Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05785/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/21/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. CUSTO FISCAL. DESPESAS COM ASSISTÊNCIA ADMINISTRATIVA. EFEITOS DA DESCONSIDERAÇÃO DO CUSTO FISCAL.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. As despesas com assistência administrativa contratadas com a contribuinte e outro sujeito passivo, através do qual aquela recebe serviços nessa área prestados por este outro, com carácter genérico e para vigorar para o futuro, para puderem constituir um custo fiscal de cada exercício, depende da existência de documento formal passado por esse prestador que discrimine o que foi executado e a importância recebida em contrapartida e em execução de tal contrato, não servindo para o efeito uma mera nota de débito falha daqueles elementos;
2. A desconsideração de tais despesas como um custo fiscal para apuramento do IRC, implica, só por si, que também o IVA respectivo não possa ser aceite com direito à dedução, no apuramento do imposto a entregar ao Estado.


O Relator
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– Sociedade Técnica Hidráulica, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

1.ª O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no dia 21 de Janeiro de 2011, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela IMPUGNANTE - ora RECORRENTE -, que correu termos na 3.º Unidade Orgânica daquele Tribunal, sob o n.º 106/00.
2.ª A referida impugnação judicial teve por objecto a apreciação da (i)legalidade dos actos tributários de liquidação oficiosa de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 00065071 e, bem assim, de liquidação de juros compensatórios n.º 00065070, relativos ao exercício de 1997, no montante global de € 20.142,98 (vinte mil, cento e quarenta e dois euros e noventa e oito cêntimos).
3.ª Mediatamente, o objecto da referida impugnação judicial circunscreveu-­se, ainda, à apreciação da conformidade legal dos respectivos actos pressupostos, ou seja, das correcções efectuadas pela Administração tributária ao IRC e ao IVA do exercício de 1997 - constantes do Relatório Final da Inspecção Tributária - e que deram origem aos actos tributários de liquidação aí impugnados.
4.ª Os argumentos invocados pelo Tribunal a quo para sustentar a improcedência dos pedidos oportunamente formulados pela ora RECORRENTE podem ser sintetizados do seguinte modo: i) para aferição do crivo da indispensabilidade dos custos em sede de IRC - tal como recortado pelo artigo 23.º do Código do IRC -, impõe-se ao sujeito passivo realizar a comprovação documental da existência dos custos suportados; ii) a desconsideração de custos em sede de IRC - por falta de comprovação documental da exigida indispensabilidade -, determina, ipso iure, a indedutibilidade do IVA suportado com a aquisição dos respectivos serviços; e, bem assim, iii) independentemente da verificação da indicada indispensabilidade, relevante em sede de IRC, a RECORRENTE não estava na posse de documento idóneo para efeitos de exercício do correspondente direito à dedução do IVA.
5.ª Com efeito, das correcções promovidas pela Administração tributária relativamente ao exercício de 1997 e que provocaram - ilegalmente, na opinião da ora RECORRENTE - a emissão dos actos de liquidação de IVA e de juros compensatórios, resulta que a Administração tributária questiona a dedução, em sede de IVA, do montante de € 16.584,38, com base, exclusivamente, no não preenchimento do conceito de indispensabilidade dos custos, tal como recortado pelo artigo 23.º do Código do IRC.
6.ª Em particular, entendeu a Administração tributária - secundada pela decisão proferida pelo Tribunal a quo -, que a RECORRENTE não logrou provar, documentalmente, o preenchimento do indicado requisito da indispensabilidade, motivo de terminante da desconsideração dos referidos custos nos termos do artigo 23.º do Código do IRC.
7.ª Por conseguinte, a apreciação da legalidade da correcção em apreço - e, logo, do consequente acto tributário de liquidação de IVA - passa, necessariamente, pela prévia análise da conformidade do postulado acima enunciado, ou seja, pela obtenção de resposta à questão de saber se o artigo 23.º do Código do IRC impõe, conforme pressuposto pela Administração tributária e pelo Tribunal a quo, um dever de prova formal dirigido à comprovação da indispensabilidade dos custos em apreço.
8.ª Sucede, não obstante, que a relevância fiscal dos custos e das perdas não depende, nos estritos termos do artigo 23.º do Código do IRC, de qualquer dever de prova formal - maxime documental - relativamente à existência desses custos ou perdas.
9.ª Pelo contrário, a aplicação do artigo 23.º do Código do IRC depende, tão-­somente, na situação vertente, de uma comprovada verificação do requisito da indispensabilidade desses mesmos custos ou perdas para a manutenção da fonte produtora ou para a obtenção de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto.
10.ª Por outras palavras: o termo comprovadamente assume, no contexto do artigo 23.º do Código do IRC, a natureza de requisito probatório do requisito da indispensabilidade e não, como pretendem - erradamente - a Administração tributária e o Tribunal a quo, de prova documental quanto à existência desses mesmos custos.
11.ª Dispunha o artigo 23.º do Código do IRC, na redacção vigente à data dos factos, que "Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (...)" (o destacado é da RECORRENTE).
12.ª Ora, conforme observado, a leitura que a Administração tributária faz do termo comprovadamente - igualmente perfilhada pelo Tribunal a quo -, aponta para a existência de um requisito de forma dirigido à demonstração da existência do custo ou da perda, e não, como a RECORRENTE defende, relativo à indispensabilidade desse mesmo custo ou perda.
13.ª Contrapõe a RECORRENTE, não obstante, que também o artigo 42.º do Código do IRC impõe - desta feita, de forma bem mais evidente do que a que decorre do indicado artigo 23.º do mesmo Código - a observância de um requisito de forma para efeitos da dedutibilidade dos custos fiscais.
14.ª E ao procurar estremar os contornos de ambos os preceitos em confronto, nesta questão da sua articulação quanto ao requisito de forma aparentemente exigido por ambos, não será despiciendo referir que os artigos 23.º e 24.º do Código do IRC têm, literalmente, por propósito a qualificação, respectivamente, dos custos ou perdas contabilísticos e das variações patrimoniais negativas, como elementos negativos do lucro tributável.
15.º O n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC estabelece, ao invés, o regime de dedutibilidade desses mesmos elementos negativos.
16.ª Este preceito (o artigo 42.º do Código do IRC incide sobre elementos negativos já, portanto, assumidamente, de natureza fiscal - i.e., como tal qualificados pelo artigo 23.º do mesmo Código.
17.ª Tal circunstância permite, na opinião da RECORRENTE, diferenciar os efeitos de cada um dos preceitos sob análise.
18.ª A regulação estabelecida no artigo 23.º do Código do IRC tem em vista a atribuição da natureza fiscal aos custos ou perdas contabilísticos, fazendo-a depender, somente, de um requisito substantivo (de fundo) - o da sua indispensabilidade.
19.ª O requisito de forma, exigido pelo artigo 42.º do Código do IRC, já será determinante, não para efeitos da qualificação dos encargos como fiscais - a qual é exclusivamente regulada no artigo 23.º do Código do IRC -, mas para a dedutibilidade desses custos, perdas ou variações patrimoniais negativas.
