Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:437/18.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
CESSÃO DE QUOTAS
Sumário:I. As características exigidas quanto à fundamentação formal do ato tributário, são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor ao proferimento da decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico).

II. Se o critério legal que foi adotado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para apurar o lucro tributável está enunciado em termos claros e inteligíveis e foi inequivocamente compreendido pelo sujeito passivo, não ocorre falta de fundamentação.

III. Sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.

IV. A tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais ou outros valores mobiliários encontrava-se prevista no artigo 10/1.b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

V. E, nos termos do nº 3 do mesmo artigo 10º, os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no nº1.

VI. Considera-se como valor de realização o valor da respetiva contraprestação (artigo 44/1.f) CIRS).

VII. O ganho por mais-valia considera-se, pois, obtido no ano em que a operação de alienação da participação social seja realizada, a isso não obstando não obstando as condições contratuais que as partes acordem quanto ao pagamento do preço (valor de realização) mesmo que o valor de realização (preço) não haja sido recebido ou colocado à disposição do contribuinte.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

V., não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 20185000…. e n.º 2018500000…., relativas aos exercícios de 2013 e 2014, e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 164 636,05, dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, o recorrente, V., formula as seguintes conclusões:

1. A Mmª Juiz do Tribunal a quo errou grosseiramente, pois nos autos foram alegados factos (e que estão documentados) que impõem e exigem uma conclusão diferente, i.e., que as quotas da sociedade L., Lda. foram cedidas pelo valor declarado (IRS) à Autoridade Tributária, ou seja, pelo valor total de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros).

2. Conforme consta do relatório do SIT, o motivo da inspecção teve “como base o facto de no decurso da acção inspectiva ao L.Lda., (NIF: 50…), se ter constatado que o sujeito passivo (ora impugnante) alienou as quotas que detinha em sociedade, não tendo declarado as mais-valias obtidas”

3. A liquidações em causa são manifestamente ilegais. o que se consubstanciam. de modo elementar, nos vícios “de forma” de “falta de fundamentação” e por erro nos pressupostos de facto”.

4. Analisando os termos das declarações do sujeito passivo. ora recorrente e o relatório elaborado pelos SIT (Serviços de Inspecção Tributária), podemos verificar que, atentas as suas datas de início e de conclusão, a acção de inspecção se prolongou para além dos seis meses legalmente previstos.

5. De acordo com o preceituado no art.° 36.° do RCPIT (Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária), “o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”.

6. Tendo em consideração a data (03 de Setembro de 2015) do despacho de início do procedimento e inspecção, conclui-se que o prazo, mesmo que admitindo-se ter sido prorrogado, o que não se concede, excedeu claramente.

7. Tal ilegalidade afecta todos os actos administrativos que lhe sucederam, incluindo a liquidação aqui impugnada, também ela ilegal por esse motivo.

8. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, as liquidações de IRS não assentam numa suposta simulação dos valores reais das transmissões das quotas que o contribuinte detinha nas sociedades L.. Lda. e Bravejouney, Unipessoal, Lda., isto é a verdade dos factos.

9. As liquidações de IRS em causa são manifestamente ilegais por vício de violação da lei e por erro nos pressupostos de facto e de direito, enquanto consequência do uso do poder de tributar por correcção fiscal relativas aos exercícios de 2103 e 2104.

10. Violação essa que se consubstancia, de modo elementar, nos vícios “de forma”, de “falta de fundamentação” e “por erro nos pressupostos de facto”.

11. O acto tributário é, desde logo, ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, para efeitos de correcções fiscais dos montantes declarados referente aos exercícios de 2103 e 1014, porquanto, inexistem fundamentos para aplicação desse método, no caso em apreço.

12. O recorrente cedeu as quotas que detinha nas sociedades L…, Lda. e B…, Lda., em Março de 2013 e Agosto de 2014, respectivamente.

13. O recorrente cedeu a quota que detinha na sociedade L… em Março de 2013, no valor nominal de € 14.963,94, pelo montante de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), conforme consta contrato de cedência de quotas e acta da assembleia de Geral Extraordinária de 20 de Março de 2013, junto aos presentes autos.

14. Para além da cedência da referida quota, detida pelo requerente. a sua M…, detentora da outra quota do L…, no valor nominal e € 9.975,96, cedeu a sua quota a L…, pelo montante de € 30.000,00 (trinta mil euros).

15. O recorrente, para além de receber o montante de € 45.000.00, também recebeu o montante da quota que coube à sua Mãe, no valor de € 30.000,00, uma vez que a mãe decidiu dar esse montante ao seu filho, ora requerente.

16. Sendo assim, o recorrente apenas recebeu de R…, a título de cedência das duas quotas, o montante total de € 75.000.00 (setenta e cinco mil euros).

17. Paralelamente ao valor acordado para a cedência das quotas, R… obrigou-se a pagar ao cessionário, ora recorrente, o montante total de € 25.000.00, a título de diversos equipamentos que se encontravam nas instalações do Lar, e assumir o pagamento de rendas em atraso de um contrato de renting de uma viatura conduzida pelo contribuinte, e uma viatura de marca mercedes que ficaria afecta ao L….

18. Sendo assim, e ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, o recorrente apenas recebeu de R…o montante total de cerca de €100.000,00 (cem mil euros), e não montante que a autoridade tributária, de forma abusiva, e desprovida de qualquer prova e fundamento quer fazer crer, ou seja € 887.800,00.

19. A confissão de dívida dos autos, no montante de € 842.800, foi apenas um expediente que o recorrente e cessionário (R…) acordaram entre si como forma de garantir o cumprimento integral do empréstimo bancário do D… Baank (contrato n.° 8300…) contraído pelo Lar B., o “pagamento” de uma conta caucionada (D… Bank) que se encontrava a descoberto no montante de € 50.000,00, e uma dívida à Segurança Social, no montante de cerca de € 20.000,00.

20. A confissão de dívida é um acto público, pelo que não seria sequer compreensível que o recorrente utilizasse e se servisse deste mecanismo legal como forma de simular o valor real de transmissão, o que aliás é bem demonstrativo da sua boa-fé, e de não pretender ocultar quaisquer montantes, esta é a “verdade fiscal.

21. O impugnante agiu sempre de boa-fé, perante a administração fiscal, com a transparência e com a lealdade por ela esperada.

22. Tanto assim é que o recorrente disponibilizou as suas contas bancárias para que fossem consultadas, e das mesmas apenas se comprovam que o requerente recebeu o montante de € 101.192,07 e não 887.800,00.

23. Ora, onde está demonstrado que o requerente recebeu o restante montante de € 786.607,93 (setecentos e oitenta e seis mil seiscentos e sete euros e noventa e três cêntimos)?

24. Pela prova recolhida pela acção de inspecção e que consta dos autos, não está demonstrado e comprovado que o contribuinte inspeccionado tenha recebido o montante de € 887.800,00.

25. Ao contrário do alegado no relatório dos autos, as declarações prestadas pelo recorrente e pelo R… não são contraditórias, mas sim consonantes, quer quanto ao montante da aquisição das quotas, quer quanto à verdadeira e única finalidade da confissão de dívida.

26. A legalidade do procedimento adoptado pelo recorrente inspeccionado só poderia estar em causa se se demonstrasse que este recebeu a quantia alegada no projecto de conclusões do relatório, ou seja, a quantia de € 887.800,00, a título da cedência das quotas em apreço.

27. O relatório alega que o recorrente obteve um rendimento de € 887.800,00 pela alienação de quotas, porém sem fazer prova desse alegado rendimento.

28. O recorrente, no cumprimento do princípio de colaboração e cooperação, disponibilizou o acesso a todas as suas contas bancárias, e dos extractos das mesmas conclui-se que não recebeu a quantia de € 887.88.00, ao contrário do alegado no relatório elaborado pelos SIT (Serviços de Inspecção Tributária).

29. Em Agosto de 2014, o recorrente cedeu a quota que detinha na sociedade B. Unipessoal, Lda., no valor nominal de € 5.000.00, pelo montante de €25.000.00 (vinte cinco mil euros), conforme consta contrato de cedência de quotas, junto aos presentes autos de inspecção.

30. O recorrente e C. (adquirente das quotas) acordaram entre si, que este, na qualidade de sócio-gerente da B., asseguraria um contrato de trabalho com aquele (contribuinte), com vencimento base de cerca de € 580,00, acrescido das contribuições à segurança social e respectivos impostos.

31. Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, na sua douta sentença (pags 26, 27 e 28), o recorrente recebeu apenas o montante de 25.000,00 a título de cedência de quotas, e o restante montante creditado nas suas contas pelo Lar B., Lda., é a título de contrato de trabalho celebrado entre o recorrente e aquela.

32. A confissão de dívida dos autos, no montante de €148.000,00, foi apenas um expediente que o requerente encontrou como forma de garantir o cumprimento integral dos termos do referido acordo, ou seja, pagamento dos salários, do valor apurado dos equipamentos e benfeitorias no Lar/estabelecimento, e das prestações mensais dos referidos empréstimos.

33. A confissão de dívida é um acto público, pelo que não seria sequer compreensível que o impugnante se servisse deste mecanismo legal como forma de simular o valor real de transmissão, mas sim um acto que é bem demonstrativo da boa-fé do impugnante.

34. Pela prova recolhida e que consta dos autos, não está demonstrado e comprovado que o recorrente tenha recebido o montante de € 173.000,00.

35. A verdade dos factos, e conforme alegado, o recorrente recebeu a título de cedência da sua quota o montante de € 25.000.00.

36. No entanto, sempre se dirá que, na pureza dos conceitos, há o entendimento que não estamos perante uma verdadeira simulação quando a divergência entre a vontade real e a vontade declarada se refere exclusivamente ao valor da contrapartida.

37. Á luz do art.° 39.° da LGT, não vislumbramos a presença de dois negócios jurídicos, pois as partes, neste caso o cedente e o cessionário não tiveram intenção de tapar ou de esconder um negócio com outro que não queriam, ou seja, não celebraram a confissão de dívida para esconder o valor real da alienação das quotas.

38. A LGT consagra o princípio da presunção de veracidade da declaração dos contribuintes, nos termos do seu art. 75°, o qual prevê que, salvo prova em contrário por parte da AT, são consideradas verdadeiras as declarações feitas pelo contribuinte.

39. Assim. e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, não existe qualquer dúvida em relação os montantes que o sujeito passivo, ora recorrente, recebeu a título de cedência de quotas das sociedades em apreço, ou seja:

40. Posto isto. e com o devido respeito, a douta sentença do Tribunal a quo não se encontra devidamente fundamentada, podemos mesmo dizer que, face à exigência legal, ela é manifestamente omissiva ao não deixar claro a existência de facto tributário.

41. E não havendo facto tributário não haverá correcções fiscais a fazer ao montante já declarado em sede de IRS pelo sujeito passivo. ora recorrente.

42. Perante esta factualidade que atinge inapelavelmente o acto tributário ora recorrido, afigura-se evidente que este padece de vício de forma, por falta de fundamentação.

43. O acto tributário sofre de erro quanto aos pressupostos de facto em que se baseou, porque parte de proposições erradas e insusceptíveis de justificar as conclusões retiradas pelos SIT.

