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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05257/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/17/2012
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO.
DIREITO À INFORMAÇÃO PROCEDIMENTAL E NÃO PROCEDIMENTAL.
MEIO PROCESSUAL DE INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO NO PROCESSO TRIBUTÁRIO.
ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ARTº.37, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
ARTº.24, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
Sumário:1. O direito à informação é comummente identificado como um corolário dos princípios da publicidade e da transparência, os quais devem nortear toda a actividade administrativa.
2. O direito à informação procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos directamente interessados num procedimento de cariz administrativo e que esteja pendente, está consagrado no artº.268, nº.1, da Constituição da República, conforme mencionado supra, tendo sido alargado, através do artº.64, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), aprovado através do dec.lei 442/91, de 15/11, a todos aqueles que tiverem um interesse legítimo na obtenção da informação administrativa procedimental.
3. O direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, está consagrado no artº.268, nº.2, da Constituição da República. No âmbito da lei ordinária, é o artº.65, do C.P.A., que regulamenta o direito à informação não procedimental, também chamado princípio do arquivo aberto, respeitando a todos os documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos. Através da Lei 65/93, de 26/8 - Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) - regulamentou-se o acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr.actualmente a Lei 46/2007, de 24/8).
4. No âmbito do direito tributário, no que diz respeito aos consagrados direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, deve ainda levar-se em consideração os artºs.59, da L. G. Tributária (o qual consagra o conteúdo do princípio da colaboração a que estão vinculados, tanto a A. Fiscal como os contribuintes), 64 (o qual consagra o princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes, por que deve rejer-se a actividade tributária), 67 e 68, todos do mesmo diploma (que consagram o direito de acesso dos contribuintes, ou dos seus representantes, aos respectivos processos individuais devidamente organizados e conservados pela administração fiscal).
5. O meio processual destinado ao reconhecimento judicial dos mencionados direitos encontra-se consagrado actualmente nos artºs.104 e seg. do C.P.T.A. (cfr.anteriormente os artºs.82 e seg., da L. P. T. A.), sendo o mesmo aplicável na jurisdição fiscal, “ex vi” do artº.146, nº.1, do C. P. P. Tributário.
6. O âmbito de aplicação do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário, restringe-se ao procedimento tributário, não abrangendo o processo judicial tributário, como se infere da referência feita na norma à “decisão em matéria tributária”. Permite este preceito a sanação de deficiências dos actos de notificação, prevendo-se, aparentemente, a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do acto de notificação. Ao abrigo da norma em exame o destinatário pode requerer a notificação da fundamentação que não lhe foi comunicada, ou a passagem de certidão nesse sentido (a qual está isenta de custas), pois esta aplica-se sempre que a comunicação da decisão “não contiver a fundamentação legalmente exigida”, seja por o acto notificado não a ter, seja por a notificação ser deficiente.
7. Já quanto ao disposto no artº.24, nº.1, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante do artº.13, do dec.lei 238/2006, de 20/12, refere-se a norma em questão à possibilidade de formulação de pedidos de passagem de certidão por via electrónica e desde que os respectivos actos e termos (insertos em procedimentos ou processos judiciais) estejam devidamente informatizados. Mais se dirá que as certidões cuja passagem se prevê neste artigo são apenas as que sejam pedidas à A. Fiscal, relativamente a processos administrativos ou judiciais que estejam em seu poder.
