Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:238/06.7BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMI,
CLÁUSULA DE SALVAGUARDA
Sumário:A cláusula de salvaguarda prevista no art. 25.º do DL 287/2003, de 12 de dezembro, diploma que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, não é aplicável quando aumento de coleta do prédio deriva da revogação do regime do art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho (operada pelo art. 31.º, n.º 2, daquele diploma) que estabelecia um regime de suspensão da revisão de avaliações cadastrais.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

M... e M..., com os demais sinais nos autos, vêm recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra o acto de liquidação do Imposto Municipal sobre Imoveis, referente ao ano de 2005 e respeitante ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo nº002...., da Freguesia de Montoito, Concelho de Redondo.

As Recorrentes apresentaram as suas alegações e, após convite ao aperfeiçoamento, formulam as seguintes conclusões:
«1. Em 1994, com base no novo cadastro geométrico do concelho de Redondo, o prédio rústico em causa nos autos foi objecto de reavaliação do valor patrimonial, tal como os demais prédios rústicos do mesmo concelho, e em 1995 entraram em vigor os novos valores patrimoniais resultantes da revisão da avaliação cadastral.

2. De 1995 a 2004, o prédio estava inscrito na matriz sob o artigo 002.0....da freguesia de Montoito do concelho de Redondo, tinha uma área total de 956,0000 hectares e o seu Valor Patrimonial tributário (VP) era de € 2.168.984,65.

3. Em 2005, em virtude da mera desanexação de uma parcela com 9,6000 hectares, anexada a prédio rústico contíguo, o referido prédio passou a ter uma área de 946,4000 hectares, com idêntica composição de culturas, e o seu VP foi reduzido em conformidade, passando de € 2.168.984,65 para € 2.132.725,20.

4.Na sequência do processo de desanexação/anexação ocorrido em 2005, foram alterados os números das matrizes correspondentes aos prédios envolvidos e o prédio em apreço passou a estar inscrito na mesma matriz sob o artigo 002.....

5. De 1995 a 2004 o dito VP de €2.168.984,65 não foi considerado para efeitos de incidência de Contribuição Autárquica (CA) e, depois, de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), sendo em seu lugar devidamente considerado o VP de €66.193,08 (cf. art.5º da Lei nº36/91, de 27-07, e art.25º do Dec.-Lei nº287/2003, de 12-11).

6. Quanto a 2005, porém, surpreendentemente, o valor considerado para incidência de IMI passou a ser o VP do prédio após a mencionada desanexação (€2.132.725,20), não tendo sido aplicado, desde 2005, o regime de salvaguarda previsto no art.25º, nº1, do citado Dec.-Lei n.º287/2003, o que motivou a impugnação oportunamente deduzida pelas ora recorrentes quanto ao acto tributário de liquidação referente a 2005.

7. A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de impugnação porque, no entender do tribunal a quo, em resumo, a cláusula de salvaguarda prevista no artº25º do Dec.-Lei nº287/2003 é apenas aplicável aos prédios urbanos e porque não teria existido violação do princípio da igualdade. Contudo,

8. O acto tributário de liquidação de IMI impugnado é nulo, por violar o princípio da igualdade (cf. art.161º, nº2, d), do CPA, aplicável por força do artigo 2º, cf), do CPPT e arts.13º e 104º, nº3, da CRP) e, em consequência, deve ser declarado nulo. Na verdade,

A) Documentos juntos aos autos pela própria Autoridade Tributária (cf. fls. 143 ss., maxime a listagem de fls.146 ss.) evidenciam que o VP de cada um dos 2859 prédios rústicos existentes no concelho de Redondo em 2002 (valor para efeitos de incidência de imposto, determinado com observância de limitação imposta por cláusula de salvaguarda) não sofreu qualquer alteração em 2003, ou seja, não sofreu alteração após a entrada em vigor do CIMI, pelo que esta entrada em vigor não afastou a aplicação de cláusula de salvaguarda a tais prédios rústicos.
B) Os mesmos documentos evidenciam até que 292 prédios rústicos existentes em 2002 foram reavaliados em 2003 e que, após esta reavaliação, todos esses 292 prédios, sem qualquer excepção, mantiveram o valor tributável igual ao de 2002. Assim, mesmo relativamente aos prédios rústicos do concelho de Redondo reavaliados após a entrada em vigor do CIMI, não foi alterado o valor tributável para efeitos de base de incidência de imposto, o qual havia sido fixado tendo em consideração as mencionadas cláusulas de salvaguarda.
C) Em suma, relativamente aos prédios rústicos do concelho de Redondo em situação substancialmente idêntica, quer aos avaliados anteriormente à entrada em vigor do CIMI, quer aos avaliados após esta entrada em vigor, aplicaram-se sempre as cláusulas de salvaguarda sucessivamente previstas na lei (art.5º da Lei nº36/91 e art.25º do Dec.-Lei nº287/2003), constituindo o prédio rústico em causa nestes autos a única excepção (com referência a 2005). Ora,
D) Não se vislumbra qualquer fundamento objectivo e razoável, constitucionalmente válido, para justificar que somente a um prédio rústico avaliado em 1994/1995, e nem sequer reavaliado na vigência do CIMI, seja aplicável, para efeitos de base de incidência de lMl, quanto a 2005, o valor patrimonial resultante da dita avaliação, sem atender à cláusula de salvaguarda legalmente prevista, e que para todos os restantes prédios rústicos situados no mesmo concelho (tenham ou não tenham sido reavaliados na vigência do CIMI) seja aplicada a cláusula de salvaguarda.

