Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:123/14.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REGIME IVA DE CAIXA
CASO JULGADO
QUESTÃO NOVA
Sumário:I- O Tribunal ad quem ao apreciar os meios de prova indicados pelas partes goza de autonomia nessa apreciação, assumindo, em rigor, um juízo próprio, mas constitui condição essencial dessa apreciação que o Recorrente cumpra o ónus que a lei lhe impõe no normativo 640.º do CPC. Não é cumprido o ónus de impugnação da matéria de facto, quando o Recorrente convoca genericamente a produção da prova testemunhal, sem indicar passagens concretas do depoimento, e sem sequer proceder à transcrição de excertos que poderiam inferir pela necessidade de serem aditados novos factos ao acervo fáctico dos autos;

II- Resultando provada a existência de uma prestação de serviços efetuada a título oneroso no território nacional, e tendo o IVA sido liquidado em função do por si declarado na declaração periódica, existe facto tributário sujeito a IVA, subsumível no artigo 1.º, nº1, do CIVA. Não assume relevo a circunstância de existindo prestação de serviços não ter sido emitida a correspondente fatura, pois a falta de emissão de fatura não comporta a inexigibilidade do imposto;

III- O Decreto-Lei nº 71/2013, de 30 de maio, aprovou o regime facultativo de IVA de Caixa em vigor a partir do último trimestre de 2013, com estrutura simplificada, revogando os três regimes de exigibilidade do IVA até aí vigentes, e deslocando a sua exigibilidade para o momento do recebimento total ou parcial do preço; Se à data da prática do facto tributário não vigorava o aludido regime, nunca a exigibilidade do imposto poderia estar dependente do seu recebimento;

IV- Na exceção do caso julgado exige-se a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto. Falha a tríplice identidade, desde logo, se no âmbito do processo judicial se discutia a validade do contrato de mediação imobiliária, o reconhecimento do direito à remuneração acordada atenta a exclusividade do contrato e a concreta imputabilidade do incumprimento na esfera jurídica da Ré, enquanto no caso sub judice se pretende a anulação do ato de liquidação de IVA, por alegada inexistência do facto tributário;

V- A caducidade do direito à liquidação não constitui matéria de conhecimento oficioso, pelo que compete à Recorrente arguir tal vício no seu articulado inicial, não podendo, ulteriormente, e sem qualquer superveniência sindicar novos vícios ao ato impugnado. Comportando um inadmissível ius novarum não pode o Tribunal ad quem emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, por tal questão não ter sido, de todo, analisada na decisão recorrida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

PAULO ..................., LDA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida em 12 de junho de 2015, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, constante de fls. 212 a 221 dos autos do presente processo que julgou improcedente a impugnação judicial tendo por objeto a decisão de indeferimento do recurso hierárquico que interpusera contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado nº ............., no montante de 17.907,75.

A Recorrente, a fls. 240 a 248 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

1. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, a prova testemunhal produzida comprova que o montante de IVA em causa foi erradamente incluído numa declaração periódica de IVA, em consequência de um mero erro assumido em audiência pelo TOC da impugnante e que foi prontamente corrigido na contabilidade.


2. Em face da prova produzida, a douta sentença recorrida deveria ter dado como provado que o montante de IVA em causa embora incluído na declaração periódica nunca foi recebido nem consta de qualquer factura ou documento equivalente emitido pela recorrente


3. Perante a prova produzida, a douta sentença recorrida deveria ter dado como não provado que a recorrente tivesse alguma vez emitido qualquer factura ou documento equivalente relativamente à comissão devida pelos serviços de mediação prestados entre Novembro de 2006 e Outubro de 2007.


4. A sentença do Tribunal de Portimão transitada em julgado, junta aos autos, deu como provado o facto de que a impugnante não facturou a sua comissão de 125.000 euros, tendo o mesmo tribunal decidido, expressamente, que a impugnante só deveria entregar o correspondente IVA ao Estado quando o mesmo viesse a ser recebido.


5. Ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, comprova-se, de acordo com os depoimentos das duas testemunhas, e tendo ainda em conta a prova documental junta com a p.i., que:


− o IVA exigido na liquidação impugnada não consta de nenhuma factura emitida ou que devesse ter sido emitida pela recorrente;


− a factura …/2010 que consta do ponto 12. do probatório nunca existiu nem foi emitida pela sociedade recorrente porque se trata de um mero número contabilístico criado pelo TOC; e


− o cheque que deu origem à liquidação em causa é um cheque de natureza pessoal do Senhor Artur ............. e não de nenhuma sociedade.


6. Tal como entendeu a Exma. Senhora Magistrada do Ministério Público, ao contrário do entendimento da sentença recorrida, o recebimento do referido cheque no montante de 75.000 euros emitido por um particular a outro, nenhum dos dois sujeito passivo de IVA, não configura nenhuma operação sujeita a IVA, pelo que estamos perante uma inexistência de facto tributário, face aos pressupostos da norma de incidência objectiva constante do artº 1º do CIVA.


7.Não consta da douta sentença recorrida qualquer referência ou qualquer prova de que o valor do IVA em causa tenha alguma vez sido recebido pela recorrente, da mesma forma que não consta da sentença recorrida qualquer referência de quem terá sido o adquirente dos serviços que terá suportado o montante de IVA tivesse sido deduzido por algum sujeito passivo adquirente dos supostos serviços prestados pela recorrente.


8. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, nenhum sujeito passivo de IVA, nos termos do artº 19º do CIVA, nunca poderá deduzir nem incluir numa declaração periódica nenhum valor de IVA que não conste de uma fatura emitida ou documento equivalente.