20.ª Deste modo, fica, ao que supõe a RECORRENTE, demonstrado que o termo comprovadamente não respeita à prova - documental - da incorrência dos custos ou perdas contabilísticos ou da verificação das variações patrimoniais negativas.
21.ª A comprovação a que se refere o n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC dirige-se, ao invés, à demonstração da verificação do requisito da indispensabilidade desses mesmos encargos para efeitos da sua qualificação fiscal.
22.ª Em reforço deste entendimento, salienta a RECORRENTE que opinião contrária à exposta redundaria numa interpretação ab-rogante da letra da alínea g) do n.º 1 do artigo 42.º do Código do IRC, porquanto a prova que este exige para efeitos da dedutibilidade dos custos já teria sido, afinal, produzida, aquando da qualificação do custo, perda ou variação patrimonial negativa, ao abrigo dos artigos 23.º e 24.º do Código do IRC.
23.ª Acresce que o n.º 1 do artigo 23.º e o n.º 1 do artigo 24.º - este por remissão para aquele - do Código do IRC, ao enumerar, a título exemplificativo, as realidades potencialmente qualificáveis como, respectivamente, custos ou perdas e variações patrimoniais negativas, não faz menção, para esse efeito, à forma da sua revelação, conquanto se oferecesse ao legislador a alternativa de indicar os elementos de prova necessários à criação de uma presunção de existência do custo ou da perda.
24.ª Adicionalmente, chama-se também a atenção para a natureza secundária da norma do artigo 42.º do Código do IRC relativamente ao que se dispõe nos artigos 23.º e 24.º do Código do IRC, a qual resulta, nalguns casos, de tal forma evidente que a RECORRENTE a tem por dificilmente refutável, sendo vãos os esforços que se desenvolvam para demonstrar o contrário.
25.ª É o que sucede no caso dos encargos fiscais e parafiscais, genericamente qualificados como custos nos termos do artigo 23.º do Código do IRC e cuja dedução é delimitada negativamente no artigo 42.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código do IRC quanto, em particular, ao IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros e nos impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros e que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.
26.ª O mesmo se verifica, aliás, relativamente às realidades compreendidas na alínea j) do n.º 1 do artigo 42.º, conquanto no artigo 23.º do Código do IRC se oferecesse já a qualificação fiscal e, subsequentemente, a dedução genérica, a tais custos.
27.ª Significa isto, em suma, que a qualificação fiscal dos custos ou perdas não opera pela simples verificação do requisito da indispensabilidade, dependendo, ainda, da verificação de um requisito - cumulativo, portanto - consistente na demonstração da existência do relacionamento fiscalmente relevante entre os custos ou perdas e os proveitos ou a actividade produtora.
28.ª Essa é, na opinião da RECORRENTE, a conclusão que é possível retirar da inserção do termo comprovadamente na previsão do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC.
29.ª Em resumo: militam razões de peso para concluir que o termo comprovadamente constitui um requisito ad probationem relativo ao especial enlace exigido entre os custos ou perdas e a actividade produtiva e não, portanto, referente à própria existência destes custos ou perdas.
30.ª Por tudo o acima exposto considera-se que as correcções efectuadas pela Administração tributária, na medida em que se fundamentam na ausência de prova documental da existência dos respectivos encargos, tal como - alegadamente - exigida pelo artigo 23.º do Código do IRC, são ilegais, por erro sobre os respectivos pressupostos de direito.
31.ª Neste contexto, e como já entendeu este Tribunal Central Administrativo Sul, "A impugnação judicial opera como contencioso de anulação destinando-se ao aferir da legalidade do acto impugnado à luz da fundamentação, formal e substancial, de que se serviu a AT” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 02906/09, de 28-04-2009), razão pela qual tendo a sentença proferida pelo Tribunal a quo igualmente sufragado que, “Se a Administração tributária, em sede de IRC, não aceita um custo no entendimento de que a insuficiente documentação do mesmo não lhe permite aferir da sua indispensabilidade (...)", se permite concluir que a mesma incorreu em erro de julgamento, devendo, como tal, ser anulada, por violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.
32.ª Em qualquer caso, nota a RECORRENTE que os custos em apreço sempre encontrariam suporte documental suficiente, quer no contrato de prestação de serviços de assistência administrativa celebrado entre a ora RECORRENTE e a sociedade B..., S.A. (cf. Doc. 4 junto à p.i. de impugnação judicial), quer, conforme alegado na sua p.i. de impugnação judicial, na documentação apresentada pela ora RECORRENTE no âmbito do procedimento inspectivo (cf. ANEXO 6 ao Relatório Final da Inspecção Tributária), e que demonstra, quando possível, a efectiva prestação dos serviços contratados por parte de sociedades do GRUPO C..., designadamente a C...- COMPANHIA GERAL DE CAL E CIMENTO, S.A. (possibilidade que, de resto, se encontrava expressamente prevista na cláusula 2.ª do respectivo contrato - cf. Doc. 4 junto à p.i. de impugnação judicial).
33.ª Na verdade, notou a RECORRENTE, na sua p.i. de impugnação judicial, que a grande maioria dos serviços incluídos no âmbito do referido contrato de prestação de serviços de assistência administrativa, atenta a sua natureza desmaterializada, seria - não obstante desnecessária ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC - insusceptível de prova documental.
34.ª Contudo, e ao contrário do peticionado pela ora RECORRENTE na sua p.i. de impugnação judicial, tais elementos não foram, sequer, sindicados pelo Tribunal a quo, tendo este limitado a sua apreciação à singela confirmação das conclusões firmadas no Relatório Final da Inspecção Tributária.
35.ª Por este motivo, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, acrescidamente, de erro sobre os respectivos pressupostos de facto, na medida em que não a apreciou devidamente os elementos probatórios juntos aos Autos - em
particular os que constituem os ANEXOS 4 e 6 ao Relatório Final da Inspecção Tributária -, no sentido em que os mesmos são suficientes para comprovar documentalmente os encargos incorridos ela RECORRENTE.
36.ª Posto isto, a dúvida que deveria ter sido suscitada para efeitos da apreciação da legalidade das correcções vertentes à luz do identificado crivo da indispensabilidade, seria a de saber se as referidas despesas suportadas pela RECORRENTE são qualificáveis, para efeitos do disposto no citado artigo 23.º do Código do IRC, como "gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa" (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01236/05, de 29 de Março de 2006, em que foi relator BAETA DE QUEIROZ) (o destacado é da RECORRENTE).
37.ª Ora, conforme referido na sua p.i. de impugnação judicial, a ora RECORRENTE celebrou com a sociedade B..., S.A., um contrato de prestação de serviços de assistência administrativa, nos termos do qual esta última, ou qualquer outra entidade do GRUPO C...(cf. cláusula 2.ª do referido contrato- Doc. 4 junto à p.i. de impugnação judicial), se obrigou, perante a RECORRENTE, a prestar serviços de formação de pessoal, de processamento de salários, de contabilidade, de informática, de fiscalidade e de análise de contratos e aconselhamento no âmbito de operações a realizar pela ora RECORRENTE.
