Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo: 491/07.9BEALM-A
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:DEVER DE EXECUÇÃO
Sumário:I – As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
II – Daí o dever, normalmente compósito, de a A.P. extrair as devidas consequências jurídicas e materiais da sentença invalidante.
III - Começa pelo óbvio efeito constitutivo da invalidação do ato administrativo (no âmbito de uma ação constitutiva – cf. artigo 10º/1/2/3 do CPC), com eficácia ex tunc (em regra).
IV - Esse dever de execução decorrente do efeito constitutivo constitui-se assim: a) execução do efeito repristinatório da invalidação, ou seja, reconstituição da situação que existiria hoje se o ato ilegal não tivesse sido praticado, tendo presente a lei vigente no momento da prática do ato invalidado (cf. Ac. do STA de 10-07-97, p. nº 27739-A e artigo 156º/2-c) do atual CPA); b) cumprimento – tardio – dos deveres que a A.P. não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato ilegal disso a dispensava; cumprimento, agora, com referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado de acordo com a lei (cf. artigo 173º/2 do CPTA e artigo 156º/2-c) do atual CPA); c) dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (cf. assim o artigo 173º/1 do CPTA); é um conjunto de deveres resultantes de um efeito ultraconstitutivo designado como “princípio da reconstrução da situação hipotética atual”;
V - E/ou, ainda, a eventual substituição do ato ilegal por outro, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas; é um dever resultante de um efeito ultraconstitutivo designado como “efeito preclusivo ou inibitório da sentença declarativa”.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:

I – RELATÓRIO

R......... interpôs em 2007 no TAC de ALMADA o presente processo de execução de sentença de declaração de nulidade de ato administrativo contra o M.........,

sendo Contra- Interessados A…….., M……, C……, V….., T….., L……., S……., I….. , N……, G…….., R….., H………, e O………...

Após a discussão da causa, o TAC decidiu, em 14-02-2018, condenar a Entidade Executada a praticar os atos administrativos devidos, em substituição dos atos administrativos declarados nulos no processo n.º 491/07.9BEALM, para o que determinou que sejam praticados os atos e operações materiais tendentes à repetição do procedimento concursal para a nomeação, em regime de comissão de serviço, dos cargos de direção intermédia, com a nomeação de novo júri, com respeito pelo regime legal aplicável, mormente o artigo 21.º, n.º 3 do Estatuto do Pessoal Dirigente, estabelecido na Lei n.º 2/2004, de 15/01, na redação dada pela Lei n.º 51/2005, de 30/08 (que estabeleceu regras para as nomeações dos altos cargos dirigentes da Administração Pública).

*

Inconformado com tal decisão, o executado interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:

1)Os efeitos ultra constitutivos da sentença anulatória resumem-se a uma condenação genérica à resolução administrativa de um caso concreto, condicionada e orientada pelos termos da fundamentação anulatória.

2)A execução das sentenças anulatórias envolve a ponderação das alterações objetivas entretanto ocorridas na situação de facto ou de direito, e a necessidade de ter em conta a existência de eventuais atos administrativos entretanto praticados na sequência do ato anulado.

3)A douta sentença recorrida estava obrigada a tomar conhecimento e analisar esses factos posteriores, designadamente a cessação do provimento efetivo dos dirigentes, anulado pela sentença declarativa, e a nova reorganização dos serviços entretanto operada.

4)Na data da instauração da execução, tinha cessado o provimento definitivo dos dirigentes que a douta sentença declarativa havia considerados nulos ou anuláveis.

5)Na data da instauração da execução tinha sido publicado já em Diário da República o novo Regulamento de Organização dos S.... M.... de A....., que importava a cessação do provimento dos dirigentes cujo cargo tinha sido anulado pela douta sentença exequenda.

6)Na sequência da publicação da nova Orgânica dos Serviços Municipais de Almada foram desencadeados novos procedimentos concursais para os cargos de dirigentes nele previstos, nele se incluindo os cargos de chefia de divisão da Unidade de Administração e Gestão Urbanística, em causa nos presentes autos.