9. Mesmo que o valor de 75.000 euros em causa respeitasse a uma operação sujeita a IVA em 2007 (o que não se concede porque resulta provado que assim não é), ainda assim o direito da AT proceder à liquidação do IVA daí resultante teria caducado em 31/12/2011, nos termos do artº 45º, nºs 1 e 4, da LGT.


Normas jurídicas violadas: Artºs 1º e 19º do Código do IVA, Artº 45º, nºs 1 e 4, da LGT.


Nos termos sobreditos e noutros que V. Exas., doutamente, suprirão, conclui-se que a douta sentença recorrida está inquinada do vício de erro de julgamento de facto e de direito, pelo que não pode manter-se na ordem jurídica, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue procedente o presente recurso e determine a procedência da impugnação judicial deduzida.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 263 a 279 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 106 a 115 dos presentes autos):

“Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgam-se provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:


1.

Em Novembro de 2006, PAULO ..................., LDA., no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, foi contactada por Maria ..................., tendo ficado acordado que mediaria, em regime de exclusividade, por preço não inferior a € 1.600.000,00, um prédio rústico sito em A................... – facto admitido por acordo.

2.

Em Março de 2007, a sociedade C..................., SA, manifestou a PAULO ..................., LDA., interesse na aquisição do prédio – facto admitido por acordo.

3.

Maria ................... não vendeu o prédio à C..................., SA – facto admitido por acordo.

4.

PAULO ..................., LDA., intentou no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra Maria ................... pedindo, além do mais, a condenação desta no pagamento de € 125.000,00, acrescidos de IVA e juros , aí tendo alegado “que prestou integralmente os serviços de mediação imobiliária e que a venda só não foi concretizada por inteira responsabilidade da Ré, pelo que tem direito a receber a comissão acordada”– cfr. fls. 12-13 dos autos.

5.

Em 30 de Setembro de 2010, transitou em julgado a sentença proferida na Acção com processo Ordinário n.º 765/08.1TBPTM, que correu termos no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão, que condenou Maria ................... a pagar a PAULO ..................., LDA., a quantia de € 125.000,00, “acrescida da quantia devida a título de IVA sobre a mesma, na data em que for efectuado o pagamento, e dos juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré e vincendos até integral pagamento” – cfr. fls. 178-191 dos autos.

6.

Aquela sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida, tem, no que ora interessa, o seguinte teor: “(…) Temos, assim, que o contrato de mediação imo biliária celebrado pelas partes é válido e que a Autora tem direito à remuneração acordada por o contrato ter sido celebrado em regime de exclusividade e o negócio visado com o contrato não ter sido concluído com perfeição por causa imputável à Ré. Apenas se dirá, no que respeita ao IVA sobre o valor da remuneração, que ele tem que ser calculado de acordo com a percentagem que legalmente vigorar quando for feito o pagamento, pois é nessa altura que a Autora irá entregar o imposto nos cofres do Estado (e não antes porque ainda não facturou o serviço), sendo certo que actualmente o seu valor não é de 21% mas de 20%. (…)” - cfr. fls. 191 dos autos.

7.

No dia 29 de Outubro de 2010, PAULO ..................., LDA., cedeu a S..................., Lda., o crédito que se encontrava a ser executado por apenso à acção identificada em 5 – cfr. fls. 32-34 dos autos.

8.

Ficou declarado naquela cessão que tal negócio foi efectuado no valor de € 351.619,80, pagos pela S................... à PAULO ..................., LDA., através de cheque –cfr. fls. 34 dos autos.

9.

Artur ............., sócio-gerente da S..................., Lda., emitiu um cheque ao portador que entregou ao gerente da PAULO ..................., LDA., no valor de € 75.000,00 – cfr. artigo 10.º da Petição Inicial.

10.

No dia 31 de Outubro de 2010, foi depositado em conta bancária da PAULO ..................., LDA., a quantia de € 75.000,00 – cfr. fls. 103 do apenso.

11.

Alexandra ..................., remeteu aquele cheque que se encontrava nas instalações da PAULO ..................., LDA., bem como um email, aos serviços de contabilidade da Impugnante – cfr. o depoimento de Alexandra ....................

12.

Através do lançamento contabilístico n.º .............., de Outubro de 2010, incluído no Diário de Vendas a Crédito – Facturas, foram creditadas as contas:

a) Conta 7221 – Serviços Prestados: pelo valor da comissão de € 125.000,00; e

b) Conta 243312 – IVA liquidado – PS Taxa Normal: pelo valor de € 26.250,00, por contrapartida da conta corrente da cliente S..................., com a descrição «Factura n.º …/2010»


13.

A factura …/2010 foi criada ad hoc, pelos serviços de contabilidade da PAULO ..................., LDA., por não ter sido fornecido qualquer documento de suporte, tendo então sido verificado qual era o número da última factura emitida e criado um registo contabilístico com o número seguinte – cfr. o depoimento de Joaquim ...............

14.

No dia 11 de Fevereiro de 2011, foi entregue, via internet, a declaração periódica de IVA relativa ao período 2010/12T de PAULO ..................., LDA., assinada pelo contabilista Joaquim .............., a qual incluiu o IVA liquidado de € 26.250,00 e apurou imposto a pagar no montante de € 17.907,75 – cfr. fls. 174-175 dos autos.

15.

A entrega da declaração não foi acompanhada do respectivo pagamento – facto admitido por acordo.

16.

Consequentemente, em 6 de Março de 2011 foi emitida a liquidação de IVA n.º ............., no valor de € 17.907.75 (acto impugnado).