38.ª Adicionalmente, o objecto do referido contrato incluía, ainda, a prestação de serviços de assistência comercial, tais como a promoção comercial da RECORRENTE e a organização de participações em feiras ou a concepção de stands para esse efeito.
39.ª Neste contexto, a Administração tributária não questionou que tais serviços de assistência administrativa e comercial permitissem potenciar a prossecução da actividade industrial e comercial da ora RECORRENTE, com a consequente obtenção de significativos ganhos de eficiência na sua gestão, decorrentes da experiência acrescida - e, assim, partilhada - das restantes sociedades do GRUPO C....
40.ª De igual modo, não questionou, sequer, que tais encargos tenham sido "incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa" (cf. citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01236/05, de 29 de Março de 2006).
41.ª O mesmo é dizer, em suma, que, nem a Administração tributária, nem o Tribunal a quo, questionaram a - segundo julga a RECORRENTE, evidente ­indispensabilidade dos encargos suportados pela RECORRENTE, na sua vertente de custos indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.
42.ª Significa o anterior, portanto, que, também por este motivo, a sentença recorrida – decidindo, sem mais, pela dispensabilidade dos custos suportados pela RECORRENTE, enquanto pressuposto da sua indedutibilidade em sede de IVA ­
incorreu em erro sobre os respectivos pressupostos de direito - por violação do artigo 23.º do Código do IRC -, impondo-se por esse motivo a sua anulação.
43.ª Sem prejuízo do que fica exposto nos pontos antecedentes, mas em termos decisivos, regista a RECORRENTE, por fim, que o artigo 23.º do Código do IRC - tal como invocado pela Administração tributária e pelo Tribunal a quo como fundamento da legalidade dos actos tributários de liquidação de IVA e de juros compensatórios impugnados - tem o seu âmbito de aplicação limitado à dedutibilidade de custos em sede de IRC.
44.ª Na verdade, a aplicação do artigo 23.º do Código do IRC não legitima, de per se, a realização da correspectiva correcção em sede de IVA, nos moldes em que a mesma foi realizada pela Administração tributária e julgada conforme pelo Tribunal a quo.
45.ª Pelo contrário: a (in)dedutibilidade do IVA obedece - atenta a natureza comunitária deste imposto - a um regime particular e a pressupostos específicos, tal como vertidos no artigo 20.º do Código do IVA, não podendo a Administração tributária, sob pena de manifesta ilegalidade, convocar o crivo do artigo 23.º do Código do IRC para efeitos de aferição da conformidade legal da dedução dos montantes suportados a título de IVA pela ora RECORRENTE.
46.ª Com efeito, "A jurisprudência comunitária sublinha o carácter essencial do exercício do direito à dedução na prossecução do objectivo de neutralidade fiscal no que toca aos sujeitos passivos de imposto. Esta característica primordial do IVA é atingida por meio da atribuição aos sujeitos passivos de IVA de um crédito fiscal relativo ao IVA suportado relativamente aos bens e serviços adquiridos e que foram onerados com IVA" (cf. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, p. 303).
47.ª Neste contexto, resta à ora RECORRENTE - no sentido de demonstrar os vícios remanescentes em que incorreu a sentença recorrida - analisar a legalidade dos actos tributários impugnados à luz do regime que lhes era, concretamente, aplicável, ou seja, do regime do direito à dedução do IVA expressamente recortado pelos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA.
48.ª Analisado o regime consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º, ambos do Código do IVA, permite-se concluir que a dedutibilidade do IVA suportado pela RECORRENTE se encontrava dependente do preenchimento dos seguintes requisitos: i) que o IVA tivesse sido suportado com a aquisição de serviços a outro sujeito passivo de IVA e, bem assim, ii) que tais serviços tivessem sido adquiridos pela RECORRENTE para a realização de transmissões de bens ou prestações de serviços sujeitas e não isentas de IVA.
49.ª Ora, o preenchimento do primeiro requisito assevera-se, no caso concreto, evidente, na medida em que estava em causa a dedução do IVA suportado com a aquisição de serviços de assistência administrativa à sociedade B..., S.A. (cf. Doc. 4 junto à p.i. de impugnação judicial), sujeito passivo de IRC e de IVA.
50.ª Já no que respeita ao segundo requisito - recortado pela referida alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA e singelamente invocado pela Administração tributária no Relatório Final da Inspecção Tributária como norma violada -, regista a RECORRENTE que é a realização das operações aí previstas - i.e., das referidas "Transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas" - que origina o direito à dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços utilizados nas mesmas.
51.ª Por outras palavras, "A possibilidade de o sujeito passivo de IVA deduzir o imposto suportado sobre bens ou serviços que tenha adquirido depende de estes virem a ser utilizados na realização das suas operações tributáveis ou, dito de outro modo, os sujeitos passivos só podem deduzir o IVA suportado a montante se os bens ou serviços sobre que incidiu forem utilizados para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços que hão-de ser tributadas a jusante (d. arts. 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA)" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no âmbito do processo n.º 00308/01).
52.ª Neste contexto, nota-se que a actividade económica da RECORRENTE ­delimitada pela fabricação e comercialização de produtos de fibrocimento ­consubstancia a realização de operações sujeitas e não isentas de IVA, encontrando-se a RECORRENTE inscrita, por esse motivo, no regime normal mensal de IVA.
53.ª A este propósito, destaca a RECORRENTE que "Todas as operações que estejam sujeitas a imposto e dele não isentas - alínea a) do n.º 1 [do artigo 20.º] - conferem, por definição, o direito à dedução, dado que este se baseia no princípio de repercussão do imposto, através do qual a carga tributária de cada fase de produção e/ ou de distribuição de bens e serviços vai sendo repercutida sobre o adquirente seguinte, até chegar ao consumidor final, o qual deve suportar o imposto sem qualquer possibilidade de dedução" (cf. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, Instituto Superior de Gestão, p. 318).
54.ª Por seu turno, a prossecução da actividade económica da ora RECORRENTE - à semelhança do que se verifica com os restantes agentes económicos - pressupõe a manutenção de uma estrutura administrativa e de gestão, no âmbito da qual se inscreveu, precisamente, a aquisição dos pertinentes serviços de assistência administrativa e comercial, dirigidos a permitir à ora RECORRENTE o desenvolvimento mais eficiente da sua actividade industrial e comercial.
55.ª Por conseguinte, impõe-se concluir, sem necessidade de ulteriores desenvolvimentos, que os serviços de assistência administrativa em apreço foram adquiridos pela RECORRENTE para o - e no contexto do - exercício da sua actividade económica.