Sem nada conceder

9. O acto tributário de liquidação de IMI impugnado é anulável, por violar a norma do art.25º, nº1 do Decreto-Lei nº287/2003, que aprovou o CIMI (e o disposto no art.103º, nºs 2 e 3, da CRP), e em consequência deve ser anulado. Com efeito,
A) O CIMI deixou de remeter para a aprovação do Código das Avaliações, mas não criou qualquer conjunto de regras para definir o VP dos prédios rústicos, limitando-se, no tocante a estes, a remeter para a velha metodologia (do tempo do CCPIIA) do rendimento colectável do prédio. Assim, nada fez para colmatar «as extremas desigualdades de tratamento» na tributação dos prédios rústicos, razão pela qual, considerando o elemento histórico de interpretação da lei, é inquestionável que o regime de salvaguarda previsto no citado art.25º terá de aplicar-se aos prédios rústicos, pois os motivos que historicamente estiveram na génese da criação da cláusula de salvaguarda mantêm-se plenamente válidos na vigência do CIMI.
B) As extremas desigualdades de tratamento, resultantes da metodologia de determinação do VP dos prédios rústicos, estão na génese da mens legislatoris que determinou a existência de cláusulas de salvaguarda, quer no âmbito da vigência do CCA quer no âmbito da vigência do CIMI (conforme se evidencia expressamente in Ciência e Técnica Fiscal nº397, pág. 192, e no preâmbulo do próprio CIMI), pelo que é inquestionável a racionalidade subjacente à génese da norma ora interpretada; ademais, o preâmbulo do CIMI refere-se à «equidade» como um «dos principais objectivos a alcançar», designadamente através da redução dos limites das taxas, «0,8%» quanto aos prédios rústicos [art.112º, nº1, a)], «e do estabelecimento de limites ao aumento da colecta, por forma a que não ocorra (...) um agravamento exagerado e abrupto do imposto a pagar».
C) Sob o ponto de vista do enquadramento sistemático, o CIMI aplica-se a todos os prédios (rústicos e urbanos - cf. art.1º do CIMI), pelo que o regime transitório consagrado no regime (ou cláusula) de salvaguarda previsto no art.25º, nº1, do diploma que aprovou o CIMI (Dec.-Lei nº287/2003), terá forçosamente que ser aplicável a rústicos e urbanos, não só porque o legislador, no texto da norma, não restringiu o seu âmbito de aplicação, com também porque não faz qualquer sentido, pelos motivos históricos e teleológicos acima descritos, restringir a aplicação da norma aos prédios urbanos.
D) Quanto à letra da lei, o art.25º, nº1, do Dec.-Lei nº287/2003 estabelece: «o aumento da colecta do IMI resultante da actualização dos valores patrimoniais tributários não pode exceder, por prédio, os seguintes valores anuais adicionados à colecta da contribuição autárquica ou do IMI devido no ano anterior ou que o devesse ser, no caso de prédios isentos...». A letra da norma é clara, não sendo necessário recorrer a qualquer interpretação extensiva ou restritiva para concluir que a previsão legal acima transcrita é (também) aplicável ao caso em apreço nos autos.
E) O facto de o prédio ter sido objecto de fraccionamento em 2005, originando novo número de artigo matricial - "novo prédio", na verdade velho, com mera diminuição de área -, em nada afecta a conclusão anterior porque, nos termos do artigo 36º do ClMl: «os prédios resultantes de fraccionamentos ou anexação não são submetidos a avaliação, desde que não tenha havido alterações nas culturas, resultando o seu valor da respectiva discriminação ou da adição do valor das parcelas dos prédios que lhes deram origem», (itálico e sublinhado nossos)
F) Em face do acima exposto, não é possível conceber uma correcta interpretação da lei que afaste a aplicabilidade do citado regime de salvaguarda ao caso em apreço.»

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões invocadas pelas Recorrentes nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir são as seguintes:
_ erro de julgamento porquanto o ato de liquidação é nulo, por violar o princípio da igualdade, nomeadamente o art. 161.º, n.º 2, alínea d) do CPC (conclusões 1 a 8 e respetivas alíneas das alegações de recurso);
_ erro de julgamento porque o ato de liquidação é anulável por violação do disposto no art. 25.º do DL n.º 287/2003 (cf. conclusão 9 e respetivas alíneas).

