Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8675/15.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:10/31/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IRC; CUSTOS DEDUTÍVEIS; PARTILHA, MENOS-VALIAS; EMPRÉSTIMO BANCÁRIO; INDISPENSABILIDADE.
Sumário:1. Se a AT, no contexto factual relatado, não toma como fiável e credível o valor resultante da partilha de sociedade participada, com base no qual se gerou a menos valia contabilizada pela impugnante, a correcção não pode apoiar-se na falta dos requisitos de comprovação e indispensabilidade, previstos no art.º23.º do CIRC.
2. Tal situação factual subsume-se à eventual existência de “indícios fundados” de que o valor resultante da partilha da sociedade liquidada não tem aderência à realidade (art.º78.º do CPT).
3. À luz do art.º23º do CIRC, são de considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma SGPS e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas participadas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela sociedade “U….. P…… SGPS, Lda.” contra a liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios n.º1998 8310011..., relativa ao exercício de 1993, no montante de Esc.78.043.690$00.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (cf. despacho a fls.463).

Em seguimento, o Recorrente juntou alegações, que termina com as seguintes conclusões:
«
4. Conclusões

4.1. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou parcialmente procedente a Impugnação judicial, intentada pela ora recorrida contra a liquidação adicional de IRC, derrama e Juros compensatórios, com o n.0 980 183 100 11…, do exercício de 1993, e de montante total de 78.043.690$00, na parte que resultou de correcções relativas a menos valia fiscal no montante de 1.726.753.604$00, à não consideração de custos no montante de 20.000.000$00, à não contabilização de proveitos, no valor de 85.772.265$00 e à não consideração custos fiscais de juros e imposto de selo suportados pela impugnante no montante de 97.883.519$00.

4.2. O Ilustre Tribunal "a quo" julgou parcialmente o impugnação, anulando a liquidação adicional impugnada na parte que resultou da correcção do montante de 1.726.753.604$00, decorrente da não aceitação como custo fiscal de menos valia, bem como na parte relativa à correcção resultante da desconsideração como custo fiscal da quantia de 97.883.519$00, relativa a juros e imposto de selo.

4.3. Entendeu o Tribunal "a quo", em síntese, e no que diz respeito à não aceitação pela Administração Tributária, enquanto custo fiscalmente dedutível, da menos valia fiscal contabilizada pela impugnante, que dos factos resultou provado que as operações relativas à liquidação das sociedades participadas pela impugnante tiveram em vista um fim económico de optimização dos resultados e diminuição de custos. Assentou este seu entendimento num aresto do Tribunal Central Administrativo, proferido em 31/01/2013, no âmbito do processo n.º 05097/11, em que estava em causa questão idêntica.

4.4. Mais considerou o Ilustre Tribunal "a quo" que, do ponto de vista jurídico "... o trespasse era mesmo a única hipótese de garantir a manutenção dos contratos de arrendamento dos estabelecimentos das sociedades liquidadas, já que, a não ser assim, com a liquidação das arrendatárias, extinguir-se-iam tais contratos".

4.5. No que a esta última consideração colhida pelo Tribunal a quo diz respeito, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, o Ilustre Tribunal não poderia concluir que, no caso, o trespasse era a única hipótese de garantia a manutenção dos contrato de arrendamento, caso em que se extinguir­se-iam com a extinção das sociedades arrendatárias.

4.6. Não existe nos autos qualquer elemento que permita aferir os termos por que se regeram os contratos de arrendamento em questão, conforme, aliás, se pode aferir através da leitura dos factos tidos por assentes no aresto ora em apreciação, a fim de se aferir se em tais contratos der arrendamento, em verdade, caducariam com a extinção das sociedades participadas da impugnante, ou se haveria alguma declaração expressa pelos senhorios e arrendatárias em sentido contrário, conforme o disposto na ai. d) do artigo 1051.0 do Código Civil.

4.7. Por isso, não se pode concluir, sem mais, que com a extinção das sociedades participadas da impugnante acarretaria a caducidade dos citados contratos de arrendamento e que, consequentemente, o trespasse dos estabelecimentos comerciais seriam a única hipótese para a manutenção dos contratos de arrendamento em questão.

Posto isto,

4.8. Entenderam os Serviços de lnspecção Tributária que, no apuramento da menos valia em questão, não se vislumbraram razões económicas válidas para o seu reconhecimento como tal, devido ao facto de, praticamente em simultâneo, se realizar um aumento de capital da U……. F……, S.A. com entradas em espécie às quais tinha sido atribuído um valor global de 2.268.000.000$00, sendo que da dissolução das sociedades participadas foi atribuído um valor de 532.728.402$00 às ditas sociedades.