8. A norma constante no citado artº.24, nº.1, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante do artº.13, do dec.lei 238/2006, de 20/12, tem um campo de aplicação mais vasto do que o artº.37, nº.1, do mesmo diploma, dado se aplicar tanto a processos administrativos como judiciais e, por outro lado, visar a passagem de toda e qualquer espécie de certidão que não somente as que tenham a ver com a notificação insuficiente de decisões em matéria tributária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
X
RELATÓRIO
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O DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mma. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.126 a 133 do presente processo, através da qual julgou procedente o meio processual acessório de intimação para passagem de certidão deduzido por “A..., SGPS, S.A.”, em consequência do que intima o recorrente a emitir e a entregar, no prazo de quinze dias, a certidão contendo os fundamentos, de facto e de direito, subjacentes ao acto de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº.2011 8310001217, indicando também se o acto de liquidação nº2011 8310001217 anula e substitui os anteriores actos de liquidação nºs.2009 8310012433 e 2010 8310016407, sob pena de, não o fazendo, incorrer no pagamento de sanção pecuniária compulsória, a determinar pelo Juiz nos termos do artº.108, nº.2, do C.P.T.A., “ex vi” do artº.146, nº.1, do C.P.P.T.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.150 a 158 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O requerimento para passagem de certidão ora em causa foi formulado ao abrigo do disposto nos artºs.24, nº.2, 36, nºs.1 e 2, e 37, nºs.1 e 2, do C.P.P.T., não sendo em momento algum referido que o pedido é formulado nos termos do nº.1, do artº.24, do C.P.P.T.;
2-A liquidação de I.R.C. em causa resultou das correcções efectuadas após o deferimento parcial da reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação adicional de IRC nº.2009 3310012433, por Despacho da Directora de Finanças Adjunta, a 6/12/2010, tendo a requerente sido devidamente notificada dessa decisão;
3-Ora, através de carta registada com a.r., a coberto do ofício nº.45406, de 23/05/2011, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi a requerente notificada da informação e despacho que recaíram sobre o pedido de certidão remetido por via postal em 21/4/2011, ao ora recorrente;
4-Tendo o sujeito passivo tomado perfeito conhecimento dos fundamentos, de facto e de direito, nomeadamente os que sustentam a decisão da reclamação graciosa que deu origem à nota de liquidação nº.2010 8310001217, não há insuficiência da notificação que justifique a passagem de certidão nos termos e para os efeitos do artº.37, do C.P.P.T.;
5-A “A...” requereu a passagem de certidão, alegando notificação insuficiente e requerendo isenção de pagamento nos termos desse preceito;
6-O que nos leva a concluir que, apesar da obscuridade do pedido, a “A...” requereu a certidão nos termos do artº.37, do C.P.P.T., referindo apenas o artº.24, do mesmo diploma, para a questão do prazo, constante do respectivo nº.2. No entanto, por tudo o que ficou dito, não se encontram reunidos os requisitos para que a certidão pudesse ser passada nesses termos;
7-A A. Fiscal disponibilizou à “A...” a possibilidade de requerer uma certidão, nos termos do artº.24, do C.P.P.T., o que não fez até à data;
8-A sentença recorrida não esclarece se a certidão que o ora recorrente é intimado a passar deverá ser emitida nos termos e para os efeitos previstos no artº.24, do C.P.P.T., ou do artº.37, do mesmo código, intimando apenas a que ela seja passada nos termos requeridos, o que não é claro, face à obscuridade do pedido;
9-A fundamentação da sentença baseia-se na conclusão de que a “A...” formulou o pedido, simultaneamente, nos termos dos artºs.24, nº.1, e 37, do C.P.P.T., o que não corresponde à realidade, inquinando dessa forma todo o raciocínio valorativo formulado;
10-Termos em que, com o douto suprimento de V. Exªs., deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com todas as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA!
X
Contra-alegou o recorrido, o qual pugna pela confirmação do julgado (cfr.fls.166 a 177 dos autos), sustentando, nas Conclusões, o seguinte:
1-O presente recurso foi interposto pelo Senhor Director-Geral dos Impostos contra a sentença proferida em 22 de Setembro de 2011, no âmbito do processo de intimação judicial para passagem de certidão que correu termos junto da 2ª Unidade Orgânica do T.A.F. de Sintra, sob o nº594/11.5 BESNT;
2-Sustenta o recorrente, nas suas alegações de recurso, o entendimento segundo o qual a sentença proferida em 22 de Setembro de 2011 padece de omissão devido ao facto de, no seu entender, não esclarecer os moldes em que deverá ser emitida a certidão que é intimado a passar;
3-Ora, contrariamente, ao que sustenta o recorrente, não se pode admitir haver aqui alguma omissão dado que a sentença é clara ao determinar a emissão e entrega da certidão nos termos requeridos, ou seja, isenta de pagamento;
4-Sustenta, ainda, o recorrente, não se vislumbrar admissível, por não se encontrarem reunidos os requisitos para tal, requerer a certidão nos termos do artº.37, do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
5-Tal afirmação é, como se demonstra, errada mas elucidativa de que, ao contrário do que alega, o réu, ora recorrente, percebeu perfeitamente os termos em que foi condenado a emitir a certidão;
6-Como resultou demonstrado nos autos o recorrente praticou o acto de liquidação nº.2011 8310001217 (que é o acto de liquidação adicional praticado com referência ao exercício de 2006) e notificou-o à recorrida sem qualquer menção adicional;
7-Em concreto, não existe no acto de liquidação qualquer remissão para qualquer documento anterior de que pudesse resultar a sua motivação;
8-Ora, atentos os contornos do caso concerto, não é razoável ou expectável que a recorrida adivinhe a motivação do acto de liquidação que lhe foi notificado por referência ao exercício de 2006;
9-E, de igual modo, não pode aferir quais os reais e concretos efeitos desse acto de liquidação, designadamente, se o mesmo anula e substitui todos os anteriores actos de liquidação que lhe foram notificados com referência ao exercício de 2006;
10-Na verdade, tendo a Administração tributária procedido à emissão de diversos actos e liquidação autónomos após deferir, parcialmente, a reclamação graciosa apresentada contra a primeira liquidação de I.R.C. praticada por referência ao exercício de 2006, não pode o recorrente imiscuir-se de os fundamentar, também, de forma autónoma cada um dos actos de liquidação posteriormente praticados;
11-Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, com a consequente confirmação da sentença nos seu exactos termos.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.184 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso e manter-se a douta sentença recorrida.
