Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1028/10.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:CONSERVAS DE MOLUSCOS
REFEIÇÕES PRONTAS A COMER
TAXA REDUZIDA
TAXA INTERMÉDIA
IVA
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:
I. Constando de anexo ao relatório de inspeção tributária um elenco, por tipo de produto e período, com indicação da taxa aplicada e da taxa que a AT considera ser de aplicar, indicando-se a concreta menção da Lista II anexa ao IVA, quando aplicável, indicando-se o período a que respeita e quantificando-se os valores em causa, desse ponto de vista o mesmo encontra-se fundamentado.

II. São tributadas à taxa intermédia de IVA as conservas de moluscos.

III. São tributadas à taxa intermédia de IVA as refeições prontas a comer, entendendo-se como tais as que, em regime de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio, sejam preparadas para consumo imediato.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

C....., SA (doravante Recorrente ou Impugnante) veio apresentar recurso da sentença proferida a 21.01.2013, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto o indeferimento do recurso hierárquico apresentado do indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto as liquidações adicionais de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) relativas a 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“i. A matéria de facto dada como provada é insuficiente para consentir a prolação duma decisão de mérito sobre a impugnação judicial, desde logo porque não se discute que a AF tenha formulado as conclusões constantes do relatório inspectivo (RIT).

ii. Ainda que se entenda que o Tribunal "a quo" deu, outrossim, como provados os pressupostos e conclusões do relatório, na íntegra, tal configura nulidade da sentença - por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão, não podendo o Tribunal limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante do RIT 19 [19: Arts. 125.º/1 do CPPT e 668.º/1-b) CPPT].

iii. A AF faz referência à verba 1.3.1 da Lista II anexa ao CIVA (Conserva de frutas ou frutos, designadamente, em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas) e, bem assim, à verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA (Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos), mas em lado algum do RIT consta a identificação dos produtos mencionados pela AF.

iv. Em lado algum do RIT consta explicitado o "entendimento" administrativo referido pela AF como fundamentando as correcções em causa - sendo que os "'entendimentos" da AF não são lei, não têm força de lei e, portanto, não vinculam o contribuinte;

v. A AF admite, a páginas 24 e 25 do RIT, que várias compotas e doces da marca "....." foram autorizados pela Direcção-Geral de Saúde como sendo géneros alimentícios destinados a alimentação especial, concluindo que, «Face às restantes compotas e geleias (...)as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1 da Tabela // (...)», mas o RIT não explicita a que "restantes compotas e geleias" se refere a AF.

vi. A AF não demonstra, pois, de que modo quantificou o imposto em causa nos autos - em face da grave e patente falta de fundamentação do RIT, sendo que, ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto, mormente do RIT e do seu Anexo IV, e erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação e aplicação do artigo 77.º da LGT - a impor a revogação da sentença recorrida.

vii. Como ressuma dos autos, relativamente aos seguintes produtos "mexilhão cozido em salmoura", "amêijoa cozida em salmoura", e "zamburinha cozida em salmoura", conclui a AF que «(...) a própria designação do produto evidencia, claramente tratar-se de moluscos que já sofreram transformação por via do processo de cozedura e se encontrar conservado em salmoura, pelo que os mesmos não são enquadráveis na referida verba da Lista i, mas antes na Lista II

viii. Não de descortina por que motivo a AF corrige o enquadramento de tais produtos na lista II, uma vez que a             verba 1.3.3 fala apenas em moluscos, e não exclui aqueles que foram cozidos, e tampouco se percebe qual a relevância de a AF defender que a cozedura é um processo de transformação, uma vez que a verba em causa não faz qualquer menção a processos de transformação, nem exige que os moluscos sejam frescos ou estejam crus.

ix. Compulsado o Anexo IV, não se vislumbra referência minimamente perceptível às quantidades de moluscos e períodos de comercialização considerados na correcção - o que constitui falta de fundamentação.

x. No mesmo RIT a AF invoca que a cozedura é um processo de transformação, que não tem cabimento na Lista I (verba 1.3.3), «apenas se admitindo no âmbito da taxa reduzida os produtos que tenham sido objecto das transformações que aí se encontrem elencadas.».

xi. Ao contrário do erradamente pretendido pela AF, a cozedura nada têm a ver com a transformação dos moluscos - derivando, outrossim, de imposição sanitária europeia: a Decisão da Comissão, de 30 de Outubro de 2003, notificada com o número C (2003) 3984 - na sequência da Decisão 93/25/CEE da Comissão, de 11 de Dezembro de 1992 - aprova certos tratamentos destinados a inibir o desenvolvimento dos microrganismos patogênicos nos moluscos bivalves e nos gastrópodes marinhos - entre os quais a cozedura.

xii. Aliás, a fls 25 do RIT a AF afirma que a Impugnante enquadrou erradamente esses produtos na verba 1.3.3. da Lista I Anexa ao CIVA, e, na decisão de recurso hierárquico em causa, a AF admite que «Conforme já se tem pronunciado esta Direcção de Serviços, designadamente na informação 2172, de 200-12-18, que se infere da verba 1.3.3 da lista I Anexa ao CIVA que a mesma inclui moluscos, com ou sem casca (concha), viços, frescos, refrigerados, congelados e secos, admitindo-se a sua "cozedura, em água ou vapor, a fim de conservá-los, transitoriamente e para eventualmente serem refrigerados, congelados e secos.».

xiii. Neste contexto, entende o Tribunal a quo que «Não vem a impugnante, em momento algum, demonstrar, que tenha procedido ao processo de cozedura, não para proceder à venda dos produtos num estado de pré confecção ou pronto a comer, mas antes para proceder à sua conservação transitória para serem refrigerados, congelados, ou secos.».