7)Na sequência desses procedimentos, foram os cargos preenchidos, não tendo os respetivos procedimentos concursais sido impugnados.

8)A douta sentença exequenda foi assim integralmente executada, pelo que se verificou a extinção da instância por inutilidade da lide.

9)Decidindo em contrário a douta sentença recorrida violou o disposto na alínea e) do artº 277º do C.P.C. aplicável por força do artº nº 1 do CPTA, e o disposto nos artºs. 173º e 174º do CPTA.

10)Deve ser prolatado novo Acórdão revogando a douta sentença recorrida e declarando extinta a instância, por a douta sentença exequenda ter sido integralmente executada.

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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:

1)Atenta a imperatividade das decisões dos tribunais administrativos, as mesmas são de cumprimento obrigatório para todas as entidades, públicas e privadas, começando o respetivo prazo de execução com o trânsito em julgado da sentença (artigo 160° do CPTA).

2)Face à ausência de causa legítima de inexecução, competia ao M......... o dever legal, de nos limites do prazo legal estabelecido de 3 meses, diligenciar, de forma expedita. pela execução da sentença judicial. nos termos do artigo 173°, nº 1, 174° e 175° do CPTA.

3)A administração tem o dever legal de reconstituir a situação que existiria, caso não tivesse sido praticado o ato nulo, o que desde logo implica a prática dos atos jurídicos e das operações necessárias à exigida reconstituição, bem como à eliminação de todos os atos consequentes ou emergentes do ato anulado. ou que de algum modo o contrariem.

4)A douta sentença recorrida reapreciou exaustivamente cada uma das situações jurídicas concretas, ponderando as alterações objetivas de facto e de direito entretanto ocorridas e ajuizou de forma ponderada, justa e proporcional à luz do direito aplicável. os atos administrativos praticados na sequência do ato anulado.

5)No enquadramento de tal apreciação foi ponderada a invocação do recorrido acerca da caducidade das nomeações transportada pela aprovação do Novo Regulamento Orgânico dos Serviços do M........., tendo sido decidido e bem, em plena consonância com o direito aplicável, que tal restruturação não invalidava a utilidade da presente ação executiva e não constituía qualquer causa legítima de execução.

6)A presente execução mantém utilidade uma vez que se impõe a abertura de novo concurso, com reconstituição de carreiras e aspetos remuneratórios para outros interessados, sendo que a circunstância dos contra interessados C…… e M……… terem cessado funções no M......... em data posterior ao julgado anulatório, bem como a alegada caducidade da comissão de serviço das contra-interessadas A…… e de V……, não constituem motivo impeditivo da execução da sentença.

7)A declaração de nulidade teve origem em vício de violação de lei, pelo que a alteração do regime legal em que se fundamentou a decisão de declaração de nulidade não obsta ao conhecimento do mérito na presente execução de sentença, não colhendo a invocada inutilidade da lide, devendo o M........., em cumprimento pelo caso julgado anulatório repetir o procedimento concursal, em conformidade com a legislação aplicável.

8)Em cumprimento do julgado anulatório e face à omissão de causa legítima de inexecução, o M......... encontra-se obrigado a reconstituir o procedimento concursal ferido de ilegalidade, expurgando-o de todos os vícios, nos exatos termos definidos na sentença declarativa, bem como a extrair dela todas as consequências legais devidas.

9)O M......... deverá assim elaborar novo procedimento concursal tendente à nomeação em regime de comissão de serviço dos cargos de direção intermédia, observando as regras de constituição do júri, aplicáveis à data dos factos, constantes do artigo 21º nº 3 do Estatuto do Pessoal Dirigente, estabelecido na Lei nº 2/2004, de 15/1, na redação dada pela Lei nº 5 l/2005, de 30/08.

10)Dispondo para tal efeito do prazo fixado na douta sentença de 120 dias, sob pena da sanção pecuniária compulsória estabelecida, ao abrigo do disposto no artigo 169° do CPTA.