4.9. Com o trespasse dos referidos estabelecimentos comerciais operou-se a transmissão da propriedade de quase a totalidade do património das referidas sociedades, sobejando apenas um direito de crédito sobre a sociedade U..... F....., S.A. e três imóveis.

4.10. Ou seja, praticamente todo o valor real das citadas sociedades participadas foi transferido para a U..... F....., S.A. com os referidos trespasses, deles resultando uma diferença entre o real valor das acções que contribuíram para o aumento de capital da U..... F....., S.A. e o valor dos trespasses, não se vislumbrando, por isso, qualquer razão plausível para o discrepante diferença dos valores em questão.

4.11. E apesar da impugnante invocar o disposto no artigo 66.º do CIRC para justificar a diferença de valores entre a avaliação das sociedades e o resultado da partilha - ou seja, a menos valia apurada - refira-se que à data da partilha das sociedades, estas já se encontravam desprovidas do invocado "g......" - o "g......" foi transferido aquando dos trespasses. Ou seja, nunca os activos que concorreram para a partilha poderiam, isoladamente, gerar um "g......".

4.12. Conclui-se, assim, que a menos valia apurada com a dissolução e partilha das citadas sociedades não é real, uma vez que os valores a partir dos quais se procedeu ao seu apuramento encontravam se viciados.

4.13. Não há dúvida de que não existem razões válidas para os respectivos trespasses terem sido efectuados por valores muito inferiores aos valores atribuídos às acções representativas da totalidade do capital social daquelas empresas, um dia antes dos referidos trespasses, sendo que o "goodwill" existente, mas não contabilisticamente relevado como tal, no momento da aquisição das acções das referidas empresas, não desapareceu com a dissolução das mesmas, antes se manteve face à aquisição daqueles trespasses . Do resultado da partilha não poderia, em tais condições, resultar o apuramento de qualquer menos valia.

4.14. Bem andou a lnspecção Tributária ao não aceitar como custo fiscalmente relevante, nos termos e para os efeitos constantes do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, da hipotética menos valia apurada pela impugnante, pois tal menos valia, efectivamente, nunca existiu.

4.15. E, note-se, que a administração tributária, logo na conclusão da fase inspectiva, demonstrou que tal menos valia nunca se verificou- vd. o relatório dos Serviços de lnspecção Tributária, ao invés da impugnante que, em momento algum, conseguiu demonstrar,
É certo que a impugnante alegou que as operações em causa tiveram na sua origem predominantemente económicas, tendo como objectivo a concentração de três empresas (todas elas com o mesmo objecto social), com vista à optimização de recursos e redução de custos. No entanto, em momento algum logrou demonstrar, factualmente, a tradução de tais operações como vantagens na persecução do seu fim societário. Sendo certo que a Administração Tributária - justificadamente e fundamentadamente - suscitou oportunamente a dúvida acerca da existência de uma real menos valia, e, a esta existir, a sua relevância económica para a impugnante, a fim de se determinar indispensabilidade da mesma para efeitos do disposto no artigo 23.º do CIRC.

4.17 A impugnante, salvo sempre melhor opinião, não demonstrou, com factos e no momento próprio, em que é que tais operações económicas levariam à redução de custos administrativos, à melhoria da imagem da U......, a melhores condições na obtenção de financiamentos, etc.

4.18 Ónus este que impendia sobre a impugnante, após a Administração Tributária, justificada e fundamentadamente, ter sobre a congruência económica das operações em questão. Neste mesmo sentido se pronunciou o T.C.A. do Sul, no seu Acórdão de 27-03-2012, proferido pela 2.ª Secção do Contencioso Tributário no âmbito do processo n.º 05312/12.

4.19. E com esta oneração de alegação e prova do contribuinte não esta a Administração Tributária a intrometer-se na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte: o contribuinte, dentro dos limites da lei, opta pelas soluções de gestão empresarial que melhor lhe aprouverem; apenas e tão só tais opções adoptadas pelos contribuintes têm determinadas consequências fiscais, legalmente determinadas, que a Administração Tributária, vinculada ao princípio da legalidade na sua actuação, sanciona.