56.ª Ora, conforme referido, "Sem prejuízo de limitações e de exclusões (cf. artigo 21.º), o direito à dedução é aplicável a todos os bens e serviços adquiridos para o exercício da actividade económica do sujeito passivo" (cf. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, op. cit., p. 319), O que significa que, no caso concreto da ora RECORRENTE, não se aplicando nenhuma das exclusões previstas no referido artigo 21.º do Código do IVA - circunscritas à impossibilidade de dedução do IVA suportado com despesas sumptuárias, recreativas ou de representação, o que manifestamente não se verifica no caso vertente -, se encontravam preenchidos todos os requisitos de que dependia o exercício do direito à dedução do IVA suportado com a aquisição dos respectivos serviços.
57.ª De resto, nenhum dos referidos pressupostos - de cuja não verificação dependia a indedutibilidade do IVA suportado pela RECORRENTE - é, sequer, infirmado pela Administração tributária no Relatório Final da Inspecção Tributária.
58.ª Em suma, encontravam-se reunidos todos os requisitos - ao contrário do que vem afirmado pela Administração tributária e decidido pelo Tribunal a quo ­determinativos da legalidade do exercício do direito à dedução do IVA suportado pela RECORRENTE com a aquisição de serviços de assistência administrativa e comercial à sociedade B..., S.A..
59.ª Em face do que fica exposto, impõe-se concluir que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, quando entende que "Se a Administração tributária em sede de IRC, não aceita um custo no entendimento de que a insuficiente documentação do mesmo não lhe permite aferir da sua indispensabilidade fica comprometida a dedutibilidade do IVA liquidado pelo prestador", assentou em erro sobre os respectivos pressupostos de direito – por violação do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA -, devendo, por esse motivo, ser anulada.
60.º Entendeu o Tribunal a quo, por último, que, "nos termos do art.º 19.º, n.º 2, do Código do IVA, só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal, isto é, com os requisitos exigidos no art.º 35.º daquele Código", concluindo, a esta luz, que "os documentos com base nos quais a impugnante se arroga o direito à dedução do IVA não preenchem todos os requisitos legalmente exigidos para o exercício desse direito, nomeadamente, a quantidade e o tipo de serviços prestados pela CMP no âmbito do contrato de assistência administrativa, como é explicitado no relatório de inspecção (vd. Art.º 35.º, n.º 5 alínea b), do Código do IVA)".
61.ª Ora, não obstante a razão apontada pelo Tribunal a quo como ultima ratio da improcedência dos pedidos formulados pela ora RECORRENTE não ter sido invocada pela Administração tributária como fundamento dos actos tributários impugnados - o que configura um excesso de pronúncia, conforme a RECORRENTE demonstrará de seguida -, o certo é que, também neste domínio, o Tribunal a quo laborou em erro sobre os respectivos pressupostos de facto e de direito, na medida em que a RECORRENTE estava na posse de documento idóneo para efeitos de legitimação do correspondente exercício do direito à dedução do IVA suportado.
62.ª Com efeito, a dedução do IVA suportado pela ora RECORRENTE, no montante de 3.324.869$00, estribou-se na posse do Aviso de Lançamento n.º 447 de 31-12-97, emitido pela sociedade B..., S.A. (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária).
63.ª Desde logo, o nomen atribuído ao respectivo documento é irrelevante para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA nele mencionado, na medida em que o artigo 35.º do Código do IVA qualifica como «factura», para este efeito, os documentos equivalentes que, materialmente, preencham os requisitos enunciados nesse artigo, em particular no seu n.º 5.
64.ª De igual modo, o referido Aviso de Lançamento n.º 447 (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária), preenche todos os requisitos materiais prescritos pelo referido n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA.
65.ª Em particular, e no que respeita ao requisito previsto na alínea b) da referida norma legal - quando obriga à menção da "quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável” -, nota a RECORRENTE que tal exigência "visa permitir, tanto ao adquirente dos bens ou serviços, como à administração fiscal, controlar se a taxa que incidiu sobre o valor tributável é a correcta" (cf. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, op. cit., p. 382).
66.ª Neste contexto, o referido Aviso de Lançamento discrimina, expressamente, os "serviços prestados pela assistência administrativa, relativa ao ano de 1997 à A...STH, S.A." (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária), sendo tal discriminação apta e suficiente, contrariamente ao entendimento perfilhado pelo
Tribunal a quo, para apurar - e sindicar - a taxa de imposto aplicável, tal como exigido pela alínea b) do n.º 5 do artigo 35.º do Código do IVA.
67.ª De resto, não seria, sequer, exigível à sociedade prestadora dos serviços a realização de uma discriminação detalhada de todos os sub-tipos de serviços incluídos no âmbito do referido contrato, quer por força da impraticabilidade de tal enunciação - em virtude do elevado número de componentes -, quer por tais serviços se encontrarem, na sua globalidade, sujeitos à taxa geral de IVA vigente à data dos factos - sendo, portanto, irrelevante a sua enunciação tendo em conta o escopo da norma.
68.ª Em suma, conclui-se que a ora RECORRENTE estava na posse de documento equivalente, emitido em seu nome, e relevante para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA nele mencionado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA.
69.ª Do mesmo passo, impõe-se concluir que a sentença ora recorrida incorreu em erro sobre os respectivos pressupostos de facto e de direito ao fazer uma valoração incorrecta do Aviso de Lançamento n.º 447 (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária - violando o disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA - impondo-se consequentemente a sua anulação.
70.ª Acresce ao anterior, por fim, que os actos tributários impugnados têm por actos pressupostos, conforme já referido, os de correcção do lucro tributável da RECORRENTE relativo ao IRC do exercício de 1997 e os de correcção do IVA dedutível no mesmo período.
71.ª Ora, tal circunstância impossibilita a procedência de qualquer entendimento que se oriente no sentido da admissão da apreciação desses actos - tributários com recurso a outros motivos que não os subjacentes a tais correcções,
sob pena de ilegalidade superveniente por desconformidade com os actos pressupostos.
72.ª Em suma, ao Tribunal a quo, competia, salvo melhor opinião, analisar os actos sindicados atendendo ao seu conteúdo contextual e não ao seu conteúdo admissível, como aliás, e bem, se decidiu no CASO ALVARO CUNHA & C.ª (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 5 de Julho de 2000, Recurso n.º 24632), na parte em que se entendeu que, "no entanto, no caso, não foi por duvidar desta indispensabilidade que a administração fiscal corrigiu a matéria colectável, pelo que não interessa apreciar aqui se ela se verifica ou não".
73.ª No Acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 03 de Julho de 2003, proferido no Processo n.º 378/03, diz-se, aliás, que, "no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, o tribunal tem de quedar-se pela formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, não podendo apreciar se ele poderia basear-se noutros fundamentos invocados a posteriori" (ponto 1 do Sumário).
