Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12754/15
Secção:CA
Data do Acordão:04/07/2016
Relator:RUI PEREIRA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA – EVIDENTE PROCEDÊNCIA – CARÁCTER EXCEPCIONAL
Sumário:I – Como a mera leitura da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA indicia, os exemplos que o legislador aí refere sugerem que este deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de quaisquer indagações, na medida em que o que é manifesto não necessita de demonstração.
II – Tanto a doutrina como a jurisprudência tendem a caracterizar as situações que podem justificar o enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA como sendo de natureza excepcional, na medida em que as situações excepcionais contempladas na alínea a) do nº 1 são aquelas em que se afigure evidente ao tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente.
III – Se, em sede cautelar, o tribunal considerar que – tanto quanto, nessa sede, lhe é possível afirmar – se preenche a previsão do nº 1, alínea a), cumpre-lhe conceder a providência sem mais indagações: nem há, pois, que atender aos critérios das alíneas b) ou c) do nº 1, nem ao disposto no nº 2.
IV – Deste modo, não sendo líquida, por evidente, a resolução das questões enunciadas no requerimento cautelar, e tendo-se por assente que no âmbito das providências cautelares, a apreciação do “fumus boni iuris” obedece a juízos de prognose ou de probabilidade que pressupõem uma cognição perfunctória e sumária da situação de facto e de direito, não podendo, nem devendo a providência cautelar substituir-se à acção principal, nem comprometer ou antecipar o juízo de fundo que, nesta última, caberá formular, não pode deixar de concluir-se que a decisão recorrida não merece a censura que o recorrente lhe dirige, quando concluiu que a providência requerida não podia ser decretada a coberto do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: V., Ldª”, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Sintra contra o Município de Sintra uma providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho que determinou a remoção da esplanada que tem instalada junto ao estabelecimento sito ..…., nº 3, na vila de Sintra.
O TAF de Sintra, por sentença datada de 11-9-2015, indeferiu o pedido de decretamento da providência [cfr. fls. 63/74 dos autos].
Inconformada, a requerente recorre para este TCA Sul, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
a) O acto administrativo que deferiu o licenciamento da esplanada existente encontra-se plenamente em vigor, já que não foi nunca objecto de revogação por parte da CM Sintra.
b) Enquanto não for revogado impõe-se na ordem jurídica.
c) Qualquer acto que o contrarie é manifestamente ilegal.
d) Donde, resulta evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal.
e) Ao assim não considerar a sentença recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA.
Por outro lado,
f) O acto cuja suspensão se requer é manifestamente ilegal, por falta de fundamentação e por violação do direito de audiência prévia.
g) Pelo que, também por essa razão, é evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal.
h) Pelo que a sentença, ao assim não entender, violou, por erro de interpretação, o já referido artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA.” [cfr. fls. 82/84 dos autos].
O Município de Sintra contra-alegou, tendo para o efeito formulado as seguintes conclusões:
I – O presente recurso tem por objecto a sentença proferida em 11-9-2015, a qual, e bem, julgou o pedido cautelar improcedente e absolveu a entidade requerida do pedido.
II – Nessa conformidade, mantem o acto do Sr. Director do Departamento de Segurança e Emergência, de …-6-2015, que determinou a remoção da esplanada que a recorrente tem instalada junto ao estabelecimento sito …., nº 3, na Vila de Sintra.
III – A recorrente alega que a douta sentença recorrida viola, por erro de interpretação, o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA, por considerar evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal.
IV – Nas suas alegações, a recorrente limitou-se a alegar matéria de facto, repetindo o por si já trazido aos autos aquando da apresentação do requerimento de interposição desta providência cautelar,
V – Pelo que não pode deixar o recorrido de se opor na íntegra ao alegado pela recorrente, reproduzindo, na íntegra, o alegado em sede de contestação.
VI – Tal como na sentença recorrida, é entendimento do recorrido que não resulta evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal,
VII – Sendo, antes, evidente a improcedência da pretensão da recorrente a formular no processo principal.
Na verdade,
VIII – A esplanada instalada pela recorrente junto ao estabelecimento sito …., nº 3, na Vila de Sintra, não se encontra instalada no local, com a actual configuração, há cerca de 40 anos, na medida em que, pelo menos desde o ano de 2009, que a esplanada possui uma configuração diferente da configuração inicial.