xiv. Salvo o devido respeito, para além do Tribunal concluir para além do que lhe permitem os factos constantes nos autos - o que configura erro de julgamento da matéria de facto - conclui em violação do princípio do ónus da prova - o que configura erro de julgamento da matéria de direito.

xv. Como é de conhecimento público, a Recorrente é retalhista, e não é - nem isso consta dos autos- produtora dos bens em causa, pelo que não lhe cabia demonstrar que "tenha procedido ao processo de cozedura (...) para proceder à sua conservação transitória para serem refrigerados, congelados, ou secos", pela simples razão de que os referidos bens não foram produzidos por si mas apenas comercializados, sendo que para concluir como concluiu, deveria ter apurado se os bens em causa foram sujeitos a transformação pela Recorrente, para que pudesse cumprir o ónus de prova tal como imposto pelo Tribunal - o que não fez.

xvi. Se invoca que os bens em causa foram cozidos para serem vendidos em pré-confecção ou prontos a comer, é óbvio que era a AF tinha que demonstrar essa factualidade - o que não fez -,não incumbindo ao contribuinte, certamente, fazer prova de facto negativo: que os produtos em causa não foram cozidos para serem consumidos, mas para serem conservados.

xvii. É que «(...) pelo facto de o impugnante no processo de impugnação judicial surgir processualmente numa posição em que vem invocar vícios de um acto tributário, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha que provar no procedimento tributário, designadamente o de provar que não se verificam os factos constitutivos dos direitos da administração tributária, factos estes cuja verificação competia provar a esta no procedimento tributário.»20 [20: Sic, Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Áreas, 2011, Vol II, p. 132].

xviii. O Tribunal a quo conclui que a menção à cozedura dos produtos em causa é “um indício suficientemente objectivo para o efeito", mas, nos termos da lei, as correcções técnicas efectuadas pela AF não podem basear-se em quaisquer indícios, mas em factos obiectivamente verificados e escrutinados – o que, como resulta dos autos, não foi o caso.

xix. Cabia à AF o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova sobre o efectivo enquadramento dos bens em causa na taxa de IVA que pretende alterar, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, sabido que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador e que as correcções técnica não podem alicerçar-se em meras suspeitas ou suposições.

xx. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal o quo, simultaneamente, em erro de julgamento da matéria de facto e erro de julgamento da matéria de direito, a impor a revogação da sentença recorrida.

xxi. Como resulta dos autos, a AF procede a uma correcção com base no Ofício - Circulado n.º 30 094, de 2006-06-22, quando i) os ofícios circulados não são lei e, portanto, não vinculam os contribuintes nem os Tribunais; ii) o ofício circulado em questão não é aplicável aos factos sob análise uma vez que o mesmo foi emanado no ano de 2006 e o ano em questão é 2005 - pelo que nem sequer vinculam a AF relativa mente aos procedimentos inspectivos sobre o ano de 2005, nem são invocáveis retroactivamente 21 [21: Art. 68.º-a n.º 2 da LGT].

xxii. Do Anexo IV, não resulta minimamente explanado quantos boiões de comida para bebé foram comercializados e quando - o que constitui falta de fundamentação.

xxiii. Como resulta dos autos, conclui a AF, secundada pelo Tribunal a quo, «que as massas instantâneas devem, também, ser enquadráveis nesta verba, porquanto não se tratam de massas secas, mas antes de alimentos pré-confeccionados.», mas, para proceder à correcção em causa, a AF não demonstrou, em lado algum dos autos, que os bens em causa são "alimentos pré-confeccionados" ou "massas recheadas".

xxiv. Caso a AF tivesse cumprido o princípio do inquisitório, teria constatado que se trata de massas secas vendidas conjuntamente com pequenas saquetas de pó seco com sabores que, aquando da cozedura da massa, podem, ou não, ser adicionadas a mesma — sendo que a lei não descrimina a existência de pó seco, vendido conjuntamente com a massa, como factor de exclusão de tais produtos da verba de "massas alimentícias secas".

xxv. A este respeito, refere o Tribunal a quo que, de acordo com a designação comercial, se trata de "massas instantâneas", e que, por isso, "que tais produtos se encontram num estado de preparação que reduz o tempo normal de preparação de uma refeição", concluindo, depois, que se trata de "refeições prontas a consumir" - sendo que a premissa não permite a conclusão.

xxvi. Ao assim decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, na medida em que, em lado algum dos autos resulta que a redução do tempo de preparação de uma refeição determine, e muito menos necessariamente, que se trata de uma refeição pronta a consumir - sendo que, como é de conhecimento público e notório, não carecendo de prova, a confecção de massa se faz com água a ferver.

xxvii. Quando muito, para concluir como concluiu, o Tribunal a quo necessitava que constasse provado nos autos que, como afirmado na sentença, a massa em causa "não se encontra num estado natural” - sendo que nada consta dos autos nesse sentido, configurando erro de julgamento da matéria de facto - embora não explicite o que designa por "estado natural1".

xxviii. Salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo, sem qualquer base factual, substituir-se à AF na demonstração de que o produto em causa não é uma "massa seca”, e, para mais, com base em conceitos literais e designações comerciais (como "instantâneo"), por referência ao significado da palavra.

xxix. Como é de conhecimento público, as designações comerciais são, como o nome indica, destinadas a fins comerciais, a tornar o produto mais apelativo ao público, não se podendo, sem mais, basear uma correcção fiscal de milhares de euros no significado semântico dessa designação, e sem recurso a qualquer prova factual, feita pela AF, no sentido propugnado na sentença.

xxx. As liquidações reclamadas fundam-se num RIT que não justifica a forma através da qual foi apurado o montante de imposto liquidado - na medida em que não explicita a forma como foi determinado o imposto em causa - mormente por referência a quantidades de produtos vendidas e respectivas datas.