74.ª E no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22 de Maio de 2002, proferido no Recurso n.º 0309/02, sublinha-se que, "se o acto contenciosamente recorrido denegou a pretensão de recebimento de certos juros moratórios com base em fundamentos em que não se incluía a prescrição do respectivo direito, não pode a legalidade do acto ser apreciada à luz dessa prescrição".
75.ª Decorre do anterior, assim, que o juízo de legalidade ou de ilegalidade dos actos impugnados deve constituir o resultado de uma apreciação alicerçada nos pressupostos de facto e de direito desses mesmos actos, vertidos na sua fundamentação, e não em quaisquer outros que, eventualmente, pudessem, igualmente, determinar a sua prática.
76.ª Ora, a Administração tributária não invocou, em sede de Relatório Final da Inspecção Tributária, a inexistência da respectiva factura ou documento equivalente - tal como prescrito pelo n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA -, para efeitos de fundamentação da prática dos actos tributários impugnados, não obstante ter analisado e juntado o referido Aviso de Lançamento n.º 447 ao seu Relatório Final (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária) - de onde se infere que o conteúdo de tal documento não terá suscitado quaisquer dúvidas no que tange à sua conformidade com o disposto no artigo 35.º do Código do IVA e, logo, à sua qualificação como documento equivalente para efeitos de exercício do correspondente direito à dedução do IVA.
77.ª Todavia, e conforme referido, o Tribunal a quo sustentou liminarmente a improcedência da impugnação judicial apresentada pela ora RECORRENTE com fundamento na ausência daquele documento.
78.ª O mesmo é dizer, portanto, que subsiste um excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo determinativo da nulidade da sentença de que presentemente se recorre nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, cuja declaração desde já se requer.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, QUE VOSSAS ExCELÊNCIAS NÃO DEIXARÃO DE SUPRIR, DEVERÁ SER ANULADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, SENDO JULGADA PROCEDENTE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL APRESENTADA PELA ORA RECORRENTE NOS TERMOS INICIALMENTE PETICIONADOS.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por tal verba desconsiderada com custo para efeitos de IRC, não se encontrava apoiada por documento externo e nem se prova que o mesmo tenha ocorrido, desta forma não permitindo também, que o IVA mencionado como tendo sido suportado pela contribuinte possa ser deduzido.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a sentença recorrida padece do vício formal de excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E padecendo, e declarando-se nula a sentença recorrida no segmento decisório atinente, se a desconsideração como custo fiscal da verba em causa pela AT, se fundou, exclusivamente, na falta de prova documental sobre o conceito de indispensabilidade desse custo; Se tal custo se encontra documentalmente provado; Se o mesmo, por se reportar, em parte, a actos desmaterializados seria insusceptível de prova documental; E se a não aceitação de tal verba como um custo fiscal em sede de apuramento do lucro tributável em IRC, não implicar, por si só, o não direito à dedução do IVA correspondente.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. A impugnante desenvolve a actividade de fabricação de produtos de fibrocimento, CAE 26.650, encontrando-se enquadrada no regime normal mensal de IVA (fls. 13);
2. Foi sujeita a uma acção de inspecção parcial, abrangendo os impostos sobre o rendimento e o IVA e incidente sobre o exercício de 1997;
3. A referida acção culminou com a elaboração do relatório de 26/10/1999, que constitui fls. 43/54, de que consta, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇOES MERAMENTE ATRITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1 - CUSTOS DESNECESSÁRIOS
(...) constatou-se que a A..., S.A., contabilizou na conta "622244 ­royalties c/ass. Adm.", o valor de 19.558.050$00 (líquido de IVA = 3.324.869$00) - ANEXO 2, relativo a encargos debitados pela empresa CMP- Cimentos D..., S.A ...., através do Aviso de Lançamento nº 447, de 31/12/97 (ANEXO 3).
Estes encargos têm como suporte um acordo celebrado entre a B...D..., S.A. e a A...- Sociedade Técnica Hidráulica, S.A., em 29/05/98 (ANEXO 4), e que retroage a 01/01/95.
Este contrato contempla a remuneração da A...à CMP ... com base em percentagens sobre as vendas liquidas anuais, de assistência administrativa prestada pela CMP nos campos constantes do ponto 4 do referido acordo e que se transcrevem:
a) Formação de pessoal administrativo;
b) Processamento de salários;
c) Contabilidade;
d) Informática;
e) Fiscalidade;
f) Análise de contratos a celebrar;
g) Estudo e aconselhamento em quaisquer operações a realizar pela A....
Verificou-se assim, que atendendo à natureza da assistência, estes encargos não possuem características de royalties, tratando-se simplesmente de serviços prestados.
A empresa foi notificada em 26/05/99 para:
1. Fundamentar a forma de cálculo da percentagem (0,8% do volume líquido de negócios de cada exercício social) referidas ...no contrato celebrado entre as duas empresas.
2. Justificar documentalmente a assistência administrativa prestada pela CMP à A...no ano de 1997, nas vertentes previstas no nº4 do contrato...
Relativamente ao ponto 1 da notificação, a empresa não respondeu à pergunta dado que refere que a forma de cálculo resultou .. das negociações estabelecidas entre as respectivas Administrações ... ", conforme resposta do s.p. à notificação, não informando em que parâmetros se basearam aquelas negociações para se ter fixado para 1997 a percentagem de 0,8 e não outra.
No que respeita ao ponto 2, a empresa não apresentou qualquer documento emitido pela CMP justificativo da assistência prestada por esta empresa... no âmbito do ponto 4 do acordo celebrado entre as duas empresas. A A..., S.A., limitou-se a apresentar documentos emitidos pela C...- Companhia Geral de Cal e Cimento, S.A..., bem como informação diversa... que não provam qualquer assistência prestada pela CMP nas vertentes previstas no ponto 4 do contrato, à A....
Conclui-se do exposto que a A...não possui documentação que prove que aquela assistência foi prestada, pelo que se considera que o valor de 19.558.050$00 contabilizado por si como custo foi desnecessário para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora, tendo por este facto infringido o art° 23° do CIRC.
Pelos mesmos motivos considera-se que a empresa deduziu indevidamente o valor de 3.324.869$00 relativo à contabilização do IVA do Aviso de Lançamento nº 447, de 31/12/97, tendo por este facto infringido o art° 20° nº1 alínea a) do CIVA...».
4. Em sequência, foram efectuadas correcções de IVA naquele montante de 3.324.869$00 (mapa resumo das correcções resultantes da acção inspectiva, a fls. 42);
5. Que originaram a liquidação adicional de imposto nº 65071 no mesmo montante e de juros compensatórios nº 65070, na importância de 713.435$00 (notificações a fls. 10 e 11);
6. Ambas tinham prazo de pagamento até 31/07/2000;
7. A impugnação deu entrada na Repartição de Finanças em 20/09/2000, conforme carimbo aposto a fls. 2.

