Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:789/08.9BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/24/2022
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRC; MÉTODOS INDIRECTOS; ÍNDICES DE ACTIVIDADE.
Sumário:Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

A… – P…, LDA, veio impugnar judicialmente o acto de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, relativo ao exercício de 2002, no montante de € 107.459,36

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 05 de Agosto de 2015, julgou improcedente a impugnação.

Não concordando com a sentença, a impugnante veio interpor recurso da mesma tendo, nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«1ª - Os elementos disponibilizados pela Recorrente à AT, quer durante o procedimento de inspecção, quer, mais tarde, no âmbito da Comissão de revisão da matéria colectável, eram suficientes para a AT apurar a sua matéria colectável, como, aliás, foram para a determinação da matéria colectável no exercício do ano 2000 (inspeccionado no âmbito do mesmo procedimento de inspecção).

2ª - Não estavam, pois, reunidos os pressupostos de determinação da matéria colectável por métodos indiciários, pelo que esta determinação está ferida de ilegalidade.

3ª - O índice de rentabilidade fiscal aplicado pela AT é do exclusivo conhecimento desta, apenas constando do sistema informático da própria DGCI, não constando de uma norma devidamente publicada e do conhecimento público.

4ª - Carece, assim, de toda e qualquer fundamentação, a determinação e utilização desses índices, fundamentação essa obrigatória conforme resulta é entendimento unânime da melhor jurisprudência.

5ª - Esta falta de fundamentação determina, de forma indiscutível, a ilegalidade da utilização desse índice e a consequente determinação da matéria colectável da Recorrente.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Entre 6/1/2004 e 16/6/2004 foi realizada pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças de Leiria, uma ação inspetiva à impugnante em sede de IVA, IRC e IRS aos exercícios de 2000, 2001 e 2002, em cumprimento da ordem de serviço n.º 6…, cuja motivação derivou do apuramento em sede de inspecções realizadas a clientes da impugnante de que a mesma não entregou as declarações de rendimentos Mod. 22, as declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos exercícios de 1999, 2000, 2001 e 2002 e as declarações periódicas de IVA de 02/05 e 02/06 (cf. relatório de inspecção a fls. 75 dos autos em suporte de papel).

2. Em 18/06/2004, em resultado da ação inspetiva identificada no ponto anterior foi emitido o respetivo relatório final, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (constante de fls. 75 a 86 dos autos em suporte de papel).

3. No relatório final identificado no ponto anterior, refere-se, além do mais, o seguinte (cf. fls. 75 e seguintes do PAT):

“ (…)
















































































(…)”

4. Em 28/6/2004 foi proferido despacho pelo director de finanças, em concordância com o conteúdo do relatório da ação inspectiva descrito no ponto anterior (3), no qual foi determinada a correção de lucro tributável em IRC referente a 2002 (cf. fls. 73 dos autos em suporte de papel).

5. A impugnante na sequência do ofício n.º 0… de 30/6/2004, da Direcção de finanças de Leiria, através do qual lhe foram comunicadas as correcções identificadas em 3, solicitou a revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91.º da LGT e do pedido constante a fls. 88 e seguintes dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo aqui se dá por integramente reproduzido.

6. No âmbito do pedido de revisão referido nos pontos anteriores, a impugnante apresentou à comissão de revisão os documentos constantes de fls. 119 a 129 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

7. Em 18/8/2004 no âmbito do pedido de revisão descrito no ponto anterior (5) foi elaborada a acta n.º 2…/2004, assinada pelo perito da administração tributária e pelo perito nomeado pela impugnante, constante de fls. 116 e seguintes dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por reproduzido e da qual consta o seguinte:

“ (…)


«Imagem no original»

(…)”

8. Em 18/8/2004 ambos os peritos participantes na comissão de revisão elaboraram os laudos constantes de fls. 130 a 136 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

9. Em 26.08.2004, o Director de Finanças proferiu o despacho constante de fls. 140 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, no qual decidiu manter a liquidação objecto de revisão com base nos fundamentos constantes da acta descrita em 7.

10. Em 21/11/2006, a impugnante apresentou o recurso hierárquico do acto de indeferimento da reclamação por si apresentada (cf. petição de recurso a fls. 141 e seguintes dos autos).