II. FUNDAMENTAÇÃO
Para conhecimento dos fundamentos do recurso importa ter presente que a decisão recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
«III.I De facto
Com relevância para a decisão da causa, resultaram provados, de toda a prova documental, os seguintes factos:
a) Com data de 10.05.1994, pelo chefe do serviço de finanças de Redondo, foi elaborado edital com o seguinte teor:
…, chefe da repartição de finanças do concelho de Redondo,
Faz saber que no prazo de 30 dias, desde 16 de Maio a 15 de Junho do corrente ano, poderão todos os contribuintes possuidores de prédios rústicos na área deste concelho reclamar, com os fundamentos previstos no art.º269.º n.ºs 1 a 11 do Código da Contribuição Predial e do Imposto S/A Industria Agrícola, dos elementos do novo cadastro geométrico deste concelho.
Para que chegue ao conhecimento de todos, passou-se o presente edital e outros de igual teor que vão ser afixados nos lugares públicos do costume.
(…); Cfr doc de fls 6 do PA

b) Em 06.12.1995, foi publicado em diário da república uma declaração do sub- director-geral dos impostos com o seguinte teor:
Para os devidos efeitos se declara que, por despacho do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 14-11-95, foi determinado que, a partir de 31-12-95, entrem em vigor os novos valores tributáveis resultantes da revisão dos elementos da avaliação cadastral nos concelhos de Constância, Alandroal, Redondo, Mourão e Alpiarça.” Cfr doc de fls 3 do PA

c) A titularidade do prédio rústico inscrito sob o artigo matricial nº002.0… da Freguesia de Montoito, Concelho de Redondo, encontrava-se inscrita, para efeitos fiscais, em nome de M..., de J..., e de M..., na proporção de 1/3 para cada um dos seus titulares; Cfr doc de fls 18 a 25 do PA

d) O prédio rústico inscrito sob o artigo matricial n.º002.0..., denominado “Herdade da M... …”, tinha uma área de 956,0000 ha, e uma renda fundiária de 21 742 119$00 (€108 449,23); Cfr doc de fls 18 a 25 do PA

e) Em 1992 o valor patrimonial daquele prédio, era, de acordo com os elementos da respectiva matriz, de 434 842 380$ (€ 2 168 984,65); Cfr doc de fls 18 do PA

f) Em 1995, o valor patrimonial daquele prédio, de acordo com as indicações da respectiva matriz predial foi corrigido nos termos do artº5º da Lei 36/91, para 13 270 522$ (€ 66 193,08); Cfr doc de fls 18 do PA

g) Com data de 23.04.2004, J..., J..., A..., M..., e M..., dirigiram ao presidente do Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica requerimento cujo teor consta de fls 14 e 15 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual concluíram nos seguintes termos:
“(…)
Requerem respeitosamente a V.Excia se digne autorizar a troca de 10 ha da Herdade da M... de Baixo, a anexar à Herdade da C..., por 15 ha das Herdades do Z..., G..., C..., a anexar ao M..., nos locais indicados nos mapas anexos.; Cfr doc de fls 14 e 15 do PA

h) Em 07.09.2004, através de escritura lavrada no Cartório Notarial de Alenquer, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi contratada uma permuta entre J..., A..., M... e J... como primeiros outorgantes, e M..., como segunda outorgante; Cfr doc de fls 9 a 13 do PA;

i) Através daquele contrato a segunda outorgante deu aos primeiros uma parcela de terreno com a área de cem mil metros quadrados a desanexar do seu prédio rústico designado Herdade da M..., freguesia de Montoito, concelho de Redondo, …, inscrito na matriz predial rústica sob parte do artigo ...2.0000…, destinada a emparcelamento na parte rústica do prédio misto confinante, pertencente aos primeiros, …, denominado C..., freguesia de Montoito, concelho de Redondo, …, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 004.02..., …; Cfr doc de fls 9 a 13 do PA

j) Em 18.01.2005, deu entrada no serviço de finanças de Redondo, requerimento com o seguinte teor:
“D..., casado, …, gestor de negócios de J..., A..., M... e J..., vem requerer a V.ª Ex.ª que, pelos respectivos serviços, seja anexado ao prédio rústico inscrito sob o artigo 004.0..., da Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, uma parcela de terreno rústico com a área de cem mil metros quadrados a desanexar do prédio rústico inscrito sob parte do artigo 002.0... da Freguesia de Montoito, concelho de Redondo, ficando o novo prédio com a área de nove milhões setenta e um mil cento e cinquenta metros quadrados.” Cfr doc de fls 7 do PA