***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.

O depoimento das testemunhas foi valorado quanto aos factos levados ao probatório, apesar de os depoimentos terem sido prestados por pessoas muito próximas da Impugnantes (uma sócia, ex - gerente e ex-trabalhadora, casada com o outro sócio-gerente; e o responsável pela contabilidade), por vezes de forma lacunar (a sócia reconheceu na empresa e afirmou reconhecer no Tribunal que cometeu um erro, mas quando inquirida pelo Tribunal sobre a natureza desse erro, sobre o teor do email enviado à contabilidade, sobre àquela que pensava ser a proveniência do cheque e sobre qual a sua proveniência efectiva, não conseguiu explicar que erro foi aquele que declarou ter cometido), outras apresentando factos contrários às regras de experiência (o técnico oficial de contas referiu que o seu trabalhador criou o registo de uma factura que nunca existiu, tendo -a numerado com o número 2 por até ao último trimestre de 2010 a Impugnante apenas ter emitido uma factura).”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IVA, no valor de €17.907,75.


Importa, desde já, ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito. Competindo, assim, aquilatar se o Tribunal a quo valorou adequadamente a prova produzida nos autos, e por outro lado, se interpretou erradamente os pressupostos de direito violando, nessa medida, os artigos 1.º e 19.º do CIVA e 45.º, números 1 e 4 da LGT (conclusões 1 a 9 do recurso).


Comecemos, então, pelo erro de julgamento de facto.


A Recorrente começa por arguir erro de julgamento da matéria de facto, evidenciando que atenta a prova testemunhal produzida e tendo, outrossim, em linha de conta a prova documental junta com a p.i., que deveria ter sido dado como provado que:


− O IVA exigido na liquidação impugnada não consta de nenhuma fatura emitida ou que devesse ter sido emitida pela Recorrente;


− A fatura nº …/2010 que consta do ponto 12. do probatório nunca existiu nem foi emitida pela sociedade recorrente porque se trata de um mero número contabilístico criado pelo TOC; e


− O cheque que deu origem à liquidação em causa é um cheque de natureza pessoal do Senhor Artur ............. e não de nenhuma sociedade.


Mais alegando que deveria ter sido dado como não provado que a Recorrente alguma vez tivesse emitido qualquer fatura ou documento equivalente relativamente à comissão devida pelos serviços de mediação prestados entre novembro de 2006 e outubro de 2007.


Apreciando.


Importa, ab initio, relevar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, cumprindo os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.


Senão vejamos.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida(1).


Mais importa ter presente no concernente à produção de prova testemunhal, que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção(2).


No caso sub judice, conforme se extrai com clareza do teor das alegações de recurso, a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrita, pois convoca genericamente a produção da prova testemunhal, não indicando passagens concretas do depoimento, nem tão-pouco procede à transcrição de excertos que poderiam inferir pela necessidade de serem aditados novos factos ao acervo fáctico dos autos.


É certo que no corpo das suas alegações alude ao depoimento de Alexandra ................... e Joaquim .............., porém não só o faz de forma pouco definida e vaga, como não indica as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido, nada especificando quanto à duração dos depoimentos no suporte digital (com início e termo dos mesmos), não procedendo, igualmente, a transcrições, ainda que parciais de alguns desses depoimentos, como legalmente se impunha, por se tratar de prova gravada.


Ademais, não se pode descurar e perder de vista que o recurso em matéria de facto para o Tribunal ad quem não constitui um novo julgamento em que toda a prova documentada é reapreciada pelo Tribunal Superior que, como se não tivesse havido o julgamento em 1.ª instância, estabeleceria os factos provados e não provados.


Dir-se-á, em abono da verdade, que o Tribunal ad quem ao apreciar os meios de prova indicados pelas partes goza de autonomia nessa apreciação, assumindo, em rigor, um juízo próprio, mas também é igualmente certo que constitui condição essencial dessa apreciação que o Recorrente cumpra o ónus que a lei lhe impõe no citado normativo 640.º do CPC.


Adicionalmente, sempre importa ter presente que quanto à concreta valoração dos depoimentos de testemunhas, que se o julgador do Tribunal a quo entendeu valorar diferentemente da Recorrente os depoimentos das mesmas, a verdade é que não pode a instância de recurso sindicar e censurar, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada. Ademais, sempre importa ter presente que o juiz do Tribunal a quo dispõe de mecanismos de ponderação da prova global que o Tribunal ad quem não detém (v.g. a inquirição presencial das testemunhas).


Dir-se-á, portanto, que quando seja impugnada a prova testemunhal, o que, em rigor, importa averiguar é se o tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, descurando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto. Porém, sempre e só após o cumprimento do citado artigo 640.º do CPC, que vimos analisando.


Dimana, assim, inequívoco que a Recorrente não cumpriu o ónus que a lei lhes impôs quanto à impugnação da matéria de facto. E por assim ser resulta prejudicada a apreciação da argumentação da Recorrente relacionada com o conteúdo de tais depoimentos e, bem assim, com a ausência de credibilidade que a eles terá atribuído o Tribunal a quo, na medida em que na motivação da matéria de facto consta toda a ponderação que fundou o iter de fixação da matéria de facto, ou seja, o julgador exteriorizou o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre recorte probatório dos autos(3).


In fine, sempre se dirá que sucede o mesmo quanto ao alegado erro de julgamento em função da prova documental constante dos autos, e isto porque a Recorrente limita-se a remeter, em bloco, conforme resulta expresso da parte inicial da conclusão 5, para a prova documental junta com a p.i., nada evidenciando, nem tão-pouco densificando com alusão específica a cada alínea do probatório qual o documento concreto que permitia valorar de forma distinta a prova constante dos autos e por que motivo existia esse erro de julgamento.