xxxi. Os procedimentos, assim adoptados pela AF, atentam contra direitos fundamentais da Recorrente, fazendo a liquidação em apreço padecer de um elementar vício de forma - falta ou vício de fundamentação legalmente exigida 22 [22: Arts. 268.º/3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), 77.º/2 LGT, 99.º-c) do CPPT e 135.º CPA] - o que gera a sua anulabilidade.

xxxii. A possibilidade de solicitar a fundamentação em falta é uma mera faculdade do contribuinte, que não desobriga a AF de fundamentar o acto tributário, nem sana a falta de fundamentação, sendo que, como referido pelo Tribunal a quo, a Recorrente reclamou graciosamente da liquidação em causa, tendo oportunamente invocado essa falta de fundamentação - bem como no sequente recurso hierárquico - e no âmbito daqueles procedimentos nunca a AF veio explicitar a forma de quantificação do imposto em causa.

xxxiii. De resto, como é entendimento da nossa Jurisprudência Superior, «A notificação de uma liquidação efectuada ao contribuinte, sem conter a respectiva fundamentação, mostra-se insuficiente, não podendo tal deficiência considerar-se suprida pela notificação anterior de relatórios, pareceres ou informações dos serviços de inspecção tributária23 [23: Ac. STA de 16.09.2009, dado no proc. n.º 0611/09, sublinhado e destaque nossos.].

xxxiv. Como resulta de decisão de indeferimento em causa, a própria AF tem o entendimento de que os moluscos cozidos integram a verba 1.3.3 da lista I Anexa ao CIVA - como entendido pela Recorrente e, de forma manifestamente contraditória, durante o procedimento inspectivo, sempre considerou a cozedura como um processo de transformação, que, alegadamente, qualificava tais produtos (moluscos) cozidos como alimentos sujeitos a preparação culinária - sem cuidar de saber se esses mesmos produtos apenas tinham sido sujeitos a cozedura.

xxxv. Ao invés, invoca que é ónus da impugnante provar que os produtos não foram sujeitos a uma transformação culinária (prova de facto negativo} - sendo que é essa a sua própria qualificação - a que sustenta as pretendidas correcções, e sendo certo, também, que, tal como resulta dos autos, durante o procedimento inspectivo a AF nunca solicitou à Impugnante qualquer esclarecimento a este respeito.

xxxvi. Deste modo, resulta dos autos, confessadamente, que a AF incumpriu o dever de oficiosamente, procurar a verdade material, pelo que «A não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, é fundamento de ilegalidade do acto tributário (...). » 24 [24: Sic, António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, p. 266; sublinhado nosso].

xxxvii. Ao assim não decidir, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto e de direito - mormente do disposto no artigo 58.º da LGT

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, assim se revogando a decisão recorrida, o que se fará por obediência à Lei e por imperativo de

JUSTIÇA!”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:
a) A decisão proferida sobre a matéria de facto padece de insuficiência?
b) Verifica-se nulidade da sentença, por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão?
c) Há erro de julgamento, no que respeita à correção atinente à verba 1.3.1 da Lista II anexa ao Código do IVA (CIVA), porquanto o relatório de inspeção tributária (RIT) padece de falta de fundamentação?
d) Há erro de julgamento, no que respeita à correção atinente à verba 1.2.1 da Lista II anexa ao CIVA, porquanto a mesma padece de erro sobre os pressupostos e falta de fundamentação?
e) Há erro de julgamento, no que respeita à correção atinente à verba 1.8 da Lista II anexa ao CIVA, porquanto a mesma padece de erro sobre os pressupostos e falta de fundamentação?
f) Há erro de julgamento, em virtude de se verificar falta de fundamentação, por não quantificação dos produtos e indicação datas a que respeitam as correções?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária externa, para o exercício de 2005, em cumprimento da ordem de serviço n.° ....., de 26.02.2008, na sequência da qual foi elaborado o Relatório de Inspeção em 30.12.2008 -cfr. cópia do Relatório de Inspeção a fls. 65 a 133 do Processo Administrativo Tributário (PAT).

B) Do Relatório de Inspeção retira-se, em síntese, o seguinte:

«(...) III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS (...)

III.2.2 Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)

III. 2.2.1 Bens comercializados a taxa incorreta

O sujeito passivo, no âmbito da sua atividade (comércio a retalho), comercializa bens alimentares e não alimentares.

Com o objetivo de validar o correto enquadramento desses bens, para efeitos de aplicação das taxas de IVA, foi solicitado à empresa a lista dos bens vendidos, no exercício de 2005, aos quais foram aplicadas as taxas de IVA de 5% e 12%.

A partir das listagens de produtos fornecidas pela empresa foram verificadas as taxas de IVA aplicadas aos mesmos, tendo-se concluído que, relativamente a alguns produtos, o sujeito passivo efetuou a liquidação de IVA a uma taxa incorreta, face ao disposto no artigo 18° do Código do IVA (CIVA), conjugado com as listas anexas ao mesmo diploma legal.

No sentido de proceder à aplicação das taxas corretas aos produtos selecionados, foi solicitado à empresa o montante das vendas mensais sem IVA (bases tributáveis mensais) para cada um dos artigos selecionados, tendo o sujeito passivo fornecido a informação solicitada.

De acordo com as verbas constantes na Lista II anexa ao CIVA, são tributadas à taxa de 12%) em vez de 5%, as seguintes transmissões:

a) Verba 1.3.1 da Lista II — ‘Conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas De harmonia com a verba 1.13 da Lista I, anexa ao CIVA, são passíveis de IVA à taxa de 5% as transmissões de produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos

Os bens abrangidos pela verba 1.13 da Lista I, anexa ao Código do IVA, são produtos de âmbito muito específico, designadamente pelo facto de serem desprovidos de glúten, proteína não tolerada pelos doentes celíacos, ou destinados a um tipo especial de nutrição - a nutrição entérica.