k) Com data de 04.05.2005, pelos serviços do Instituto Geográfico Português, no âmbito de processo com o nº2/05, foi emitido Parecer ao abrigo do artigo 133º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º287/2003 de 12 de Novembro, com o seguinte teor:
“PARECER TÉCNICO: Através de presente processo é solicitado o destaque de uma parcela com 10,0000 ha do prédio nº2 da secção 002 e a sua posterior anexação ao prédio nº238 da secção 004 de acordo com a escritura de permuta lavrada no cartório notarial de Alenquer em 7/09/04 que se anexa.
Em face do pedido supra, deslocámo-nos ao local e procedemos ao levantamento topográfico conforme demarcação existente.
Esta alteração enquadra-se no nº1 dos Art.ºs 45º e 50º do Dec Lei nº103/90 de 22/3.
Assim sendo procedemos à alteração requerida na matriz cadastral de acordo com os Art.ºs 97º e 99º do CIMI; Cfr doc de fls 16 do PA

l) Na sequência do processo 2/05, o prédio inscrito sob o artº002.0... na matriz cadastral da Freguesia de Montoito, concelho de redondo foi eliminado, constando da respectiva matriz predial o seguinte:
“ELIMINADO
PARTE DESTE PRÉDIO DEU ORIGEM AO PRÉDIO N.º3 A OUTRA PARTE JUNTAMENTE COM O PRÉDIO N.º238 DA SECÇÃO 004 DEU ORIGEM AO PRÉDIO N.º 242 SEC 04”; Cfr doc de fls 26 do PA

m) O prédio rústico inscrito em nome de M..., de J... e de M... na matriz cadastral da Freguesia de Montoito, Concelho de Redondo sob o artigo 002...., com uma área de 946,4000, tem uma renda fundiária de 106 647,06, um valor patrimonial de € 2 132 725,20 desde 2005, e resultou da divisão do prédio nº2; Cfr doc de fls 27 a 33 e 38 do PA

n) Em 01.03.2006, foi emitido o documento de cobrança n.º2005 23…, no valor de €3.044,36, referente ao valor do IMI do ano de 2005, 1.ª prestação, e ao sujeito passivo M...; Cfr doc 5 junto com a petição inicial;

o) Nesse valor foi incluído o IMI referente ao prédio rústico 00003…tendo por referência um valor patrimonial de €710.908,40, do qual resultou uma colecta anual de € 5.687,27; Cfr doc 5 junto com a petição inicial;

p) A totalidade do valor daquele documento de cobrança foi paga em 02.05.2006; Cfr doc 5 junto com a petição inicial

q) Em 01.03.2006, foi emitido o documento de cobrança n.º2005 182..., no valor de €3.131,38, referente ao valor do IMI do ano de 2005, 1.ª prestação, e ao sujeito passivo M...; Cfr doc 6 junto com a petição inicial;

r) Nesse valor foi incluído o IMI referente ao prédio rústico 00003-… tendo por referência um valor patrimonial de €710.908,40, do qual resultou uma colecta anual de € 5 687,27; Cfr doc 5 e 8 juntos com a petição inicial;

s) A totalidade do valor daquele documento de cobrança foi paga em 02.05.2006; Cfr doc 6 junto com a petição inicial

t) Em 06.04.2006, foi emitido o documento de cobrança n.º2005 351…, no valor de €3.029,62, referente ao valor do IMI do ano de 2005, 2.ª prestação, e ao sujeito passivo M...; Cfr doc 1-A junto com a petição inicial, a fls 91;

u) Nesse valor foi incluído o IMI referente ao prédio rústico 00003-… tendo por referência um valor patrimonial de €710.908,40, do qual resultou uma colecta anual de € 5 687,27; Cfr doc 5 junto com a petição inicial;

v) Em 25.10.2006, no âmbito do processo nº0965200…, em nome de M..., foi efectuado o pagamento de €3.099,83, referente ao documento 171606001943196; Cfr. doc 1-B a fls 92 dos autos

w) Em 05.04.2006, foi emitido o documento de cobrança n.º2005 350…, no valor de €3.116,63, referente ao valor do IMI do ano de 2005, 2.ª prestação, e ao sujeito passivo M...; Cfr. doc 2-A junto com a petição inicial, a fls 93;

x) Nesse valor foi incluído o IMI referente ao prédio rústico 00003… tendo por referência um valor patrimonial de €710.908,40, do qual resultou uma colecta anual de € 5 687,27; Cfr doc 2-A junto com a petição inicial, a fls 93;

y) Em 25.10.2006, no âmbito do processo nº0965200601…, em nome de M..., foi efectuado o pagamento da importância de €3.187,71, referente ao documento 171206001943184; Cfr doc 1-B a fls 92 dos autos

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Motivação da decisão sobre a matéria de facto

A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada, baseou-se na análise crítica ao conjunto dos documentos constantes dos autos e do PA, não impugnados por nenhuma das partes, tal como se foi fazendo referência em cada uma das alíneas antecedentes.»
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Conforme resulta dos autos o Meritíssimo Juiz do TAF de Beja julgou improcedente a impugnação judicial.

Os Recorrentes não se conformam com o decidido e invocam, desde logo, erro de julgamento porque o ato de liquidação é anulável por violação do disposto no art. 25.º do DL n.º 287/2003 (cf. conclusão 9 e respetivas alíneas). Entendem os Recorrentes que a liquidação é ilegal ao não ter aplicado a cláusula de salvaguarda, cujo âmbito de aplicação abrange quer os prédios urbanos, quer os prédios rústicos.

