Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11072/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:ESPERANÇA MEALHA
Descritores:PENSÃO DE APOSENTAÇÃO; GRATIFICAÇÃO ESPECIAL - FUNÇÕES DOCENTES ENSINO ESPECIAL
Sumário:A “gratificação especial” (prevista no Decreto-Lei n.º 35401, de 27 dezembro 1945 e atualizada pelo Decreto-Lei n.º 232/87) para o exercício de funções docentes no âmbito da educação e ensino especial, é uma gratificação com caráter permanente e regular, que não está isenta de desconto para aposentação e que, como tal, releva para efeitos da remuneração mensal a considerar no cálculo da pensão de aposentação, nos termos dos artigos 6.º, 47.º e 48.º do Estatuto da Aposentação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, 2.º Juízo, do Tribunal Central Administrativo Sul


I. Relatório
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA) interpõe recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sinta, que confirmou anterior sentença que havia anulado o ato de indeferimento do pedido de revisão da pensão de aposentação M…… N…… e condenado a CGA a proceder a tal revisão considerando o valor da gratificação de Ensino Especial paga mensalmente à A. para efeitos de cálculo da pensão de aposentação.
A Recorrente conclui as suas alegações como se segue:
1) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não interpreta nem aplica correctamente o disposto nos artigos 6º, 47º e 48º do Estatuto da Aposentação.
2) A gratificação de especialização não releva para efeitos de cálculo da pensão de aposentação nem tão pouco está sujeita a desconto de quotas, pelo que não assiste à A o peticionado direito de revisão da sua pensão de aposentação.
3) Decorre do Decreto-Lei nº 232/87, de 11 de Junho, que o legislador não exige a docência como requisito do direito à gratificação.
4) O que é determinante para a atribuição desta gratificação é que os professores estejam no exercício efectivo de "funções" (seja elas quais forem) que se integrem no âmbito do apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais.
5) Trata-se, assim, de uma gratificação que não corresponde ao cargo de docente, mas sim uma contrapartida remuneratória pelo exercício de "funções" no âmbito do apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais, ou seja, de um acréscimo remuneratório atribuído em função das particularidades específicas da prestação de trabalho.
6) Acresce que, nas situações previstas no artigo 1º, nº2, do mesmo diploma, a lei apenas exige que os professores estejam em exercício efectivo de "funções de itinerância". Ou seja, para integrar a previsão da norma, o que a lei exige às funções exercidas não é a docência mas sim a itinerância. Por essa razão, o nº4 do mesmo artigo determina que quem receber tal gratificação não receberá "ajudas de custo", o que tem subjacente uma identidade das razões determinantes da atribuição destes abonos, ou seja, o exercício de funções fora do local normal de trabalho.
7) Ora, de acordo com o artigo 6º, nº3, do Estatuto da Aposentação, as ajudas de custo e todos os abonos que se destinem compensar despesas feitas por motivo de serviço não constituem remuneração para efeitos de incidência de quotas, pelo que, igualmente, a gratificação atribuída nos termos do artigo lº, nº2, do citado diploma, não está sujeita a desconto de quota.
8) Correlativamente, a gratificação de especialização não releva no cálculo da pensão de aposentação, não sendo, pois, enquadrável no nº l, alínea b), do artigo 47º do Estatuto da Aposentação.
9) Na presente situação, não há qualquer dúvida que a A. aposentou-se pelo cargo de docente, conforme resulta inequivocamente do despacho de 2006-05-04, constante do processo instrutor.
10) Assim, no cálculo da sua pensão, apenas podem ser consideradas as remunerações inerentes ao cargo de docente, excluindo-se, portanto, a gratificação de especialização que não corresponde ao exercício do cargo pelo qual a A. foi aposentada, mas ao exercício de funções que extrapolam o cargo de docente.