O Decreto-Lei n° 227/99 de 22 de junho, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n° 285/2000, de 10 de novembro, determina as regras a aplicar na comercialização destes produtos, designadamente, no que diz respeito à indicação dos seus ingredientes, características e objetivo nutricional dos mesmos.

De conformidade com o citado diploma, torna-se obrigatória a indicação das substâncias ou ingredientes no rótulo das embalagens destes géneros alimentícios, devendo ainda ter a indicação de produtos destinados à nutrição entérica ou a doentes celíacos. Tal obrigatoriedade inclui também a sua declaração às instâncias competentes, neste caso a Direção Geral de Saúde, no sentido de obter a necessária autorização da menção na rotulagem e na apresentação dos produtos adequados a alimentação especial.

Salienta-se o facto do sujeito passivo não ter apresentado qualquer certificado de registo dos produtos, na Direcção Geral de Saúde, que o mesmo enquadra na verba em causa alegando que estes se destinam a alimentação especial.

Assim, e conforme entendimento expresso pela Direção de Serviços de Administração do IVA, se os produtos reunirem os requisitos que permitam a sua inclusão na referida verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, as suas transmissões são passíveis de Lva à taxa de 5%, caso contrário serão tributados de acordo com as taxas que lhes forem aplicáveis, nos termos das verbas da Listas II anexa ao CIVA, ou à taxa normal se daquela não constar.

Deste modo, considerando que os produtos - Compota .....arandos e framboesas Die. 280grs., Doce de ameixa Diet. ..... 280grs., Compota ..... framboesa Diet. 280 grs., Compota .....Pêssego Diet. 280 grs., Compota ..... Morango Diet. 280 grs., Compota ..... alperce Diet. 280 grs. e Doce de laranja Diet. ..... 280 grs., foram já autorizados pela Direção Geral de Saúde como sendo géneros alimentícios destinados a alimentação especial, as suas transmissões são enquadráveis na citada verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA, sendo consequentemente, passíveis de IVA à taxa de 5 %.

Face às restantes compotas ou geleias, incluindo aquelas que embora assim não se designem comercialmente, mas que possuem efetivamente características de compotas de frutos, bem como os produtos destinados a crianças, constituídos apenas por frutos (baby food frutos), as suas transmissões beneficiam do enquadramento na citada verba 1.3.1, da Tabela II, como é o caso dos produtos designados por “Bipack” de frutos, cujo fornecedor da empresa C..... foi a empresa H....., com o NIF ....., e que o sujeito passivo enquadrou, erradamente, para efeitos de liquidação de IVA, na verba 1.6.4 da Lista I anexa ao CIVA, uma vez que não se tratam de frutas frescas, mas antes pastas de frutas destinadas a crianças.

b) Verba 1.2.1 da Lista II — “Conservas de moluscos com exceção das ostras”. O sujeito passivo enquadrou três dos seus produtos, na verba 1.3.3 da Lista I anexa ao CIVA — “Moluscos com exceção das ostras ainda que secos ou congelados” nomeadamente:

Porém, a própria designação do produto evidencia, claramente, tratar-se de moluscos que já sofreram transformação por via do processo de cozedura e se encontrar conservado em salmoura, pelo que os mesmos não são enquadráveis na referida verba da Lista I, mas antes na Lista II.

c) Verba 1.8 da Lista II— “Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”.

No rol dos produtos a cujas vendas foi aplicada a taxa de 5%, para efeitos de liquidação de IVA, foram detetados alguns que, na verdade, se destinam a alimentação de bebés, constituídos por carne e legumes, adicionados ou não de outros nutrientes alimentares.

Em concordância com o entendimento proferido pela DSIVA, mediante Ofício- Circulado n° 30.094, de 2006-06-22, tais produtos, atendendo às suas próprias características, constituem uma refeição pronta a consumir, designadamente pelo facto de serem comercializados em boiões, pelo que beneficiam do enquadramento na verba 1.8 da Lista II anexa ao CIVA, sendo as respetivas transmissões, igualmente, tributadas à taxa de 12%.

Os produtos em causa são, especificamente:

Outros produtos cujo erróneo enquadramento se verificou e que merecem ser aqui mencionados são:
Obviamente que, tratando-se de moluscos que já sofreram uma transformação (cozedura) não têm cabimento na Lista I, na medida em que tal processo não se encontra previsto no n° 1 da referida lista, apenas se admitindo no âmbito da taxa reduzida os produtos que tenham sido objeto das transformações que ai se encontrem elencadas, o que não é o caso destes produtos.

Assim, releva para o efeito o facto dos referidos produtos se encontrarem num estado de “pronto a consumir” e, consequentemente, enquadrável no âmbito da verba 1.8 da Lista II anexa ao CIVA.

Finalmente, importa referir que as massas instantâneas devem, também, ser enquadráveis nesta verba, porquanto não se tratam de massas secas, mas antes de alimentos pré - confecionados.

Tendo por base a leitura dos pontos constantes da Lista II anexa ao CIVA e dos entendimentos supra mencionados, proceder-se-á ao correto enquadramento, à taxa de 12%, dos bens comercializados pelo sujeito passivo à taxa de 5%, em cumprimento da alínea b) do n° 1 do artigo 18° do CIVA.

Relativamente aos bens que não se enquadram nas verbas constantes das Listas I e II anexas ao CIVA, são tributados à taxa de 19% (vendas efetuadas entre janeiro e junho) e 21% (vendas efetuadas no período de julho a dezembro), em vez de 5% e 12%, em conformidade com o disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 18° do CIVA.