Apreciando.

In casu, resulta dos factos provados que o prédio em causa é um prédio rústico que resulta de uma desanexação em 2005, face às operações de divisão e de permuta de parcelas de prédios entre a Impugnante e os demais permutantes, e que originou a alteração da matriz cadastral nos termos do art. 97.º e 99.º do CIMI. Antes da desanexação da parcela de terreno que vem dar origem ao prédio, o seu valor patrimonial era o que havia sido fixado 1995 por força de um processo de revisão dos elementos da avaliação cadastral geral do concelho (cf. alíneas a) e b) dos factos provados).

Ora, antes da desanexação, para efeitos da tributação do prédio original em sede de Contribuição Autárquica aplicava-se o art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho que estabelecia um regime de suspensão da revisão de avaliações cadastrais quando desta resultasse um aumento do valor tributável superior a 100% ao valor patrimonial inscrito na matriz reportado a 31 de dezembro de 1989 (n.º 1), cujos efeitos se produziriam relativamente à Contribuição Autárquica dos anos de 1990 e seguinte (n.º 2). Mais se estabelecia que as avaliações cadastrais que implicassem a atualização para valores superiores aos referidos no n.º 1 só deviam ser consideradas no âmbito da disciplina a definir pelo Código das Avaliações (n.º 3).

Deste modo, desde a avaliação cadastral ocorrida em 1995 que o prédio originário beneficiava do regime de suspensão da revisão de avaliações cadastrais previsto no art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho, estando a ser tributado com base no valor de 66.193,08€, cuja renda fundiária era de 2.168.984,65€.

Sucede que, após a alteração da matriz cadastral em 2005, derivada da desanexação da parcela de terreno, o prédio em causa nos autos deixou de beneficiar de tal regime, passando a ser tributado considerando o valor patrimonial de 2.132.941,20€.

Ora, efetivamente o regime do art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho foi revogado pelo art. 31.º, n.º 2, do DL 287/2003, de 12 de dezembro.

Contudo, a questão que se coloca é a de saber se no caso dos autos, considerando a factualidade dada como prova, é ou não de aplicar a cláusula de salvaguarda prevista no art. 25.º do DL 287/2003, de 12 de dezembro, porquanto é com base na tese de aplicação deste regime jurídico que os Recorrentes sindicam a ilegalidade da liquidação.

Dispõe o art. 25.º Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, na sua versão originária, o seguinte:

“1 - O aumento da colecta do IMI resultante da actualização dos valores patrimoniais tributários não pode exceder, por prédio, os seguintes valores anuais adicionados à colecta da contribuição autárquica ou do IMI devido no ano anterior ou que o devesse ser, no caso de prédios isentos:
Ano de 2004 - (euro) 60;
Ano de 2005 - (euro) 75;
Ano de 2006 - (euro) 90;
Ano de 2007 - (euro) 105;
Ano de 2008 - (euro) 120.
2 - A limitação prevista no número anterior não se aplica aos prédios avaliados, no período temporal aí referido, com aplicação das regras de avaliação previstas nos artigos 38.º e seguintes do CIMI.
3 - Findo o período transitório previsto no n.º 1, será fixada uma nova cláusula de salvaguarda referente ao excedente do aumento da colecta para os prédios cuja actualização não seja concluída durante o referido período transitório.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos prédios que sejam propriedade das entidades referidas no n.º 3 do artigo 112.º do CIMI.”


Portanto, este preceito legal estabelece uma cláusula de salvaguarda, limitando o aumento da coleta do IMI, “por prédio”, quando aquele aumento resulte da atualização dos valores patrimoniais tributários.

De acordo com o que resulta do processo administrativo em apenso, conjugado com a contestação da Fazenda Pública, a não aplicação daquela cláusula de salvaguarda como pretendem os Recorrentes, nada tem a ver com a natureza rústica do prédio da Impugnante, mas tão-somente de não ter havido no caso concreto uma atualização dos valores patrimoniais tributários, como é pressuposto para a aplicação do regime transitório do art. 25.º.

Ora, a verdade é que a cláusula de salvaguarda prevista no art. 25.º do DL n.º 287/2003, de 12 de novembro, não pode ser acionada in casu, porque a “atualização dos valores patrimoniais tributários” referido naquela norma refere-se exclusivamente aos aumentos de coleta em virtude da atualização dos VPT resultantes da aplicação das regras de direito transitório consagradas no Decreto Lei n.º 287/2003.