44. Ou seja, do nosso ponto de vista e salvo o devido respeito, houve por parte dos SIT, e corroborado pelo Tribunal a quo, uma visão e interpretação incorrecta dos factos, sem qualquer correspondência com a realidade económica e dos factos e, consequentemente, tributária do sujeito passivo.

45. O Tribunal a quo, na sua douta sentença (pag. 49) sustenta a sua fundamentação que o “recorrente não faz prova do alegado - salienta-se que, nos presentes autos, o impugnante não requereu quaisquer diligências probatórias.

46. Ora, o recorrente, sem sede de impugnação judicial, não requereu quaisquer elementos de prova, uma vez que nos autos constam provas suficientes que demonstraram de forma clara que não estamos perante qualquer negócio simulado, veja-se os extratos bancários, em que não se verifica que esse dinheiro tenha sido creditado nas contas bancárias do recorrente, para além das declarações dos intervenientes.

47. O Tribunal à “quo” entendeu que dos elementos reunidos no procedimentos inspectivos a transferência de montantes mensais dos adquirentes das quotas para o impugnante, nos valores indicados nos contratos de confissão de dívida, o que indicia que esses contratos não podem ter sido celebrados para garantir o cumprimento de dívidas a uma instituição bancária.

48. Ao concluir desta forma, o Tribunal a quo, com o devido respeito, fez uma interpretação errada dos factos, pois dos extratos bancários das contas bancárias do recorrente, disponibilizadas por este, não constam os alegados montantes mensais previstos na confissão de dívida.

49. O valor real das cedências de quotas foi de €45.000.00 e de € 25.000,00, e os restantes montantes creditados a titulo dos motivos já aqui alegados.

50. Da globalidade das normas do IRS decorre que ele deve incidir apenas sobre o rendimento efectivo e, em cada ano, apenas sobre o rendimento efectivo desse ano.

51. Assim e de harmonia com estas regras, o n° 3 do art° 10° deverá ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do acto.

52. Ora, o que se verifica é que as liquidações incidem sobre a totalidade do alegado montante das mais-valias, quando é a própria Autoridade Tributária, e conforme resulta do relatório do SIT (Serviço de Inspecção Tributária), que o sujeito passivo, ora recorrente, deferiu o recebimento das mais-valias em prestações.

53. Sendo assim, mesmo admitindo, o que não se concede, sempre se dirá que as liquidações impugnadas deverão ser corrigidas, tendo em conta apenas os montantes que alegadamente o sujeito passivo irá receber em cada ano.

TERMOS EM QUE, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, por provado, em consequência, ser decretada a anulação do acto tributário (liquidação adicional de IRS, referente ao exercício de 2013 e 2014) impugnado com todas as consequências legais.

AGINDO ASSIM. FARÃO V. EXAS. A VERDADEIRA»



A Fazenda Pública, aqui recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.


O recurso foi admitido com subida imediata e nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.


Os autos foram com vista ao Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber, em suma, se se verifica erro de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. 1. No dia 19-09-1995, foi registada, na conservatória do registo comercial, a constituição da sociedade «L., Lda.», com o número de identificação de pessoa coletiva 503.... (provado por documento, a fls. 30 e 31 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, na Ap. 10/19950919 da respetiva certidão permanente);

2. O capital social da «L., Lda.» era de € 24.939,90 e estava dividido em duas quotas, uma pertencente a D., no valor de € 9.975,96, e outra pertencente ao Impugnante, D., no valor de €14.963,94 (provado por documento, a fls. 30 e 31 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, na Ap. 10/19950919 da respetiva certidão permanente);

3. No dia 07-05-2010, foi registada, na conservatória do registo comercial, a constituição da sociedade «B., Unipessoal, Lda.», com o número de identificação de pessoa coletiva 509....e com o objeto social de prestação de serviços a outras empresas na área do turismo (provado por documento, a fls. 39 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, na Ap. 39/20100507 da respetiva certidão permanente);

4. O capital social da «B., Unipessoal, Lda.» era de € 5.000,00 e era integralmente detido pelo Impugnante (provado por documento, a fls. 39 e 40 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, na Ap. 39/20100507 da respetiva certidão permanente);

5. No dia 14-03-2013, foi registada, na conservatória do registo comercial, a alteração do objeto social da sociedade «B., Unipessoal, Lda.» para «Prestação de serviços a outras empresas na área do turismo. Importação, exportação e comércio por grosso e a retalho de motociclos, viaturas automóveis, embarcações náuticas e de recreio, de suas peças e acessórios. Comércio a retalho de computadores, unidades periféricas e programas informáticos, em estabelecimento especializado. Comércio a retalho de vestuário em estabelecimentos especializados. Atividade de apoio social para pessoas idosas com alojamento e cuidados de enfermagem» (provado por documento, a fls. 41 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, na Ap. 10/20130314 da respetiva certidão permanente);

6. No dia 20-03-2013, a «L., Lda.», o Impugnante, D., R. e L. celebraram, na qualidade, respetivamente, de primeiro, segundo, terceiro e quarto outorgantes, contrato de promessa de cessão de quotas, no âmbito do qual foram acordadas as seguintes cláusulas:

«[…]


Cláusula 1ª

(Objecto da cessão)


Pelo presente contrato, o Segundo e a Terceira Outorgantes prometem ceder as quotas de que são titulares, na sociedade “L., Lda.", ao Quarto e Quinto Outorgantes, que as adquirem, nos seguintes termos:

a) O Segundo Outorgante cede ao Quarto Outorgante a quota de € 14.963.94 que é titular na sociedade L. Lda.;

b) A Terceira Outorgante cede ao Quinto Outorgante a quota de € 9.975.96 de que é titular na sociedade L., Lda.


Cláusula 2ª

(Preço)


As quotas supra identificadas serão cedidas pelo valor de 75.000,00 (setenta e cinco mil euros)

Cláusula 3ª

1. O Quarto Outorgante, na qualidade de novo sócio da sociedade “L., Lda.”, confessa-se devedor do Segundo Outorgante do montante global de € 842.800,00 (oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros), por escritura pública, investido na sociedade para o desenvolvimento e exercício da actividade daquela

Cláusula 4ª

(Forma de pagamento)


1. Com a outorga do presente contrato de cessão de quotas, o Quarto Outorgante obriga-se a pagar ao Segundo Outorgante, a quantia supra referida, no valor global de € 842.800,00 (oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros), em 172 (cento e setenta e duas) prestações mensais, e sucessivas, no valor de € 4.900,00 (quatro mil e novecentos euros) cada, sendo que a primeira prestação se venceu no dia 10 de Março de 2013, que já se encontra paga.

2. O pagamento das prestações supra indicadas, serão efectuadas para uma conta da titularidade do Segundo Outorgante, a indicar por este


Cláusula 5ª

(Garantia de Pagamento)


1. Para garantia de pagamento da quantia supra indicada de € 842.800,00 (oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros), o Quarto Outorgante confessa-se devedor do Segundo Outorgante, por escritura pública, a pagar nos termos da cláusula anterior, ou seja, em 172 prestações mensais, sucessivas, e de igual montante, no valor de € 4.900,00 (quatro mil e novecentos euros) cada, sendo que a primeira prestação se venceu no dia 10 de Março de 2013, sem vencimento de juros.

2. A confissão de dívida referida nesta cláusula, será celebrada por escritura pública, num prazo máximo de 15 dias, a contar da data do presente contrato.

3. O Segundo e Quarto Outorgantes concedem à confissão de dívida em apreço força de titulo executivo, nos lermos e para os efeitos da alínea d) do artigo 46.º do Código de Processo Civil.

4. As despesas inerentes à confissão de dívida serão suportadas pelo Quarto Outorgante, nomeadamente os emolumentos e respectivos Impostos que são devidos.

5. Igualmente, e para garantia de pagamento da aludida quantia de €842.800,00 (oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros), a liquidar nos termos nos termos da cláusula n.° 4 que antecede, e com assinatura do presente contrato, o Quarto Outorgante (sacado) entrega ao Segundo Outorgante (sacador) uma letra de câmbio n.° 500…, que este aceita, devidamente assinada (assinatura certificada), responsabilizando-se como principal pagador, pelo total e integral pagamento das quantias devidas em caso de incumprimento ou rescisão deste contrato, pelo que autoriza o Segundo Outorgante (Sacador) a preencher a referida letra de câmbio, designadamente mediante a aposição da data de vencimento e seu valor, o qual corresponderá ao montante total que, então, se encontrar em divida por incumprimento ou rescisão do presente contrato.


Cláusula 6°

O Segundo e Terceiro Outorgantes, em seu nome e em nome da sociedade, autorizam a cessão aqui mencionada

Cláusula 7ª

(Obrigações dos promitentes cedentes)


[…]

c) O Segundo e Terceiro Outorgantes já informaram o Quarto e Quinto Outorgantes de todas as dividas, passivos ocultos ou supervenientes que existam ou que se possam vir a verificar na sociedade após a outorga do presente contrato;

d) O Segundo e Terceiro Outorgantes já informaram o Quarto e Quinto Outorgantes de todos os vínculos jurídicos existentes em nome da Primeira Outorgante, apresentando os respetivos contratos antes da celebração do presente contrato, cuja relação já foi entregue pelos promitentes cedentes aos promitentes cessionários.

[…]»

(provado por documento, de fls. 3 a 9 do registo no SITAF n.º 005955721);

7. No mesmo dia 20-03-2013, foi elaborada ata de assembleia geral da «L., Lda.», da qual consta que os sócios D. e D. deliberaram ceder a quota do sócio D. a R., pelo valor de €45.000,00, e ceder a quota da sócia D. a L., pelo valor de €30.000,00 (provado por documento, a fls. 1 e 2 do registo no SITAF n.º 005955721);

8. No dia 28-03-2013, foi registada, na conservatória do registo comercial, a transmissão da quota da sociedade «L., Lda.» detida pelo Impugnante para R. (provado por documento, a fls. 34 e 35 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, no Dep. 1573/2013-03-28 da respetiva certidão permanente);

9. No mesmo dia 28-03-2013, foi registada, na conservatória do registo comercial, a transmissão da quota da sociedade «L., Lda.» detida por D. para L. (provado por documento, a fls. 35 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722, no Dep. 1574/2013-03-28 da respetiva certidão permanente);

10. No dia 09-04-2013, R. e o Impugnante outorgaram, na qualidade respetivamente de primeiro e segundo outorgantes, escritura pública, através da qual celebram entre si um contrato de confissão de dívida, com as seguintes cláusulas:

«[…]


CLÁUSULA PRIMEIRA

O primeiro outorgante confessa-se devedor ao segundo outorgante da quantia de oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros, que por este lhe foi emprestada em diversas tranches, para investimento no desenvolvimento e exercício da actividade comercial da sociedade com a firma "L., Lda.”, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva 503…, da qual ele primeiro outorgante é sócio maioritário.

CLÁUSULA SEGUNDA

1. A referida quantia em dívida, será paga pelo primeiro outorgante ao segundo em cento e setenta e duas prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de quatro mil e novecentos euros cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia dez de Março de dois mil e treze, e cada uma das restantes em igual dia dos meses seguintes, sem vencimento de juros.