Factos do provados: Com interesse para a decisão, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos, com destaque para a assinalada.


4. Na matéria das suas conclusões 60.º e segs das alegações do recurso, vem o ora recorrente assacar à sentença recorrida (além do mais) o vício formal de excesso de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade, cujo pedido, consequente e certeiro, veio a formular desde logo na matéria da sua conclusão 78.ª, porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz se pronuncie sobre questão que não deva conhecer, que por isso não tenha sido submetida à sua apreciação e da qual conheça, bem como, oficiosamente, a lei lhe não imponha ou permita que dela conheça, constituindo um vício aos limites formais a que se encontra submetido na elaboração da sentença, contido no art.º 660.º, n.º2, (segunda parte), do Código de Processo Civil (CPC).

Por questões a que se reportam as normas dos art.ºs 125.º, n.º1 do CPPT e 668.º, n.º1, alínea d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir(1), como se pronunciam entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, proferido no recurso n.º 738/05(2).

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal excesso de pronúncia, por ... a Administração tributária não invocou, em sede de Relatório Final da Inspecção Tributária, a inexistência da respectiva factura ou documento equivalente - tal como prescrito pelo n.º 2 do artigo 19.º do Código do IVA -, para efeitos de fundamentação da prática dos actos tributários impugnados, não obstante ter analisado e juntado o referido Aviso de Lançamento n.º 447 ao seu Relatório Final (cf. ANEXO 7 ao Relatório Final da Inspecção Tributária) - de onde se infere que o conteúdo de tal documento não terá suscitado quaisquer dúvidas no que tange à sua conformidade com o disposto no artigo 35.º do Código do IVA e, logo, à sua qualificação como documento equivalente para efeitos de exercício do correspondente direito à dedução do IVA, todavia, e conforme referido, o Tribunal a quo sustentou liminarmente a improcedência da impugnação judicial apresentada pela ora RECORRENTE com fundamento na ausência daquele documento, o mesmo é dizer, portanto, que subsiste um excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo determinativo da nulidade da sentença de que presentemente se recorre nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, cuja declaração desde já se requer... desta forma, apontando, em concreto, ainda que de forma não totalmente rigorosa(3), onde entende existir tal excesso de pronúncia, assim, tendo apontando qual a concreta causa de invalidade que lhe assaca e que pelo Tribunal “a quo” foi conhecida como suporte ou esteio (também) da decisão recorrida, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, (mas) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, não se integrando, contudo, em tal vício formal da decisão, os argumentos ou raciocínios expendidos para sustentar e estear a solução jurídica nela alcançada, mas apenas o conhecimento de questão que dela não podia conhecer.