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Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.707, nº.4, do C.P.Civil; artº.36, nºs.1, al.c), e 2, do C.P.T.A.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.128 e 129 dos autos):
1-Em 5/4/2011, a requerente foi notificada do acto de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº.2011 8310001217, referente ao exercício de 2006, acompanhado de nota demonstrativa (demonstração de compensação), não havendo lugar ao pagamento ou reembolso do saldo apurado, do qual destaco o seguinte teor:

Descrição
Montante (em €)
Total D/C (em €)
Estorno Liq. de 2006 Liq. 2010 8310016407 + 4 979 037,19 + 4 979 037,19
Acerto Liq. de 2006. Liq 2011 8310001217 -4 610 333,03
Juros Compensatórios Liq. 2011 00000041493 - 341 865,95
Juros Comp. Por Recebimento Indevido Liq. 2011 1000041492 - 1 465,15 - 4 953 664,13
Regularização de doc. anterior. Nota 2009 1000215668

(valor remanescente em dívida: € 4 945 791,41)
-25 373,06 -25 373,06
(cfr.documentos juntos a fls.52 a 54 dos presentes autos);
2-Em 21/4/2011, a ora requerente solicitou, ao Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos, “... ao abrigo e para os efeitos do disposto nos artºs.24, nº.2, 36, nºs.1 e 2, e 37, nºs.1 e 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário… a passagem de certidão contendo a fundamentação integral, de facto e de direito, subjacente ao acto de liquidação notificado, indicando, designadamente, se o acto de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Juros Compensatórios nº.2011 8310001217 anula e substitui os anteriores actos de liquidação nºs.2009 8310012433 e 2010 8310016407” (cfr.documentos juntos a fls.48 a 51 dos presentes autos);
3-A Requerente reiterou, em 3/5/2011, o pedido de passagem de certidão, identificado no nº.2 (cfr.documentos juntos a fls.59 e 60 dos presentes autos);
4-A Inspecção Tributária procedeu a correcções aos valores declarados pela Requerente, relativos a I.R.C., que deu origem à liquidação nº.20098500000173 (cfr. artigos 9 e 10 da resposta a fls.79 dos autos);
5-Da liquidação nº.20098500000173, a ora Requerente apresentou reclamação graciosa (nº.4001079/09) (cfr.artigo 11 da resposta a fls.79 dos autos; documentos juntos a fls.8 a 27 do processo administrativo apenso)
6-A reclamação graciosa identificada no nº.5 foi parcialmente deferida (cfr.artigo 12 da resposta a fls.79 dos presentes autos; documentos juntos a fls.8 a 27 do processo administrativo apenso);
7-A liquidação nº.20098500000173 é referente a I.R.C. do exercício de 2005 (cfr. documentos juntos a fls.8 a 27 do processo administrativo apenso);
8-A reclamação graciosa da liquidação de I.R.C., do exercício de 2006, nº.2009 8310012433, foi deferida parcialmente (cfr.documentos juntos a fls.28 a 59 do processo administrativo apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa…”.
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A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Considero provados, o facto constante do nº.4, por não ter sido impugnado e os restantes, atendendo ao teor dos documentos juntos aos autos e identificados nas diversas alíneas do probatório…”.