Ademais,

4.20. Considerou o Tribunal a quo, na decisão ora em crise, e no que respeita aos juros e imposto de selo suportados pela impugnante pelo descoberto bancário, no montante de 97.883.519$00, e à sua desconsideração como custo fiscalmente relevante para efeitos do disposto no n.º1 do artigo 23.º do CIRC, pela Administração Tributária, que tal montante deveria ter sido considerado como custo pela Administração Tributária, nos termos do artigo 23.º do CIRC. E pelas mesmas razões por si explanadas relativamente à menos valia resultante da liquidação das três sociedades participadas.

4.21. Considerou o Tribunal a quo que "a opção da Impugnante por contrair, em seu nome, empréstimos bancários, ou manter descobertos bancários com o fim de financiar a actividade das suas participadas é opção de gestão empresarial que não pode ser sujeita à ingerência da Administração Tributária".

4.22. Constatou a lnspecção Tributária que a Impugnante está a recorrer a crédito bancário para financiamento de outras empresas, suportando esta os respectivos encargos financeiros sem que apresente a contrapartida de tais custos.

4.23. É certo que o regime jurídico das SGPS's permite a este tipo de sociedades conceder crédito, conforme se pode aferir pela leitura da al. f) do n.º1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro. No entanto, de tal preceito legal não resulta a permissão para serem suportados custos em seu nome, por conta das empresas participadas, ou seja, não existe qualquer autorização legal para que sejam suportados custos que devam ser contabilística e fiscalmente reconhecidos na esfera jurídica de uma outra entidade.

4.24. E não se diga, como alega a impugnante, que os custos por si incorridos e que possam vir resultar proveitos nas participadas, que posteriormente e de uma forma indirecta contribuam para o aumento do valor das suas participações e dos resultados dela decorrentes.
É que o rendimento esperado pela concessão de crédito às participadas, deve ser tratado como rendimento de capitais e não como lucros distribuídos pelas participadas à SGPS.

4.25. Constata-se, pelo quadro factual existente, no que ao caso concerne que a impugnante estaria a financiar gratuitamente as suas participadas com o recurso a crédito bancário por si obtido, não sendo, por isso, de considerar os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários fiscalmente relevantes para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

4.26. Neste mesmo sentido veja-se o Acórdão do Supremo tribunal Administrativo, de 30-11-2011, proferido no âmbito do processo n.º0107/11, onde se lê no seu sumário que "à luz do art. 23° do CIRC, não se pode considerar como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos por uma sociedade e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas associadas.".

4.27. Pelo exposto, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice.

Nestes termos,

4.28. Com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.
Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»

A Recorrida contra-alegou, tendo concluído nos termos de fls.520/521, que aqui se dão por reproduzidos.

Remetidos os autos ao STA, por decisão sumária do Exmo. Senhor Conselheiro-Relator, a fls.543/553 dos autos, foi aquele alto tribunal julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, tendo-se ordenado a remessa dos autos ao TCA Sul por ser o tribunal competente.

Neste tribunal, foram os autos com vista ao Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto que emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais, e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), são estas as questões que importa resolver: (i) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao concluir que as operações ligadas à dissolução e partilha das sociedades participadas e que estiveram na génese das menos-valias corrigidas são fiscalmente dedutíveis; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao não validar a correcção da AT resultante da desconsideração como custo fiscal da quantia de Esc. 97.883.519$00, relativa a juros e imposto de selo.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância, deixou-se consignado em sede factual:
«
Com relevância para a decisão, julgam-se provados os seguintes factos:

A. Com base em correcções efectuadas pelos Serviços de lnspecção, no âmbito de acção de inspecção à Impugnante, relativa ao ano de 1993, a Administração Tributária procedeu, em 13 de Agosto de 1998, à liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios relativamente ao lucro consolidado da Impugnante do ano de 1993, no montante total de Esc.:78 843 690$00- cfr. fls. 22 e ss.;
B. As correcções referidas em A, na parte impugnada, resultaram de os Serviços de Inspecção Tributária terem concluído que não constitui menos valia fiscal a quantia de Esc.1 726 753 604$00, resultante da liquidação de três sociedades detidas pela Impugnante; que não são custos indispensáveis para a formação do lucro tributável da Impugnante os respeitantes a duas facturas no montante de Esc.: 10 200 000$00 e Esc. 9 800 000$00, emitidas pela sociedade C….. S…., Limited, com sede em Gibraltar; que houve omissão de proveitos por não ter sido contabilizada, no ano de 1993, a quantia de Esc.85 772 265$00, facturada nesse ano, resultante da prestação de serviços pela Impugnante às sociedades G...... e I....., SA, M..... P....., SA, e M..... M..... e B...., SA, e, ainda, que não pode considerar-se como custo do exercício da Impugnante a importância de €97 883 519,00, correspondente ao pagamento de juros e imposto de selo referentes a um descoberto bancário utilizado para conceder crédito às sociedades participadas - cfr. Relatório de fls. 24 e ss;
C. Em 14 de Dezembro de 1992, em assembleia-geral da sociedade denominada S.I.B.T. - S.I.B.T., SA, de que a Impugnante era única accionista, foi deliberado alterar a denominação social para U......- F….., S.A., e proceder ao aumento de capital de Esc.5 000 000$00 para Esc.500 000 000$00, através de contribuições em espécie, mediante a entrada para o capital da U...... - F….. de acções representativas da totalidade do capital de G….. e I…., SA, M… P…., SA e. M…. M…. e B…., SA, avaliadas, na sua totalidade, em Esc.2 268. 000 000$00 - cfr. fls. 110;
D. Na assembleia-geral referida em C, foi, ainda, deliberado que U...... – F….., SA, tomaria de trespasse os estabelecimentos comerciais das sociedades referidas em C, pelos seguintes valores:
Esc.261 000 000$00, relativamente ao estabelecimento comercial da sociedade G…., I…., SA, sito no Porto, na Rua S….., n° …, rés-do-chão, 1° andar e 2° andar, e na Rua P……., n°s … e 40 e na Rua J…….., nºs …- 157, Esc. 214 000 000$00, relativamente ao estabelecimento comercial da sociedade M…., M…. e B…., SA, sito em Aveiro, na Rua C……., n° 6…, Esc. 110 000 000$00, relativamente ao estabelecimento comercial da sociedade M…. P….., SA, sito no Porto, na Rua de C….., n° 10…, cave, rés­ do-chão e sobreloja- cfr. fls. 115;
E. Em 29 de Dezembro de 1992, foi outorgada escritura notarial de alteração da denominação social de S.I.B.T. - S.I.B.T., SA, para U......- F......., SA, e de aumento de capital da mesma sociedade de Esc.:5 000 000$00 para Esc.:500 000 000$00, realizado em espécie, por transferência para o seu capital das participações sociais de G......, I......, SA, M..... P....., SA, e M..... M..... e B......, SA - cfr. fls. 118 e ss.;
F. Em 29 de Dezembro de 1992, foi outorgada escritura notarial de trespasse para U......- F......., SA, do estabelecimento comercial de G......, I......, SA, sito no Porto, na Rua S......, n° 11..., rés do chão, 1° andar e andar, e na Rua P……, n°s … e 40 e na RUA J….., n°s … a 157, pelo preço de 261 000 000$00- cfr. fls. 125;
G. Na mesma data referida em F, foi outorgada escritura notarial de trespasse para U...... - F......., SA, do estabelecimento comercial de M...., M.... & B...., SA, sito em Aveiro, na Rua C………, n° 64, e em duas garagens sitas na R. Eng.º V….. – pelo preço de Esc.: 214 000 000$00- cfr. fls. 133;
H. Na mesma data referida em F e em G, foi outorgada escritura notarial de trespasse para U...... - F......., SA, do estabelecimento comercial de M..... P...., SA, sito no Porto, na Rua de C…. n°s … a 103, cave, rés- do­ chão e sub/loja, pelo preço de Esc.:110 000 000$00 - cfr. fls. 139;
I. Em 29 de Dezembro de 1992, em Assembleia-Geral de cada uma das sociedades referidas em G, sempre na presença do notário do 6° Cartório Notarial de Lisboa, foi deliberada a dissolução das mesmas- cfr. fls. 145 a 153;
J. A Impugnante reportou a liquidação das três sociedades referidas em G a 31 de Dezembro de 1993 - Facto não controvertido (art. 16° da P.I. e Relatório da Inspecção);
K. A Impugnante contabilizou como "trabalhos especializados" duas facturas nos montantes de Esc.:10 200 000$00 e Esc.9 800 000$00, emitidas pela sociedade C….. S…. S…., Limited, com sede em Gibraltar, em 30 de Junho de 1993 e em 7 de Julho de 1993, respectivamente – cfr. fls. 88 a 92;
L. Na factura de 30 de Junho de 1993, descrevem-se os serviços prestados nos seguintes termos:
«Honorários administrativos pela análise das operações da MP, DG, e MMB e as consequentes recomendações cobrindo as seguintes áreas:
GERAL:
Organização Interna
Comunlcação interna lnformação administrativa
OPERACIONAL
Procedimentos de armazém
Controlo de stocks/níveis/margem de produtos
Centralização de compras
Serviços de qualidade
MARKETING/ VENDAS
Organização de vendas
Vendas/cobertura das farmácias»- cfr. fls. 89 e 90;