Lendo e analisando a sentença recorrida, a qual pode/deve ser interpretada à luz da declaração negocial contida nos art.ºs 217.º e segs do Código Civil(4), temos no caso que, o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em tal peça decisória, depois de ter conhecido do objecto da impugnação à luz da não qualificação de tal verba desconsiderada como custo fiscal para efeitos de IRC, concluiu que também para efeitos de dedução do IVA mencionado em tal documento não podia haver lugar à mesma, tendo-lhe acrescentado uma segunda razão ou motivo, para a impugnação judicial também por aí improceder, ao nela se escrever...”Todavia, ainda que venha a produzir essa prova e a despesa venha a ser aceite como custo no apuramento do lucro tributável, tal não lhe aproveita em sede de IVA” ...tendo a final vindo a rematar ... “Assim, dependendo o exercício do direito à dedução do IVA de requisitos de forma que a documentação que suporta o custo contabilizado não preenche nenhuma censura merece a liquidação impugnada”, pelo que tal segmento de sustentação da sentença recorrida se não reconduz, a argumentos ou raciocínios atinentes à fundamentação da improcedência da impugnação quanto à questão dos custos, mas sim, constitui uma verdadeira questão, com aptidão, só por si, para julgar procedente ou improcedente tal impugnação, sendo pois constitutiva de uma nova causa de pedir diversa daquela outra e com base na qual foi (também) nela alcançado a solução de improcedência da presente impugnação.

Em suma, a sentença recorrida fez estear a solução jurídica nela alcançada em dois pilares argumentativos, autónomos, cada um deles, só por si, suficiente para fundar tal solução, quando, não podia conhecer deste segundo, por a liquidação impugnada se não fundar nele, não ter sido articulado por nenhuma das partes e também não ser de conhecimento oficioso, desta forma tendo violado os limites formais sobre que a sua pronúncia se encontrava adstrita, o que conduz à nulidade da mesma, na parte respectiva, sendo de a expurgar da fundamentação do conhecimento dessa questão.


Procede assim, a matéria destas conclusões do recurso, sendo de declarar nula a mesma sentença na parte em excesso.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial (na parte subsistente) considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que não se encontrando documentado o custo fiscal em causa para efeitos de IRC, não se demonstrando que os serviços em causa foram efectivamente prestados, fica o mesmo prejudicado para efeitos de dedução do IVA a ele associado, por tal dedução apenas poder incidir sobre bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização das operações de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

Para a impugnante e ora recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta factualidade (e muita outra) que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido, em ordem à sua revogação (ainda que a mesma, indiscriminadamente, também lhe chame de anulação), pugnando que o acto de liquidação se fundou, exclusivamente, no não preenchimento pela ora recorrente, do conceito de indispensabilidade dos custos através de prova documental, o que a sentença recorrida secundou, sendo que tal requisito de prova se reporta à demonstração do custo ou da perda que não ao da sua indispensabilidade (segundo se consegue apreender da matéria das extensas e deslocadas conclusões das alegações recursivas das suas 59 alíneas), bem como, que tais custos, se encontram formal e documentalmente provados com o doc. n.º4 junto à petição de impugnação, e sempre os mesmos por desmaterializados, seriam insusceptíveis de sobre eles ser produzida tal prova documental, pugnando também que a não aceitação como custo fiscal para efeitos de IRC não teria como consequência directa a sua não dedutibilidade em sede do IVA.

Vejamos então.
Encontra-se em causa o IVA relativo ao exercício de 1997, de liquidação adicional, tendo por base a parte da matéria apurada em sede de inspecção tributária ao mesmo exercício, cuja cópia consta de fls 43 e segs dos autos, onde foi desconsiderado o montante, entre outros aqui não em causa, o custo contabilizado de 19.558.050$00 para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC, relativo a encargos debitados pela empresa CMP – Cimentos D..., SA, cujo IVA correspondente do total de 3.324.869$00, foi cortado no direito à dedução e que pela sentença recorrida foi mantida essa mesma liquidação.