Ora, em face de todo o exposto, em consonância com o disposto, no nº1, alíneas a) e b) e 1ª parte da alínea a) do nº 2 do artigo 640º, impõe-se a rejeição, nessa parte, do recurso(4).


Aqui chegados, improcedendo o erro sobre o julgamento de facto cumpre aferir se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito, competindo assim aquilatar se o Tribunal a quo, interpretou erradamente os pressupostos de direito, respondendo, para o efeito, a três questões:


-Ocorre a inexistência de facto tributário em face dos pressupostos da norma de incidência objetiva constante no artigo 1.º do CIVA?


-Foi violado o artigo 19.º do CIVA?


-Foi, igualmente, preterido o artigo 45.º, números 1 e 4 da LGT? Sendo certo que, relativamente a este vício de violação de lei, e conforme veremos adiante, teremos ainda de aferir da existência de “questão nova” a qual, necessariamente, é prejudicial à sua análise de mérito.


Apreciando.


Comecemos pela inexistência do facto tributário.


Neste âmbito, e conforme resulta expresso da conclusão 6 das alegações de recurso, aduz a Recorrente que “[a]o contrário do entendimento da sentença recorrida, o recebimento do referido cheque no montante de 75.000 euros emitido por um particular a outro, nenhum dos dois sujeito passivo de IVA, não configura nenhuma operação sujeita a IVA, pelo que estamos perante uma inexistência de facto tributário, face aos pressupostos da norma de incidência objectiva constante do artº 1º do CIVA.”


Para o efeito comecemos por atentar no discurso jurídico fundamentador da decisão recorrida, quanto à inexistência do facto tributário.


Sustenta o Juiz do Tribunal a quo que:


“Ao abrigo do artigo 121.º, n.º 1, do CPPT (cfr., também o artigo 124.º, n.º 2, alínea b) do mesmo diploma), a Exma. Magistrada do Ministério Público arguiu o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, do acto de liquidação, entendendo que “no caso em apreço inexiste facto tributário já que não houve lugar à prestação de serviços ou transmissão de bens subjacente à liquidação do imposto”.


Por sua vez, a Impugnante, no artigo 5.º da Petição Inicial, alega que “o valor a que a cliente da sociedade veio a ser condenada nos termos da sentença prolatada em 06.10.2009 no âmbito do processo n.º765/08.1TBPTM” deve ser qualificada “como uma indemnização (consequentemente não sujeita a IVA)” .


Todavia, resulta provado que em Novembro de 2006, a Impugnante, no exercício da sua actividade de mediação imobiliária, contratou com Maria ................... a mediação, em regime de exclusividade, de um prédio rústico sito em A................... – cfr. ponto 1 do probatório -, sendo que – ponto 2 -, em Março de 2007 a Impugnante angariou um comprador para o terreno nas condições combinadas com a vendedora.


Certo que esta não vendeu o prédio ao comprador angariado – ponto 3 do probatório -, motivo pelo qual a Impugnante propôs uma acção para obter a condenação da sua cliente no pagamento do preço e respectivo IVA, alegando, para o efeito, “que prestou integralmente os serviços de mediação imobiliária e que a venda só não foi concretizada por inteira responsabilidade da Ré, pelo que tem direito a receber a comissão acordada” – cfr. ponto 5 do probatório.


Mal se compreende, por isso, raiando mesmo a litigância de má -fé, que a Impugnante se tenha dirigido ao Tribunal de Comarca pedindo a condenação da sua cliente no pagamento da comissão acordada e respectivo IVA, por ter prestado integralmente os serviços de mediação imobiliária, e agora venha a este Tribunal Tributário alegar que a sua cliente foi condenada a pagar uma indemnização, que não o preço da comissão que ali pediu.


Ora, a liquidação impugnada resultou de declaração apresentada pela Impugnante – cfr. ponto 14 do probatório -, na qual esta declarou ter liquidado IVA que se encontrava suportado no lançamento contabilístico n.º ..................., de Outubro de 2010, incluído no Diário de Vendas a Crédito – Factura, relativo à prestação de serviço a que corresponde a comissão de € 125.000,00 – cfr. ponto 12.


Sendo que a predita realização da prestação do contrato de mediação imobiliária constitui, em sede de IVA, facto tributário, pois que, nos apontados termos, estão sujeitas a este imposto as prestações de serviço – isto é, as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens – efectuadas no território nacional por um sujeito passivo agindo como tal.”


Ora, atendendo na matéria de facto devidamente estabilizada e no discurso jurídico que fundamentou a decisão recorrida não se vislumbra que a mesma mereça qualquer juízo de censura, visto que interpretou adequada e corretamente a lei vigente aos pressupostos factuais constantes dos autos.


Mas explicitemos, com pormenor, por que assim o entendemos, começando por analisar a natureza do IVA e convocar o quadro jurídico aplicável nos autos.


O IVA é um imposto nacional de matriz comunitária, essencialmente regulado pela Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (Diretiva IVA), sendo um imposto plurifásico, que assenta numa estrutura de entrega e respetiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.


Preceitua o artigo 2.º n.º 1, alíneas a) e c), da Diretiva IVA que estão sujeitas a IVA as entregas de bens e as prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade.


Mais define o normativo 62.º da aludida Diretiva e para efeitos da mesma, o conceito de facto gerador e exigibilidade do imposto, consignando, por seu turno, o artigo 63.º Sexta Diretiva que o facto gerador do IVA ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços, dimanando, portanto, que a regra geral, nesta matéria é a da simultaneidade entre facto gerador e exigibilidade do imposto. Dir-se-á, portanto, que de acordo com tal preceito legal se infere uma dependência da exigibilidade em relação ao facto gerador, ou seja, inexistindo facto gerador, o imposto não é devido, porquanto, em regra, os sujeitos passivos estão obrigados a efetuar o pagamento do IVA a partir do momento em que as transmissões de bens ou as prestações de serviços tenham lugar.