IX – Decorre dos elementos carreados para os autos que, no ano de 2009, foi instaurado à recorrente procedimento contra-ordenacional, por ocupação da via pública com duas esplanadas fechadas, com áreas aproximadas de 15 e 10 m2, respectivamente, compostas por estrados de madeira, estrutura de alumínio e cobertura plastificada, bem como pela colocação de três bonecos "menus", sem que possuísse a necessária licença municipal e em violação do Regulamento de Ocupação de Via Pública e do Mobiliário Urbano e da Publicidade do Município de Sintra, então em vigor.
X – Decorre, ainda, dos elementos carreados para os autos que, no seguimento dessa fiscalização camarária e correspondente procedimento contra-ordenacional, a recorrente apresentou comunicações prévias de ocupação do espaço público, tendo em vista a regularização da situação.
Por outro lado,
XI – A esplanada em questão não está devidamente licenciada, nem autorizada na sua configuração, na medida em que foi a recorrente que decidiu apresentar as comunicações prévias, nos exactos termos em que o fez, e à revelia do procedimento contra-ordenacional instaurado, onde claramente se indicava que a ocupação efectuada no local era com esplanadas fechadas.
XII – Ao abrigo do regime denominado Licenciamento Zero [DL nº 48/2011, de 01/04], a comunicação prévia consiste numa declaração do interessado que declara pretender ocupar o espaço público para determinado fim e que lhe permite proceder à referida ocupação, após o pagamento das taxas devidas.
XIII – Ao abrigo desse regime legal, a fiscalização do cumprimento das regras aí estabelecidas é realizada a posteriori, sendo reforçados os mecanismos de responsabilização efectiva dos promotores.
XIV – Assim, o acto cuja suspensão de eficácia é requerida está devidamente fundamentado, inclusive porque os requisitos regulamentares que a recorrente teria de cumprir foram devidamente identificados e descritos em parecer dos serviços do recorrido, que acompanhou a notificação à recorrente do acto suspendendo.
XV – Improcede, assim, o alegado pela recorrente, não sendo o acto cuja suspensão de eficácia é requerida ilegal.
Acresce que,
XVI – Para além do acto suspendendo não ser ilegal, o mesmo é legalmente devido, na medida em que o recorrido está a actuar no âmbito das competências que lhe são legalmente cometidas, dento dos poderes concedidos aos municípios para o efeito [cf., no caso, entre outros, o dispostos no artigos 26º e seguintes do Licenciamento Zero], e em cumprimento dos deveres que sobre ele recaem de reposição da legalidade e de salvaguarda dos bens dominiais, visando proteger a conveniente utilização do espaço público.
Consequentemente,
XVII – Tal como na sentença recorrida, é entendimento do recorrido, que não é evidente a procedência do pedido a formular na acção principal [fumus boni júris], ou seja, não é evidente a ilegalidade no agir administrativo.
Mais,
XVIII – Tal como na sentença recorrida, é igualmente entendimento do recorrido, que a recorrente não demonstrou a existência de um fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa acautelar na acção principal [periculum in mora], na medida em que apenas alega, de forma vaga ou genérica, que o acto suspendendo lhe causa graves e irreparáveis prejuízos, sem, contudo, ter concretizado, demonstrado e provado os mesmos.
XIX – Além do mais, prevalece, no caso, o interesse público face aos interesses privados de exercício de uma actividade com ocupação de espaço público, que decorre de forma ilegal.
XX – Tudo ponderado concluiu, e bem, o Tribunal pela não verificação, nos autos, dos pressupostos dos quais depende a adopção da providência cautelar requerida, de verificação cumulativa, constantes do artigo 120º do CPTA, indeferindo a pretensão da recorrente.
XXI – Improcede a alegação da recorrente de que a douta sentença recorrida viola, por erro de interpretação, o disposto no artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA.
XXI – Improcedem todos os argumentos da recorrente, não padecendo a douta sentença recorrida de qualquer vício, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto da sentença de 11-9-2015.” [cfr. fls. 108/117vº dos autos].
A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste TCA Sul emitiu douto parecer, no qual sustenta que o recurso não merece provimento [cfr. fls. 126/128 dos autos].
Sem vistos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida considerou assente a seguinte factualidade:
A) A entidade requerida remeteu à requerente, que recebeu, a 30-6-2015, o ofício de fls. 9 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido e no qual se refere, designadamente a notificação do despacho de 15-6-2015;
B) O despacho de 15-6-2015 mencionado no ofício da alínea anterior foi de concordância com o vertido na Informação nº SM …/2015, cujo teor se dá por reproduzido e da qual consta, designadamente o seguinte:
Propõe-se:
Notificação da firma V., Ldª, para no prazo de 5 dias proceder à remoção voluntária da esplanada que tem instalada junto ao seu estabelecimento, sito na morada acima indicada, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 54º do mesmo Regulamento.