M. Na factura de 7 de Julho de 1993, descrevem-se os serviços prestados nos seguintes termos:
«Honorários referentes aos seguintes serviços:
Estudo da procura de mercado em compras de farmácia a armazenistas do Norte de Portugal
Atitude
Grau de satisfação
Razões da escolha dos armazenistas
Relatório da "situação das f…… em Portugal- L…., económica e financeira» - cfr. fls. 91 e 92;

N. A Impugnante emitiu, em 29 de Outubro de 1993, três facturas, no montante total de Esc.85.772.265$00, respeitantes a honorários por serviços técnicos de administração e gestão prestados a G….., I….., SA, M…. P…., SA, e M…. M…. & B…., SA- cfr. fls.66 a 68;
O. A Impugnante não contabilizou em 1993, como proveitos, a quantia referida em N – facto admitido no art.º48° da P.I.;
P. A Impugnante contabilizou como custos fiscais do exercício de 93 a quantia de Esc.:97 883 519$00, relativa a juros e imposto do selo de descoberto bancário por si mantido e usado para financiar as suas participadas - facto admitido, cfr. arts. 61° a 68 da P.I.;
Q. Os Serviços de lnspecção Tributária notificaram a ora Impugnante, por ofício entregue em mão própria, no decurso da acção de inspecção referida em A, para, em 48 horas, apresentarem "cópia das evidências criadas quanto ao processo relativo aos estudos, relatórios e pareceres desenrolados em torno das operações de organização funcional das empresas M…. P…., Drogaria G….. e M….. M…. e B…. enquanto integradas na U..... F....., Lda., referidas como constituindo os serviços indicados" nas facturas referidas em K - cfr. fls. 95;
R. Em resposta à notificação referida em Q, informou a Impugnante de que não encontrou estudos, relatórios ou pareceres nos arquivos em Portugal e de que, até então, não conseguiu obter resposta de Inglaterra à solicitação de tais elementos - cfr. fls. 95.
*
Não resultou provado que a Impugnante contabilizou, no ano de 1992, como proveitos, a quantia de Esc.85 772 265$00 respeitante a honorários por serviços técnicos de administração e gestão prestados a G......, I......, SA, , SA, M..... P...., SA, e M…. M…. & B…., SA, já que nenhum documento contabilístico relativo a 1992 foi junto aos autos, tratando-se, como se trata, de facto sujeito a prova documental.
Tratando-se de facto sujeito a prova documental, que não foi produzida, não pode considerar-se relevante, para efeito de prova, o que sobre tal facto foi dito pelas testemunhas.
Não resultou, igualmente, provado que o valor de Esc.:20 000 000$00, constante das duas facturas referidas em K corresponda a custos indispensáveis para a formação do lucro tributável da Impugnante.
De uma e de outra factura constam referências vagas a prestações de serviços no campo da organização administrativa e operacional e no da prospecção de mercado farmacêutico, mas sem que de tais referências possa concluir-se que serviços foram prestados, quando e junto de que entidades, acrescendo que, confrontadas com tais facturas, souberam as testemunhas dizer, apenas, que podem corresponder a trabalhos realizados porque, à data, havia muitos estrangeiros a trabalhar para a Impugnante.
Notificada a Impugnante para juntar estudos ou relatórios emitidos no âmbito das prestações de serviços aludidas em tais facturas ou outras evidências da prestação dos serviços, não procedeu à junção de qualquer elemento relativo a tais serviços.
*

O julgamento da matéria de facto assenta nos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada alínea, e do depoimento das testemunhas, relativamente aos factos julgados provados, e na ausência de elementos escritos, ou prova testemunhal bastante, relativamente ao alegado custo por pagamento de Esc.20 000 000$00 à empresa com sede em Gibraltar, e na ausência de documento contabilístico de onde conste a contabilização, em 1992, do proveito obtido no montante de Esc.85 772 265$00

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como ressalta das alegações e seu quadro conclusivo, o Recorrente pretende sindicar o julgado quanto a duas correcções reflectidas na liquidação impugnada, que a sentença recorrida não validou.