Neste particular, importa ainda ter presente a derrogação consignada no artigo 66.º da Diretiva do IVA na qual é regulamentada a possibilidade dos Estados Membros preverem que:


“em relação a certas operações ou a certas categorias de sujeitos passivos, que o imposto se torne exigível num dos momentos seguintes: a) O mais tardar, no momento da emissão da fatura; b) O mais tardar, no momento em que o pagamento é recebido; c) Nos casos em que a fatura não seja emitida, ou seja emitida tardiamente, dentro de um prazo fixado a contar da data do facto gerador.”


Analisemos, ora, o normativo português que resulta da transposição da legislação comunitária para o ordenamento jurídico nacional.


Começando por evidenciar que a incidência encontra-se contemplada nos artigos 1.º e 2.º do CIVA.


O IVA incide, em regra, sobre todas as transações económicas efetuadas a título oneroso, constituindo operações tributáveis as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias de bens, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do CIVA.


Preceituando, por seu turno, o artigo 2.º, em termos de incidência subjetiva, que:

“1 - São sujeitos passivos do imposto:

a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real de IRS e de IRC”.

Da interpretação conjugada, dos aludidos normativos resulta, assim, um critério real e um critério pessoal, que se exprimem de igual forma, ou seja, no sentido de que são operações tributáveis as efetuadas pelos sujeitos passivos (critério real), sendo sujeitos passivos todos aqueles que efetuam operações tributáveis (critério pessoal).


As prestações de serviços são definidas, de modo amplo e residualmente, no artigo 4.º do CIVA como “as operações efetuadas a título oneroso que não constituam transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”, consignando, outrossim, o nº 4 do artigo 6.º do mesmo diploma legal que só são tributáveis “[q]uando efetuadas por um prestador que tenha no território nacional a sede da sua atividade ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços sejam prestados ou, na sua falta, o seu domicílio.”


Estatuindo, por seu turno, o artigo 7.º, nº1, alínea b) que o imposto é devido e torna-se exigível “nas prestações de serviços, no momento da sua realização”.


No concernente à exigibilidade do imposto consigna o artigo 8.º, com a redação à data aplicável que:


“1 - Não obstante o disposto no artigo anterior, sempre que a transmissão de bens ou prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura ou documento equivalente, nos termos do artigo 29.º, o imposto torna-se exigível:


a) Se o prazo previsto para a emissão de fatura ou documento equivalente for respeitado, no momento da sua emissão;


b) Se o prazo previsto para a emissão não for respeitado, no momento em que termina;


c) Se a transmissão de bens ou a prestação de serviços derem lugar ao pagamento, ainda que parcial, anteriormente à emissão da fatura ou documento equivalente, no momento do recebimento desse pagamento, pelo montante recebido, sem prejuízo do disposto na alínea anterior.”


Nessa medida, o momento em que o imposto se torna exigível é por definição o momento em que surge a obrigação de entregar o correspondente montante ao Estado. Em termos práticos, trata-se do momento em que os bens ou serviços objetos das operações tributáveis entram na disponibilidade (uso, fruição ou disposição) do seu adquirente ou destinatário.


Mais importa ter presente o artigo 35.º, nº1, do CIVA, o qual dispõe que a fatura ou documento equivalente referidos no artigo 28.º devem ser emitidos o mais tardar no 5.º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7.º.


Aqui chegados, visto o direito que releva para o caso vertente vejamos se do recorte fático dos autos resulta a existência de um facto tributário sujeito a IVA conforme decidiu o Tribunal a quo.


Refira-se, desde já, que nenhuma crítica pode ser apontada ao juízo de entendimento constante na decisão recorrida visto que em ordem à factualidade dada como assente é por demais evidente que nos encontramos perante uma prestação de serviços efetuada a título oneroso no território nacional, donde, objeto de tributação em sede de IVA.


Explicitemos a conclusão supra expendida com o detalhe que se impõe.


Da factualidade dada como assente, e no sentido bem sustentado pelo Juiz do Tribunal a quo, dimana o seguinte:


Foi acordado, em novembro de 2006, entre a Recorrente e Maria ..................., e no exercício da sua atividade de mediação imobiliária, uma mediação em regime de exclusividade, por preço não inferior a €1.600.000,00 relativamente a um prédio rústico sito em A....................


Em março de 2007, a sociedade C..................., SA, manifestou junto da Recorrente interesse na aquisição do aludido bem imóvel, porém Maria ................... não vendeu o prédio à C..................., SA.


Na sequência de tal facto, a Recorrente interpôs junto do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Portimão uma ação declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra Maria ................... na qual peticionava, para além do mais, a condenação desta no pagamento de € 125.000,00, acrescidos de IVA e juros.


Tendo, neste âmbito e para este efeito, expressamente alegado “que prestou integralmente os serviços de mediação imobiliária e que a venda só não foi concretizada por inteira responsabilidade da Ré, pelo que tem direito a receber a comissão acordada”.


Em consequência da interposição de tal ação, foi proferida sentença que condenou Maria ................... a pagar à Recorrente a quantia de € 125.000,00, “acrescida da quantia devida a título de IVA sobre a mesma, na data em que for efectuado o pagamento, e dos juros de mora vencidos desde a data da citação da Ré e vincendos até integral pagamento”, a qual transitou em julgado em 30 de setembro de 2010.


Ora, em face do supra aludido dimana inequívoco que foi realizada uma prestação de serviços de comissão imobiliária, sujeita a IVA, existindo, assim, facto tributário.