Notifique-se nos termos do artigo 124º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro.
Adverte-se que:
Em caso de incumprimento, esta Câmara Municipal procederá coercivamente à sua remoção/desocupação, e à instauração de processo de contra-ordenação por violação do disposto na alínea f) do artigo 53º do mesmo Regulamento, a que corresponde uma coima de ½ a 3 vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida, de acordo com o nº 1, alínea d) do artigo 55º [sempre que a condenação for imputável a pessoa colectiva, os valores das coimas elevam-se para o dobro, nos termos do nº2 do artigo 55º], ficando os infractores responsáveis por todas as despesas efectuadas, referentes à remoção e ao depósito, não sendo a Autarquia responsável por qualquer dano ou deterioração do bem, nem havendo lugar a qualquer indemnização, de acordo com o nº 4 do artigo 54º.” – cfr. fls. 11-12;
C) Em anexo ao ofício mencionado em A) foi ainda remetida cópia da informação de fls. 9-10 e 10 verso, produzida pelos serviços do Departamento de urbanismo, cujo teor se dá por reproduzido e da qual consta, designadamente que:
[…]
Foi solicitado pelo Departamento de Segurança e Emergência que fosse apreciado o exposto na sua informação de 12-1-2014, e exposição efectuada pelo requerente, sobre a Esplanada Fechada na morada supra indicada. Sobre o aludido tem a referir-se:
O Decreto-Lei nº 48/2011, de 1/4 – Regime Jurídico do Licenciamento Zero – isenta da necessidade de controlo prévio por parte da Administração apenas as situações nele contempladas, e coloca algumas restrições para que essa isenção possa ocorrer, nomeadamente para a situação em apreço, às esplanadas abertas, toldos, estrados e guarda-vento [artigos 5º e segs. do regime indicado].
O Regulamento de Publicidade, Outras Utilizações do Espaço Público e Mobiliário Urbano do Município de Sintra [publicado pelo Aviso nº 24498/2011, do Diário da República, 2ª Série, de 22 de Dezembro] regula e condiciona a Ocupação do Domínio Público [entre outros não aplicáveis à presente situação], nomeadamente esplanadas abertas, esplanadas fechadas, guarda-ventos e estrados [nºs 1.1, 1.2, 1.3 e 1.4, respectivamente do seu Anexo II] e toldos [ponto A.16 do seu Anexo I].
Da análise dos elementos constantes do pedido, julga-se que não cumpre o Decreto-Lei nº 48/2011, de 1/4:
- a alínea e) do artigo 6º que refere que uma esplanada aberta não pode ocupar mais de 50% da largura do passeio onde se insere;
- a alínea f) do mesmo articulado, que refere que deve garantir um corredor para peões de largura igual ou superior a 2 metros;
- o nº 4 do artigo 8º, os estrados não podem exceder a cota máxima da soleira da porta do estabelecimento respectivo ou 0,25 m de altura face ao pavimento;
- o nº 1 do artigo 9º, o guarda-vento deve ser amovível e instalado exclusivamente durante o horário de funcionamento do estabelecimento.
Julga-se, ainda, que não cumpre o Regulamento de Publicidade, Outras Utilizações do Espaço Público e Mobiliário Urbano do Município de Sintra, nomeadamente do seu Anexo II:
- ponto 1.1.6, fora do horário de funcionamento do estabelecimento o equipamento amovível da esplanada aberta tem que ser retirado do espaço público;
- 1.2.2, a esplanada fechada deve deixar livre para circulação de peões um espaço de passeio nunca inferior a 2 m;
- 1.3.1, os guarda-ventos só podem estar instalados junto a esplanadas abertas e durante o horário do seu funcionamento, devendo por esse motivo ser amovíveis;
- 1.4.4, os estrados não podem exceder a cota máxima de soleira da porta do estabelecimento ou 0,25 metros face ao pavimento.
Mais se julga de referir que nos termos do artigo 41º do Regulamento de Publicidade, Outras Utilizações do Espaço Público e Mobiliário Urbano do Município de Sintra, a estrutura dos toldos deve ser articulada e de recolher, o que não acontece com o que se encontra no local em apreço.