11)Deste modo, pelo facto do M......... não ter dado pleno cumprimento à sentença devidamente transitada no âmbito do processo nº 491/07.9BEALM, a douta sentença recorrida decidiu acertada e corretamente, aplicando adequadamente o direito aos factos peticionados, ao julgar procedente, por provada, a presente ação executiva, condenando o M....... a praticar os atos administrativos devidos, em substituição dos atos administrativos declarados nulos no processo nº 491/07.9BEALM; ao ordenar que sejam praticados os atos e operações materiais tendentes à repetição do procedimento concursal para a nomeação. em regime de comissão de serviço, dos cargos de direção intermédia, com a nomeação de novo júri, com respeito pelo regime legal aplicável, designadamente o artigo 21º, nº 3 do Estatuto do Pessoal Dirigente, estabelecido na Lei nº 2/2004, de 15/1, na redação dada pela Lei nº 5112005, de 30.08; ao estabelecer para a execução dos referidos atos o prazo de 120 dias e ao determinar, para o caso de incumprimento da presente decisão de execução, sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artigo 169º do CPTA.

12)Negando provimento ao recurso e mantendo a douta sentença recorrida.

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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.

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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. J. C. Vieira De Andrade, A Justiça Administrativa – Lições, 15ª ed., pp. 411 ss; artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).

Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.

Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – FACTOS PROVADOS

(Texto integral)

II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO

[1] Considerando que o sistema jurídico relativo à atividade de administração pública, isto é, à atividade orientada primacialmente para os interesses públicos e o bem comum (como definido pela lei fundamental e pela legislação infraconstitucional); [2] considerando que a atividade de administração pública tem como características (i) ser uma atividade de conformação social ativa, (ii) através de medidas concretas que, (iii) orientadas pelo interesse geral e (iv) suportadas por dinheiros públicos, (v) se destinam à regulação de casos individuais e à materialização de determinados projetos de interesse geral nos termos da lei (cf. H. Maurer, Derecho Administrativo, Parte General, trad. da 17ª ed. de 2009, Marcial Pons, Madrid, 2011, § 1.-marg. 6 a 12, e § 8.-marg. 8; Marcelo Rebelo De Sousa/A.S.M., D. Adm. Geral, I, § 2 – margem 8; Paulo Otero, Manual de D. Adm., I, pp. 64 ss; Mário Aroso De Almeida, T.G.D.A., 3ª ed., Primeira Parte, pp. 17 e 41; J. C. Vieira De Andrade, Lições de Direito Administrativo, na Introdução, nº 3.4; A Justiça Adm., Lições, 15ª ed., capítulo III, nº 1 e nº 2), ou seja, [3] considerando que o Direito administrativo é um meio de servir o fim prático de um governo efetivo desejado pelos cidadãos; concluímos que o princípio (fundamental) democrático, o princípio (fundamental) do juiz à lei e o princípio geral da prossecução do interesse geral ou bem comum são as principais diretrizes do método jurídico que se retira, i.a., das regras constantes dos artigos 9º( 1) a 11º do CC para, do modo menos subjetivo possível, se atribuir os corretos significados jurídicos aos enunciados linguísticos que constituem as fontes de Direito administrativo.(2) . Dessa forma metodologicamente correta poderá o tribunal fazer valer o princípio fundamental da juridicidade administrativa (primazia da lei sobre todos os atos de administração pública; a lei como o pressuposto de toda a atividade de administração pública; vinculação particularmente intensa da atividade administrativa à legislação oriunda da reserva de lei parlamentar; bem comum e interesse público como razão de ser e único fim da atividade de administração pública; princípio geral da limitação da discricionariedade administrativa; ausência de presunção de legalidade da atividade administrativa; princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva), no quadro de um Estado de Direito em que o poder legislativo assenta na legitimidade democrática e em que os poderes do Estado estão racionalmente divididos.

Passemos, assim, à análise do recurso.