Efetivamente, é esse o âmbito de aplicação daquele normativo, tal como se entendeu no acórdão do STA de 08/11/1917, proc. n.º 01161/15, que aqui também sufragamos:

“2.2.3 DA APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE SALVAGUARDA PREVISTA NO ART. 25.º DO DECRETO-LEI N.º 287/2003, DE 12 DE NOVEMBRO
Como resulta do que deixámos dito, a sorte do recurso joga-se em torno da interpretação do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, diploma que procedeu à reforma da tributação do património – cujo paradigma se alterou radicalmente, deslocando-se a incidência do imposto sobre o património do rendimento real ou potencial dos imóveis para o valor de mercado do prédio, que se considerou ser o que melhor traduz a riqueza do património –, o que pressupôs uma avaliação geral de toda a propriedade imobiliária em obediência a critérios eminentemente objectivos.
Perante a manifesta impossibilidade de proceder a essa avaliação geral previamente à reforma da tributação do património ou em simultâneo com esta, o legislador optou por um regime dual: o sistema de avaliações novo aplicar-se-ia apenas aos prédios novos – pelo que o sistema de avaliações entrou em vigor no dia seguinte ao da publicação do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que aprovou a reforma no que respeita ao sistema de avaliações prediais do CIMI –, ou seja, a todos os prédios omissos à matriz cuja declaração de prédio novo fosse entregue após essa data, bem como àqueles que, não estando nessa situação, viessem a ser transmitidos após a entrada em vigor do Código do IMI ou do IMT; quanto aos prédios já inscritos na matriz, enquanto não fossem objecto da avaliação a efectuar nos termos dos arts. 38.º e seguintes do CIMI (por força de uma primeira transmissão ocorrida após a entrada em vigor da reforma ou da concretização da avaliação geral, como resulta dos n.ºs 1 e 4 do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003), fixou-se um regime transitório de avaliação dos valores patrimoniais, de acordo com o previsto nos arts. 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003.
Por essa razão, pode dizer-se que o IMI nasceu com dois regimes de valor tributável diferentes: um aplicável aos prédios avaliados nos termos do novo sistema de avaliações; o outro, transitório, aplicável aos prédios já inscritos na matriz (e até que tenha lugar a avaliação geral ou a avaliação na sequência da primeira transmissão após a reforma), sendo este último, por seu turno, subdividido em dois regimes, consoante os prédios estivessem ou não arrendados, como resulta do disposto nos arts. 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 287/2003.
Entendeu ainda o legislador determinar, no art. 21.º do referido Decreto-Lei, que «[o]s valores patrimoniais tributários resultantes das correcções efectuadas, nos termos dos artigos 16.º, 17.º, n.º 1, e 19.º, entram em vigor em 31 de Dezembro de 2003», permitindo, assim, que a tributação em IMI do ano de 2003, a pagar em 2004, fosse efectuada com base nesses valores.
De acordo com o referido regime transitório, os prédios urbanos não arrendados inscritos na matriz em data anterior à entrada em vigor da reforma viram o seu VPT actualizado mediante a aplicação de factores de correcção em função da desvalorização monetária, expurgados das actualizações gerais ocorridas entre 1970 e 2003, factores esses que foram aprovados pela Portaria n.º 1337/2003, de 5 de Dezembro. Porque estes poderão implicar um aumento de 44,21 para o valor patrimonial de imóveis anteriores a 1970 (cfr. n.º 2 do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 287/2003), prevenindo a eventualidade de daí resultarem aumentos enormes de colecta do IMI (Apesar de as taxas para os prédios ainda não avaliados, cujos VPT foram sujeitos a actualização por aplicação dos referidos coeficientes, serem inferiores às taxas aplicáveis aos prédios avaliados, como resulta do art. 112.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CIMI, na sua redacção inicial.), o legislador entendeu fixar uma norma de salvaguarda no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, cujos primeiros três números, na sua redacção inicial dispunham: (…)
Ou seja, «[a] solução encontrada para que a actualização dos valores patrimoniais dos prédios inscritos nas matrizes não se traduzisse em aumentos avultados, com impacto negativo no acolhimento da reforma e que, nalguns casos, poderia traduzir-se em aumentos do IMI a pagar em cerca de 15 vezes mais, comparativamente com a contribuição autárquica relativa a 2002, consistiu em limitar esse aumento aos valores indicados neste artigo» (Cfr. SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, Os impostos sobre o Património Imobiliário, Engifisco, 2005, pág. 74.).
Ou seja, o legislador entendeu estabelecer uma cláusula de salvaguarda que fez com que os aumentos que poderiam ter efeitos bastante fortes caso se produzissem todos de uma única vez, fossem diluídos no tempo mediante a fixação de um aumento máximo por prédio e por ano, visando que o impacto da actualização fosse gradual. Por isso, estabeleceu que o aumento da colecta de IMI, quando excedesse o montante da colecta de CA do ano de 2002, não pudesse ultrapassar, relativamente a esta, os seguintes valores: € 60 no ano de 2004; € 135 (€ 60 + € 75) no ano de 2005; € 225 (€ 60 + € 75+ € 90) no ano de 2006; € 330 (€ 60 + € 75 + € 90 + € 105) em 2007 e € 450 (€ 60 + € 75 + € 90 + € 105 + € 120) em 2008. «Uma vez que se trata de valores acumulados, em 2008 os prédios que tiveram maiores aumentos de valor pagarão mais 450 € do que pagaram em 2003.