Face ao exposto, de acordo com os cálculos e enquadramentos efetuados em mapa, Anexo IV, a folhas n° 27 a 29, encontra-se imposto em falta no montante de 79.097,35 Euros.» — cfr. cópia do Relatório de Inspeção a fls. 65 a 133 do PAT, que inclui os respetivos anexos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos.

C) Em 17.08.2006 a Administração Tributária efetuou as seguintes liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios:

— cfr. docs. de fls. 19 a 42 dos autos de reclamação graciosa apensos no PAT.

D) Em 15.06.2009 a ora Impugnante apresentou Reclamação Graciosa das liquidações adicionais de IVA identificadas em C), com os mesmos fundamentos que usa na presente impugnação judicial - cfr. fls. 3 a 17 dos autos de reclamação graciosa apensos no PAT.

E) A Reclamação Graciosa foi objeto de indeferimento expresso por despacho de 22.09.2009 do Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, “Por subdelegação do Dir. Fin. Adjunto de Lisboa D.R. N° 8, de 13/01/2009, II Série”, que entendeu serem de manter as correções efetuadas em sede de IVA - cfr. fls. 129 a 134 dos autos de reclamação graciosa apensos no PAT, que aqui se dão por reproduzidas.

F) Não se conformado com a decisão identificada na alínea que antecede, em 26.10.2009 apresentou Recurso Hierárquico, usando dos mesmos argumentos apresentados na reclamação graciosa - cfr. fls. 3 a 15 dos autos de recurso hierárquico apensos no PAT, que aqui se dão por reproduzidas.

G) O Recurso Hierárquico foi objeto de indeferimento expresso por despacho de 12.04.2010 do Subdiretor Geral - cfr. fls. 47 a 62 dos autos de recurso hierárquico apensos no PAT, que aqui se dão por reproduzidas.

H) A decisão que antecede foi notificada à Impugnante em 03.05.2010 - cfr. fls. 28 e 29 dos autos de recurso hierárquico apensos no PAT.

I) A presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal em 02.07.2010, por correio eletrónico - cfr. fls. 32 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da insuficiência da matéria de facto

Considera, desde logo, a Recorrente que a matéria de facto é insuficiente, limitando-se a dar como provado, no facto B), as conclusões constantes do RIT.

Vejamos.

Quanto à alínea B) do probatório, antes de mais sublinhamos que o Tribunal a quo deu o RIT integralmente por reproduzido, o que, ainda que possa, em determinados casos, ser questionado enquanto técnica jurídica mais adequada, permite ao destinatário perceber que o Tribunal teve em conta todo o teor do RIT, documento onde radica a fundamentação da administração tributária (AT) para emitir a liquidação adicional em causa.

De todo o modo, se a Recorrente considerava que a decisão proferida sobre a matéria de facto padecia de insuficiências, deveria ter impugnado a mesma, nos termos prescritos no art.º 685.º-B CPC/1961 (equivalente ao atual art.º 640.º do CPC), o que não fez.

Como tal, nesta parte, carece de pertinência o alegado pela Recorrente.

III.B. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação

Entende, por outro lado, a Recorrente que a decisão sob apreciação padece de nulidade, por não especificação dos fundamentos de facto para a decisão, não podendo o Tribunal limitar-se a proferir uma decisão jurídica de fundo com base na adesão, em bloco, à factualidade constante de um relatório inspetivo, devendo fazer uma apreciação crítica da matéria de facto, por remissão para os elementos probatórios em que fundou a sua decisão. Ademais, na decisão, o Tribunal a quo não remete para os documentos que, em concreto, a suportam.

Quanto ao julgamento da matéria de facto, é de ter em consideração o disposto no art.º 123.º do CPPT, nos termos do qual “[o] juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”, em termos similares ao que resultavam do art.º 659.º do CPC/1961.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, constitui nulidade da sentença a não especificação dos fundamentos de facto e de direito [cfr. igualmente o art.º 668.º, n.º 1, al. b), do CPC/1961, equivalente ao atual art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC].

A nulidade por não especificação dos fundamentos de facto e de direito abrange as situações de falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito[1].

A lei processual exige, com efeito, que a sentença esteja cabalmente fundamentada, de facto e de direito, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT, por forma a que seja perfeitamente apreensível o itinerário cognoscitivo percorrido, fundamental para a sua adequada compreensão e eventual impugnação.

Nas palavras de Alberto dos Reis[2], “[u]ma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base”.

Não obstante cumpre distinguir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito, que se configura como nulidade da sentença, nos termos já referidos, da existência de algumas insuficiências ou deficiências na fundamentação de facto e de direito.

“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.// Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto [3].

In casu, do ponto de vista dos fundamentos de facto, foram elencados os factos provados e explanada a motivação subjacente a esse julgamento de facto, como, aliás, foi transcrito – v. pontos II.A e II.B, supra.

No caso da matéria de facto provada, junto a cada facto, o Tribunal a quo indicou o meio de prova que fundou a sua convicção, identificando os concretos documentos, em termos aceitáveis.

Da mesma forma, o discurso jurídico fundamentador configura-se adequado à interpretação do itinerário cognoscitivo do julgador.

Se o Tribunal a quo aceitou os argumentos contidos no RIT, tal não se configura como nulidade da sentença, mas, eventualmente, como erro de julgamento.

Como tal, não se verifica a nulidade assacada pela Recorrente à sentença recorrida.