Dispunha a norma do então art.º 23.º do CIRC(5), sob a epígrafe, Custos ou perdas (aliás, de semelhante redacção à actual):
Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
....
Os custos indispensáveis equivalem, assim, aos gastos contraídos no interesse da empresa. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se “sempre que – por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas – as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata”(6).

O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário, como se decidiu no acórdão do STA de 29.3.2006, recurso n.º 1236/05(7).

No caso, contrariamente ao invocado pela ora recorrente, a desconsideração de tal custo inscrito na sua contabilidade não teve por exclusivo fundamento, a falta de prova documental da sua indispensabilidade, como a mesma invoca na matéria da sua conclusão 5.ª, mas sim, em síntese, como do relatório do exame à escrita se pode colher ... que não provam qualquer assistência prestada pela CMP nas vertentes previstas no ponto 4 do contrato, à A....
Conclui-se do exposto que a A...não possui documentação que prove que aquela assistência foi prestada, pelo que se considera que o valor de 19.558.050$00 contabilizado por si como custo foi desnecessário para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para manutenção da fonte produtora ..., residindo assim, a falta da aceitação de tal custo como um custo fiscal, na falta da devida prova documental para o efeito, ou seja, que a mesma tenha incorrido no mesmo como contrapartida para a obtenção dos serviços de assistência, contratados com a CMP, onde a ora recorrente não provou perante a AT que a inscrição de tal custo na sua contabilidade se encontrava apoiado em documento externo que desse a conhecer a sua origem, natureza e extensão, de molde a como tal poder qualificá-lo, em violação pois, dos deveres que sobre a mesma impendem, por força do disposto nos art.ºs 18.º e 29.º do Código Comercial e 98.º, n.º3, alínea a) do CIRC (redacção de então), entre outros.

Como no mesmo relatório se dá conta, perante tal falta de prova, foi a ora recorrente notificada para apresentar a prova atinente, o que esta não fez, pelo que não restava à AT outra alternativa que não fosse a de lhe desconsiderar tal montante como um custo fiscal no exercício em apreço e de lhe cortar o direito à dedução em sede de IVA.

Por outro lado e igualmente em contrário do afirmado pela ora recorrente, o doc. n.º4 junto com a petição de impugnação (fls 28 a 32 dos autos) e anexo 6 do relatório da fiscalização tributária (fls 77 a 93 dos autos), só por si, também não têm aptidão para comprovar a aquisição de bens/serviços ao abrigo do ponto 4. de tal contrato de assistência administrativa, firmado entre a ora recorrente e a CMP, já que não obstante a existência do mesmo, que prevê a prestação dessa assistência (para o futuro), que por esta lhe seja solicitada – cfr. sua cláusula 2. – e é apenas pela assistência que lhe for prestada que é devido o pagamento constante na sua cláusula 4., pelo que inexistindo qualquer discriminação ou inventariação do que foi executado pela dita CMP e do que em troca lhe foi pago, em factura ou documento equivalente, neste exercício do ano de 1997, ao abrigo desse ponto 4. desse contrato, e, não tendo também, a ora recorrente, vindo juntar qualquer outra prova e nem arrolar testemunhas(8) para o efeito, em sede desta impugnação judicial, não se pode dar como provada a existência da prestação dessa assistência e que dela dimanasse naquele quantitativo contabilizado como pago, e que como tal possa ser qualificado como um custo fiscal do exercício.

Também a invocada desmaterialização dos serviços prestados (em parte), ao abrigo de tal contrato, como a mesma invoca, como impeditiva de sobre eles ser produzida prova documental, sobre tal matéria nenhuma prova consta dos autos e nem a mesma a veio a oferecer, pelo que tal alegação não passa disso mesmo, e ao seu abrigo, também o recurso não pode deixar de improceder.

Aqui chegados, não podendo tal verba contabilizada como um custo do exercício no apuramento do lucro tributável em IRC do exercício do ano de 1997, ser qualificada como um seu custo fiscal, é por demais evidente que, ao nível do IVA, o imposto aí mencionado, como suportado na aquisição desses bens/serviços, não pode ser deduzido no cômputo do imposto a entregar ao Estado, ao abrigo do disposto nos art.ºs 19.º e 20.º do CIVA, por não se provar a real e efectiva existência de qualquer aquisição de bens/serviços ao abrigo desse documento de suporte contabilístico com base no qual foi, também, exercido o direito à dedução do imposto, não merecendo nenhuma censura a sentença recorrida que nesta parte também assim entendeu e decidiu, sendo de a confirmar.


Nestes termos, procede, em parte, a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe conceder parcial provimento e de declarar nula a sentença recorrida no seu segundo segmento decisório, e de a manter, no remanescente.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em declarar nula a sentença recorrida no seu 2.º segmento decisório, e de a confirmar no remanescente, mantendo-se a liquidação impugnada.


Custas pela recorrente.


Lisboa,21/05/2013

EUGÉNIO SEQUEIRA
JOAQUIM CONDESSO
PEDROVERGUEIRO




1- Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
2- O qual teve por Relator igualmente o do presente.
3- Porque essa questão conhecida pelo Tribunal a quo poderia ter sido invocada, também, não só pelas partes como de conhecimento oficioso pelo tribunal, caso em que inexistiria tal excesso de pronúncia.
4- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 24-2-2011, recurso n.º 1053/10.
5- Redacção introduzida pelo art.º 27.º, n.º2 da Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro (orçamento do Estado para 1995).
6- Cfr. neste sentido António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos, pág. 116, citando Tomás Tavares.
7- A que se poderia juntar, a título exemplificativo, também o acórdão do mesmo STA de 13.2.2008, recurso n.º 798/07, com semelhante interpretação sobre a questão dos custos fiscais.
8- Prova testemunhal que a jurisprudência aceita, correntemente, para suprir as deficiências ou omissões dos documentos de suporte da contabilização de um custo em ordem à sua real comprovação – cfr. entre muitos, o acórdão deste TCAS n.º 4788/01, o qual teve por relator, igualmente , o do presente.