Como, nalguns casos, este acréscimo não deverá ainda ter absorvido todo o aumento de IMI decorrente da actualização de valores patrimoniais, prevê-se que nessa altura seja legalmente fixado um novo regime de salvaguarda para continuar o gradualismo aqui previsto e que foi uma das linhas fundamentais desta reforma» (Idem, págs. 74/75.). Na verdade, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2008), veio dar nova redacção ao n.º 1 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, estendendo o regime de salvaguarda até ao ano de 2011 ( Note-se que deixou de fazer sentido estender a salvaguarda para além de 2011, uma vez que a Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro, através dos seus arts. 5.º e 6.º, aditou ao Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, os arts. 15.º-A a 15.º-P, estabelecendo a avaliação geral dos prédios urbanos que em 1 de Dezembro de 2011 ainda não tinham sido avaliados nos termos do CIMI e em relação aos quais não tivesse sido iniciado procedimento de avaliação, nos termos do mesmo Código, tudo em ordem a concluir a reforma dos impostos sobre o património imobiliário urbano através do processo de avaliação geral.).
Como resulta do que vimos de dizer, subscrevemos integralmente a posição assumida na sentença, no sentido de que o funcionamento dessa cláusula de salvaguarda tem «por ponto de partida, necessariamente, um aumento verificado logo em 2004». Na verdade, o regime de salvaguarda aí previsto refere-se a um período iniciado em 2004 e que terminará no ano em que o aumento da colecta de IMI decorrente da actualização do VPT já não exceda os limites fixados no n.º 1 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003. É isso que resulta inequivocamente da conjugação dos n.ºs 1 e 3 do referido art. 25.º.
Assim, podemos desde já concluir que a referida cláusula de salvaguarda não dá abrigo a aumentos de colecta que não os que resultaram das correcções do VPT efectuadas nos termos dos arts. 16.º, 17.º, n.º 1, e 19.º, e que entraram em vigor em 31 de Dezembro de 2003, de acordo com o art. 21.º, todo do Decreto-Lei n.º 287/2003.
Daí a sua inserção sistemática, que foi feita, não no CIMI – como seria a solução mais adequada caso a salvaguarda a consagrar visasse as actualizações previstas no âmbito desse Código –, mas no diploma que aprovou a reforma e, dentro deste, no capítulo III, subordinado à epígrafe «Regime transitório », donde resulta manifesta a intenção legislativa de restringir a salvaguarda às situações de aumento de colecta aí previstas, ou seja, as que resultam das correcções do VPT resultantes da aplicação das regras de direito transitório consagradas no Decreto-Lei n.º 287/2003.
Afigura-se-nos, pois, que não pode integrar-se no âmbito dessa cláusula, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, o aumento de colecta que tenha resultado da actualização do VPT dos prédios ainda não avaliados, efectuada em 2006 e ao abrigo do disposto no art. 138.º do CIMI.
A actualização prevista neste artigo é a expressão de um dos princípios fundamentais que enformam a concepção do sistema de avaliações do CIMI e que fazem parte fundamental das grandes opções da reforma nesta matéria: o princípio da actualização permanente de valores patrimoniais, segundo o qual os VPT os valores patrimoniais tributários de todos os prédios urbanos, são, de forma automática e não dependente de qualquer intervenção legislativa ou regulamentar, actualizados trienalmente, com base em factores correspondentes a 75% dos coeficientes de correcção monetária (Cfr. JOSÉ MARIA PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e Imposto de Selo, págs. 37 e 40.).
Por outro lado, ainda que se conceda que essa actualização opera, não só relativamente aos prédios já avaliados nos termos do CIMI, mas também àqueles cuja avaliação ainda não tivesse sido efectuada (Neste sentido, SILVÉRIO MATEUS e CORVELO DE FREITAS, ob. cit., pág. 302, que afirma: «Quanto aos prédios urbanos não arrendados cujo valor patrimonial foi actualizado ao abrigo do disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, como esse valor foi reportado a 31 de Dezembro de 2003, por força do artigo 21.º do mesmo diploma, a actualização terá lugar com efeitos a 31 de Dezembro de 2006».), não podemos aceitar que essa actualização, ainda que nos casos em que se refira a prédios ainda não avaliados, fique sujeita à salvaguarda prevista no referido art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003.
Nem se pretenda estabelecer qualquer correlação, que a lei não permite, entre o aumento de colecta de IMI determinado por força da actualização do VPT decorrente da aplicação do art. 138.º do CIMI e os aumentos da colecta do IMI acima dos valores máximos fixados no n.º 1 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003. Neste ponto, nem sequer acompanhamos a sentença, pois não vislumbramos como possa considerar-se, mesmo prima facie, que o disposto no n.º 1 deste artigo seja aplicável a um aumento de colecta verificado unicamente em 2006 e por comparação com a colecta do ano de 2005. São espúrias todas as considerações efectuadas relativamente a um eventual excesso dos limites previsto no n.º 1 do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, pois estes, como deixámos ditos, referem-se exclusivamente às situações em que o aumento de colecta de IMI decorra da actualização dos VPT resultantes da aplicação das regras de direito transitório consagradas no Decreto-Lei n.º 287/2003.
Do mesmo modo, é de todo irrelevante o montante do excesso da colecta de IMI de 2006 relativamente ao da colecta de IMI em 2005 ou sequer que o valor da colecta de IMI do ano de 2006 seja superior ou inferior ao da colecta de CA de 2002, pois todos esses elementos em nada podem influir no efeito pretendido. Na verdade, a cláusula de salvaguarda prevista no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, só pode funcionar desde que, para cada prédio ainda não avaliado nos termos do CIMI, a colecta de IMI em 2003 exceda o montante da colecta de CA em 2002 em mais de € 60 e só se manterá em funcionamento enquanto o excesso em cada um dos anos seguintes for superior aos limites fixados no n.º 1 daquele preceito. É esse e só esse o seu âmbito.
No caso sub judice a Recorrente pretende o funcionamento dessa cláusula em condições diversas das legalmente estipuladas e fora do seu âmbito, motivo por que a sua pretensão não pode ser atendida.”