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A Recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
A A., estando reformada com efeitos retroagidos a 28 de Setembro de 2004, requereu que fosse revista a sua pensão de aposentação com fundamento no facto de a mesma estar a ser paga sem que tivesse sido considerada a gratificação pelo desempenho de funções no Ensino Especial que a A. auferia, enquanto estava no exercício de funções, tudo como melhor consta do requerimento que se juntou e aqui se dá por reproduzido (Doe. 1 oferecido com a petição inicial);
2. Por oficio datado de 16 de Outubro de 2009, a R. indeferiu tal rectificação com fundamento no facto de se tratar de uma mera gratificação inerente ao desempenho de funções de apoio a crianças com necessidades educativas especiais, não podendo por isso essa gratificação ser considerada como retribuição para efeitos de aposentação, devendo por essa razão os serviços solicitarem a devolução das quotas descontadas naquela remuneração, conforme documento que se juntou e aqui se dá por reproduzido (Doc. 2 oferecido com a petição inicial), reconhecendo embora que recebera descontos efectuados sobre a gratificação e que por isso podia ser pedida a sua devolução, mas não a considerando uma retribuição;
3. A denominada "gratificação" foi estabelecida pelo art. 14º do Dec. -Lei 35.401, de 27 de Dezembro de 1945, e o seu montante variava de acordo com as maiores ou menores diuturnidades que cada professor auferisse, como consta de cópia do diploma que se juntou (Doc. 3 oferecido com a petição inicial);
4. Ou seja, o pagamento da gratificação era feito obedecendo ao regime aplicável às diuturnidades, como pagamento substitutivo que era;
5. Pelo Dec.- Lei 232187, de 11 de Junho, o montante daquelas gratificações foi actualizado prevendo -se então no art 1º, nº 3, deste Dec. -Lei que o pagamento não era devido no período de interrupção das actividades lectivas correspondente aos meses de Verão (e não em todos períodos de interrupção das actividades lectivas -Páscoa e Natal), estabelecendo -se pois um aumento e procedendo-se a uma repartição diferente do pagamento dessa quantia superior somente em dez meses por ano;
6. No art 2º deste Dec.-Lei veio estabelecer-se um aumento proporcional automático daquelas gratificações tendo por referência as actualizações que viessem a ocorrer para letra C da tabela de vencimentos da função pública;
7. Do que vem dito decorre que a equiparação daquela gratificação às diuturnidades que constava do Dec. - Lei 35.401, passou a seguir o regime de aumentos da tabela da função pública, sendo a gratificação devida ainda que houvesse interrupção das actividades lectivas e só não era devido o respectivo pagamento no período de interrupção das actividades lectivas no período do Verão;
8. Tendo por essa razão, e bem, sofrido a "gratificação" os descontos normais sobre a retribuição devidos à R.;
9. E, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 48º, e 6º, nº 1, do Estatuto da Aposentação, não só era efectivamente devido o desconto das quotas na gratificação em causa, mas também o seu valor teria de ter sido em consideração para efeitos de cálculo da pensão de aposentação;-
10. Efectivamente, aquela gratificação, só por não ser devida nos períodos de interrupção da actividade lectiva dos meses de Verão, não era desprovida de regularidade, constância, normalidade e periodicidade, que pudesse justificar a aplicação da exclusão prevista no art 48º do Estatuto da Aposentação;
11.O acto da R. que indeferiu a revisão da pensão da aposentação da A., nela incluindo a gratificação por exercício de funções no Ensino Especial, violou os arts. 48º, com referência ao art. 6º nº 1, do Estatuto da Aposentação;
12. Deve pois ser mantida a sentença recorrida que considerou a acção procedente e condenou a R. a rever a pensão.
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A Magistrada do Ministério Público junto deste TCASul emitiu parecer, mantendo a anterior pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
A questão a decidir no presente recurso é a de saber se a “gratificação especial”, prevista no Decreto-Lei n.º 232/87 enquanto gratificação pelo exercício de funções docentes no âmbito da educação e ensino especial, deve ser considerada no cálculo da pensão de aposentação.
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III. Factos
A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no 663.º/6 do CPC/2013.
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IV. Direito
A “gratificação especial” aqui em causa foi estabelecida peloartigo 14.º do Decreto-Lei n.º35401, de 27 dezembro 1945,e atualizada pelo Decreto-Lei n.º 232/87, de 11 de junho, tendo em vista que “as funções docentes no âmbito da educação e ensino especial impõem exigências acrescidas que importa remunerar adequadamente”. Para o efeito, este último diploma veio estabelecer que os docentes habilitados com o curso de especialização aí referido, ou equiparado, têm direito a uma “gratificação mensal” com o valor aí previsto, desde que se encontrem em exercício efeito de funções na educação e ensino especial; estejam integrados em equipas ou classes ou centros de educação especiais; e não exerçam quaisquer outras atividades públicas (cfr. artigos 1.º/1 e 2 e 3.º do Decreto-Lei n.º 232/87). A referida gratificação é abonada no período de interrupção letiva correspondente aos meses de Verão (artigo 1.º/3) e será atualizada, com dispensa de quaisquer formalidades, sempre que se verifiquem aumentos da função púbica, sendo a percentagem do aumento idêntica àquela que se verificar para a letra C da tabela de vencimentos da função pública (artigo 2.º).