São as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão recorrida:

- Erro de direito, pois haveria inutilidade superveniente da lide, dado que a executada agiu, entretanto à luz do novo Regulamento de Organização dos Serviços M......... A..........., que importava a cessação do provimento dos dirigentes cujo cargo tinha sido anulado pela douta sentença exequenda, já não havendo assim provimentos definitivos dos dirigentes.

A)A sentença exequenda, transitada em julgado em 26-11-2014, declarou a nulidade (não produção de efeitos jurídicos) da deliberação final do concurso de provimento de cargos dirigentes, acima identificado, datada de abril de 2006; e a nulidade de seus atos consequentes, designadamente das nomeações feitas então.

Para tal, o tribunal a quo apurou a existência de uma violação do artigo 21º/3 da Lei nº 2/2004 alt. pela Lei nº 51/2005 (Estatuto do Pessoal Dirigente da A.P.)(3) Artigo 21.º
Selecção e provimento dos cargos de direcção intermédia
1 - O procedimento concursal é publicitado na bolsa de emprego público durante 10 dias, com a indicação dos requisitos formais de provimento, do perfil exigido, da composição do júri e dos métodos de selecção, que incluem, necessariamente, a realização de uma fase final de entrevistas públicas.
2 - A publicitação referida no número anterior é precedida de aviso a publicar em órgão de imprensa de expansão nacional e na 2.ª série do Diário da República, em local especialmente dedicado a concursos para cargos dirigentes, com a indicação do cargo a prover e do dia daquela publicitação.
3 - O júri é constituído:
a) Pelo titular do cargo de direcção superior do 1.º grau do serviço ou organismo em cujo quadro se encontre o cargo a prover ou por quem ele designe, que preside;
b) Por dirigente de nível e grau igual ou superior ao do cargo a prover em exercício de funções em diferente serviço ou organismo, designado pelo respectivo dirigente máximo; e
c) Por indivíduo de reconhecida competência na área funcional respectiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente.
4 - Ao elemento do júri referido na alínea c) do número anterior que não seja vinculado à Administração Pública é devida remuneração nos termos fixados pelo Ministro das Finanças e pelo membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública.
5 - O júri, findo o procedimento concursal, elabora a proposta de nomeação, com a indicação das razões por que a escolha recaiu no candidato proposto, abstendo-se de ordenar os restantes candidatos.
6 - O júri pode considerar que nenhum dos candidatos reúne condições para ser nomeado.
7 - A pedido do serviço ou organismo interessado, o procedimento concursal é assegurado por entidade pública competente, integrada em diferente ministério, com dispensa de constituição de júri mas com intervenção do indivíduo previsto na alínea c) do n.º 3, sendo, nesse caso, aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.os 1, 2, 4, 5 e 6.
8 - Os titulares dos cargos de direcção intermédia são providos por despacho do dirigente máximo do serviço ou organismo, em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos de tempo.
9 - O provimento nos cargos de direcção intermédia produz efeitos à data do despacho de nomeação, salvo se outra data for expressamente fixada.
10 - O despacho de nomeação, devidamente fundamentado, é publicado no Diário da República juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e profissional do nomeado.
11 - O procedimento concursal é urgente e de interesse público, não havendo lugar a audiência de interessados.
12 - Não há efeito suspensivo do recurso administrativo interposto do despacho de nomeação ou de qualquer outro acto praticado no decurso do procedimento.
13 - A propositura de providência cautelar de suspensão da eficácia de um acto administrativo praticado no procedimento não tem por efeito a proibição da execução desse acto.
14 - Em caso de suspensão judicial da eficácia do despacho de nomeação, é aplicável o disposto no artigo 27.º

. Referiu ainda, além do regime legal da nulidade dos administrativos (artigo 134º do CPA), a necessidade de reconstituir a carreira, bem como as inerentes consequências remuneratórias (e invocou os Acs. do STA no p. nº 040201-A e no p. nº 41027-A).

O aqui executado nada fez nos meses seguintes ao trânsito em julgado.