Face ao exposto, julga-se de remeter a presente informação à DPMF a fim de verificar no local as situações supra indicadas, e para procedimentos tidos por convenientes.”;
D) A 18-3-2010 a requerente apresentou junto da requerida o pedido de licenciamento de ocupação da via pública de fls. 12 verso e segs. para uma esplanada aberta com a área de 25,70 m2, um estrado com a mesma área, toldo e guarda ventos;
E) O pedido mencionado na alínea anterior foi deferido por despacho de 16-1-2014, notificado à requerente através do ofício de fls. 16 e 16 verso dos autos;
F) A esplanada está instalada junto de um estabelecimento de restauração situado na vila de Sintra.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
As questões suscitadas pela recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao não ter concedido a providência cautelar requerida ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, nomeadamente por ser evidente a procedência da pretensão a formular no processo principal.
Para concluir no sentido dessa evidência, defende a recorrente, por um lado, que o acto administrativo que deferiu o licenciamento da esplanada existente se encontra plenamente em vigor, já que não foi nunca objecto de revogação por parte da CM Sintra, impondo-se por conseguinte na ordem jurídica até ser revogado, pelo que qualquer acto que o contrarie é manifestamente ilegal e, por outro, que o acto cuja suspensão se requer é manifestamente ilegal, por falta de fundamentação e por violação do direito de audiência prévia.
Vejamos se lhe assiste razão.
A propósito da possibilidade de conceder a providência apenas ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA – único segmento da decisão recorrida que a ora recorrente põe em causa no presente recurso –, a sentença recorrida teceu as seguintes considerações:
Para além dos vícios de natureza formal invocados pela requerente – falta de fundamentação, preterição da audiência prévia – afigura-se que a questão objecto do litígio é a de saber em que termos se encontra concretamente instalada a esplanada e se deve ser ou não, em face das disposições do Regulamento, ser considerada aberta ou fechada. Tais questões, por envolverem uma indagação, de facto e de direito, não compatível com a natureza – urgente, sumária, indiciária – do processo cautelar, têm a sede própria para a análise respectiva, na acção principal de impugnação do despacho suspendendo.
No que respeita à falta de audiência prévia não resulta dos autos que esta tenha sido assegurada, não obstante, considerando a natureza do vício e as possibilidades de desvalorização ou degradação dos vícios formais, apenas na acção principal se aferirá da sua relevância para efeitos de invalidação do acto suspendendo.
Atenta a natureza e configuração das questões a resolver e enunciadas acima, é possível concluir que não é manifesta a falta de fundamento da pretensão impugnatória da requerente. Não se afigura também m que se verifiquem questões que obstem ao conhecimento do mérito respectivo, sem prejuízo do que possa vir a resultar dos autos principais.”.
O assim decidido não merece reparo, pelas razões que se passarão a expor.
O artigo 120º, nº 1, alínea a) do CPTA [na versão aplicável] dispõe o seguinte:
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
Como a mera leitura do preceito indicia, os exemplos que o legislador aí refere sugerem que este deve ser objecto de uma aplicação restritiva: a evidência a que o preceito se refere deve ser palmar, ostensiva, sem necessidade de quaisquer indagações, na medida em que o que é manifesto não necessita de demonstração.
Tanto a doutrina como a jurisprudência tendem a caracterizar as situações que podem justificar o enquadramento na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA como sendo de natureza excepcional, podendo citar-se a propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, que consideram que “as situações excepcionais contempladas na alínea a) do nº 1 são aquelas em que se afigure evidente ao tribunal que a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no processo principal irá ser julgada procedente. Se, em sede cautelar, o tribunal considerar que – tanto quanto, nessa sede, lhe é possível afirmar – se preenche a previsão do nº 1, alínea a), cumpre-lhe conceder a providência sem mais indagações: nem há, pois, que atender aos critérios das alíneas b) ou c) do nº 1, nem ao disposto no nº 2” [cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, 2005, a págs. 796].