Note-se que como bem evidenciado pela decisão recorrida “mal se compreende, por isso, raiando mesmo a litigância de má-fé, que a Impugnante se tenha dirigido ao Tribunal de Comarca pedindo a condenação da sua cliente no pagamento da comissão acordada e respectivo IVA, por ter prestado integralmente os serviços de mediação imobiliária, e agora venha a este Tribunal Tributário alegar que a sua cliente foi condenada a pagar uma indemnização, que não o preço da comissão que ali pediu.”


É certo que a Recorrente vem, ainda, invocar que não é devido o imposto por duas ordens de razão, por um lado porque não houve lugar à emissão de qualquer fatura, tendo a fatura constante no probatório sido emitida em erro, consistindo num “mero número contabilístico criado pelo TOC” e por outro lado, porque não houve lugar ao recebimento do preço.


A verdade é que essas duas ordens de razão não relevam para efeitos da assunção do facto gerador e sua exigibilidade.


Atentemos porque assim o é.


Regressemos ao probatório. Do ponto 12 do acervo fáctico dos autos consta que: “Através do lançamento contabilístico n.º .............., de outubro de 2010, incluído no Diário de Vendas a Crédito – Facturas, foram creditadas as contas:

a) Conta 7221 – Serviços Prestados: pelo valor da comissão de € 125.000,00; e

b) Conta 243312 – IVA liquidado – PS Taxa Normal: pelo valor de € 26.250,00, por contrapartida da conta corrente da cliente S..................., com a descrição «Factura n.º …/2010”

Mais constando do número 13 que a fatura .../2010 foi criada ad hoc, pelos serviços de contabilidade da Recorrente por não ter sido fornecido qualquer documento de suporte, tendo então sido verificado qual era o número da última fatura emitida e criado um registo contabilístico com o número seguinte.


Dimanando, igualmente, do probatório que no dia 11 de fevereiro de 2011, foi entregue, via internet, a declaração periódica de IVA relativa ao período 2010/12T de PAULO ..................., LDA., assinada pelo contabilista Joaquim .............., a qual incluiu o IVA liquidado de € 26.250,00 e apurou imposto a pagar no montante de € 17.907,75, e que não foi acompanhada de qualquer meio de pagamento (pontos 14 e 15).


Ora, da factualidade supra aludida, devidamente firmada em função do supra expendido quanto à impugnação da matéria de facto, é por mais evidente que ocorreu uma prestação de serviços e que o IVA, ora, colocado em crise foi liquidado em função do declarado por si na declaração periódica supra elencada.


Mais importa sublinhar que em nada relevará a circunstância de existindo prestação de serviços não ter sido emitida a correspondente fatura. Com efeito, a falta de emissão de fatura não comporta a inexigibilidade do imposto.


Atentemos, ora, na circunstância de não ter existido recebimento do valor da prestação de serviços, donde, do IVA respetivo.


A Recorrente aduz, neste particular, que “não consta da douta sentença recorrida qualquer referência ou qualquer prova de que o valor do IVA em causa tenha alguma vez sido recebido pela recorrente” .


Mas, a verdade é que tal asserção só poderia ter relevo se, à data da prática dos factos tributários, vigorasse o regime de IVA de caixa, o que, conforme veremos não sucede no caso vertente.


Apreciando.


No momento da adoção do IVA, Portugal não recorreu à faculdade de introduzir um regime especial de exigibilidade de caixa, porém, mais tarde, criou três regimes especiais de exigibilidade de IVA de caixa em três situações pontuais, concretamente, Regime Especial de Exigibilidade do Imposto sobre o Valor Acrescentado dos Serviços de Transporte Rodoviário Nacional de Mercadorias; Regime Especial de Exigibilidade do Imposto sobre o Valor Acrescentado nas Empreitadas e Subempreitadas de Obras Públicas, e o Regime Especial de Exigibilidade do Imposto sobre o Valor Acrescentado nas Entregas de Bens às Cooperativas Agrícolas.


A partir da entrada em vigor da Diretiva 2010/45/UE, do Conselho, de 13 de julho de 2010, que alterou a Diretiva 2006/112/CE, relativa ao sistema comum do IVA no que respeita às regras em matéria de faturação, os Estados membros passaram, a partir de 1 de janeiro de 2013, a poder introduzir um regime facultativo de contabilidade de caixa, desde que não produzisse efeitos negativos nos fluxos de tesouraria referentes às suas receitas do IVA.


Daí que o Orçamento de Estado para 2013 (OE2013)(5), tenha consagrado uma autorização legislativa para a transposição da diretiva comunitária IVA no ordenamento jurídico nacional, identificando-se nesta diretiva o regime como “regime facultativo de contabilidade de caixa”, aplicável a sujeitos passivos com volume de negócios anual até € 500.000,00. Na sequência desta autorização legislativa, foi publicado o Decreto-Lei nº 71/2013, de 30 de maio, que aprovou o regime facultativo de IVA de Caixa vigorando a partir do último trimestre de 2013, com estrutura simplificada, revogando os três regimes de exigibilidade do IVA supra aludidos.


Na verdade, o Regime de IVA de Caixa, como o próprio nome indicia, derroga as normas gerais de exigibilidade, deslocando-as para um momento diferente do normal, estando consignado no artigo 2.º, do Anexo ao Decreto Lei nº 71/2013, de 30 de maio, sob a epígrafe de “exigibilidade” que:


“1 - O imposto relativo às operações abrangidas pelo regime, nos termos do artigo anterior, é exigível no momento do recebimento total ou parcial do preço, pelo montante recebido.


2 - O imposto é, ainda, exigível quando o recebimento total ou parcial do preço preceda o momento da realização das operações tributáveis.