III.C. Do erro de julgamento atinente à verba 1.3.1 da Lista II anexa ao CIVA

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, quanto a esta correção:
a) Em lado algum do RIT consta a identificação dos produtos mencionados pela AT;
b) Em lado algum do RIT consta o entendimento da DSIVA mencionado;
c) Do RIT consta que vários doces e compotas da marca “.....” foram autorizados pela direção geral de saúde (DGS) como destinados a alimentação especial, concluindo que as restantes se enquadram na verba 1.3.1. da Tabela II, não explicitando concretamente a que produtos se refere (nem mesmo no seu Anexo IV);
d) Não está demonstrada a forma como quantificou o imposto em causa nos autos, padecendo de falta de fundamentação.

Vejamos então.

O IVA é um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Nos termos do então art.º 18.º do CIVA:

“1 - As taxas do imposto são as seguintes:

a) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma, a taxa de 5%;

b) Para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista II anexa a este diploma, a taxa de 12%;

c) Para as restantes importações, transmissões de bens e prestações de serviços, a taxa de 21% [19% até à entrada em vigor da redação dada pela Lei n.º 39/2005, de 24 de junho]”.

Já quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos em geral, o mesmo insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “os atos administrativos (…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Ao nível dos atos tributários, o dever de fundamentação formal encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”[4], para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Do ponto de vista estritamente formal, a falta de fundamentação configura-se como um vício de forma e não de substância.

No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS):

“[U]ma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).

Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”.

Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, há que atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial.

Como referido por Vieira de Andrade[5], “[a] diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Atento o RIT, concretamente o seu ponto III.2.2.1., decorre que a AT considerou que determinados produtos comercializados pela Recorrente, vendidos à taxa de 5%, deveriam ter sido vendidos à taxa de 12%.

Assim, enquanto a Recorrente considerou tais produtos enquadráveis na verba 1.13 da Lista I anexa ao CIVA (“Produtos dietéticos destinados à nutrição entérica e produtos sem glúten para doentes celíacos”), a AT entendeu que os mesmos eram enquadráveis na verba 1.3.1. da Lista II (“Conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas”).

Desse elenco referido pela AT no RIT, consta a menção às conservas de frutas ou frutos, designadamente em molhos, salmoura ou calda e suas compotas, geleias, marmeladas ou pastas, e, bem assim, a menção à verba da Lista II anexa ao CIVA, na qual, como referido, a AT entendeu que a Recorrente deveria ter enquadrado determinados produtos. Tal fundou-se no entendimento de que esses produtos não se integram na verba 1.13 da Lista I, dado não ter sido apresentado qualquer certificado de registo dos produtos da DGS, representando exceção o caso de algumas compotas da marca “.....”.

Feito este enquadramento em termos de fundamentação do RIT, desde já se adiante que não se acompanha o entendimento da Recorrente.

Com efeito, decorre do RIT que a AT se fundou no facto de não ter sido demonstrada a existência de autorização da DGS, para que, em termos de rotulagem, se possa falar na existência de um produto passível de enquadramento na Lista I – o que não é posto em causa pela Recorrente.

Por outro lado, a menção à informação a DSIVA e seu entendimento consta expressamente do RIT, ao contrário do referido pela Recorrente. É irrelevante, por outro lado, in casu, a circunstância de os entendimentos administrativos não vincularem se não a própria AT. Tal seria apenas pertinente se houvesse uma interpretação administrativa contrária aos pressupostos legalmente exigidos, o que, no presente caso, nem é posto em causa.

Em termos de identificação concreta dos produtos, a mesma resulta do Anexo IV do RIT, onde expressamente estão elencados os produtos, a verba em que foram incluídos, a verba em que a AT considera que deveriam ter sido incluídos e o mês a que respeitam. Em sede de observações, é referido o motivo da correção. É certo que, tal como refere a Recorrente, do referido Anexo não consta a data da venda e as quantidades dos produtos vendidos, mas tal não se revela fundamental in casu. Veja-se que a AT se fundou em informação facultada pela própria Recorrente, como resulta do RIT e não é posto em causa. Ademais, do Anexo IV constam os elementos fundamentais em termos de caraterização e quantificação e a que já fizemos referência. Como tal, também nesta parte a correção não padece de falta de fundamentação. Portanto, é irrelevante o alegado em torno do art.º 37.º do CPPT, uma vez que o RIT se encontra suficientemente fundamentado.

Como tal, o RIT não padece nesta parte de falta de fundamentação, nem formal nem substancial.

Assim, a Recorrente carece de razão nesta parte.

III.D. Do erro de julgamento atinente à verba 1.2.1 da Lista II anexa ao CIVA

Considera, por outro lado, a Recorrente que, quanto à correção relativa aos moluscos (verba 1.2.1. da Lista II), incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, na medida em que o RIT padece de falta de fundamentação, desde logo porque a verba 1.3.3. da Lista I anexa ao CIVA não exclui os moluscos que foram cozidos, sendo que a cozedura não acarreta qualquer transformação. Por outro lado, não são percetíveis as quantidades e os períodos de comercialização, padecendo a correção de falta de fundamentação.

Vejamos.

Atenta a verba 1.3. da Lista I anexa ao CIVA, eram tributados à taxa reduzida de 5%:

“1.3 - Peixes e moluscos:

1.3.1 - Peixe fresco (vivo ou morto), refrigerado, congelado, seco, salgado ou em salmoura, com exclusão do peixe fumado, do espadarte, do esturjão e do salmão, quando secos, salgados ou em conserva e preparados de ovas (caviar).

1.3.2 - Conservas de peixes (inteiros, em pedaços, filetes ou pasta), com exceção do peixe fumado, do espadarte, do esturjão e do salmão, quando secos, salgados ou em conserva e preparados de ovas (caviar).

1.3.3 - Moluscos, com exceção das ostras, ainda que secos ou congelados”.