Por seu turno, o Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, com as alterações posteriores) estabelece o seguinte no que respeita às remunerações a considerar para efeitos da remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão de aposentação:
nos termos do seu artigo 48.º, as remunerações a considerar são “as abrangidas pelo nº 1 do artigo 6.º, com exceção das que não tiverem caráter permanente, das gratificações que não forem de atribuição obrigatória, das remunerações complementares por serviço prestado no ultramar e das resultantes da acumulação de outros cargos”;
as remunerações abrangidas pelo citado artigo 6.º/1, ou seja, aquelas sobre as quais incide a quota, são “os ordenados, salários, gratificações, emolumentos, o subsídio de férias, o subsídio de Natal e outras retribuições, certas ou acidentais, fixas ou variáveis, correspondentes ao cargo ou cargos exercidos e não isentas de quota nos termos do n.º 2”;
as remunerações isentas de quota nos termos do referido artigo 6.º/2 são “os abonos provenientes de participações em multas, senhas de presença, prémios por sugestões, trabalho extraordinário, simples inerências e outros análogos, bem como todos os demais que, por força do presente diploma ou de lei especial, não possa igualmente influir, em qualquer medida, na pensão de aposentação”;
e de acordo com o artigo 6.º/3, não constituem remuneração “o abono de família, as ajudas de custo, os abonos ou subsídios de residência, de campo, de transportes, de viagens ou caminhos, para falhas, para despesas de representação, para vestuário e outros de natureza similar”.
Sendo este o enquadramento legal pertinente diga-se, desde já, que não assiste razão à Recorrente.
Na verdade, como já foi salientado na sentença que o acórdão recorrido manteve integralmente, trata-se de uma “remuneração acessória concedida por lei ao funcionário, em razão das especificidades da prestação do serviço [no âmbito do apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais], de exigências acrescidas”. Note-se que esta “gratificação especial” é de atribuição obrigatória para os funcionários que reúnam os requisitos aí previstos e efetivamente exerçam funções no âmbito de apoio a crianças e jovens com necessidades educativas especiais; tem caráter permanente (e não meramente esporádico ou anormal), pois é devida durante todo o ano letivo, com exceção dos meses de interrupção letiva correspondentes às férias de Verão; e o seu valor está sujeito a atualização automática, por referencia às atualizações que viessem a ocorrer para a letra C da tabela de vencimentos da função pública (já no âmbito do citado Decreto-Lei n.º 35401, o montante da gratificação variava de acordo com a “situação relativamente a diuturnidades”). Pelo que tal “gratificação especial” que, como salienta a Recorrida, tem caráter “regular, constante, normal e periódico”, constitui remuneração sujeita a descontos para a aposentação, nos termos do artigo 6.º do Estatuto da Aposentação.
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a “gratificação especial” aqui em causa apenas é concedida aos “docentes” ou “professores” que reúnam as condições referidas no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 2323/87, pelo que o direito a tal gratificação não é alheio à função docente e, antes pelo contrário, destina-se precisamente a “remunerar adequadamente” as “funções docentes no âmbito da educação e ensino especial”, as quais, “impõem exigências acrescidas”, como é desde logo salientado no preâmbulo do diploma.
Também não assiste razão à Recorrente quando invoca que tal gratificação só seria devida em caso de funções itinerantes e que equivaleria a ajudas de custo (e, por isso, estaria isenta de descontos para a aposentação).Note-se que tal gratificação especial é devida, em primeiro lugar, nas situações previstas no n.º 1 do artigo 6.º, ou seja, quando os docentes habilitados com o curso de especialização aí referido, ou equivalente, se encontrem em exercício efetivo de funções na educação e ensino especial de crianças e jovens e estejam integrados em equipas ou classes especiais ou unidades de orientação educativa; e, em segundo lugar, também nas situações do n.º 2 do artigo 6.º, quando os docentes exerçam tais funções em regime de itinerância (não havendo, neste caso, lugar a “ajudas de custo”, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal).
É, aliás, muito claro – e expressamente assumido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 232/87, como já o era no Decreto-Lei n.º 35.401, de 27 dezembro 1945 – que esta “gratificação especial” não se destina a compensar quaisquer “despesas feitas por motivo de serviço” (como pretende a Recorrente), mas antes a compensar as “exigências acrescidas” inerentes ao exercício de funções docentes no âmbito da educação e ensino especial. Como refere o Ministério Público no seu parecer, “a gratificação de especialidade em causa tem caráter permanente, é obrigatória, não está isenta de quota (n.º 2 do artigo 6.º), constitui remuneração (a contrariodo n.º 3 do artigo 6.º) e resulta do exercício de funções especiais num determinado cargo”.
Em suma, a “gratificação especial” (prevista no Decreto-Lei n.º 35401, de 27 dezembro 1945 e atualizada pelo Decreto-Lei n.º 232/87) para o exercício de funções docentes no âmbito da educação e ensino especial,é uma gratificação com caráter permanente e regular, que não está isenta de desconto para aposentação e, como tal,releva para efeitos da remuneração mensal a considerar no cálculo da pensão de aposentação, nos termos dos artigos 6.º, 47.º e 48.º do Estatuto da Aposentação.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 04.12.2014


(Esperança Mealha)



(Maria Helena Canelas)



(António Vasconcelos)