2. A primeira prestação que se venceu no dia dez de Março já se encontra paga.

[…]


CLÁUSULA QUARTA

Em caução e garantia do pagamento da referida quantia de oitocentos e quarenta e dois mil e oitocentos euros, a pagar nos termos da cláusula segunda, o primeiro outorgante entregou ao segundo outorgante uma letra de câmbio com o número 500… (…), que aquele aceitou, devidamente assinada, responsabilizando-se como principal pagador, pelo total e integral pagamento das quantias devidas em caso de incumprimento do presente contrato, pelo que, desde já autoriza, o segundo outorgante (na qualidade de sacador) a preencher a referida letra de câmbio, designadamente mediante a oposição da data de vencimento e seu valor, o qual corresponderá ao montante total que, então, se encontrar em dívida por incumprimento ou rescisão do presente contrato.

[…]


CLÁUSULA SEXTA

O presente contrato tem força de título executivo nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 46° do Código de Processo Civil.

[…]»

(provado por documento, de fls. 11 a 16 do registo no SITAF n.º 005955721);

11. No dia 06-06-2014, o Impugnante apresentou declaração anual de rendimentos referente a 2013, para efeitos de IRS, na qual declarou rendimentos do trabalho dependente, obtidos da «B., Unipessoal, Lda.», no valor ilíquido de €5.818,72, e da «L., Lda.», no valor ilíquido de €3.141,24 (provado por documento, de fls. 6 a 9 do registo no SITAF n.º 005955722);

12. No dia 01-08-2014, C. e E. , na qualidade de primeiros outorgantes, e o Impugnante, na qualidade de segundo outorgante, outorgaram escritura pública, através da qual celebram entre si um contrato de confissão de dívida, com as seguintes cláusulas:

«[…]


CLÁUSULA PRIMEIRA

Os primeiros outorgantes confessam-se devedores ao segundo outorgante da quantia de cento e quarenta e oito mil euros, que por este lhes foi emprestada em diversas tranches, para investimento no desenvolvimento e exercício da actividade comercial da sociedade com a firma "B., Unipessoal, Lda.”, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva 509.., da qual ele primeiro outorgante marido é o único sócio.

CLÁUSULA SEGUNDA

A referida quantia em dívida, será paga pelos primeiro outorgantes ao segundo em setenta e quatro prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 2 mil euros, cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia dez de Agosto de dois mil e catorze, e cada uma das restantes em igual dia dos meses seguintes, sem vencimento de juros.

[…]


CLÁUSULA QUINTA

O presente contrato tem força de título executivo nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 703° do Código de Processo Civil.

[…]»

(provado por documento, de fls. 66 a 74 do registo no SITAF n.º 005955721);

13. No dia 15-08-2014, a sociedade «B., Unipessoal, Lda.», o Impugnante e C… celebraram, na qualidade, respetivamente, de primeiro, segundo e terceiro outorgantes, contrato de cessão de quotas, no âmbito do qual foram acordadas as seguintes cláusulas:

«[…]


Cláusula 1ª

(Objecto da cessão)


Pelo presente contrato, o segundo outorgante cede ao terceiro outorgante, que adquire a quota de que é titular, na sociedade comercial com a firma “B., Unipessoal, Lda.", no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), quota esta que representa a totalidade do capital social da primeira outorgante.

Cláusula 2ª

(Preço)


A quota supra identificada é cedida pelo valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), cujo montante já se encontra integralmente pago pelo terceiro outorgante ao segundo outorgante.

[…]


Cláusula 4ª

(Obrigações do cedente)


[…]

3. O segundo outorgante já informou o terceiro outorgante de todas as dividas, passivos ocultos ou supervenientes que existam ou que se possam vir a verificar na sociedade após a outorga do presente contrato;

4. O segundo outorgantes já informou o terceiro outorgante de todos os vínculos jurídicos existentes em nome da primeira outorgante, apresentando os respetivos contratos antes da celebração do presente contrato.

[…]»

(provado por documento, de fls. 69 a 73 do registo no SITAF n.º 005955721);

14. No dia 14-10-2014, foi registada, na conservatória do registo comercial, a aquisição da quota da sociedade «B., Unipessoal, Lda.» por C… (provado por documento, a fls. 41 e 42 do documento registado no SITAF com o n.º 005…, no Dep. …2014-10-14 da respetiva certidão permanente);

15. Na sequência de despachos de 30-05-2017 do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, foi determinada a realização de procedimentos de inspeção externa ao Impugnante, de âmbito geral, aos anos de 2013 e de 2014, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2017… e n.º OI2017… (provado por documento, a fls. 1 e 2 do registo no SITAF n.º 005955722);

16. A programação dos procedimentos inspetivos identificados no ponto anterior teve como base «o facto de no decurso da ação inspetiva ao L., Lda., NIF 503 …, se ter constatado que o sujeito passivo alienou as quotas que detinha em sociedades, não tendo declarado as mais-valias obtidas» (provado por documento, a fls. 6 do registo no SITAF n.º 005955720, no ponto «II.2. Motivo, Âmbito e Incidência Temporal» do relatório);

17. No dia 31-05-2017, o Impugnante apresentou declaração anual de rendimentos de substituição referente a 2013, para efeitos de IRS, na qual, além dos rendimentos do trabalho dependente, obtidos da «B., Unipessoal, Lda.», no valor ilíquido de €5.818,72, e da «L., Lda.», no valor ilíquido de €3.141,24, declarou rendimentos decorrentes da alienação onerosa de partes sociais, em março de 2013, com um valor de realização de €45.000,00 e um valor de aquisição de €14.963,96 (provado por documento, de fls. 10 a 15 do registo no SITAF n.º 005955722);

18. No dia 14-06-2017, o Impugnante assinou as ordens de serviço que deram origem aos procedimentos de inspeção identificados no ponto 15 do probatório (provado por documento, a fls. 1 e 2 do registo no SITAF n.º 005955722);

19. No dia 14-10-2017, o Impugnante foi notificado da conclusão dos procedimentos de inspeção identificados no ponto 15 do probatório (provado por documento, a fls. 3 e 4 do registo no SITAF n.º 005955722);

20. Em 29-11-2017, os serviços da AT elaboraram declaração oficiosa de rendimentos, para efeitos de IRS, referente a 2013, da qual consta que o Impugnante auferiu rendimentos do trabalho dependente da «B., Unipessoal, Lda.», no valor ilíquido de €5.818,72, e da «L., Lda.», no valor ilíquido de €3.141,24, e rendimentos decorrentes da alienação onerosa de partes sociais, em março de 2013, com um valor de realização de €887.800,00 e um valor de aquisição de €14.963,96 (provado por documento, de fls. 16 a 21 do registo no SITAF n.º 005955722);

21. No dia 15-12-2017, os serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa elaboraram relatório da ação de inspeção tributária realizada ao Impugnante, onde se pode ler o seguinte:

«[…]

II.3.2. Obrigações fiscais

Para cada um dos anos em análise o sujeito passivo entregou duas declarações periódicas de rendimentos Modelo 3 de IRS.

A primeira declaração respeitante ao ano de 2013 (…) foi entregue em 2014-06-06, a respeitante ao ano de 2014 (…) em 2015-04-30. Ambas as declarações foram posteriormente substituídas pelo sujeito passivo, em 2017-05-31, através da entrega de novas declarações (…).

Na primeira declaração do ano de 2013 o sujeito passivo declarou um total de rendimentos de trabalho dependente de €8.959,96 (€5.818,72 pagos pela sociedade B. Unipessoal, Lda., NIF 509 …, e €3.141,24 pagos pelo L., Lda., NIF503 …).

Relativamente a deduções à coleta e benefícios fiscais declarou €13,20 relativos a prémios de seguros de saúde.

Na declaração de substituição, apresentada em 2017-05-31, o sujeito passivo acresceu aos valores declarados na primeira declaração, a alienação das quotas da sociedade L., Lda. (doravante designado por Lar B. ) com um valor de realização de € 45.000,00 e um valor de aquisição de € 14.963,94.

Na primeira declaração do ano de 2014 o sujeito passivo declarou rendimentos de trabalho dependente de € 6.385,00 pagos pela B. Unipessoal, Lda..

Relativamente a deduções à coleta e benefícios fiscais declarou € 13,20 relativos a prémios de seguros de saúde.

Na declaração de substituição, apresentada em 2017-05-31, e tal como aconteceu para o ano de 2013, o sujeito passivo acresceu aos valores declarados na primeira declaração, a alienação de quotas. Neste caso as quotas alienadas foram da sociedade B. Unipessoal, Lda., com um valor de realização de € 25.000,00 e um valor de aquisição de € 5.000,00.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES
MERAMENTE ARITMÉTICAS
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS
Ano de 2013

No âmbito da ação inspetiva ao Lar B. constatou-se que o capital social deste era constituído por duas quotas, uma de € 14.963,94 pertença de D. (doravante designado por sujeito passivo ou V.) e outra de € 9.975,96 pertença de D. (anexo 1).

Em Assembleia Geral Extraordinária de 20 de março de 2013 (ata n.° 23) foi aprovada a cedência da quota de €14.963,94 pertença de V. para o Sr. R. (doravante designado por R.), NIF 198 …, pelo montante de € 45.000,00. Foi ainda aprovada a cedência da quota de € 9.975,96 pertença de D. a L.. pelo montante de € 30.000,00 (anexo 2).

Na mesma assembleia foi deliberado que em resultado da cessão de quotas a gerência passava a ser exercida por R….

Também em 20 de marco de 2013 foi celebrado o Contrato de Cessão de Quotas (anexo 3).

De acordo com a cláusula 3ª do referido contrato de cessão de quotas, o Sr. R…confessou-se devedor a V… do montante de €842.800,00, a ser pago em 172 prestações mensais de € 4.900,00 cada. Este valor referia-se ao montante investido na sociedade para o desenvolvimento e exercício da atividade.

A confissão de divida foi formalizada através de um Contrato de Confissão de divida celebrado em 09 de abril de 2013 (anexo 4).

De acordo com declarações prestadas em 16 de julho de 2015 por R.(anexo 5) o “contrato serviu de garantia ao anterior gerente Sr. V…, para que eu continuasse a cumprir o pagamento do empréstimo ao D… Bank, uma vez que se eu deixasse de pagar iriam exigir-lhe o dinheiro a ele, pois deu avais pessoais, dele e da mãe. Se reparar o valor do contrato é um valor correspondente ao valor da dívida ao banco na altura da aquisição, mais o valor das quotas.”

Por sua vez o Sr. V. em declarações prestadas em 04 de agosto de 2015 (anexo 5) afirmou que o contrato “foi uma forma de garantir que o Sr. R.iria pagar o empréstimo do D. até ao fim e que o banco não me iria exigir nenhuma responsabilidade, uma vez que eu tinha dados garantias pessoais.”

Relativamente ao contrato de confissão de divida e às alegações apresentadas quer por R. quer por V. constatámos que em relação ao empréstimo do D. Bank, contrato n.° 830… de 2011, a única garantia dada para a concessão do mesmo, foi o imóvel sede da sociedade, avaliado pela instituição bancária em €1.848.000,00 o que contradiz por completo as afirmações de ambos (anexo 6).