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Este Tribunal adita ao probatório nos termos do artº.712, nºs.1, al.a), e 2, do C. P. Civil (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
9-O dispositivo da sentença objecto do presente recurso é o que infra segue:
“Pelo exposto, tudo visto e ponderado, intimo o Exmo. Senhor Director-Geral dos Impostos, no prazo de quinze dias, a satisfazer o pedido formulado pela Requerente que consiste na "...emissão e entrega à Autora de certidão contendo os fundamentos, de facto e de direito, subjacentes ao acto de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº2011 8310001217, indicando também se o acto de liquidação nº2011 8310001217 anula e substitui os anteriores actos de liquidação n°s 2009 8310012433 e 2010 8310016407", sob pena de não o fazendo incorrer no pagamento de sanção pecuniária compulsória, a determinar pelo Juiz nos termos do artigo 108°, n°2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi do artigo 146°, nº1 do CPPT.”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar procedente o presente meio processual acessório de intimação para passagem de certidão deduzido por “A..., SGPS, S.A.”, ora recorrida, em consequência do que intimou o Director-Geral dos Impostos, ora recorrente, a emitir e a entregar, no prazo de quinze dias, a certidão requerida, nos termos e com o conteúdo já mencionados supra, dado concluir que a notificação da liquidação identificada no nº.1 do probatório não cumpriu com os requisitos previstos no artº.37, do C.P.P.Tributário.
X
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que a recorrida solicitou a certidão nos termos do artº.37, do C.P.P.T., referindo apenas o artº.24, do mesmo diploma, para a questão do prazo, constante do respectivo nº.2. No entanto, por tudo o que ficou dito, não se encontram reunidos os requisitos para que a certidão possa ser passada nesses termos. A sentença recorrida não esclarece se a certidão que o ora recorrente é intimado a passar deverá ser emitida nos termos e para os efeitos previstos no artº.24, do C.P.P.T., ou do artº.37, do mesmo código, intimando apenas a que ela seja passada nos termos requeridos, o que não é claro, face à obscuridade do pedido. Que a fundamentação da sentença se baseia na conclusão de que a requerente formulou o pedido, simultaneamente, nos termos dos artºs.24, nº.1, e 37, do C.P.P.T., o que não corresponde à realidade, inquinando dessa forma todo o raciocínio valorativo formulado (cfr.conclusões 1 a 10 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supomos, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal vício.
O direito à informação é comummente identificado como um corolário dos princípios da publicidade e da transparência, os quais devem nortear toda a actividade administrativa.
O direito à informação, dos particulares face à Administração, encontra consagração constitucional desde a versão inicial do nosso diploma fundamental, datada de 1976, estando actualmente consagrado nos artºs.37, nº.1, e 268, nºs.1 e 2, da Constituição da República, na versão introduzida pela Lei Constitucional 1/2001, de 12/12.
Tal direito dos administrados pode considerar-se de natureza análoga aos “direitos liberdades e garantias” e está subordinado ao mesmo regime destes (cfr.artºs.17 e 18, da Constituição da República). Concretizando, o citado artº.268, da Constituição, consagra no seu nº.1, um direito fundamental à informação dos particulares directamente interessados num determinado procedimento administrativo, o qual exclui qualquer direito ao segredo por parte da Administração, a não ser quando o mesmo revista o carácter de dever funcional (v.g.segredo de justiça). O direito à informação engloba ainda um “feixe” de direitos instrumentais, como é a possibilidade de consulta do processo, de transcrição de documentos, de passagem de certidões, etc., enfim, um verdadeiro direito à transparência documental. Por sua vez o nº.2, do referido artº.268, consagra o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, como consequência do princípio do arquivo aberto ou da administração aberta. Com as ressalvas legais em matéria de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas, a Constituição torna, assim, claro que a liberdade de acesso é a regra, constituindo os arquivos e registos um património aberto da colectividade (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.819 e seg., em anotação ao artº.268; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.690 e seg., em anotação ao artº.104).
No que concerne ao direito à informação procedimental, isto é, o direito à informação administrativa dos directamente interessados num procedimento de cariz administrativo e que esteja pendente, está consagrado no artº.268, nº.1, da Constituição da República, conforme mencionado supra, tendo sido alargado, através do artº.64, do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), aprovado através do dec.lei 442/91, de 15/11, a todos aqueles que tiverem um interesse legítimo na obtenção da informação administrativa procedimental. Os artºs.61 a 64, do C.P.A., tipificaram as várias modalidades deste direito, desdobrando-o em três vertentes: o direito à prestação de informações directas (artº.61, do C.P.A.); o direito à consulta de processos; e o direito à passagem de certidão, reprodução ou declaração autenticada de documentos (artº.62, do C.P.A.).