Ainda assim, advertem os mesmos autores, “é, entretanto, necessária, nesta matéria, alguma contenção da parte do juiz. A nosso ver, a existência da alínea a) do nº 1 não deve condicionar os termos em que se produz a prova e o juiz procede à sua apreciação no processo cautelar. Ela não deve determinar, portanto, uma preocupação de maior exaustividade na recolha de elementos por parte do juiz. A prova deve ser produzida nos modestos termos em que o deve ser nos processos cautelares e é em função disso que ao juiz cumpre decidir se atribui ou não uma providência cautelar. E é neste contexto que, se se sentir seguro, tanto quanto os elementos de que dispõe o permitem, num processo que ainda não é o principal, quanto ao bem fundado da posição do requerente, o juiz deve aplicar a alínea em análise. A jurisprudência tem-se orientado no sentido de que só existe evidência, para efeitos do disposto na alínea a) do nº 1 deste artigo 120º, em situações notórias ou patentes, em que a procedência da acção principal seja perceptível sem necessidade de elaborada indagação, quer de facto, quer de direito. É, contudo, necessário evitar, neste domínio, a tentação de construir, com carácter geral e abstracto, critérios densificadores da previsão normativa que comportam o risco de a rigidificar e, porventura, de subverter o seu sentido. É caso a caso que ao juiz se impõe verificar se os elementos disponíveis oferecem a segurança necessária à formulação do juízo de evidência a que faz apelo a previsão normativa.” [cfr. ob. cit., a págs. 797/798].
Deste modo, tal como considerou a Senhora Juíza “a quo”, não sendo líquida, por evidente, a resolução das questões enunciadas no requerimento cautelar, e tendo-se por assente que no âmbito das providências cautelares, a apreciação do “fumus boni iuris” obedece a juízos de prognose ou de probabilidade que pressupõem uma cognição perfunctória e sumária da situação de facto e de direito, não podendo, nem devendo a providência cautelar substituir-se à acção principal, nem comprometer ou antecipar o juízo de fundo que, nesta última, caberá formular, não podemos deixar de concluir que a decisão recorrida não merece a censura que o recorrente lhe dirige, quando concluiu que a providência requerida não podia ser decretada a coberto do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA [cfr., neste sentido, Mário Aroso de Almeida, “Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, a págs. 256].
Com efeito, relativamente à questão da existência dum acto administrativo que deferiu o licenciamento da esplanada existente e que se encontra plenamente em vigor, já que não foi nunca objecto de revogação por parte da CM Sintra, não é líquido, em termos da “summaria cognitio” própria da tutela cautelar, que a esplanada existente corresponda àquela que veio a ser objecto de comunicação prévia, ao abrigo do denominado Regime de Licenciamento Zero, razão também pela qual carece de ulterior indagação, em sede de acção principal, a questão de saber se o acto cuja suspensão de eficácia vem requerida é manifestamente ilegal, por contrariar anterior acto válido.
Por outro lado, não é de todo evidente a falta de fundamentação do acto suspendendo, antes pelo contrário, como o demonstra a factualidade dada como assente pela decisão recorrida, pelo que também neste particular o acto em causa não se afigura manifestamente ilegal.
E o mesmo se diga no tocante à falta ou preterição da audiência dos interessados.
Com efeito, a omissão do dever de audiência prévia [que constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e uma forte garantia de defesa dos direitos do administrado, proporcionando-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre o objecto do procedimento, constituindo assim um princípio estruturante da actividade administrativa, cuja violação se traduz na violação de uma formalidade essencial, conduzindo à anulabilidade do acto], só tem carácter invalidante a menos que se possa concluir sem margem para dúvidas que a decisão tomada seria a única concreta e legalmente possível.
Ora, no caso dos autos, o acto suspendendo aparenta ser um acto legal, vinculado, que visou unicamente a reposição da legalidade urbanística. E, por outro lado, estando em causa um acto renovável, a anulação do mesmo com fundamento na preterição do dever de audiência prévia em nada beneficiaria os interesses da recorrente, uma vez que o município recorrido iria praticar um acto rigorosamente igual, isto é, com o mesmo conteúdo decisório, ao impugnado.
Donde, estando em causa a omissão de uma formalidade com a susceptibilidade de se degradar em formalidade não essencial, a recusa do efeito anulatório que lhe subjaz, com o consequente aproveitamento do acto, sempre seria idónea a retirar-lhe a característica da ilegalidade manifesta, único pressuposto de que depende a concessão da tutela cautelar, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 120º do CPTA.
E, dado que nenhuma outra censura vem dirigida à decisão recorrida, o presente recurso não merece provimento.
IV. DECISÃO
Nestes termos e pelo exposto, acordam os juízes da Secção de contencioso Administrativo deste TCA Sul em negar provimento ao presente recurso jurisdicional e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da autora.
Lisboa, 7 de Abril de 2016


[Rui Belfo Pereira – Relator]


[Pedro Marchão Marques]


[Helena Canelas]