11. Em 29/2/2008 a Directora de Serviços do IRC, no uso de subdelegação de competências negou provimento ao recurso apresentado com os fundamentos expressos na informação n.º 0…/2008 que serve de suporte físico ao acto decisório, constante de fls. 163 a fls. 176 dos autos em suporte de papel, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

12. As contas da sociedade foram auditadas e certificadas nos termos de um relatório realizado pela E… Y…, constante a fls. 179 e seguintes dos autos em suporte de papel, no qual é manifestada a reserva na aprovação, porque não foi elaborada a demonstração de fluxos de caixa e da demonstração de resultados por funções, nem dos correspondentes anexos (cf. relatório constante de fls. 179 e seguintes dos autos em suporte de papel, depoimento da testemunha J…).

13. Entre 6/1/2004 e 16/6/2004, data em que decorreu a inspecção tributária descrita em 1, a empresa não detinha inventários, os livros selados estavam por preencher desde 1998, inexistência de livro de actas e balanços (cf. depoimento das testemunhas J…, A… e M…).

14. A inspecção tributária formalizou um pedido de regularização da contabilidade, com um prazo de apresentação de 21 dias (cf. depoimento das testemunhas J…, A…e M…).

15. A contabilidade da empresa não foi apresentada no prazo concedido, tendo sido apresentados elementos contabilísticos em Agosto de 2004 (depoimento da testemunha J…).»


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II. 3 - Factos não provados

«Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir, não resultando provado, que a impugnante tenha apresentado elementos de contabilidade e documentos de suporte da mesma durante o período inspectivo que permitissem uma análise directa dos resultados fiscais alcançados no ano de 2002.»

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II. 3 – Motivação

«A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada e do depoimento das testemunhas inquiridas, J…, contabilista da impugnante que em instâncias do Tribunal foi mais preciso e dos inspectores tributários A… e M… que de forma coerente, clara e revelando conhecimento de facto confirmaram os factos descritos no relatório.»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Lidas as conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente verifica-se que vem invocado erro de julgamento de direito por ter a sentença recorrida considerado encontrarem-se reunidos os pressupostos para a utilização de métodos indirectos. Entende, também, a Recorrente que carece de fundamentação a utilização dos índices de actividade, concluindo que é ilegal a determinação da matéria tributável com o recurso a métodos indirectos.

Vejamos, então.

Do recurso a métodos indirectos

A Recorrente não se conforma com o entendimento da sentença de que estava legitimado o recurso a métodos indirectos, uma vez que considera que a AT podia ter determinado a matéria colectável com base nos documentos por si exibidos e entregues, quer ainda no decurso do procedimento de inspecção quer, posteriormente, no âmbito da reunião da Comissão de Revisão.

Conclui que não se verificavam, desta forma, os fundamentos para a aplicação imediata de métodos indirectos, já que só seria possível se a AT constatasse a impossibilidade de comprovação da matéria colectável com base na avaliação directa dos elementos disponíveis para tal.

Refere, ainda, a incongruência na actuação da AT, já que considerou os elementos apresentados relativamente ao exercício de 2000, que eram os mesmos que foram disponibilizados para o exercício ora em apreciação, ou seja, 2002.

A sentença recorrida, depois de enquadrar o regime legal, considerou a justificado o recurso à aplicação de métodos indirectos nos seguintes termos:

“(…)Resulta claramente da decisão final do procedimento de revisão que a decisão de proceder à tributação por métodos indirectos tem por base:

- A ausência dos elementos contabilísticos legalmente exigidos e respectivos documentos de suporte, como os livros selados, livros de actas, balanços, diários;

- Os resultados fiscais negativos, provocados por elevados prejuízos, a impossibilidade de identificar o volume de negócio, por falta da sua discriminação mínima nos recibos, livro de registos de actividade e balanço;

- A apresentação de elementos novos apenas no processo de revisão e que ainda assim não permitem a reconstrução da contabilidade da impugnante, por se basearem numa tabela de conversão da contabilidade holandesa, para a contabilidade portuguesa, o que impede a verificação das regras subjacentes a cada lançamento contabilístico realizado, além de lançamentos em branco e sem conteúdo, não obstante sequenciais.

A impugnante, exercia a sua actividade em Portugal à margem das regras contabilísticas e fiscais Portuguesas, aliás as declarações, modelo 22 do exercício fiscal de 2002 foram apresentadas, no decurso da inspecção.

Apesar do prazo legal que lhe fora concedido para apresentação dos elementos em falta e que legalmente deve conservar actualizados, a impugnante não apresentou os elementos nos seis meses em que decorreu a inspecção fiscal, invocando em sede de alegações finais que os elementos foram apresentados no momento do pedido de revisão.

Contudo os elementos apresentados em sede de revisão, não configuram um balancete e não se apresentam segundo as regras de normalização contabilística, como referiu o perito da administração tributária que de forma expressa refere exemplos concretos das insuficiências dos elementos apresentados.

Factos que alicerçam de forma cabal a impossibilidade de verificação dos desvios provocados por alegados prejuízos elevados e consequentemente de comprovação e quantificação direta da matéria tributável.

A veracidade destas situações acima descritas não foi posta em causa pela impugnante, apenas foram invocados fundamentos alegadamente justificativos, designadamente, a obrigação da administração tributária de aceitar os elementos apresentados pela impugnante não no prazo de regularização concedido, ou mesmo no prazo de duração da inspecção, mas no momento em que a impugnante entendeu oportuno, ou seja em Agosto de 2004, após a finalização da inspecção.(…)”

Em causa nos presentes autos está a liquidação de IRC referente ao exercício de 2002.

A AT, no decurso de acção inspectiva, entendeu estarem reunidos os requisitos legais para o recurso à aplicação de métodos indirectos para determinação do lucro tributável nos termos do CIRC, como se constata do teor do RIT constante do ponto 3) do probatório, fundamentalmente por:

· O sujeito passivo não ter contabilidade desde o ano de 1998, nomeadamente Diário-Razão e Inventário-Balanços e não ter apresentado o livro de Actas.

· Foi notificado para proceder à regularização da contabilidade, o que não efectuou;

· A inexistência de contabilidade não permitiu a quantificação directa e exacta dos elementos necessários à correcta determinação da matéria colectável;

· Para além da não escrituração dos livros contabilísticos também não existia contabilidade segundo as normas de normalização contabilística nacional, o que impede a verificação e validação de eventuais elementos de suporte das transacções efectuadas;

· Devido à inexistência de contabilidade e da não entrega da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, não foi determinado pelo sujeito passivo o rendimento colectável para o exercício de 2002;

· A utilização da rentabilidade fiscal média para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos resulta directamente do estabelecido no artigo 90º da LGT.

A Recorrente entende que não estavam reunidos os pressupostos para a determinação da matéria tributável por métodos indirectos, já que os elementos que disponibilizou à AT, quer durante o procedimento de inspecção, quer posteriormente, no âmbito da Comissão de Revisão, eram suficientes para que a AT procedesse ao apuramento da matéria tributável.

Conclui que a determinação efectuada pela AT com recurso a métodos indirectos está ferida de ilegalidade.

De referir que não vem posta em causa a decisão da matéria de facto, pelo que é com a factualidade assente em 1ª instância que se procederá à análise do presente recurso.

Em termos genéricos o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos obedece a um regime legal específico e que tem sido abundantemente tratado na jurisprudência dos tribunais superiores.

É inquestionável que a fixação da matéria tributável por métodos indirectos constitui um método excepcional de tributação do rendimento que, em regra, se fará com base na declaração do sujeito passivo, alicerçada nos elementos constantes da respectiva contabilidade.

Isto porque vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial ou fiscal, excepto se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte.

Desta presunção da veracidade resulta a vinculação da Administração Fiscal à realização da liquidação com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, posteriormente, ao controlo dos factos declarados.

Em termos gerais e como decorre do disposto no nº 2 do artigo 87.º da LGT, procede-se à avaliação indirecta nas situações em que não existem elementos fiáveis e suficientes para demonstrar com exactidão o valor dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e, por essa razão, a sua tributação é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a Administração Tributária disponha, inclusivamente aqueles que poderiam ser utilizados na avaliação directa.

A avaliação indirecta é, de resto, excepcional, a ela apenas se procedendo quando não seja viável a determinação da matéria tributável por meio da avaliação directa, seja por falta de elementos para se operar com esta, seja por existirem razões para suspeitar que o valor a que conduz a aplicação dos métodos de avaliação directa não é a matéria tributável real (cfr. artigos 87.º, nº 1, al. c), e 89.º da LGT).

Ou seja, porque a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real, de harmonia com o princípio constitucional contido no artigo 107º nº 2 da CRP, ainda que se verifiquem erros e anomalias na contabilidade, o recurso aos métodos indiciários só é legítimo se a Administração Tributária demonstrar que não lhe era possível efectuar a determinação da matéria colectável com base nessa mesma contabilidade. Se apesar dos erros e anomalias detectadas, for possível apurar directamente a matéria tributável através das chamadas correcções técnicas, falece o motivo legal para o recurso aos métodos indiciários para a fixação do lucro tributável e consequente liquidação do IRC.

Cabe, por isso, à Administração Tributária demonstrar que os erros ou inexactidões detectados na contabilidade inviabilizam a comprovação directa e exacta da matéria tributável e que o recurso aquele método se tornou a única forma de a determinar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, só então se mostrando legitimada a tributação com base nas operações que o contribuinte presumivelmente efectuou.

Afirma a Recorrente que a AT dispunha de todos os elementos contabilísticos necessários à determinação da matéria tributável directamente, considerando os documentos por si juntos em sede de Comissão de Revisão. O que significa, no seu entendimento, que não se verificavam os fundamentos para o apuramento da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.

Manifesta estranheza pelo facto de o Juiz a quo não ter levado em consideração, na sentença recorrida, tais factos e respectivas consequências.

Resulta do probatório, concretamente do ponto 3 (referente ao RIT) que, relativamente ao exercício do ano de 2002 e à tributação em sede de IRC, aqui em causa, a motivação da AT, de facto e de direito, para recorrer à aplicação de métodos indirectos, consubstanciou-se na impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, por via de inexistência ou insuficiência de elementos contabilísticos, invocando os artigos 87.°/b) e 88.°/a), ambos da LGT.

Como supra vimos, a AT, no RIT, elencou as razões e os factos concretos que evidenciam a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável.

Por outro lado, ficou provado que, entre 06/01/2004 e 16/06/2004, data em que decorreu a acção inspectiva, a Recorrente não detinha inventários, os livros selados estavam por preencher desde 1998 e inexistia livro de actas e balanços – cfr. ponto 13 do probatório.

E que a AT, no decurso da acção inspectiva, formalizou um pedido de regularização da contabilidade, com um prazo de apresentação de 21 dias – Cfr. ponto 14 do probatório – não tendo a Recorrente apresentado qualquer elemento contabilístico no referido prazo. Apenas em 2004 logrou a Recorrente apresentar elementos contabilísticos – cfr. ponto 15 do probatório.

Pretende a Recorrente que os elementos por si disponibilizados em sede de procedimento de procedimento de revisão eram suficientes para o apuramento da matéria tributável ser efectuado sem o recurso a métodos indirectos.

Ora, a sentença assim o não entendeu, na medida em que, não só considerou fundamentada a decisão de recurso a métodos indirectos sustentada no RIT, como expressamente referiu que os elementos contabilísticos apresentados pela Recorrente no âmbito da Comissão de Revisão não configuram um balancete e não se apresentavam segundo as regras de normalização contabilística. Mais tendo dito que continham lançamentos em branco e saldos nulos, concluindo, a final, que se encontravam reunidos os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos, face à insuficiência generalizada e evidenciada na contabilidade da Recorrente relativa ao ano de 2002.

Percorridas as conclusões de recurso, em conjunto com as respectivas alegações, o que se constata é que a Recorrente não logra infirmar a conclusão a que chegou a sentença recorrida, nomeadamente, no que diz respeito à insuficiência da documentação contabilística apresentada pela Recorrente na Comissão de Revisão. Limita-se a Recorrente a afirmar, de forma conclusiva, que aquela documentação era a necessária para o apuramento da matéria tributável de forma directa, ou seja, sem o recurso a métodos indirectos.

Não tem a argumentação recursiva força suficiente para abalar o decidido na sentença recorrida. A Recorrente não logrou demonstrar o desacerto da sentença recorrida ao concluir pela insuficiência dos documentos contabilísticos apresentados na Comissão de Revisão. Em momento algum contraria o decidido, sendo certo que não basta manifestar o seu desacordo com o decidido, cabia-lhe demostrar as razões concretas que permitissem por em causa o decidido, no que respeita à insuficiência dos elementos contabilísticos por si juntos.

Por outro lado, invoca a incongruência e a incoerência da actuação da AT em comparação com a relativa ao ano de 2000, em que foram considerados suficientes os elementos disponibilizados, que eram os mesmos, segundo afirma.

Quanto a este segmento da alegação recursiva cumpre dizer que não basta a mera referência à actuação da AT quanto ao ano de 2000, para que pudesse ser, eventualmente, considerada no presente recurso. Por um lado, não se sabe qual a documentação apresentada relativamente àquele ano. Por outro, não sabemos se as omissões da contabilidade seriam as mesmas. Por último, ainda que pudesse verificar-se a invocada actuação incoerente e incongruente por parte da AT, que não sabemos se ocorreu, a verdade é que, só por si, não tem valia para a ponderação da legalidade da actuação da AT nos presentes autos, razões para que improceda tal segmento da alegação recursiva.

Resta apreciar a suscitada falta de fundamentação da utilização dos índices médios de actividade utilizados pela AT no apuramento da matéria tributável por métodos indirectos.

Afirma a Recorrente, na conclusão 3ª, que o índice de rentabilidade fiscal aplicado pela AT é do exclusivo conhecimento desta, apenas constando do sistema informático da própria DGCI, não constando de uma norma devidamente publicada e do conhecimento público, concluindo que a sua utilização não se encontra fundamentada.

A sentença recorrida entendeu que foi legal a utilização do índice de rentabilidade fiscal, nos seguintes termos:

“(…) O critério utilizado baseou-se nos dados relativos as empresas do sector que se dedicam à mesma actividade no ano fiscal em causa, o que configura a média nacional dos resultados declarados naquele tipo de atividade.

A validade técnica do critério exige que o universo dos fatores-base de conformação seja o mais próximo da situação do contribuinte, ora no caso dos autos, foi utilizado como factor base, a média declarada daquele sector de actividade em Portugal.

Aliás, a própria impugnante não alega concretamente vícios dos resultados apurados, limita-se nas sua alegações a invocar como fundamento da impugnação, a alínea a) do artigo 99.º do CPPT, mas no que se refere ao concreto erro de quantificação dos valores apurados, a impugnante adianta apenas e mais uma vez a entrega dos elementos que não foram consideradas pela administração para aqueles resultados.(…)”

A AT, na utilização dos métodos indirectos, aplicou, para o cálculo da matéria tributável do ano de 2002, a média de rentabilidade fiscal disponível na DGCI, como consta do RIT, a qual, para o exercício de 2002, foi de 4,26%.

Afirma a Recorrente que não se encontra fundamentada a utilização do critério, que o índice de rentabilidade fiscal de 4,26% é totalmente desadequado do mercado em que esta se inseria e actuava e que apenas está disponível no sistema informático da DGCI.

Manifesta estranheza pela facto de a sentença recorrida não se ter pronunciado quanto a esta questão, concluindo pela ilegalidade da utilização do índice pela AT.

Nos termos do preceituado no nº3 do artigo 74º da LGT, o ónus da prova do excesso da quantificação recai sobre o contribuinte, ou seja, sobre a ora Recorrente.

Veja-se, neste sentido, o Acórdão deste TCAS, proferido no âmbito do processo nº 1262/07, de 25/10/2018, do qual se extrai o seguinte:

“(…) deve concluir-se, com o Tribunal “a quo”, pela legalidade da actuação da Fazenda Pública ao fixar a matéria colectável com o recurso a métodos indirectos, assim passando a recair sobre o contribuinte o ónus da prova do excesso de quantificação (cfr.artº.74, nº.3, da L.G.T.). (sublinhado nosso)

Quanto a esta matéria, desde logo, se dirá que sobre o sujeito passivo impende o ónus da prova do alegado excesso de quantificação, em ordem à anulação das liquidações que impugna, tudo nos termos do artº.74, nº.3, da L.G.T. (cfr.artº.100, nº.3, do C.P.P.T.). Por outras palavras, não aproveita ao sujeito passivo uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/11/2011, rec.247/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/6/2011, proc.2477/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/03/2014, proc.7216/13; ac.T.C.A.Sul -2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14).
Podendo parecer estar-se aqui a erigir uma barreira intransponível para o sujeito passivo, que invoque este fundamento legal e expresso de impugnação judicial, cumpre recordar que, grosso modo, a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria tributável se impõe, destacadamente, nas situações em que o respectivo apuramento se mostra inviabilizado pela falta de credibilidade, inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração da responsabilidade do contribuinte. Ora, se esta é a causa primordial que determina a necessidade, conformada por lei, de a A.Fiscal lançar mão dos malquistos métodos indirectos, também a mesma tem de servir para tolerar e justificar que na operatividade destes métodos ocorra alguma margem de discricionariedade no estabelecimento dos valores em que se há-de expressar a quantificação, não viabilizada com o apoio da contabilidade ou declaração do contribuinte. Isto é, a provável falibilidade, inverosimilhança, da quantificação é resultado da apontada inevitabilidade em accionar o método indirecto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via normal (directa) que é a contabilidade ou escrita comercial deste.
Nesta conformidade, conferida a ocorrência de discricionariedade, nomeadamente, de cunho técnico, na actuação de métodos indirectos de avaliação, torna-se muito provável que o valor, então, apurado seja "um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo". Contudo, tratando-se de uma inevitabilidade e de uma imposição legal, ainda que extrema e residual, o apelo aos métodos indirectos, necessariamente, a margem de discricionariedade, que assiste e comanda a respectiva actuação, é susceptível de controle judicial, o qual só pode decidir-se pelo afastamento dos resultados obtidos se, posta em causa a quantificação pelo contribuinte, este, mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes, conseguir demonstrar que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu e traduziu-se na fixação de resultados, no apuramento de valores, objectiva e inquestionavelmente, fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.136 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.817; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.657 e seg.).(…)”

Regressando ao caso que nos ocupa, verificamos que a Recorrente que não alegou, nem
provou, em que medida é que o rácio utilizado pela AT poderá ter originado um excesso na quantificação da matéria tributável.

Acresce que a Recorrente não logrou concretizar qual a medida do desvio no apuramento
da matéria colectável provocado pela utilização do “índice de rentabilidade fiscal média” em causa.

De facto, limita-se a Recorrente a afirmar que discorda do critério
utilizado, indicando outros possíveis critérios alternativos de quantificação da matéria
colectável, sem, contudo, ter alegado e provado por que razão considera que o rácio utilizado pela AT não é adequado ao caso concreto.

Não se sabe, por outro lado, em que medida se verifica um eventual excesso na quantificação da matéria colectável apurada com recurso a métodos indirectos.

A utilização de rácios de rentabilidade média não é um meio enganador, violador das regras da avaliação indirecta. De salientar que, na impossibilidade de proceder à avaliação directa da matéria colectável, a avaliação indirecta realiza-se “a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha” (cfr. nº2 do artigo 83.º da LGT).

E, neste contexto, o uso de rácios de rentabilidade fiscal média, em poder da AT, é um indício relevante que pode ser usado, pois a lei não o proíbe (cf. neste sentido, o acórdão de 02.10.2007 do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 01286/06). Repare-se que não se está, aqui, perante a utilização pela AT dos indicadores objectivos de actividade referidos na alínea c) do artigo 87.º da LGT, uma vez que o recurso a métodos indirectos pela AT realizou-se nos termos do preceituado na alínea a) deste artigo 87.º e no artigo 88.º da LGT (cf. ponto 3) da matéria de facto provada).

Ora, a Recorrente não indicou, concretamente, em que medida e em que termos poderá ocorrer um excesso na quantificação da matéria colectável, ónus que, como vimos, lhe pertencia.

Assim, improcede a alegação recursiva, sendo de negar provimento ao recurso.


*


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 24 de Fevereiro de 2022

(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Hélia Gameiro Silva)