A primeira dessas correcções refere-se à menos valia fiscal contabilizada pela U..... F....., S.A. em resultado da liquidação e partilha de sociedades participadas, salientando-se que o art.º67.º, n.º2 alínea b), do CIRC (na redacção anterior à revisão do articulado, efectuada pelo DL 198/2001, de 3 de Julho) qualificava como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade.

Com efeito e em síntese, ilustram o probatório e os autos que conforme deliberação social de 14/12/1992 a U..... F....., S.A., cujo único accionista é a U...... P…., SGPS, S.A., procedeu a um aumento de capital de Esc.5.000.000$00 para Esc.500.000.000$00, realizado por entradas em espécie, com a contribuição da totalidade das acções representativas do capital de três sociedades: “G….. e I…., S.A.”, “M…. P…., S.A.” e “M…. M…. e B…., S.A.”, à data avaliadas no seu conjunto por R.O.C. independente em Esc.2.268.000.000$00.

Foi ainda deliberado que a U..... F....., S.A. tomaria de trespasse três estabelecimentos comerciais, pertencentes a cada uma das referidas sociedades, G….. e I…., S.A.”, “M….. P…., S.A.” e “M…. M….. e B…., S.A.”, operação para que viria a ser fixado o valor de Esc.585.000.000$00 no seu conjunto.

A escritura do acima referido aumento de capital de Esc.5.000.000$00 para Esc.500.000.000$00 realizou-se em 29/12/1992, tendo sido contabilizado o valor de Esc.495.000.000$00 como “Capital social” e o valor remanescente de Esc.1.773.000.000$00, na rubrica “Prémios de emissão de acções”.

Nesse mesmo dia 29/12/1992 foi realizada a escritura de trespasse dos três estabelecimentos comerciais e deliberado pelas sociedades trespassantes a respectiva dissolução.

O resultado da partilha (532.728.402$00), abatido do valor das entradas em espécie (2.268.000.000$00), originou para a sociedade U..... F....., S.A. uma menos valia, contabilizada no ano de 1993, de Esc.1.735.271.598$00, corrigida em Esc.1.726.753.604$00 (depois de deduzido o valor de Esc.8.517.994$00 “por ter sido reconhecido em 1993 um proveito diferido respeitante ao registo contabilístico das transferências patrimoniais resultantes dos trespasses”) – cf. Relatório de Inspecção Tributária a fls.39/40 do PA e informação da AT a fls.16 do PA.

Pois bem, com base nos factos descritos, concluiu a AT no RIT, a fls.40 do apenso PA, que “não é de aceitar a menos valia apurada no montante de Esc.1.726.753.604$00 nos termos do art.º23.º do CIRC por não se verificarem razões económicas válidas para o seu reconhecimento como tal, derivado do facto de praticamente em simultâneo se realizar o aumento de capital da U..... F....., S.A. com entradas em espécie às quais tinha sido atribuído um valor global de 2.268.000.000$00 e se deliberar a dissolução dessas mesmas sociedades, atribuindo-lhes um valor de 532.728.402$00 (…)”, realçando que os trespasses significaram a transferência da totalidade do património das empresas trespassantes, pelo que as mesmas deixaram de ter qualquer actividade operacional, ficando esvaziadas do seu objecto social e impossibilitadas de atingir os seus fins económicos o que justificou a deliberação social da sua dissolução, lembrando tratarem-se dos mesmos intervenientes e que todas as operações se concretizaram praticamente na mesma altura.

Que dizer?

Como refere Rui Duarte Morais, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, Nov./2007, a pág.79, “A noção de custos aparece-nos no n.º1 do art.º23.º do Código do IRC, na forma de uma verdadeira cláusula geral: serão aceites, como tal, para efeitos fiscais, os constantes da contabilidade, desde que comprovados e indispensáveis”.

Como já então decorria do n.º3 alínea a) do art.º98.º do CIRC, os lançamentos contabilísticos apoiam-se em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário, tratando-se tais documentos, regra geral, de facturas ou documentos equivalentes (documento equivalente a factura é o documento de suporte que substitui a factura nas operações económicas realizadas com sujeitos passivos que não estão obrigados a facturar).

Ora, quer as operações de entrada de capital em espécie, quer as operações de trespasse contabilizadas, estão documentadas nos autos através das escrituras de reforço de capital da U..... F....., S.A. e de trespasse dos estabelecimentos comerciais das sociedades G….. e I…., SA, M…. P…, SA e M…. M….. e B…., SA., e das actas da reunião social em que foi deliberada a dissolução de cada uma destas três sociedades.