Aliás, mais se dirá que, se o contrato de confissão de divida tivesse como único objetivo uma garantia em como o Lar Benvindo continuava a cumprir o pagamento do empréstimo ao D. Bank, não se encontra justificação para que, tendo o empréstimo continuado ser pago ao banco (conforme se confirma pelos extratos bancários que, a titulo de exemplo, se juntam alguns no anexo 7) o Sr. R. efetue pagamentos mensais ao Sr. V. conforme previsto no referido contrato de confissão de divida.

Acresce a isto que, a alegação do Sr. R.de que o valor do contrato de confissão de divida correspondia ao somatório do valor em divida ao D. Bank e do valor das quotas também não se verifica. O valor em divida da sociedade ao D. Bank, na altura da concretização do negócio, cifrava-se em € 694.599,84 (conforme extrato bancário que se junta no anexo 8) o que acrescido dos €45.000,00, alegados como valor de aquisição das quotas pelo Sr. R., totalizava cerca de € 740.000,00 e não os €842.800,00 do contrato de confissão de divida.

Através dos pedidos de derrogação do dever do sigilo bancário autorizados pelo Lar B. (mediante autorização concedida pelo seu gerente, R.) e V., recolhemos cópias de alguns cheques e transferências emitidas por R. a V. (juntam-se cópias no anexo 9), como consta no quadro seguinte, que comprovam que o valor do negócio foi superior ao valor declarado de € 45.000,00:


(IMAGEM NO ORIGINAL)

Pelo que anteriormente se descreveu e demonstrou, o contrato de confissão de divida no montante de € 842.800,00 teve como objetivo simular o valor real da transmissão de quotas pelo que, o valor real da transmissão de quotas do Sr. V. para o Sr. R. foi no mínimo de € 887.800,00 (€ 45.000,00 + € 842.800,00) e não os € 45.000,00 declarados.

Ano de 2014

Até 2014 o sujeito passivo foi titular de uma quota de € 5.000,00 que perfazia a totalidade do capital social da sociedade B. Unipessoal, Lda., NIF 509 3… (anexo 10).

Em 01 de agosto de 2014 foi celebrado um contrato de Confissão de Divida (anexo 11) entre o sujeito passivo e C. (doravante designado por C. S.), NIF 152 …, em que este se confessou devedor ao Sr. V. do montante de € 148.000,00, a ser pago em 74 prestações mensais de € 2.000,00 cada. Este valor referia-se ao montante investido na sociedade B. Unipessoal, Lda. para o desenvolvimento e exercício da atividade.

Por contrato celebrado em 15 de Agosto de 2014 (anexo 12) o sujeito passivo cedeu a quota que detinha na sociedade B. Unipessoal, Lda. ao Sr. C.. De acordo com a cláusula 2ª do referido contrato o valor desta alienação foi de €25.000,00.

Questionado o Sr. V., em 07 de setembro de 2015 (anexo 13), sobre o valor do negócio de cedência de quota da sociedade B. Unipessoal, Lda. e sobre as mensalidades definidas no contrato de confissão de divida o mesmo afirmou que "O valor do negócio foi de € 25.000,00. Recebi os € 25.000,00, tenho recebido mensalidades para pagar as dívidas da B. que estão em meu nome pessoal e tem-me pago os montantes conforme a sua disponibilidade".

Por sua vez o Sr. C. em declarações prestadas em 04 de setembro de 2015 (anexo 13) afirmou que “O valor de aquisição foi de €25.000,00. Não existe nenhum contrato de financiamento entre a sociedade e qualquer entidade bancária”. Sobre se reconhecia o contrato de confissão de divida e qual a sua finalidade afirmou ainda "Sim, reconheço. A finalidade foi a única forma de ficar com a sociedade. Sim reconheço, foi uma forma de fazer um pagamento faseado sem recurso ao crédito. Ou seja, o negócio foi formalizado pelo pagamento dos € 25.000,00 referentes à aquisição das quotas, também pagos de forma faseada, mais os € 148.000,00 definidos no contrato de confissão de divida e que estão a ser pagos também de forma faseada".

Através do pedido de derrogação do dever do sigilo bancário autorizado por V., recolhemos cópias de alguns cheques e transferências emitidos por C. a V. (juntam-se cópias no anexo 14), que como consta no quadro seguinte, comprovam que o valor do negócio foi superior ao valor declarado de € 25.000,00:


(IMAGEM NO ORIGINAL)

Pelo que anteriormente se descreveu e demonstrou, o contrato de confissão de divida no montante de € 148.000,00 teve como objetivo simular o valor real da transmissão de quotas pelo que, o valor real da transmissão de quotas do Sr. V. para o Sr. C. foi no mínimo de € 173.000,00 (€25.000,00 + € 148.000,00) e não os € 25.000,00 declarados.

III.2. QUALIFICAÇÃO DOS FACTOS

Nos termos da alínea b) do n.° 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) constituem mais-valias, os ganhos obtidos com a alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários peio que, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 9º do CIRS, constitui um rendimento da categoria G.

Nos termos da alínea a) do n.° 4 do artigo 10° do CIRS, “o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.° 1”.

Nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 44° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) o valor de realização é o valor da contraprestação.

Por tudo o que ficou anteriormente exposto e demonstrado, o sujeito passivo, através da celebração de contratos de confissão de divida, simulou os valores reais das transmissões das quotas que detinha nas sociedades L., Lda. e B. Unipessoal, Lda..

Assim, os valores reais das contraprestações recebidas pelo sujeito passivo na alienação de quotas efetuadas foram de €887.800,00 em 2013 (alienação das quotas da sociedade L., Lda.) e €173.000,00 em 2014 (alienação das quotas da sociedade B. Unipessoal, Lda.), pelo que, devem ser estes os valores a ser considerados como valor de realização.

Em virtude do sujeito passivo ter apresentado, em 2017-05-31, novas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS onde declarou como valores de alienação € 45.000,00 e € 25.000,00 em 2013 e 2014, respetivamente, as correções a efetuar dizem respeito aos montantes dos contratos de confissão de divida nos montantes de €842.800,00 e €148.000,00, em 2013 e 2014, respetivamente.

Nos termos do n.° 3 do artigo 43° do CIRS, o saldo das mais-valias "respeitantes às operações previstas na alínea b) do n.° 1 do artigo 10°, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50% do seu valor" pelo que, no caso em apreço, as correções a efetuar em termos de matéria coletável são de €421.400,00 em 2013 e € 74.000,00 em 2014.

De acordo com a alínea c) do n.° 1 do artigo 72° do CIRS, "o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações nas alíneas b), c), e), f) e h) do n° 1 do artigo 10°" são tributadas à taxa autónoma de 28%.

Aplicando a referida taxa de tributação autónoma de 28% ao montante da matéria coletável apura-se o imposto em falta de € 117.992,00 (€421.400,00*28%) em 2013 e de €20.720,00 (€74.000,00*28%).

[…]

VIII. OUTROS ELEMENTOS RELEVANTES

Em resultado das correções ora propostas, conjuntamente com a liquidação adicional de imposto a entregar ao Estado, serão igualmente liquidados os juros compensatórios que se mostrarem devidos, nos termos do disposto no artigo 91° do CIRS e artigo 35.° da LGT, conforme nota demonstrativa de cálculo cujo teor será oportunamente notificado ao Sujeito Passivo.

Os factos anteriormente descritos encontram-se a ser investigados no Processo de Inquérito n.° 702/… ao qual o presente relatório será junto.

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO

De modo a poder exercer o direito de audição consagrado no artigo 60° da LGT e artigo 60° do RCPITA, foi o sujeito passivo notificado, por meio de carta registada (…), do teor do ofício n.° 000… de 2017-10-23, relativo ao Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (anexo 15).

Em resposta à notificação enviada, o sujeito passivo veio exercer o direito de audição e constitui como seu procurador o Dr. R…, (…) (anexo 16).

Na petição apresentada, composta de 47 pontos, o sujeito passivo contesta os factos constantes no projeto de relatório afirmando que não correspondem à verdade dos factos alegando que "não ocorreu pois qualquer simulação dos valores reais das transmissões das quotas que detinha nas sociedades L., Lda. e B. Unipessoal, Lda.".

As alegações do sujeito passivo dividem-se em duas partes:

A) Cedência das quotas do L., Lda.;

B) Cedência das quotas da B. Unipessoal, Lda..

A) Sobre a cedência das quotas do L., Lda. alegou essencialmente o seguinte:

1) A quota que detinha foi cedida pelo valor de €45.000,00, conforme contrato de cedência de quotas e ata da Assembleia Geral Extraordinária (ponto 4);

2) A sua mãe cedeu também a sua quota pelo montante de € 30.000,00 (ponto 5);

3) Além de receber o montante de € 45.000,00 recebeu também o montante de € 30.000,00 que cabia à sua mãe uma vez que a sua mãe decidiu dar esse montante ao filho pelo que pela cedência das quotas recebeu o montante total de € 75.000,00 (pontos 6 e 7);

4) Paralelamente ao valor acordado para a cedência das quotas, R…, obrigou-se a pagar "o montante total de € 25.000,00 a título de diversos equipamentos que se encontravam nas instalações do Lar, a responsabilizar-se pelo pagamento de rendas em atraso de um contrato de renting de uma viatura conduzida pelo contribuinte e uma viatura de marca mercedes que ficaria afeta ao Lar B." caso contrário retirava os equipamentos e as viaturas antes de ceder as quotas (pontos 8 e 9);

5) Assim o sujeito passivo “recebeu de R… o montante total de cerca de € 100.000,00" e não o montante de € 887.800,00 (ponto 10);

Relativamente à alegação do sujeito passivo de que apenas recebeu o montante de € 100.000,00, pela explicação dada, este valor correspondia ao somatório dos € 45.000,00 respeitantes à sua quota, € 30.000,00 da quota da sua mãe e € 25.000,00 a título de equipamentos, o que justificava os montantes que comprovadamente foram recebidos através de cheques e transferência bancárias.

No entanto, relativamente a este somatório apresentado pelo sujeito passivo, levantam-se questões que não foram justificadas:

- A quota da mãe do sujeito passivo foi cedida por € 30.000,00 a L. e não ao Sr. R. pelo que, mesmo admitindo que a mãe do sujeito passivo tenha dado ao sujeito passivo o montante que tinha a receber, não pode ser justificação para os pagamentos efetuados pelo Sr. R.ao Sr. V.;

- Relativamente ao montante dos equipamentos, no ponto 8, o sujeito passivo afirma que o montante total foi de € 25.000,00. Contudo, no ponto 10, o sujeito passivo já refere que o montante total de cerca de € 100.000.00. Para além desta imprecisão entre os pontos 8 e 10, o sujeito passivo não explicou quais eram os equipamentos e, fazendo os equipamentos parte do ativo da sociedade, os mesmos contribuem e estão incluídos no cálculo do valor das quotas da sociedade pelo que não se encontra justificação para a explicação do sujeito passivo.

Acresce ainda que, quando anteriormente foi questionado, nomeadamente em 2015-09-07, sobre o valor recebido, o sujeito passivo afirmou "... eu não recebi mais nenhum dinheiro para além do valor das quotas de € 75.000,00...".

Assim sendo, pelo anteriormente explicado, o sujeito passivo não justificou a que titulo recebeu os comprovados pagamentos que o Sr. R. lhe fez de mais de € 100.000,00, até julho de 2015, caso o valor da cedência das quotas fosse de € 45.000,00 como pretende invocar.