Por seu turno, tributava-se à taxa de 12%, de acordo com a verba 1.2.1. da Lista II:

“1.2 - Conservas de peixe e de moluscos:

1.2.1 - Conservas de moluscos, com exceção das ostras”.

Atento o RIT, estão em causa os produtos com a designação comercial:
a) Mexilhão cozido em salmoura;
b) Amêijoa cozida em salmoura;
c) Zamburinha cozida em salmoura.

Estamos, pois, perante moluscos.

Compulsado o RIT, verifica-se que a AT entendeu que tais produtos se enquadravam na Lista II anexa ao CIVA, concretamente na sua verba 1.2.1., por duas ordens de razão: por já estarem cozidos e por se encontrarem conservados em salmoura.

Ora, ainda que possa ser defensável o entendimento da Recorrente, no sentido de que a cozedura do molusco tem a ver não com questões de transformação do produto, mas sim com questões de imposição sanitária, tal argumento não afasta o fundamento atinente à circunstância de os moluscos se encontrarem conservados em salmoura, o que nunca foi posto em causa pela Recorrente em nenhuma das instâncias.

Veja-se que, para o peixe, o legislador expressamente previu o seu enquadramento na Lista I quando conservado em salmoura, não tendo adotado igual critério para os moluscos e enquadrando, justamente, na Lista II anexa ao CIVA as conservas de moluscos.

Como tal, e ainda que o entendimento de a cozedura ser um processo de transformação possa ser posto em causa, não foi apenas este o fundamento da correção, pelo que carece de pertinência apreciar tudo o alegado quanto a tal cozedura (onde se inclui a eventual violação do princípio do inquisitório e, bem assim, as regras em termos de ónus da prova), porquanto, como referido, não foi posto em causa que se tratava de moluscos conservados em salmoura e esse é fundamento bastante para o seu enquadramento na Lista II.

Por outro lado, nesta correção não se coloca a questão de se tratar de produto pronto a comer nem, aliás, foi requalificado enquanto tal pela AT (tal será apreciado infra e respeita a outros moluscos, relativamente aos quais o enquadramento da AT foi na verba 1.8. da Lista II Anexa ao CIVA).

Quanto à sua quantificação, a mesma resulta, nos termos já referidos anteriormente, do Anexo IV. Assim, pelos motivos já explanados em III.C., para os quais remetemos, não se verifica falta de fundamentação.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.E. Do erro de julgamento atinente à verba 1.8 da Lista II anexa ao CIVA

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar quer produtos destinados a alimentação de bebés, quer moluscos cozidos, quer as massas instantâneas, como refeições prontas a comer. Refere, assim, que, de um lado, o ofício circulado 30.094 de 22.06.2006, da DSIVA, não vincula os contribuintes e nem sequer estava em vigor à data. Por outro lado, quanto aos moluscos, a cozedura não pode ser considerada, sem mais, um processo de transformação, devendo-se a razões sanitárias. Finalmente, quanto às massas, não foi cumprido o dever do inquisitório nem demonstrou tratar-se de alimentos pré-confecionados. Considera ainda que a correção em causa padece de falta de fundamentação.

Vejamos então.

Neste caso, estamos, perante, por um lado, quatro tipos de boiões, que a Recorrente considerou deverem ser tributados à taxa de 5%, atentas as seguintes verbas da Lista I do CIVA:

“1.2 - Carnes e miudezas comestíveis, frescas ou congeladas de:

(…) 1.2.3 - Espécie ovina ou caprina;

(…) 1.2.5 - Aves de capoeira;

(…) 1.6.2 - Legumes e produtos hortícolas congelados, ainda que previamente cozidos”.

Por outro lado, a Recorrente considerou que o burrié cozido e os búzios cozidos deveriam ser tributados à taxa de 5%, atenta a verba 1.3.3. da Lista I do CIVA, já mencionada supra.

Finalmente, estamos ainda perante massas instantâneas, às quais a Recorrente considerou ser de aplicar a taxa de 5%.

Em todos estes casos, a AT considerou tratar-se de produtos pré-confecionados, enquadráveis na verba 1.8. da Lista II anexa ao CIVA.

Vejamos então.

Nos termos da mencionada verba 1.8. da Lista II, eram tributadas à taxa intermédia do IVA “[r]efeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”.

É de referir que esta verba 1.8. manteve a redação que referimos até 2007.

Em 2008, atenta a alteração resultante do art.º 54.º da Lei nº 67-A/2007, de 31 de dezembro, tal verba passou a ter a seguinte redação: “1.8 - Produtos preparados à base de carne, peixe, legumes ou produtos hortícolas, massas recheadas, pizzas, sandes e sopas, ainda que apresentadas no estado de congelamento ou pré-congelamento e refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”.

Entretanto, esta verba foi revogada, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, tendo sido reintroduzida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, contendo uma redação idêntica à em vigor em 2005 (“1.8 - Refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio”) e que se mantém até hoje.

Como a própria AT refere em entendimento administrativo de 2016 (Oficio Circulado n.º 30181, de 06.06.2016), “[c]onsideram-se refeições prontas a consumir, no regime de pronto a comer e levar ou com entrega ao domicílio, os pratos ou alimentos acabados de preparar, prontos para consumo imediato, com ou sem entrega ao domicílio (take away, drive in ou semelhantes)” (sublinhados nosso). Refira-se, aliás, que a AT ali esclarece que “[e]ste entendimento reflete as orientações administrativas da Autoridade Tributária e Aduaneira relativamente à aplicação da verba 1.8 da Lista II, até à entrada em vigor do OE 2012” (o que reflete o afastamento, por parte a própria AT, do entendimento vertido no ofício circulado n.º 30.094, de 22.06.2006, mencionado no RIT). É ainda ali referido perentoriamente que “[o]s bens alimentares normalmente vendidos em grandes superfícies, supermercados ou similares (ex. enlatados ou boiões de comida para bebé) não se enquadram na verba 1.8 da Lista II”.