Por outro lado, quanto à indispensabilidade dos custos, pode ler-se no Acórdão do Pleno da Secção do CT do STA, de 06/27/2018, tirado no proc.º01402/17, o seguinte:
«…como vem afirmando a doutrina de referência (António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa e Tomás de Castro Tavares, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, págs. 7 a 180) e também a mais significativa jurisprudência, o conceito a que se reporta o artº 23º do CIRC tem sido ligado aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário.
Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados.
Como ficou exarado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.06.2017, proferido no recurso 627/16, «no entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
Assim, um custo ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos)» - neste sentido vide também os Acórdãos Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 2011, recurso n.º 107/11, e de 24.09.2014, recurso 779/12.» (fim de citação).

Nesta linha de entendimento, tendo em conta aquele conceito (amplo) de indispensabilidade do art.º23.° do CIRC, os custos em causa – menos valias correspondentes à diferença entre o valor das entradas em espécie no capital social e o resultado da liquidação e partilha das sociedades contribuidoras – sempre terão de ser considerados indispensáveis à obtenção dos proveitos, uma vez que se inscrevem no âmbito da actividade da sociedade que os contabilizou, a U..... F....., S.A.

Como assim, as condições de que o art.º23.º do CIRC faz depender a relevância fiscal do custo (comprovação e indispensabilidade), têm-se por verificadas.

E já por aqui se entrevê que a AT, do ponto de vista jurídico, não enquadrou correctamente a correcção quando a sustentou genericamente na falta de requisitos de que o art.º23.º do CIRC faz depender a dedutibilidade dos custos incorridos, nomeadamente, com “menos valias realizadas” (alínea i)).

E tanto bastaria para que a correcção não pudesse ser por nós validada, por inquinada de manifesto erro nos pressupostos de direito.

No entanto, sempre importará realçar que salta à evidência do RIT (e das informações a jusante prestadas pela AT) que a razão de ser da não-aceitação do custo contabilizado com a menos valia assenta na falta de credibilidade do valor resultante da liquidação e partilha das sociedades G….. e I…., SA, e M..... M..... e B..... , SA., (Esc.532.728.402$00) face ao valor por que, dias antes, as acções representativas da totalidade do capital destas três sociedades serviram de entradas em espécie no aumento de capital da sociedade U..... F....., S.A. (Esc.2.268.000.000$00), sobretudo tendo em consideração que o valor da partilha resultou praticamente das operações de trespasse dos estabelecimentos comerciais que praticamente constituíam a universalidade dos bens de cada uma das sociedades trespassantes que (por isso mesmo) viriam a ser liquidadas pelo já então único accionista, a dita sociedade U..... F....., S.A.

Se não, atente-se nesta passagem da informação sancionada por despacho Sr. Director de Finanças de 28/01/2004 (consta a fls.226 dos autos): «Pelas evidências, não há dúvida de que não existem razões economicamente válidas para os respectivos trespasses (que como a própria impugnante afirma, se traduziram na transferência total da actividade das respectivas empresas) terem sido realizados por valores muito inferiores aos valores atribuídos às acções representativas da totalidade do capital social daquelas empresas, um dia antes dos referidos trespasses».

Ora, a constatação de situações como a descrita não podem ser corrigidas pela AT afastando a comprovação e/ ou a indispensabilidade do custo ou da perda, posto que esses requisitos de dedutibilidade, exigidos no art.º23.º do CIRC, não deixam de se verificar.

O que se passa é que a AT, no contexto factual relatado, não aceita como credível o valor resultante da partilha, com base no qual se gerou a menos valia contabilizada pela U..... F....., S.A..

Ao tempo, dispunha o art.º78.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo DL 154/91, de 23 de Abril: «Quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».

Pois bem, se a AT entendia que o quadro factual com que se deparou evidenciava existirem indícios fundados de que os valores escriturados e declarados das operações económicas (entradas de capital/trespasses/ partilha) não tinham aderência à realidade, o caminho certo a trilhar era proceder à correcção por este fundamento e proceder ao apuramento da matéria tributável segundo os métodos de quantificação que a lei põe ao seu dispor – cf. artigos 80.º a 82.º do CPT.