6) A confissão de divida de € 842.800,00 foi apenas um expediente encontrado como forma de garantir o cumprimento integral do empréstimo bancário do D. Bank (contrato n.° 830…) contraído pelo Lar B. , o pagamento de uma conta caucionada no D. Bank que se encontrava a descoberto no montante de € 50.000,00 e uma dívida à Segurança Social no montante de cerca de € 20.000,00 (ponto 11);

7) Dado o avultado passivo contraído na sua gerência, temia ser responsabilizado pelas dívidas e que uma eventual venda judicial do imóvel não chegasse para cobrir a dívida do empréstimo do D. Bank uma vez que o país vivia uma forte crise que se refletiu de forma drástica no mercado imobiliário, e sem perspetivas de melhorar, e a avaliação das instituições bancárias dos imóveis dados como garantia estavam desfasadas da realidade, manifestamente sobrevalorizadas (pontos 12,13 e 14);

Quanto ao contrato de confissão de divida, desde já se chama a atenção para o facto de nas declarações prestadas em 04 de agosto de 2015 o sujeito passivo referir que o contrato foi uma forma de garantir que o Sr. R. iria pagar o empréstimo ao D. para o banco não lhe exigir nenhuma responsabilidade pois tinha dado avais pessoais.

Como anteriormente foi explicado, esta justificação é contrariada pelo facto de, no contrato de empréstimo do D. Bank a única garantia dada ter sido o imóvel sede da sociedade.

Na explicação constante do direito de audição, o sujeito passivo justifica o contrato como forma de garantir o pagamento do empréstimo do D. Bank, de uma conta caucionada e de uma dívida à Segurança Social (factos que não constam do contrato de confissão de dívida), em virtude de temer que o valor do imóvel não chegasse para cobrir a dívida face à crise no país com reflexo no mercado imobiliário e tendo em atenção que as avaliações dos bancos estavam sobrevalorizadas.

Desde logo, o sujeito passivo altera a justificação que havia dado anteriormente. No entanto a explicação apresentada no direito de audição também é contrariada pelos factos.

Assim, relativamente à divida à Segurança Social, o Sr. R. nas declarações prestadas em 16 de julho de 2015 afirmou que “...vi declarações de não divida às finanças e à segurança social...".

Já quanto à divida do empréstimo do D. Bank, o valor da mesma, na altura da concretização do negócio, cifrava-se em € 694.599,84.

O que o sujeito passivo refere como conta caucionada a descoberto no montante de € 50.000,00, pela análise do extrato bancário, deve referir-se a um descoberto autorizado que, ao contrário do que o sujeito passivo afirma, o descoberto autorizado que estava utilizado era de € 40.000,00 e não € 50.000,00.

Os valores apresentados pelo sujeito passivo são contrariados pelos factos, o descoberto era de € 40.000,00 e não € 50.000,00 e ao adquirente foram exibidas declarações de não divida à Segurança Social pelo que, estão também por justificar os € 20.000,00 que o sujeito passivo alega. Destinarem-se ao pagamento à Segurança Social.

Quanto à avaliação do imóvel, esta foi realizada em março de 2011 e atribuído o valor de € 1.848.000,00. O sujeito passivo alega a questão da crise que desvalorizou o imobiliário. Como se vê, a avaliação do imóvel foi efetuada em 2011, altura em que já existia a crise. Portanto a avaliação efetuada já estava influenciada pelos efeitos da crise. Acresce que, o valor da divida ao D. Bank (empréstimo mais descoberto autorizado) representa apenas cerca de 39,75% (€ 734.599, 84/€ 1.848.000,00) do valor da avaliação.

Dado que a divida ao D. Bank totalizava € 734.599,84 (€ 694.599,84 + € 40.000,00), o sujeito passivo não justificou o facto do contrato de confissão de dívida ter sido no montante de € 842.800,00, mais € 108.200,16 acima do valor da dívida ao banco, a que acresce o facto de a parte referente ao empréstimo, €694.599,84, estar garantida pelo imóvel da sociedade avaliado em € 1.848.000,00.

Como também já foi anteriormente demonstrado, se o contrato de confissão de dívida tivesse como único objetivo uma garantia em como o Lar B. continuava a cumprir o pagamento do empréstimo ao D. Bank, não se encontra justificação para que, tendo o empréstimo continuado ser pago ao banco, o Sr. R. efetue os pagamentos mensais ao Sr. V. conforme previsto no referido contrato de confissão de dívida.

8) O contribuinte disponibilizou as suas contas bancárias e das mesmas apenas se comprova que recebeu o montante de €101.192,07 e não €887.800,00 (ponto 19) e questiona onde está demonstrado ter recebido o restante montante de € 786.607,93 (ponto 20);

9) Recebeu de R. o montante total de cerca de €100.000,00 (cem mil euros) pois não consegue precisar exatamente o valor uma vez que foram pagos por diversas tranches e conforme disponibilidade financeira daquele, mas que corresponde aproximadamente ao valor que consta dos autos (cheques e transferência bancárias) (ponto 22);

10) Nos pontos 26 e 27 alega que a legalidade só podia estar em causa se se demonstrasse que recebeu a quantia de € 887.800,00 a título de cedência de quotas e que o projeto de relatório alega que recebeu a quantia de €887.800,00 sem o demonstrar;

Relativamente à alegação de que não foi comprovado o recebimento de €887.800,00, em nenhum ponto do presente relatório foi referido que o sujeito passivo já recebeu € 887.800,00. O que foi referido e ficou demonstrado é que o valor real da transmissão das quotas do Sr. V. para o Sr. R. foi no mínimo de € 887.800,00.

Aliás, tendo o contrato de confissão de divida sido celebrado em abril de 2013 e o valor nele referido ser pago em 172 prestações mensais (ou seja 14 anos e 4 meses), em princípio, só em 2027 o valor estará totalmente recebido. Ou seja o sujeito passivo está a invocar a falta de demonstração de uma afirmação que não foi feita pela AT, e por isso não tem de ser demonstrada, e que sabe, só poderá ser feita em 2027. No entanto, o que releva para efeitos tributários é o valor de realização e esse, como ficou demonstrado, foi no mínimo de € 887.800,00.

Embora tenham significados bem distintos, são conceitos que facilmente se confundem e que imposta clarificar:

- A definição de rendimento está associada á perspetiva económica, corresponde ao beneficio ou aumento/criação de riqueza;

- A definição de recebimento está associada à perspetiva de tesouraria, correspondendo à entrada de meios monetários.

As correções propostas pela AT têm em conta precisamente os rendimentos obtidos pelo Sr. V. e não os recebimentos já ocorridos, atentos não só no facto de que rendimentos e recebimentos são bem distintos, bem como no facto de neste caso tal como prevê o contrato de confissão de divida, e como normalmente acontece, os rendimentos e recebimentos não ocorrem em simultâneo, mas em momentos distintos.

B) Sobre a cedência das quotas da B. Unipessoal, Lda.:

1) A quota que detinha foi cedida pelo valor de € 25.000,00, conforme contrato de cedência (ponto 29);

2) A sociedade, aquando da constituição, tinha como objeto social "agência de viagens". A contração de diversas dívidas impossibilitaram a continuação da sua atividade como agência de viagens pelo que, o sujeito passivo alterou o objeto social para a “atividade de apoio social para pessoas idosas com alojamento e cuidados de enfermagem”. Desde agosto de 2014 esta sociedade passou a explorar o Lar/estabelecimento sito na Rua das P., Bairro, em Porto Salvo. O equipamento que se encontrava neste Lar deixou de ser propriedade da sociedade L. e passou a ser propriedade da B. (pontos 30 a 34);

3) O sujeito passivo e o adquirente (Sr. C.) das quotas acordaram entre si que, o adquirente na qualidade de sócio-gerente da B., asseguraria um contrato de trabalho ao sujeito passivo com vencimento base de € 580,00, acrescido das contribuições à segurança social e respetivos impostos (ponto 35);

4) Deste modo, obrigou-se a entregar ao sujeito passivo o valor mensal de cerca de €1.400,00, a título de pagamento dos salários e prestações mensais dos empréstimos (Banco M. e Banco S.) contraídos pela B. enquanto agência de viagens e que foram transferidos para a titularidade do sujeito passivo, no montante total de cerca de € 50.000,00 (ponto 36);

5) A confissão de divida foi uma forma de garantir o cumprimento do acordo ou seja, pagamento dos salários, valor dos equipamentos e benfeitorias no Lar e prestações mensais dos empréstimos (ponto 37);

Também relativamente a este contrato o sujeito passivo alterou agora a sua explicação. Em 07 de setembro de 2015 o sujeito passivo tinha declarado que as mensalidades eram para pagar as dívidas da B. que estavam em seu nome. Agora, para além das dívidas, o sujeito passivo invoca que o objetivo era também garantir o pagamento de salários e os equipamentos e benfeitorias (factos que não constam do contrato de confissão de divida). Desde já se dirá que o sujeito passivo refere um salário de €580,00 mas, da consulta às declarações mensais de remunerações, até setembro de 2014 o sujeito passivo auferiu um vencimento mensal de €485,00 e a partir de outubro € 505,00.

Mais se chama atenção que o sujeito passivo no ponto 36 refere que o valor mensal para pagamento dos alegados salários e dívidas era de € 1.400,00. No entanto, o contrato de confissão de divida refere um valor mensal de €2.000,00.

Também, tal como no caso do Lar B., o sujeito passivo não explica nem demonstra a que equipamentos se refere e, fazendo os equipamentos parte do ativo da sociedade, os mesmos contribuem e estão incluídos no cálculo do valor das quotas da sociedade pelo que não se encontra justificação para a explicação apresentada pelo sujeito passivo.

Relativamente às dívidas que o sujeito passivo disse terem sido da B. e passado para seu nome pessoal juntando para comprovar isso um mapa das responsabilidades do B. (anexo 16). Analisando o referido mapa (anexo 16), não se deteta nenhuma das dívidas invocadas pelo sujeito passivo. No referido mapa não existe nenhuma divida ao Banco S. e a dívida ao Banco C. que consta do mapa foi contraída há 2 anos (diferença entre o prazo original de mais 7 até 8 anos e o prazo residual de mais de 5 até 6 anos) portanto em 2015.

Assim, além das alegações do sujeito passivo serem contrariadas pelos factos descritos o próprio adquirente das quotas declarou em 04 de setembro de 2015 sobre a finalidade do contrato de confissão de dívida e o valor do negócio foi “A finalidade foi a única forma de ficar com a sociedade. Sim reconheço, foi uma forma de fazer um pagamento faseado sem recurso ao crédito. Ou seja, o negócio foi formalizado pelo pagamento dos €25.000,00 referentes à aquisição das quotas, também pagos de forma faseada, mais os € 148.000,00 definidos no contrato de confissão de dívida e que estão a ser pagos também de forma faseada"

6) O sujeito passivo disponibilizou as suas contas bancárias e estas apenas comprovam que o sujeito passivo recebeu o montante de € 71.693,17 pelo que onde está demonstrado que recebeu o restante montante de € 173.000,00? (pontos 39° e 40°);

7) O sujeito passivo recebeu pela cedência da quota o montante € 25.000,00 acrescido de cerca de €46.000,00 a título de pagamentos adicionais pelos equipamentos e obras de remodelação do Lar (pontos 41° e 42°);

8) Assim, recebeu o montante total de cerca € 71.000,00 que corresponde aproximadamente ao valor que consta dos autos (ponto 43).