O direito à informação procedimental visa a tutela de interesses e posições jurídicas directas dos cidadãos-administrados, que participam num concreto procedimento, permitindo-lhes melhor conhecer e controlar a actividade da Administração. Por conseguinte, define-se como um direito “uti singulis”, perspectivando o indivíduo enquanto administrado, em sentido estrito, no quadro de uma específica e concreta relação com a Administração Pública e portador de interesses eminentemente subjectivos.
Por outro lado, o direito à informação não procedimental, ou seja, o direito à informação administrativa por parte de todo e qualquer cidadão, independentemente de estar em curso qualquer procedimento administrativo, está consagrado no artº.268, nº.2, da Constituição da República, conforme se alude acima. No âmbito da lei ordinária, é o artº. 65, do C.P.A., que regulamenta o direito à informação não procedimental, também chamado princípio do arquivo aberto, respeitando a todos os documentos contidos em arquivos ou registos administrativos, aí se incluindo os documentos existentes em procedimentos administrativos já findos. Através da Lei 65/93, de 26/8 - Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) - regulamentou-se o acesso aos arquivos e registos administrativos (cfr.actualmente a Lei 46/2007, de 24/8). Este direito caracteriza-se por ser um direito “uti cives”, estando configurado como um dos instrumentos de protecção de interesses mais objectivos partilhados pela comunidade jurídica, designadamente o da transparência da acção administrativa.
Aquele (direito à informação procedimental) pressupõe a existência de um processo pendente e de um interesse directo ou legítimo do requerente (entendendo-se por interesse legítimo qualquer interesse atendível), enquanto que este último (direito à informação não procedimental) é conferido, potencialmente, a todas as pessoas (cfr.José Manuel Santos Botelho, e Outros, Código do Procedimento Administrativo anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2000, pág.299, em anotação ao artº.65; ac.S.T.A.-1ª.Secção, 18/4/1996, rec.39788).
No âmbito do direito tributário, no que diz respeito aos consagrados direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, deve ainda levar-se em consideração os artºs.59, da L. G. Tributária (o qual consagra o conteúdo do princípio da colaboração a que estão vinculados, tanto a A. Fiscal como os contribuintes), 64 (o qual consagra o princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes, por que deve rejer-se a actividade tributária), 67 e 68, todos do mesmo diploma (que consagram o direito de acesso dos contribuintes, ou dos seus representantes, aos respectivos processos individuais devidamente organizados e conservados pela administração fiscal).
O meio processual destinado ao reconhecimento judicial dos mencionados direitos encontra-se consagrado actualmente nos artºs.104 e seg. do C.P.T.A. (cfr.anteriormente os artºs.82 e seg., da L. P. T. A.), sendo o mesmo aplicável na jurisdição fiscal, “ex vi” do artº.146, nº.1, do C. P. P. Tributário. Neste, a legitimidade activa afere-se, em primeira linha, pelas razões invocadas no requerimento, verificando-se o referido pressuposto quando não seja ilegal o fim visado pelo requerente. Por outras palavras, é parte legítima aquele que pode iniciar o procedimento administrativo ou nele intervir, tal como o que pode intaurar um meio processual contencioso (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao C.P.T.A., Almedina, 3ª.edição, 2010, pág.705).
Do exposto se vê que o nosso ordenamento jurídico consagrou, com acentuada amplitude, os referidos direitos à informação e de acesso aos arquivos e registos administrativos, valendo os mesmos para todas as autoridades administrativas, independentemente da espécie de actividade por elas desenvolvida, abrangendo qualquer tipo de documento e contemplando todos os cidadãos. Os mesmos direitos só admitem as restrições legalmente estabelecidas e que têm a ver com as aludidas ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas e com o dever funcional de segredo. O direito à informação, porque não é um direito absoluto, sofre limitações ou restrições, as quais devem ter expressa autorização constitucional, revestir forma de lei ou de decreto-lei autorizado, respeitar o princípio da proporcionalidade e ressalvar o conteúdo essencial do mesmo direito fundamental (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/5/1998, Antologia de Acórdãos, Ano I, nº.3, pág.173 e seg.).
No caso “sub judice”, alega o recorrente que a sentença objecto da presente apelação não esclarece se a certidão que é intimado a passar deverá ser emitida nos termos e para os efeitos previstos no artº.24, do C.P.P.T., ou no artº.37, do mesmo código.
Contrariamente ao defendido pelo recorrente, a sentença objecto da presente apelação responde directamente a tal questão, ao afirmar no final do respectivo enquadramento jurídico que, e passamos a transcrever, “…a notificação da liquidação adicional de IRC nº.2011 8310001217, referente ao exercício de 2006, não cumpriu com os requisitos legais previstos no artº.37, nº.1, do C.P.P.T.”.