3 - Não obstante o disposto nos números anteriores, o imposto incluído em faturas relativamente às quais ainda não ocorreu o recebimento total ou parcial do preço é exigível: a) No 12.º mês posterior à data de emissão da fatura, no período de imposto correspondente ao fim do prazo; b) No período seguinte à comunicação de cessação da inscrição no regime nos termos do artigo 5.º; c) No período correspondente à entrega da declaração de cessação da atividade a que se refere o artigo 33.º do Código do IVA, nos casos previstos no artigo 34.º do mesmo diploma.”


Ora, como é bom de ver, atenta a data da prática do facto tributário, nunca a exigibilidade do imposto poderia estar ligada com uma operação de caixa, donde, dependente do seu recebimento, perecendo, por isso, o argumento da Recorrente nada relevando nesse e para esse efeito a circunstância de não ter existido qualquer pagamento, como alega.


Ainda neste concreto particular da exigibilidade do imposto, e atenta a conclusão 4., a qual se concatena com o teor da sentença proferida pelo Tribunal de Portimão, e com o seu trânsito em julgado, é evidenciado pela Recorrente que “ a sentença do Tribunal de Portimão transitada em julgado, junta aos autos, deu como provado o facto de que a impugnante não facturou a sua comissão de 125.000 euros, tendo o mesmo tribunal decidido, expressamente, que a mesma impugnante só deveria entregar o correspondente IVA ao Estado quando o mesmo viesse a ser recebido”.


A Recorrente pese embora não tenha, expressamente, retirado qualquer consequência jurídica de tal alegação, a verdade é que compulsado o teor da decisão recorrida infere-se que a mesma tem por subjacente o trânsito em julgado da sentença do Tribunal de Portimão e o extrapolar das consequências para a presente lide.


Ponderemos, neste particular, o juízo de entendimento vertido na decisão recorrida.


O Tribunal a quo defendeu que “a Impugnante sustenta que vem expresso na sentença do Tribunal de Comarca, “transitada em julgado, quando é que o respectivo IVA será devido”. E, efectivamente, de tal decisão consta a condenação da Ré no pagamento de € 125.000,00, “acrescida da quantia devida a título de IVA sobre a mesma, na data em que for efectuado o pagamento, e dos juros de mora vencidos desde a data da ci tação da Ré e vincendos a té integral pagamento” – cfr. ponto 5 do probatório.”


Mais sublinhando que “[n]a fundamentação da sentença é referido que “no que respeita ao IVA sobre o valor da remuneração, (…) ele tem que ser calculado de acordo com a percentagem que legalmente vigorar quando for feito o pagamento, pois é nessa altura que a Autora irá entregar o imposto nos cofres do Estado (e não antes porque ainda não facturou o serviço), sendo certo que actualmente o seu valor não é de 21% mas de 20%” cfr. ponto 6 do probatório. Conclui, então, nos artigos 6.º e 7.º da Petição, “que veio a ser decidido judicialmente que a sociedade Impugnante, no caso concreto em apreço, só deveria efectuar o pagamento de IVA quando lhe for efectivamente feito o pagamento, e não noutro momento” , sendo que “a sociedade não recebeu ainda qualquer valor proveniente de tal processo judicial” e, como tal, o IVA não é exigível.


Relevando, para este efeito, que “Pretende, pois, a Impugnante valer-se do efeito de caso julgado da sentença. Todavia, aquilo que o Tribunal de Comarca decidiu foi, apenas e só, que a Ré devia pagar à Autora o valor da remuneração acrescida da quantia devia a título de IVA e juros. A menção, na fundamentação da sentença, a que a Autora, ora Impugnante, irá entregar o imposto nos cofres do Estado quando for feito o pagamento, além de ser mero obiter dictum, ainda que se considerasse abrangida pelo efeito de caso julgado, nunca poderia abranger a Administração Tributária, pois esta é a credora do tributo e não foi parte nessa acção.”


Concluindo, depois, convocando o entendimento de Manuel de Andrade que “A sentença só tem força de caso julgado entre as partes (inter partes); só vincula o juiz num novo processo em que as partes sejam as mesmas que no anterior”.


E, de facto, o raciocínio vertido anteriormente não está eivado de qualquer erro, não podendo a decisão judicial do Tribunal de Comarca legitimar a anulabilidade do imposto declarado, resultante de uma operação sujeita a IVA.


O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, sendo que a causa se repete “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”(6).


Na exceção de caso julgado exige-se a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, existindo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.


No caso vertente, falha qualquer um dos aspetos da tríplice identidade, pois as partes não são as mesmas, inexiste identidade dos pedidos, dado que, como é bom de ver, não se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, sendo, igualmente, distinta a causa de pedir. Note-se que no processo judicial a, ora, Recorrente visa a condenação de Maria ................... a pagar o valor de €125.000,00 acrescido do IVA atenta a celebração de um acordo exclusivo de mediação imobiliária, sendo que, in casu, a Recorrente visa a anulação do ato de liquidação de IVA, por alegada inexistência do facto tributário.


Dir-se-á, em abono da verdade que, no âmbito do processo judicial competiria aferir da validade do contrato de mediação imobiliária, se a Recorrente tinha direito à remuneração acordada atento o contrato de exclusividade e a concreta imputabilidade do incumprimento na esfera jurídica da Ré, questões que, como é bom de ver, não são questionadas na presente lide.


Destarte, conforme bem decidiu o Tribunal a quo inexiste qualquer situação de caso julgado a impor a sua vinculação no caso vertente. Em face de todo o exposto, e sem necessidade de mais considerações, in casu, resultou provada a realização de uma prestação de serviços a qual, reitere-se, motivou a competente interpelação judicial, donde, existe Facto Tributário sujeito a IVA.