Mais recentemente, em informação vinculativa de 29.01.2020 (Processo n.º 16114), a AT reitera: “na interpretação deste Serviço, o conceito de «refeições prontas a consumir, nos regimes de pronto a comer e levar» previsto na verba 1.8 da Lista I, reconduz-se ao fornecimento de refeições ditas principais, no sentido em que não pretende abranger bebidas, aperitivos, sobremesas, como poderão também ser classificados os bens transmitidos pelo Requerente, ou complementos de refeição que, eventualmente possam ser comercializados juntamente com aquela. // 14. A este propósito, importa notar o facto de a verba referir expressamente a «refeições» e não a «alimentos» ou «produtos alimentares», ou expressão semelhante, legitima a não inclusão no seu âmbito de aplicação de todos e quaisquer bens alimentares que sejam sujeitos a um processo de preparação ou confeção”.

Consideramos que esta interpretação da AT é efetivamente a que mais se adequa à letra da lei. Assim, as situações enquadráveis nesta verba implicam a preparação da refeição para consumo imediato.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verifica-se que em nenhum dos casos se pode dizer, como defende a Recorrente, que estejamos perante refeições prontas a comer, acabadas de preparar.

Estamos, no caso dos boiões, perante um produto à base de carne e/ou legumes, conservado em boião (sendo discutível, mesmo, se se trata de um produto equiparável a uma refeição); no caso dos moluscos, perante moluscos que foram sujeitos a cozedura (independentemente de esta cozedura se destinar a fins sanitários ou não); e, no caso das massas instantâneas, perante um produto que, na verdade, a AT não carateriza, mas que não é, de todo o modo, um produto confecionado na hora e que, como resulta das regras da experiência, exige cozedura prévia ao seu consumo.

Ou seja, em nenhum dos casos se está perante uma refeição pronta a consumir acabada de preparar, única situação abrangida pela verba 1.8.

Como tal, assiste razão à Recorrente, resultando, por esta via, prejudicada a análise dos demais vícios assacados a esta correção.

III.F. Do erro de julgamento atinente à falta de fundamentação

Alega ainda a Recorrente, globalmente, falta de fundamentação, por não ser aferível a que produtos em concreto vendidos e em que data respeitam as correções.

Trata-se de questão suscitada já atomisticamente relativamente às demais correções abordadas. No entanto, uma vez que o RIT contém mais correções do que as referidas até ao momento, cumpre apreciar separadamente esta questão, mas em sentido coincidente com o que já referimos supra.

Com efeito, como supramencionado, do Anexo IV ao RIT consta o elenco de todas as tipologias de produto e correção respetiva, em termos que se consideram suficientes, como já explanamos, para se considerar que a AT cumpriu o seu dever de fundamentação (sendo irrelevante o alegado em torno do art.º 37.º do CPPT). Do mencionado anexo, constam, designadamente e como referimos, o artigo e respetiva descrição, a taxa aplicada pela Recorrente e aquela que a AT considerou aplicável, com expressa menção da verba da Lista II anexa do CIVA, nos casos corrigidos com esse fundamento, a base tributável por mês e por artigo e, bem assim, a base tributável à qual a Recorrente aplicou as taxas de 5% e 12% (porquanto o IVA liquidado respeita à diferença).

Da análise desse mesmo anexo resulta explanada, pois, a quantificação efetuada e em que termos, sendo que, globalmente, do mesmo resulta que:
a) Relativamente à correção respeitante à verba 1.3.1., a base tributável é no total 136.197,50 Eur., o que perfaz a correção da AT, por aplicação da taxa de 12%, no valor de 16.343,70 Eur., aos quais foram subtraídos 9.533,83 Eur., pagos pela Recorrente por aplicação da taxa de 5%;
b) No tocante à correção respeitante à verba 1.2.1., a base tributável é no total 10.621,68 Eur., o que perfaz a correção da AT, por aplicação da taxa de 12%, no valor de 1.274,60 Eur., aos quais foram subtraídos 531,08 Eur., pagos pela Recorrente por aplicação da taxa de 5%;
c) Relativamente à correção atinente à verba 1.8, a base tributável é no total 140.435,90 Eur., o que perfaz a correção da AT, por aplicação da taxa de 12%, no valor de 16.852,31 Eur., aos quais foram subtraídos 7.021,795 Eur., pagos pela Recorrente por aplicação da taxa de 5%;
d) No tocante às demais situações, nas quais foi aplicada a taxa de 19 ou de 21%, consoante os meses (devidamente identificados), as mesmas respeitam ao restante valor, adequadamente discriminado no mencionado Anexo IV.

Face ao exposto, não assiste razão nesta parte à Recorrente.

Vencidas ambas as partes são as mesmas responsáveis pelas custas na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de, no caso da Recorrida, não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:
a.1. Revogar a sentença recorrida, na parte relativa à correção atinente à verba 1.8 da Lista II anexa ao CIVA;
a.2. Consequentemente, anular a liquidação em crise na parte correspondente.
b) Custas por ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 88% pelo C....., SA e 12% pela Fazenda Pública.
c) Registe e notifique.


Lisboa, 15 de abril de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha

________________
[1] V., neste sentido, a título ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.01.2018 (Processo: 01411/16), de 25.11.2015 (Processo: 0162/15) e de 04.03.2015 (Processo: 01939/13) e os deste TCAS, de 15.11.2018 (Processo: 1339/10.2BELRA) e de 15.05.2014 (Processo: 07508/14).
[2] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. V, p. 139.
[3] Alberto dos Reis, ob. cit., p. 140.
[4] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
[5] O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231.