Relativamente à alegação de que não foi comprovado o recebimento de €173.000,00, em nenhum ponto do presente relatório foi referido que o sujeito passivo já recebeu € 173.000,00. O que foi referido e ficou demonstrado é que o valor real da transmissão das quotas do Sr. V. para o Sr. C. foi no mínimo de € 173.000.00.

Aliás, tendo o contrato de confissão de dívida sido celebrado em agosto de 2014 e o valor nele referido ser pago em 74 prestações mensais (ou seja, 6 anos e 2 meses), em princípio, só em 2020 o valor estará totalmente recebido ou seja o sujeito passivo está a invocar a falta de demonstração de uma afirmação que não foi feita pela AT e que por isso não tem de ser demonstrada e que sabe, só poderá ser feita em 2020. No entanto, o que releva para efeitos tributários é o valor de realização e esse, como ficou demonstrado, foi no mínimo de € 173.000,00.

Reitera-se e dá-se por reproduzida a distinção efetuada anteriormente em IX A) do conceito de rendimento e recebimento onde se conclui que não poderá o sujeito passivo invocar que não auferiu os rendimentos em causa, baseando-se no facto de o recebimento desses rendimentos ainda não ter ocorrido.

X. CONCLUSÕES

No exercício do direito de audição o sujeito passivo fez várias alegações que, além de não conseguir comprovar, ficou demonstrado que são contrariadas pelos factos apurados pelo que, se tornam definitivas as correções fiscais relativas aos exercícios de 2013 e 2014, propostas e referidas no capítulo III, nos montantes seguintes:

-2013

- IRS - Imposto em falta - Tributação autónoma sobre mais-valias: €117.992,00 (€ 421.400,00*28%)

-2014

- IRS - Imposto em falta - Tributação autónoma sobre mais-valias: €20.720,00 (€ 74.000,00*28%).

Consequentemente, foram elaborados os respetivos Documentos de Correção Únicos.

[…]»

(provado pelo documento registado no SITAF com o n.º 005955720);

22. Sobre o relatório identificado no ponto anterior, foi emitido, em 21-12-2017, parecer de concordância pelo Chefe da Equipa dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa e, em 22-09-2017, despacho de concordância pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação de competências (provado pelo documento registado no SITAF com o n.º 005955720);

23. No dia 05-01-2018, ao Impugnante foi emitida a liquidação n.º 2018 500…, relativa aos rendimentos de 2013 sujeitos a IRS, onde se pode ler:



(provado por documento, a fls. 25 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722);

24. Ao Impugnante foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 2018 …, relativos ao período de 2013, no valor de €16.914,59 (provado por documento, a fls. 24 do documento registado no SITAF com o n.º 0059…);

25. Ao Impugnante foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 2018 …, por recebimento indevido de imposto relativo ao período de 2013, no valor de €31,08 (provado por documento, a fls. 24 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722);

26. No dia 09-01-2018, ao Impugnante foi emitida a nota de demonstração de compensação n.º 2018 …, com o total de acerto da liquidação de IRS n.º 2018 … e das liquidações de juros compensatórios n.º 2018 … e n.º 2018 .., e com o estorno da liquidação n.º 2017 500…, da qual resultou um valor a pagar de €129.723,35 (provado por documento, a fls. 24 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722);

27. No dia 26-01-2018, ao Impugnante foi emitida a liquidação n.º 2018 500…, relativa aos rendimentos de 2014 sujeitos a IRS, onde se pode ler:




(provado por documento, a fls. 28 do documento registado no SITAF com o n.º 005955722);

28. Ao Impugnante foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 2018 60804, relativos ao período de 2014, no valor de €2.239,28 (provado por documento, a fls. 27 do documento registado no SITAF com o n.º 005…);

29. No dia 31-01-2018, ao Impugnante foi emitida a nota de demonstração de compensação n.º 2018 806682, com o total de acerto da liquidação de IRS n.º 2018 5000… e da liquidação de juros compensatórios n.º 2018 60804, e com o estorno da liquidação n.º 2017 500…, da qual resultou um valor a pagar de €19.585,72 (provado por documento, a fls. 27 do documento registado no SITAF com o n.º 005….»



Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão da causa, consideram-se factos não provados:

I. O Impugnante apenas recebeu de R. um montante de € 30.000,00 referente à cessão da quota que D. detinha na «L., Lda.»;
II. Pela cessão de quotas na «L., Lda.», R. obrigou-se a pagar ao Impugnante um montante total de € 25.000,00, pela compra de diversos equipamentos que se encontravam nas instalações daquela sociedade;
III. A sociedade «L., Lda.» tinha uma conta caucionada junto do D. Bank, que se encontra a descoberto no montante de €50.000,00;
IV. A sociedade «L., Lda.» tinha uma dívida junto da segurança social, de cerca de € 20.000,00;
V. O contrato de confissão de dívida foi celebrado com R. para garantir o cumprimento integral do empréstimo bancário n.º 830010116 contraído pela «L., Lda.» junto do D. Bank, o pagamento de uma conta caucionada na mesma instituição de crédito, que se encontrava a descoberto no montante de €50.000,00 e uma dívida à Segurança Social de cerca de €20.000,00;
VI. Pela cessão de quotas na «B., Unipessoal, Lda.», C. obrigou-se a entregar mensalmente o valor de €1.400,00, a título de pagamento de salários e de prestações mensais dos empréstimos contraídos por aquela sociedade junto do M. BCP e Banco S. que posteriormente foram transferidos para o Impugnante, no montante total de €50.000,00;
VII. O contrato de confissão de dívida foi celebrado com C. para garantir o cumprimento integral do acordo de pagamento dos salários, do valor apurado dos equipamentos e benfeitorias no estabelecimento e das prestações mensais de contraídos por aquela sociedade junto do M. B. e Banco S.;
VIII. O Impugnante recebeu de R. um pagamento de cerca de €46.000,00, a título de pagamentos adicionais pelos equipamentos e obras de remodelação e melhoramento do estabelecimento.»



E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:

«A decisão da matéria de facto assenta na análise dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo tributário apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, conforme referido a propósito de cada alínea da matéria de facto provada.

Os factos não provados foram considerados como tal atendendo à falta de prova tendente à sua demonstração, nomeadamente por parte do Impugnante. Note-se que o Impugnante podia ter tentado fazer prova dos mesmos através de todos os meios de prova legalmente admissíveis, nomeadamente, prova testemunhal. Sucede que o Impugnante nem sequer requereu a produção de prova testemunhal.

Acresce que, consultado o processo administrativo tributário apenso aos autos, dele não consta elementos que comprovem esses factos.

Assim, ao Tribunal não resta outra alternativa senão a de considerar como não provada a sua ocorrência.»



II.2 Do Direito

O Impugnante e ora Recorrente impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2013 e 2014, alegando, em suma, a ilegalidade das liquidações com fundamento em ter sido excedido o prazo máximo do procedimento de inspeção tributária, carência da fundamentação dos atos de liquidação e erro nos pressupostos de facto e de direito.

As liquidações em causa têm origem no valor declarado da cedência de quotas em duas sociedades que foram corrigidos para mais em sede de inspeção tributária efetuada ao contribuinte.

Notificado da sentença que julgou o recurso improcedente dela veio interpor o presente recurso alegando erro de julgamento de facto, diz: nos autos foram alegados factos (e que estão documentados) que impõem e exigem uma conclusão diferente (cf. conclusão 1 das alegações de recurso).

O Recorrente discorda, nestes termos, do julgamento da matéria de facto adotado na decisão recorrida.

Todavia, na impugnação da matéria de facto, impõe a lei, nos termos do disposto no artigo 640º CPC, um ónus rigoroso cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso.

Ora, o Impugnante e ora Recorrente não identifica os factos que entende terem sido mal julgados: quer por terem sido dados como provados quando o não deveriam ter sido, quer os que foram desconsiderados e considera serem relevantes à decisão, com indicação dos meios de prova que suportam esta sua pretensão de alteração do probatório.

Com efeito, o Recorrente não indica nas alegações e respetivas conclusões os factos que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente, e a decisão que, no seu entender pretende aditar, complementar ou substituir, limitando-se a apresentar razões de discordância com o decidido na sentença por entender que os documentos carreados para os autos não foram tomados em devida consideração. Em suma, não requer qualquer alteração ou aditamento, seja por complementação, seja por substituição, da matéria assente, apenas argui o erro de julgamento, discordando do decidido.

Assim, e sem necessidade de mais fundamentar, rejeita-se o recurso nesta parte.

Vejamos agora:

Alega o Recorrente que o procedimento de inspeção se prolongou para além do prazo máximo de seis meses previsto na lei, ilegalidade esta que no seu entender, inquina todos os atos posteriores dele resultantes, incluindo as liquidações impugnadas.

Anote-se que não vem alegado que o procedimento de inspeção se tenha iniciado passados que fossem quatro anos contados do início do ano seguinte à ocorrência do facto tributário, ou que a própria liquidação tenha sido emitida para além do prazo de caducidade do direito à liquidação, mas sim e tão só o excesso de duração do procedimento inspetivo, o que constituirá em si mesmo ilegalidade invalidante

Com efeito, nos termos do artigo 36/2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT): O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início.

O contribuinte foi sujeito a procedimento de inspeção externa que, de acordo com o artigo 51/2 RCPIT se inicia com a assinatura da ordem de serviço e termina com a notificação do relatório final (artigo 62º RCPIT).

Ora, para sustentar a tese de ter sido ultrapassado o prazo de duração do procedimento inspetivo o Impugnante e ora Recorrente defende que a inspeção se iniciou com os despachos do Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, em que foi determinada a realização de procedimentos de inspeção externa ao Impugnante, de âmbito geral, aos anos de 2013 e de 2014 (cf. alínea 15 dos factos provados).

Todavia, no caso de procedimento inspetivo externo, o prazo inicia-se, como vimos, com a assinatura da ordem de serviço e, o desrespeito deste prazo de duração do procedimento, tal como decidido na sentença recorrida tem como consequência a cessação da suspensão do prazo de caducidade, contando-se este desde o seu início.

A ultrapassagem do prazo de conclusão do procedimento inspetivo legalmente previsto, não acarreta, ao contrário do que defende o Recorrente, a ilegalidade dos atos subsequente que dela dependam, nomeadamente, da liquidação adicional efetuada.

Ora, a caducidade do direito à liquidação não vem alegada e não é de conhecimento oficioso, razão por que o argumento se torna redundante, por não conduzir ao efeito pretendido.

Pelo exposto, e sem necessidade de mais aprofundar, improcedem, pois, as alegações de recurso quanto a este motivo de ilegalidade da liquidação por ultrapassagem do prazo máximo de duração do procedimento inspetivo (conclusões 1 a 8 das alegações de recurso).

Vejamos:

Alega o ora Recorrente, que a liquidação é ilegal por vício de forma, de falta de fundamentação e por erro nos pressupostos de facto (cf. conclusões 3 e 10 das alegações de recurso).

Todavia, não carateriza ou densifica estes vícios alegados, mormente não especifica ou particulariza o alegado vício de forma de que padeceria o ato de liquidação ou em que medida e porque se verifica falta de fundamentação, não distinguindo entre fundamentação formal ou substancial do ato, o que dificulta a sua apreciação em sede recursiva.

Compulsados os autos, constata-se que o contribuinte foi alvo de ação inspetiva externa, notificado do projeto de relatório final, sobre o qual exerceu o direito de participação na formação do ato tributário, foi depois elaborado o relatório final e emitidas as liquidações impugnadas, que impugnou, não se vislumbrando, sem mais, em que consistiria o vício de forma que defende existir, mas que não concretiza, ou esclarece em termos tais que permitam aqui uma análise mais assertiva, apresentando, sobretudo, razões de discordância com o decidido. Não se vislumbra, sem mais detalhe, que o ato sofra do alegado de forma genérica, vício de forma.

Como tem sido reiterado na doutrina e na jurisprudência, o dever de fundamentação pode ser apreciado à luz da chamada fundamentação formal e/ou da fundamentação substancial, cada uma delas com particularidades e exigências distintas:

As características exigidas quanto à fundamentação formal e quanto à fundamentação substancial do ato tributário são distintas: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a atuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico) - Ac. STA, 2ª Seção, de 2019.11.21, Proc nº 0404/13.9BEVIS. No mesmo sentido citamos o Ac. TCAS de 2020.11.05, processo nº 1592/04.0BELSB, ambos disponíveis www.dgsi.pt.

Lida a petição de impugnação, desta retira-se que a alegada falta de fundamentação se refere à insuficiência dos indícios recolhidos pela fiscalização e vertidos no relatório, a seu ver insuficientes para sustentar a conclusão a que se chegou quanto à ocorrência do facto tributário, base das liquidações adicionais impugnadas.

A sentença recorrida apreciou o alegado vício de falta de fundamentação, convocando a principal jurisprudência sobre o tema, em termos que não nos merece censura. Diz:

Da falta de fundamentação dos atos de liquidação
O Impugnante alega que a informação constante do relatório dos serviços de inspeção tributária não se encontra devidamente fundamentada e é manifestamente omissa ao não deixar claro a existência de facto tributário.
Isto porque inexiste qualquer dúvida em relação aos montantes que o Impugnante recebeu a título de cedência de quotas.
A Exma. Representante da Fazenda Pública discorda deste entendimento. Defende que o relatório de inspeção está devidamente fundamentado, de forma clara, adequada e exaustiva, dando a conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo subjacente e enunciando as razões de facto e de direito que motivaram as correções. Além de que a AT demonstrou as razões porque considerou o negócio simulado, dando a conhecer ao Impugnante os motivos dos valores reais das transmissões de quotas.
Conclui que o Impugnante revela não ter tido dificuldade na apreensão dos fundamentos de facto e de direito que levaram à prática do ato, tendo os mesmos sido por este perfeitamente compreendidos.
Vejamos.
O n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa («CRP») estabelece o direito à fundamentação e o correspetivo dever por parte da Administração, de acordo com o qual os atos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.
Uma das manifestações daquele direito, em sede de lei ordinária, consta dos n.os 1 e 2 do art.º 153.º do Código do Procedimento Administrativo («CPA»), que impõe que a fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente. A adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato equivale à falta de fundamentação (n.º 2 do art.º 153.º do CPA). A respeito da aplicação destas regras ao ato tributário, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-10-2019, proferido no processo n.º 0373/19.1BECBR.
No domínio do direito fiscal, o dever de fundamentação teve acolhimento no art.º 77.º da LGT. No que releva para o caso em apreço, a fundamentação deve consistir numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo consistir numa mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária (n.º 1 do art.º 77.º da LGT). Esta fundamentação pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (n.º 2 do art.º 77.º da LGT).
A este respeito, a jurisprudência é pacífica e uniforme no sentido de que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato ou da matéria sobre o qual o mesmo versa e visa responder às necessidades de esclarecimento do interessado (vejam-se, neste sentido, acórdãos do Pleno da Seção de Contencioso Administrativo de 13-10-2004, proferido no processo n.º 047836, de 17-06-2004, proferido no processo n.º 0706/02, e de 06-05-2004, proferido no processo n.º 047790).
Neste sentido, «[e]stá suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa» (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 24-05-2012, proferido no processo n.º 00731/09.0BEPNF)
Por outro lado, a fundamentação só será suficiente se, e quando, permitir que um destinatário normal se aperceba do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato, dando-lhe a saber quais os motivos por que se praticou um ato, de modo a permitir-lhe optar entre aceitar a sua legalidade ou reagir graciosa ou contenciosamente contra o mesmo.
Em consequência, «[n]ão procede a falta de fundamentação do ato, enquanto vício de natureza formal, se for possível conhecer, ainda que de forma sucinta e abreviada, quer a fundamentação do facto, quer a fundamentação de direito, sendo essa fundamentação compreendida pelo destinatário direto do ato, que se dispõe a impugná-lo contenciosamente, organizando a sua defesa de forma racional» (cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12-07-2012, proferido no processo n.º 04268/08).
Ora, no caso em análise, é percetível, pelo percurso desenvolvido nos respetivos procedimentos administrativos que culminaram nos atos de liquidação ora impugnados, que a AT corrigiu os valores (de realização) declarados pelo Impugnante relativamente às quotas por si cedidas a terceiros, tendo em consideração os valores declarados em contratos de confissão de dívida celebrados por aquele.
Não se discutindo por agora a bondade desse entendimento, certo é que foi esta a fundamentação subjacente aos atos impugnados, constando de modo discriminado do teor do relatório da ação de inspeção, a descrição dos factos e as razões de direito, com indicação das normas legais pertinentes, que levaram a AT a liquidar os impostos em causa.
Assim, da conjugação das notificações do relatório de inspeção e das liquidações torna-se claro que o Impugnante teve acesso a toda a informação necessária para a compreensão dos atos de liquidação de IRS e de juros compensatórios, relativos aos anos de 2013 e de 2014, que lhe foram notificados.
Importa, ainda, ter presente que, ainda que existisse falta ou insuficiência de fundamentação, tal não implicaria, por si só, a invalidade do ato final.
Neste sentido tem-se decidido de modo uniforme nos tribunais superiores. Tratando-se de um trâmite destinado a assegurar as garantias de defesa dos particulares, pode tal formalidade degradar-se em não essencial, sobretudo nos casos em que o sujeito passivo demonstra ter apreendido o iter cognoscitivo da AT para decidir como decidiu, o que se verifica no caso em apreço.
Ora, tudo está devidamente explicitado e o Impugnante demonstrou, ao longo da exposição constante da petição inicial, que compreendeu, exatamente, qual foi o iter cognoscitivo da AT para chegar ao resultado a que chegou. Prova disso mesmo é a forma como vem a juízo atacar as liquidações. Demonstra claramente na sua alegação que conhece as razões de facto e de direito pelas quais a AT procedeu às correções e, consequentemente, liquidou IRS adicionalmente relativamente aos anos de 2013 e de 2014.
(…)

A sentença recorrida apreciou também cada um dos motivos levados ao relatório de inspeção, que sustentam a conclusão a que se chegou e em que se funda a correção efetuada, nos seguintes termos:

(…)
No que releva para o caso em apreço, «[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem [da] [a]lienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários» [alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do Código do IRS, na redação então em vigor]. Esses ganhos consideram-se obtidos no momento da prática do referido ato de alienação onerosa (n.º 3 do art.º 10.º do Código do IRS, na redação então em vigor).
Regra geral, as declarações anuais de rendimentos, para efeitos de IRS, apresentadas pelo Impugnante relativamente a 2013 e 2014, presumem-se verdadeiras e de boa-fé (n.º 1 do art.º 75.º da LGT).
Sucede que, no que releva para o caso, essa presunção deixa de funcionar quando essas declarações revelarem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo [alínea a) do n.º 2 do art.º 75.º da LGT].
No caso dos autos, a AT não questionou a existência e validade dos negócios de cessão de quotas da «L., Lda.» e da «B., Unipessoal, Lda.», apenas entendeu que um dos seus elementos, o preço, não era o que fora declarado nos correspondentes contratos de cessão das quotas.
Estamos, como acima referido, perante um caso em que a AT entende que encontrou elementos, sérios e objetivos, de que o preço pago não correspondia ao declarado e procedeu à correção à matéria coletável, nos termos que a lei lhe permitia.
Assim, pretendendo corrigir o valor das liquidações de IRS efetuadas com base nas declarações do Impugnante, por entender que as mesmas não refletem, no caso, o preço real e efetivo da cessão de quotas, compete à AT demonstrar a existência de indícios de que essa declaração enferma de inexatidão relativamente àquele elemento da obrigação tributária, usando, para tanto, dos poderes de descoberta da verdade material da situação tributária dos contribuintes (art.os 58.º e 63.º da LGT).
Em tese, os serviços da AT podem proceder à correção das declarações anuais de rendimentos do Impugnante, bem como, nos termos do art.º 39.º da LGT, proceder à desconsideração do valor indicado como preço de cessão das quotas.
Contudo, para desconsiderar o preço declarado no contrato de cessão de quotas, a AT tem de carrear para os procedimentos inspetivos elementos que demonstrem, com um elevado grau de certeza, que o montante do preço declarado não teve aquela dimensão quantitativa, mas uma outra superior. Esta demonstração pode ser efetuada através de indícios, desde que certos e seguros, dos quais se possa extrair, que houve simulação no preço. O ónus da prova desses indícios recai sobre a AT, por serem constitutivos do direito à liquidação pela AT por um preço superior (n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
Tendo este como pano de fundo, vejamos se a AT cumpriu o referido ónus de prova.
De acordo com o probatório, nos procedimentos inspetivos realizados ao Impugnante, foram detetadas situações em que os valores declarados nos contratos de cessão de quotas celebrados foram diferentes dos valores reais dos negócios celebrados, o que resultou numa diminuição do IRS entregue pelo Impugnante em 2013 e 2014.
Resulta ainda do probatório que o relatório de inspeção tributária assentou as suas correções nos seguintes factos:
-Nos contratos de cessão de quotas da «L., Lda.» e da «B., Unipessoal, Lda.», apuraram que o Impugnante e os adquirentes declararam que as quotas seriam cedidas pelos preços respetivamente de €45.000,00 e de €25.000,00;
-E que, na sequência destes contratos, foram outorgadas escrituras públicas de confissão de dívidas, através das quais os adquirentes da quota da «L., Lda.», R., e da quota na «B., Unipessoal, Lda.», C., se confessaram devedores ao Impugnante das quantias de €842.800,00 e de €148.000,00, respetivamente (cfr. pontos 10 e 12 dos factos provados);
-No que em especial se refere ao negócio de cessão de quota da «L., Lda.», verificaram que Rui do C. confessou-se devedor da referida quantia de €842.800,00, que deveria ser paga em 172 prestações mensais, no valor de €4.900,00, sem vencimento de juros (cfr. ponto 10 dos factos provados);
-De acordo com a respetiva escritura pública, esta quantia foi emprestada a R. pelo Impugnante, em diversas tranches, para investimento no desenvolvimento e exercício daquela sociedade (cfr. ponto 10 dos factos provados);
-Os serviços da AT reuniram declarações de R. e do Impugnante em que ambos afirmaram que a confissão de dívida foi utilizada para garantir que R. iria pagar um empréstimo bancário contraído junto do D. Bank (cfr. ponto 21 dos factos provados –no ponto «III.1. Descrição dos factos» para o ano de 2013);
-Face a estas afirmações, os serviços da AT efetuaram outras diligências, tendo apurado que, em relação ao empréstimo do D. Bank, contrato n.º 83… de 2011, só tinha sido dada uma garantia para a concessão do mesmo, que foi o imóvel sede da sociedade e que foi avaliado em €1.848.000,00 (cfr. ponto 21 dos factos provados –no ponto «III.1. Descrição dos factos» para o ano de 2013).
-E, por outro lado, os serviços de inspeção tributária também apuraram que R… efetuou pagamentos mensais ao Impugnante, conforme o previsto no contrato de confissão de dívida;
-Isto foi comprovado na sequência de pedidos de derrogação do dever de sigilo bancário autorizados pela «L., Lda.», mediante autorização concedida pelo gerente R…, e pelo Impugnante, onde foram reunidos cheques e transferências de R…para o Impugnante, entre 05-03-2013 e 20-07-2015, no valor total €101.192,07 (cfr. ponto 21 dos factos provados –no ponto «III.1. Descrição dos factos» para o ano de 2013);
-De acordo com os elementos reunidos pelos serviços de inspeção tributária, concluíram que o valor do contrato de confissão de dívida não correspondia ao somatório do valor em dívida ao D. Bank, acrescido dos €45.000,00, uma vez que, à data da concretização do negócio, aquele valor em dívida era de €694.599,84;
-Face aos elementos coligidos, os serviços de inspeção tributária concluíram que o contrato de confissão de dívida no montante de € 842.800,00 teve como objetivo simular o valor real da transmissão da quota do «L., Lda.» para R., o qual foi, no mínimo, de € 887.800,00 (€842.800,00+€45.000,00) e não os €45.000,00 declarados;
-No que em particular se refere ao negócio de cessão de quota da «B., Unipessoal, Lda.», C. confessou-se devedor da referida quantia de €148.00,00, que deveria ser paga em 74 prestações mensais, no valor de €2.000,00, sem vencimento de juros (cfr. ponto 12 dos factos provados). De acordo com a respetiva escritura pública, esta quantia foi emprestada a C. pelo Impugnante, em diversas tranches, para investimento no desenvolvimento e exercício daquela sociedade (cfr. ponto 12 dos factos provados);
-Os serviços da AT reuniram declarações de C. que afirmou que a finalidade do contrato de confissão de dívida «foi a única forma de ficar com a sociedade (…) foi uma forma de fazer um pagamento faseado sem recurso ao crédito. Ou seja, o negócio fio formalizado pelo pagamento dos €25.000,00 referentes à aquisição das quotas, também pagos de forma faseada, mais os €148.000,00 definidos no contrato de confissão de dívida e que estão a ser pagos também de forma faseada» (…) (cfr. ponto 21 dos factos provados –no ponto «III.1. Descrição dos factos» para o ano de 2014);
-Na sequência do pedido de derrogação do dever de sigilo bancário autorizado pelo Impugnante, foram reunidos cheques e elementos sobre transferências de C. Silva para o Impugnante, entre 27-12-2013 e 09-08-2015, no valor total €71.693,17 (cfr. ponto 21 dos factos provados –no ponto «III.1. Descrição dos factos» para o ano de 2013);
-Face aos elementos coligidos, os serviços de inspeção tributária concluíram que o contrato de confissão de dívida no montante de €148.000,00 teve como objetivo simular o valor real da transmissão da quota da «B., Unipessoal, Lda.» para C., o qual foi, no mínimo, de €173.000,00 (€25.000,00+€148.000,00) e não os € 25.000,00 declarados.
Do exposto, é possível concluir que a AT cumpriu com o ónus da prova que sobre ela impendia, reunindo indícios certos e seguros que demonstram, com um elevado grau de certeza, que o montante do preço declarado pelo relativamente à cessão de quotas nas sociedades «L., Lda.» e B., Unipessoal, Lda.» foi, respetivamente, de € 887.800,00 e de € 173.000,00.
A existência destes indícios de que os preços declarados pelo Impugnante não correspondem aos preços reais e efetivos da cessão de quotas nas sociedades «L., Lda.» e B., Unipessoal, Lda.» afastam a presunção prevista no citado n.º 1 do art.º 75.º da LGT e transfere para o Impugnante o ónus de demonstrar a veracidade do que declarou.

Como se vê do excerto transcrito, a sentença recorrida analisou detalhadamente os motivos levados ao relatório. Vejamos, então:

Tal como alega o ora Recorrente, os contribuintes gozam da presunção de veracidade das declarações, sobretudo se estiverem organizadas nos termos das leis comerciais e fiscais (cf. artigo 75º da LGT).

Contudo, foi o próprio contribuinte que na primeira declaração de rendimentos entregue, nela não espelhou os proventos auferidos com a cessão de quotas, comportamento que foi a causa primeira da inspeção tributária de que foi alvo.

E, dos indícios recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira e vertidos no relatório de inspeção e do confronto com a prova efetuada em juízo, levada aos factos provados e sobretudo dos factos dados como não provados resultaram indícios fundados e seguros que os valores declarados não são os reais, ou seja, que as quotas foram cedidas por montante superior ao declarado. Assim se concluindo estar legitimada a sua atuação.

Anote-se que à Autoridade Tributária e Aduaneira não cabe provar a existência de acordo simulatório quanto ao preço, mas apenas a verificação dos pressupostos fáticos e jurídicos da sua atuação, no âmbito do poder-dever de fiscalização que sobre ela recai.

Como é de jurisprudência pacífica, sobre a Administração, recaí o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação cabendo ao contribuinte provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito

Cabia, pois, ao contribuinte o ónus da prova do direito que se arroga quanto à comprovação da errónea quantificação da matéria tributável e que a cessão de quotas foi, afinal, realizada pelo preço declarado.

Recordemos que foram assinadas pelos adquirentes das quotas confissões de dívida nos montantes de (i) € 842 800,00 por R., que adquiriu a quota da sociedade L., Lda., e de (ii) € 148 000,00, por C., que adquiriu a quota da empresa B., Unipessoal, Lda.

Ora, na sentença recorrida foi dado como não provado que o ora Recorrente tenha recebido qualquer montante relativamente à cessão da quota que sua mãe D. detinha na L., Lda., ou que R. se obrigou a pagar ao Impugnante e ora Recorrente qualquer montante pela compra de diversos equipamentos que se encontravam nas instalações daquela empresa, ou ainda que a sociedade L., Lda. tinha uma conta caucionada junto do D. Bank, que se encontra a descoberto no montante de € 50 000,00, ou que esta era devedora de cerca de € 20 000,00 à Segurança Social.

Também foi dado como não foi provado que pela cessão de quotas na B., Unipessoal, Lda., C. se obrigou a entregar mensalmente o valor de € 1 400,00, a título de pagamento de salários e ainda de prestações mensais dos empréstimos contraídos por aquela sociedade junto do M. BCP e do Banco S., no montante global de € 50 000,00, ou que o Impugnante, ora Recorrente, recebeu de R. uma quantia de cerca de € 46 000,00, a título de pagamentos adicionais por equipamentos e obras de remodelação e melhoramento do estabelecimento.

Alega o Recorrente que os montantes de que se confessaram devedores tem outras causas, aquisição de equipamentos, garantia de pagamento salarial e de empréstimos contraídos junto de instituições bancárias, mas nada comprovou nesse sentido.

Assim, e não tendo sido impugnada com eficácia a matéria de facto levada ao probatório, nem tendo sido junta outra prova, improcedem, pois, as alegações do ora Recorrente quanto a esta questão e confirma-se a sentença recorrida nesta parte.

Vejamos, agora, quanto ao momento em que se considera obtido o provento, se no momento em que foi realizado o negócio ou se no momento em que forem percebidos ou colocados à disposição do contribuinte.

A tributação das mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais ou outros valores mobiliários encontrava-se prevista no artigo 10/1.b) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Nos termos do nº 3 do mesmo artigo 10º, os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no nº1.

Sobre o que deve entender-se por valor de realização dispõe o artigo 44/1.f) CIRS, que se considera como valor de realização o valor da respetiva contraprestação.

Nos casos em que o cedente deferiu o recebimento do preço em prestações cujo pagamento se estende por vários exercícios, poderia, pois, como defende, colocar-se a problemática do momento a considerar para a prática do ato.

A sentença recorrida decidiu que no caso dos rendimentos qualificados como mais-valias, o IRS incide sobre os valores acima identificados e não sobre os montantes que alegadamente o Impugnante irá receber em cada ano.

Entendimento com o qual não se conforma o ora Recorrente, defendendo que, ao contrário do decidido, o n° 3 do art° 10° deverá ser interpretado não como determinando, no ano da prática do acto, a tributação de rendimentos não efectivamente auferidos, nem postos à disposição do titular nesse ano, mas sim como uma presunção de que os rendimentos que constituem mais-valias são auferidos no momento da prática do acto (cf. conclusão 51 das alegações de recurso).

Ora, o que se verifica é que as liquidações incidem sobre a totalidade do alegado montante das mais-valias, quando é a própria Autoridade Tributária, e conforme resulta do relatório do SIT (Serviço de Inspecção Tributária), que o sujeito passivo, ora recorrente, deferiu o recebimento das mais-valias em prestações (conclusão 52 das alegações de recurso).

Sendo assim, mesmo admitindo, o que não se concede, sempre se dirá que as liquidações impugnadas deverão ser corrigidas, tendo em conta apenas os montantes que alegadamente o sujeito passivo irá receber em cada ano (conclusão 53 das alegações de recurso).

Desde já diremos que o Recorrente não tem razão porquanto o facto tributário ocorre no momento da alienação, sendo esse o momento relevante para aferir qual o provento obtido pelo sujeito passivo com a alienação das quotas, tal como se decidiu na sentença recorrida. É esse o valor da contraprestação a considerar: o preço estipulado pelas partes para a cessão das quotas.

É esse aumento do poder aquisitivo do contribuinte que é tributado em sede mais-valias mobiliárias.

E esse momento verifica-se no momento em que cede as quotas. É quando se verifica o ganho que é tributado, o incremento patrimonial apurado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.

Não faz, pois, vencimento a tese do Impugnante, ora Recorrente, no sentido de no caso em que o contribuinte deferiu o recebimento das mais-valias em prestações as liquidações devem ter em conta apenas os montantes que alegadamente o sujeito passivo irá receber em cada ano.

O ganho por mais-valia considera-se, pois, obtido no ano em que a operação de alienação da participação social seja realizada, a isso não obstando as condições contratuais que as partes acordem quanto ao pagamento do preço (valor de realização) mesmo que o valor de realização (preço) não haja sido recebido ou colocado à disposição do contribuinte.

Improcedem, pois, todas as alegações de recurso.

A sentença que assim decidiu não merece, pois, a censura que lhe foi feita e é de confirmar.


Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).

Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, custas são pela Recorrida que ficou vencida.




III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.

Lisboa, 10 de março de 2022

Susana Barreto

Tânia Meireles da Cunha

Vital Lopes