Atentemos, ora, nas alegações constantes nos pontos 7 e 8 segundo as quais “[não consta da sentença recorrida qualquer referência de quem terá sido o adquirente dos serviços que terá suportado o mesmo IVA em causa ou mesmo qualquer referência de que aquele montante de IVA tivesse sido deduzido por algum sujeito passivo adquirente dos supostos serviços pela recorrente. Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, nenhum sujeito passivo de IVA, nos termos do artº 19 do CIVA, nunca poderá deduzir nem incluir numa declaração periódica nenhum valor de IVA que não conste de uma factura emitida ou documento equivalente.”


Ab initio, cumpre, desde já, relevar que do probatório dos autos resulta inequívoco que o contrato de exclusividade foi celebrado entre a Impugnante e Maria ..................., sendo esta a entidade que beneficiou dos serviços prestados pela Recorrente, razão pela qual a mesma interpôs uma ação judicial peticionando a comissão imobiliária acordada, não se conseguindo discernir, desde logo, da primeira parte da alegação.


De todo o modo sempre se dirá que a Recorrente aduz uma violação do artigo 19.º do CIVA porquanto não existe qualquer referência de que o adquirente dos serviços deduziu o IVA suportado, mas a verdade é que não se consegue aquilatar o alcance de tal alegação, uma vez que no caso sub judice não está em discussão a dedução do IVA suportado, mas sim a falta de entrega de imposto liquidado, referente a uma comissão de mediação imobiliária.


De facto, o Tribunal não descura que o IVA funciona pelo método indireto subtrativo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respetivos inputs, correspondendo o mesmo a um princípio fundamental do sistema comum do IVA(7), mas a verdade é que, no caso sub judice, não está em causa a análise, donde, aferição se o IVA suportado foi efetivamente deduzido ou se, abstratamente é possível tal dedução, pelo que, como é bom de ver, não releva para o efeito aquilatar de qualquer violação do artigo 19.º do CIVA, o qual se reporta exclusivamente ao direito à dedução.


No concernente ao ponto 9 das conclusões das alegações de recurso, concatenado com o vício de violação de lei por caducidade do direito à liquidação do imposto, compulsado o teor da petição inicial verifica-se que a Recorrente nunca arguiu tal vício legal, mais dimanando inequívoco que tal questão não foi objeto de qualquer análise na decisão recorrida.


Dir-se-á, portanto, que a matéria vertida na aludida conclusão não foi alegada em 1ª. Instância, no articulado competente para o efeito, a saber a p.i. É certo que, como bem evidencia a DMMP, se constata que a Recorrente terá feito expressa alusão no seu articulado de alegações escritas ao abrigo do artigo 120.º do CPPT à caducidade do direito à liquidação, porém não sendo a questão da caducidade do direito à liquidação matéria de conhecimento oficioso, cumpriria à Recorrente arguir tal vício no seu articulado inicial, não podendo, ulteriormente, e sem qualquer superveniência sindicar novos vícios ao ato impugnado(8). Adicionalmente, sempre se terá de ter presente que não foi arguida qualquer irregularidade ou mesmo nulidade processual.


Neste particular, atente-se no teor do Aresto do STA, proferido no processo nº 0559/11, de 14 de setembro de 2011, cujo sumário se transcreve:

“ I- A caducidade do direito de liquidação não é de conhecimento oficioso.

II- É na petição inicial que devem ser alegados os factos integrantes da causa de pedir e formulado o pedido que daquela decorre, sendo que os poderes do tribunal estão por tal delimitados, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso.

III- Ainda que o tribunal não esteja submetido à qualificação jurídica que as partes atribuem aos factos articulados, deve o autor na petição inicial invocar todos os factos integradores dos vícios, bem como invocar expressamente os vícios invalidantes do acto impugnado.”

Ora, aqui chegados, como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição(9).


E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pela Recorrente e não sendo, como visto, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.


Assim sendo, constituindo a matéria suscitada pela Recorrente na conclusão 9 do recurso, inquestionavelmente, questão nova, nos termos acima caracterizados, não pode assim ser apreciada.


Destarte, em face de tudo o que vem sendo dito, o ato tributário impugnado não padece de nenhum dos vícios arguidos pela Recorrente, pelo que a sentença que assim o decidiu não padece de qualquer juízo de censura, devendo, por isso, manter-se.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.


Lisboa, 28 de março de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Joaquim Condesso)

(Catarina Almeida e Sousa)







___________________________
(1) António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
(2) Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6280/12, de 16 de abril de 2013.
(3) Vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 484/13.7 TBPVZ.P1, de 27 de março de 2017.
(4) Dada a expressão perentória da lei (através do emprego do adjetivo imediata), não cabe qualquer convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desses ónus.
(5) Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro.
(6) Vide artigos 577.º, nº. 1 al. i), 576.º, nºs. 1 e 2, 578º, 580.º e 581.º todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
(7) vide neste sentido, acórdãos Mahagében e Dávid, C-80/11 e C-142/11; Bonik, C-285/11; e Petroma Transports C-271/12, e demais jurisprudência aí citada, disponíveis em http://curia.europa.eu.
(8) Quanto à possibilidade de modificação da instância em processo tributária, vide, designadamente, o Aresto do STA proferido no processo nº 0150/13, com data de 23 de outubro de 2013.
(9) cfr. Ac. do STA, proferido no processo nº 13331, de 22 de janeiro de 1992; Ac.TCA Sul,2ª. Secção, proferido no processo nº proc.2442/08, de 1 de março de 2011 e Ac.TCA Sul-2ª. Secção, processo nº 6817/13, de 9 de julho de 2013.