Por causa do novo regime da organização dos serviços das autarquias locais resultante do DL nº 305/2009, o município executado fez publicar no DR-2ª, 1º Suplemento, de 09-03-2015, o Despacho nº ……….-A/2015, de onde consta o novo Regulamento de Organização dos Serviços M.......... A………...

E o município executado foi mantendo, sob outro título jurídico e provisório , os ilegalmente nomeados para os cits. cargos dirigentes.

Na sequência do novo regulamento administrativo cit., a executada promoveu procedimentos concursais, agora com novas regras (designadamente, o não provimento, mas sim a nomeação em comissão de serviço, de acordo com a recente legislação), acabando por nomear para tais cargos as pessoas antes nomeadas, ilegalmente como fixado pela sentença “anulatória” exequenda.

Agora, contra a p.i. do exequente, alega o executado que o acabado de descrever foi cumprir a sentença anulatória e que se tem de atender à realidade existente aquando do início deste processo de execução: foi eliminada da ordem jurídica a figura jurídica do provimento em cargos de chefia e há uma reorganização dos serviços do município. Pelo que a sentença fora cumprida ou executada. Em consequência, haveria inutilidade – superveniente – da lide (cf. artigo 277º/e) do CPC).

Portanto, o executado tanto diz que executou (artigo 173º do CPTA) a sentença declarativa cit., como implicitamente dá a entender que a nova realidade jurídica criada seria uma espécie de causa legítima de inexecução.

B)

Ora, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades – cf. o artigo 205º/2 da CRP e o artigo 158º/1 do CPTA.

Nos termos do artigo 173º do CPTA/2002:

1 - Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no ato entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída

- no dever de praticar atos dotados de eficácia retroativa que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos,

- bem como no dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.

3 - Os beneficiários de atos consequentes praticados há mais de um ano que desconheciam sem culpa a precariedade da sua situação têm direito a ser indemnizados pelos danos que sofram em consequência da anulação, mas a sua situação jurídica não pode ser posta em causa se esses danos forem de difícil ou impossível reparação e for manifesta a desproporção existente entre o seu interesse na manutenção da situação e o interesse na execução da sentença anulatória.

4 - Quando à reintegração ou recolocação de um funcionário que tenha obtido a anulação de um ato administrativo se oponha a existência de terceiros interessados na manutenção de situações incompatíveis, constituídas em seu favor por ato administrativo praticado há mais de um ano, o funcionário que obteve a anulação tem direito a ser provido em lugar de categoria igual ou equivalente àquela em que deveria ser colocado, ou, não sendo isso possível, à primeira vaga que venha a surgir na categoria correspondente, exercendo transitoriamente funções fora do quadro até à integração neste.

Trata-se, enfim, do dever – normalmente compósito - de a A.P. extrair as devidas consequências jurídicas e materiais da sentença invalidante. Começa pelo óbvio efeito constitutivo da invalidação do ato administrativo (no âmbito de uma ação constitutiva – cf. artigo 10º/1/2/3 do CPC), com eficácia ex tunc (em regra).

Esse dever de execução – normalmente compósito - decorrente do efeito constitutivo constitui-se assim:

a) – execução do efeito repristinatório da invalidação, ou seja, reconstituição da situação que existiria hoje se o ato ilegal não tivesse sido praticado, tendo presente a lei vigente no momento da prática do ato invalidado (cf. Ac. do STA de 10-07-97, p. nº 27739-A e artigo 156º/2-c) do atual CPA);

b) - cumprimento – tardio – dos deveres que a A.P. não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato ilegal disso a dispensava; cumprimento, agora, com referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado de acordo com a lei (cf. artigo 173º/2 do CPTA e artigo 156º/2-c) do atual CPA);

c) - dever de remover, reformar ou substituir atos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (cf. assim o artigo 173º/1 do CPTA);

é um conjunto de deveres resultantes de um efeito ultraconstitutivo designado como “princípio da reconstrução da situação hipotética atual”;

d) e/ou, ainda, a eventual substituição do ato ilegal por outro, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas; é um dever resultante de um efeito ultraconstitutivo designado como “efeito preclusivo ou inibitório da sentença declarativa”.