Não tendo seguido este procedimento correctivo, antes tendo desconsiderado fiscalmente a menos valia por falta dos requisitos previstos no art.º23.º do Código do IRC, a correcção enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, não se podendo manter na ordem jurídica, como decidido pelo tribunal a quo, embora com os fundamentos agora adiantados.

Quanto à correcção do montante de 97.883.519$00, relativo a juros e respectivo imposto de selo suportados e contabilizados pela sociedade impugnante (U...... P….. – SGPS) relata a AT que “constata-se que a U...... P….. – SGPS está a recorrer ao crédito bancário para financiar outras empresas, suportando esta os respectivos encargos financeiros sem que apresente a contrapartida de tais custos. Desta forma, corrige-se o montante em questão por infringir o disposto no art.º23.º do CIRC” (cf. RIT, fls.26 dos autos).

A alínea c) do art.º23.º do CIRC considera como gastos passíveis de serem aceites fiscalmente “os de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso”.

Da leitura deste preceito e da sua sistematização tem desde logo de concluir-se que tais gastos terão de ser utilizados na prossecução do objecto societário e/ou manutenção da fonte produtora do próprio contribuinte e não de outras sociedades, ainda que de sociedades participadas se tratem, as quais mantêm autonomia como sujeitos passivos do IRC.

É essa a orientação preconizada pela jurisprudência estabilizada do STA que vai no sentido de considerar indispensável todo o gasto decorrente da gestão realizado na prossecução do objecto societário, excluindo-se assim todo o gasto que seja estranho a tal prossecução.

Aceitando o conceito de indispensabilidade assim caracterizado, havemos de convir, como se refere no Acórdão do STA, de 20/5/2009, tirado no proc.º 01077/08 (que versou sobre situação idêntica à dos presentes autos) que daquele art.º23.º do CIRC resulta que «… os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.
A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.»

Ora, no caso vertente, a impugnante e ora Recorrida tem por objecto imediato a gestão de participações sociais de empresas ligadas ao comércio de medicamentos. E as quantias em questão correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela Recorrida e aplicados no financiamento gratuito de sociedades suas participadas, à data (1993), as sociedades G…. e I…., S.A., M..... M..... e B..... , S.A., M..... P...., SA, , S.A. e a U..... F....., S.A (cf. informação/despacho a fls.183 do apenso PA).

Tais verbas estão, pois, directamente relacionadas com a actividade do sujeito passivo que é a gestão de participações sociais.

Nessa medida, estão em causa juros de capitais alheios (descoberto bancário), aplicados na própria exploração (i.e., gestão de participações sociais) e compreendidos como custos na alínea c) do art.º23º do CIRC.

E o próprio Regime Jurídico das Sociedades Gestoras de Participação Social, aprovado pelo DL 495/88, de 30 de Dezembro, no seu art.º5.º, n.º1 alínea f), na redacção então vigente, dispunha que às SGPS é vedado “conceder crédito, excepto às sociedades em que possuam a participação prevista no n.º2 do artigo 1.º, por meio de contratos de suprimento celebrados com estas sociedades ou de tomada de obrigações destas até percentagem igual à participação no capital”, sendo que, no caso, a impugnante se trata da única accionista das participadas, cumprindo o requisito exigido naquele n.º2 do art.º1.º, o que numa leitura a contrario sensu significa que preenche os pressupostos da excepção à regra geral da proibição de concessão de crédito.
De resto, a linha decisória do STA recentemente consolidada tem sido no sentido de que são dedutíveis os encargos financeiros suportados por uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) com empréstimos contraídos para financiamento de prestações gratuitas – acessórias, suplementares ou suprimentos – efectuadas a empresas suas participadas, não se antevendo razões económicas válidas para divergir dessa jurisprudência no caso dos autos, em que está em causa a concessão de empréstimos sem encargos a sociedades participadas (de que a impugnante é, ou era, accionista a 100%) – vd. Acórdãos de 21/02/2018 tirado no proc.º 0473/13; de 02/28/2018 tirado no proc.º01206/17.

Como assim, tem-se a questionada indispensabilidade dos juros e encargos contabilizados pela impugnante no montante de 97.883.519$00 como demonstrada.

Em suma, as verbas em causa constituem custos para efeitos fiscais e, assim sendo, a sentença recorrida também neste segmento não merece censura, sendo de manter na ordem jurídica.

O recurso também não logra provimento por este fundamento.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, sendo que está legalmente isenta (processo anterior a 2004, cf.fls.2).

Lisboa, 31 de Outubro de 2019

Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha