia desembolsada, tudo conforme decidiu o Tribunal “a quo”, desnecessário se tornando o apelo (de cariz subsidiário) ao artº.100, do C.P.P.T.
Por último, sempre se dirá que a sentença recorrida não viola o disposto nos artºs.3, 66, 96, 107 e 114, todos do C.I.R.S.
Arrematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 30 de Novembro de 2017



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)