Estes efeitos ultraconstitutivos resultam, necessariamente, da autoridade da sentença, do caráter retroativo da invalidação, do direito substantivo e da concreta ilegalidade demonstrada no processo declarativo (cf. VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Adm.-Lições, 15ª ed., pp. 348 ss).

E, por isso, as únicas causas legítimas de inexecução da sentença invalidante de ato administrativo são apenas a impossibilidade absoluta física ou legal ou o excecional prejuízo para o bem comum ou interesse público na execução da sentença – cf. os artigos 163º e 159º do CPTA.

C)

Pelo acabado de expor, logo se conclui que o executado incumpriu os deveres resultantes da sentença anulatória emitida na referida ação declarativa constitutiva, claramente impostos no artigo 173º do CPTA/2002.

Com efeito, o que o ora executado tinha e tem o dever legal de fazer é, (1º) à luz da situação legal e factual existente em 2006, (2º) retomar o procedimento concursal (3º) sem a ilegalidade detetada no processo declarativo e explanada na sentença a executar (violação do artigo 21º/3 do então vigente estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, local e regional do Estado(4) 3 - O júri é constituído: a) Pelo titular do cargo de direcção superior do 1.º grau do serviço ou organismo em cujo quadro se encontre o cargo a prover ou por quem ele designe, que preside;
b) Por dirigente de nível e grau igual ou superior ao do cargo a prover em exercício de funções em diferente serviço ou organismo, designado pelo respectivo dirigente máximo; e
c) Por indivíduo de reconhecida competência na área funcional respectiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente. E de reorganizar os serviços, de modo ad hoc, se acaso isso vier a ser necessário.

É o que impõem os nº 1 e 2 do cit. artigo 173º do CPTA e o Estado de Direito.

Aliás, isso também é, de certo modo, o que explica o artigo 6º do (hierarquicamente inferior) posterior e recente regulamento administrativo invocado pelo executado: “Mantêm-se as comissões de serviço dos titulares de cargos de direção intermédia do 1.º e 2.º grau, designadamente Diretores de Departamento e Chefes de Divisão, e dos titulares de cargos de direção intermédia do 3.º e 4.º grau e serão reconduzidos nos cargos dirigentes do mesmo nível que sucedam aos ocupados antes da entrada em vigor do presente regulamento de organização dos serviços m..........., nos termos do artigo 25.º n.º 1) alínea c) da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, aplicável à Administração por força da Lei n.º 49/2012(5), de 29 de agosto"

E é algo de implícito no importante preceito do nº 4 do artigo 173º/4 do CPTA/2002. Que poderá inspirar o executado, no futuro, caso a situação resultante do cumprimento da sentença exequenda o exija.

Portanto, a sentença recorrida não violou nenhum dos preceitos legais invocados nas conclusões do recurso.

*

III - DECISÃO

Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Registe-se e notifique-se.

Lisboa, 14-06-2018

Paulo Pereira Gouveia - Relator

Catarina Jarmela


Maria da Conceição Silvestre


(1)A interpretação das disposições normativas não deve cingir-se à letra (ao elemento gramatical: 1º passo), devendo “reconstituir” a partir dos textos (letra como ponto de partida; “first/basic meaning”) o “pensamento legislativo” (pensamento da lei, “deep meaning”; espírito da lei), tendo sobretudo em conta a “unidade do sistema jurídico” (elemento lógico-sistemático, 2º passo, onde pontificam a Constituição, a hierarquia das normas, o princípio da igualdade e a ideia de coerência do sistema jurídico), as “circunstâncias em que a lei foi elaborada” (elemento histórico-genético, 3º passo) e “as condições específicas do tempo em que é aplicada” (elemento lógico-teleológico atualista). Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete um significado que não tenha no elemento gramatical um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (ou seja, a disposição normativa (i), além de ser o ponto de partida da interpretação, é também (ii) um limite a cada um dos outros elementos). Na fixação do sentido e alcance das disposições normativas, o intérprete presumirá que o legislador (i) consagrou as soluções mais acertadas e (ii) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (são mais dois limites à atividade de interpretar os preceitos legais).
Munido do significado da fonte de Direito, isto é, da regra assim inferida da fonte nos termos impostos pelo importantíssimo artigo 9º do Código Civil (e/ou artigos 10º e 11º), o tribunal, para resolver o caso, fará então a subsunção da “situação real a resolver” na “previsão normativa” ou hipótese legal inferida. Depois de tal subsunção – em concreto - o tribunal passará à “estatuição” ou consequência jurídica, com o que resolverá o caso jurídico.
Note-se, porém, que os verdadeiros princípios jurídicos (também comandos ou normas), normalmente contrapostos às regras ou normas jurídicas em sentido estrito, não são, em bom rigor, aplicados pelos tribunais, mas sim apenas concretizados, ponderados e ou densificados para um caso concreto; os verdadeiros princípios jurídicos reclamam do tribunal a sua concretização e eventual ponderação ou sopesamento no âmbito de um caso concreto - de acordo com a “norma-regra metódica de controlo da proporcionalidade jurídica” - a fim de, racionalmente, o tribunal obter a regra jurídica que resolva o caso (sobre os princípios em geral, cf. RICCARDO GUASTINI, Distinguiendo. Estudios de Teoria y Metateoría del Derecho, trad., Gedisa Editorial, Barcelona, 1999, pp. 102 e 144 ss, Das Fontes às Normas, trad., Editora Quarteir Latin do Brasil, 2005, "Problemi di interpretazione", in: R. Guastini, Lefonti del Diritto e l'Interpretazione, Milan, 1993, cap. XXV, “A Sceptical View on Legal Interpretation”, in: Analisi e Diritto 2005, a cura di P. Comanducci e R. Guastini, “Il realismo giuridico ridefinito”, in: Revus, 2013, http://revus.revues.org/2400, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Introdução ao Direito, 2012, pp. 239-266, 301-308, 320-340, 371-372 e 419 ss, a síntese e sobretudo as indicações estrangeiras em A. MENEZES CORDEIRO, Tratado…, VI, 2ª ed., pp. 57-59, JOSÉ LAMEGO, Elementos de Metodologia Jurídica, 2016, pp. 60-61, e MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL Editora, 2017, pp. 313-339 e 401 ss; sobre os princípios em Direito administrativo, cf. H. MAURER, Derecho Administrativo-Parte General, trad., 2011, Marcial Pons, pp. 116-117, PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública, 2003, §6, §8, §9, §12 e §13, Manual de Direito Administrativo, I, 2013, pp. 432 ss, Direito do Procedimento Administrativo, I, 2016, capítulo 2º, MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, 3ª ed., Parte II, e VIEIRA DE ANDRADE, Lições de D. Adm., 2ª ed., pp. 41 ss; sobre os princípios em Direito constitucional, cf. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., pp. 1159-1255, JORGE MIRANDA, Manual… no título referente às Normas Constitucionais, KLAUS GÜNTHER, Der Sinnfür Angemessenheit. Anwendungsdiskurse in Moral und Recht, Suhrkamp, Frankfurt, 1988, ou a tradução em língua inglesa: The Sense of Appropiateness - Application Discourses in Morality and Law, State University of New York Press, Albany, 1993, “Ein normativer Begriff der Kohârenz für eine Theorie der juristischen Argumentation”, in: Rechstheorie, nº 20 (1989), págs. 163-190, LAURA CLÉRICO, El Examen de Proporcionalidad en el Derecho Constitucional, Eudeba, Buenos Aires, 2009, pp. 29-31, CARLOS BERNAL PULIDO, El Princípio de Proporcionalidad y Derechos Fundamentales, 3.ª ed., Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 2007, p. 593, e RICCARDO GUASTINI, “A propósito del neoconstitucoionalismo”, in: Gaceta Constitucional, nº 67, pp. 231 ss).
(2)Afinal, a linguagem e a argumentação jurídica, como a argumentação prática em geral, só são racionais se prestarem atenção aos factos e às realidades (“Practical reasoning is irrational unless it pays scrupulous attention to facts and realities”: cf. J. FINNIS, "Law as Fact and as Reason for Action: A Response to Robert Alexy on Law's 'Ideal Dimension'" (2014), in Notre Dame Law Scholl, Journal Articles, Paper 1065, online).
(3)Artigo 21.º
Selecção e provimento dos cargos de direcção intermédia
1 - O procedimento concursal é publicitado na bolsa de emprego público durante 10 dias, com a indicação dos requisitos formais de provimento, do perfil exigido, da composição do júri e dos métodos de selecção, que incluem, necessariamente, a realização de uma fase final de entrevistas públicas.
2 - A publicitação referida no número anterior é precedida de aviso a publicar em órgão de imprensa de expansão nacional e na 2.ª série do Diário da República, em local especialmente dedicado a concursos para cargos dirigentes, com a indicação do cargo a prover e do dia daquela publicitação.
3 - O júri é constituído:
a) Pelo titular do cargo de direcção superior do 1.º grau do serviço ou organismo em cujo quadro se encontre o cargo a prover ou por quem ele designe, que preside;
b) Por dirigente de nível e grau igual ou superior ao do cargo a prover em exercício de funções em diferente serviço ou organismo, designado pelo respectivo dirigente máximo; e
c) Por indivíduo de reconhecida competência na área funcional respectiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente.
4 - Ao elemento do júri referido na alínea c) do número anterior que não seja vinculado à Administração Pública é devida remuneração nos termos fixados pelo Ministro das Finanças e pelo membro do Governo que tenha a seu cargo a Administração Pública.
5 - O júri, findo o procedimento concursal, elabora a proposta de nomeação, com a indicação das razões por que a escolha recaiu no candidato proposto, abstendo-se de ordenar os restantes candidatos.
6 - O júri pode considerar que nenhum dos candidatos reúne condições para ser nomeado.
7 - A pedido do serviço ou organismo interessado, o procedimento concursal é assegurado por entidade pública competente, integrada em diferente ministério, com dispensa de constituição de júri mas com intervenção do indivíduo previsto na alínea c) do n.º 3, sendo, nesse caso, aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos n.os 1, 2, 4, 5 e 6.
8 - Os titulares dos cargos de direcção intermédia são providos por despacho do dirigente máximo do serviço ou organismo, em comissão de serviço, pelo período de três anos, renovável por iguais períodos de tempo.
9 - O provimento nos cargos de direcção intermédia produz efeitos à data do despacho de nomeação, salvo se outra data for expressamente fixada.
10 - O despacho de nomeação, devidamente fundamentado, é publicado no Diário da República juntamente com uma nota relativa ao currículo académico e profissional do nomeado.
11 - O procedimento concursal é urgente e de interesse público, não havendo lugar a audiência de interessados.
12 - Não há efeito suspensivo do recurso administrativo interposto do despacho de nomeação ou de qualquer outro acto praticado no decurso do procedimento.
13 - A propositura de providência cautelar de suspensão da eficácia de um acto administrativo praticado no procedimento não tem por efeito a proibição da execução desse acto.
14 - Em caso de suspensão judicial da eficácia do despacho de nomeação, é aplicável o disposto no artigo 27.º

(4) 3 - O júri é constituído: a) Pelo titular do cargo de direcção superior do 1.º grau do serviço ou organismo em cujo quadro se encontre o cargo a prover ou por quem ele designe, que preside;
b) Por dirigente de nível e grau igual ou superior ao do cargo a prover em exercício de funções em diferente serviço ou organismo, designado pelo respectivo dirigente máximo; e
c) Por indivíduo de reconhecida competência na área funcional respectiva, designado por estabelecimento de ensino de nível superior ou por associação pública representativa de profissão correspondente.

(5) Adaptação à Administração Local da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, alterada pelas Leis n.os 51/2005, de 30 de agosto, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 64/2011, de 22 de dezembro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado.,