Apesar disso, façamos a destrinça entre os indicados preceitos (cfr.artºs.24, nº.2, e 37, nº.1, do C.P.P.Tributário).
O âmbito de aplicação do artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário, restringe-se ao procedimento tributário, não abrangendo o processo judicial tributário, como se infere da referência feita na norma à “decisão em matéria tributária”. Permite este preceito a sanação de deficiências dos actos de notificação, prevendo-se, aparentemente, a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do acto de notificação. Ao abrigo da norma em exame o destinatário pode requerer a notificação da fundamentação que não lhe foi comunicada, ou a passagem de certidão nesse sentido (a qual está isenta de custas), pois esta aplica-se sempre que a comunicação da decisão “não contiver a fundamentação legalmente exigida”, seja por o acto notificado não a ter, seja por a notificação ser deficiente.
Se a administração tributária não passar a certidão requerida nem efectuar a notificação dos requisitos omitidos, o acto notificado permanecerá ineficaz em relação ao sujeito passivo, não se iniciando o prazo para uso do meio de impugnação administrativa ou contenciosa que pretender utilizar (cfr.nº.2, do artº.37, do C.P.P.Tributário).
A certidão requerida deverá ser passada no prazo de 10 dias (cfr.artº.24, nº.2, do C.P. P.Tributário), sendo esse também o prazo em que a administração tributária deve efectuar a notificação dos requisitos omitidos, se for isso o que tiver sido requerido (cfr.artº.57, nº.2, da L.G.Tributária; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.337; João António Valente Torrão, C.P.P. Tributário anotado e comentado, Almedina, 2005, pág.188).
Concluindo, o artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário, consagra a possibilidade de sanação de deficiências dos actos de notificação de decisões em matéria tributária, prevendo-se a possibilidade de tal sanação ocorrer em relação a quaisquer requisitos do acto de notificação, nomeadamente, a sua fundamentação. Sendo requerida a passagem de certidão à A. Fiscal ao abrigo do mesmo preceito, tal certidão deve ser passada no prazo consagrado no artº.24, nº.2, do C.P.P.Tributário, portanto dez dias, mais estando isenta do pagamento de qualquer montante a título de custas (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.291). Esta, portanto, a separação a fazer entre os dois normativos em questão.
No caso de não ser observado este prazo de dez dias e ter sido requerida a passagem de certidão, o interessado pode utilizar o meio processual acessório de intimação para passagem de certidão para compelir a administração tributária a passá-la, situação que ocorreu nos presentes autos.
Já quanto ao disposto no artº.24, nº.1, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante do artº.13, do dec.lei 238/2006, de 20/12, refere-se a norma em questão à possibilidade de formulação de pedidos de passagem de certidão por via electrónica e desde que os respectivos actos e termos (insertos em procedimentos ou processos judiciais) estejam devidamente informatizados. Mais se dirá que as certidões cuja passagem se prevê neste artigo são apenas as que sejam pedidas à A. Fiscal, relativamente a processos administrativos ou judiciais que estejam em seu poder (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.300).
Concluindo, a norma constante no citado artº.24, nº.1, do C.P.P.Tributário, na redacção resultante do artº.13, do dec.lei 238/2006, de 20/12, tem um campo de aplicação mais vasto do que o artº.37, nº.1, do mesmo diploma, dado se aplicar tanto a processos administrativos como judiciais e, por outro lado, visar a passagem de toda e qualquer espécie de certidão que não somente as que tenham a ver com a notificação insuficiente de decisões em matéria tributária.
Ora, não é, manifestamente, esta a norma com base na qual a ora recorrida formulou o pedido de passagem de certidão em análise nos presentes autos, conforme já se concluiu supra.
“In casu”, o pedido efectuado pela ora recorrida enquadra-se no primeiro dos analisados direitos, o direito à informação. A recorrida tem interesse directo na passagem da certidão que pediu, atento o disposto nos artºs.37, do C.P.P.Tributário, e 67, da Lei Geral Tributária. O conteúdo da mesma certidão não coloca em causa a confidencialidade da situação tributária de quem quer que seja, tal como não colide com as citadas ressalvas legais em matérias de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas e com o dever funcional de segredo.
Finalizando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica (cfr.nº.9 da matéria de facto provada).
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Janeiro de 2012


(Joaquim Condesso - Relator)

(Lucas Martins - 1º. Adjunto)

(Magda Geraldes - 2º. Adjunto)