Portanto, aplicando aquela jurisprudência ao caso dos autos, importa concluir que a cláusula de salvaguarda não é aplicável no caso dos autos, porque o aumento de coleta que se verifica derivou da revogação do regime do art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho pelo art. 31.º, n.º 2, do DL 287/2003, de 12 de dezembro. Ou seja, o aumento de coleta verifica-se porque o regime de suspensão da revisão de avaliações cadastrais previsto no art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho, de que o prédio originário beneficiava, deixou de se aplicar.

Como vimos, de acordo com a jurisprudência do STA supra citada, que aqui sufragamos, a referida cláusula de salvaguarda não dá abrigo a aumentos de coleta que não os que resultaram das correções do VPT efetuadas nos termos dos artigos. 16.º, 17.º, n.º 1, e 19.º, e que entraram em vigor em 31 de dezembro de 2003, de acordo com o art. 21.º, todo do Decreto-Lei n.º 287/2003.

Finalmente, refira-se ainda, que não se verifica a violação do princípio da igualdade nomeadamente o art. 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA (conclusões 1 a 8 e respetivas alíneas das alegações de recurso).

Na verdade, sufragamos o entendimento da sentença recorrida, que aqui confirmamos na íntegra:

Da ilegalidade da colecta por violação do princípio da igualdade
Defendem também as Impugnantes que, em face da revogação do art.º 5.º da Lei n.º 36/91 de 27.07, e considerando-se inaplicável aos prédios rústicos o art.º 25.º n.º 1 do D.L. 287/2003 de 12.11, não se deveria ter verificado qualquer aumento da colecta do IMI em questão sob pena de violação do princípio da igualdade proclamado pelo art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa e do art.º 5.º da Lei Geral Tributária.
Isto porque, alegam, “a qualquer sujeito passivo de IMI, relativamente a um prédio com área, composição e localização idênticas às do prédio n.º 002...., mas que não tenha sido objecto de um processo de cadastro, é exigido o pagamento de uma colecta abissalmente inferior àquela cujo pagamento foi exigido aos sujeitos passivos do IMI referente ao dito prédio.”
Por isso, defendem as Impugnantes, “ a administração fiscal procede, sem fundamento válido, a um aumento diferenciado de sujeitos passivos de IMI, referente a prédios idênticos.
Pois, o aumento da colecta baseado na mera verificação de um processo de cadastro, quando deste resulte uma diminuição do valor patrimonial do prédio, além de violar o princípio da legalidade tributária, não corresponde, manifestamente, à apontada exigência do princípio constitucional da igualdade.”
Efectivamente, os princípios gerais são verdadeiros parâmetros de actuação de toda a Administração Pública. Tal decorre, desde logo, da própria Constituição da República Portuguesa (CRP) em cujo art.º 266.º n.º 2 se determina que Os órgão e agentes da administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Bem como do próprio Código do Procedimento Administrativo (CPA) cujo art.º 3.º n.º1 dispõe que Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos, em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos, e o seu art.º 5.º n.º 1.º que Nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, ou condição social.”
Também o art.º 5.º n.º 2 da LGT acolheu expressamente este princípio ao estabelecer que “A tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade e da justiça material.”
Assim, o desrespeito de qualquer acto administrativo, e no caso, de qualquer acto tributário por qualquer desses princípios determinará a sua invalidade, por vício de violação de lei, ordinária e constitucional.
Acontece que a interferência desses princípios gerais no âmbito da actividade administrativa, e portanto a relação que se pode estabelecer entre eles e uma determinada decisão administrativa está dependente da natureza mais ou menos vinculada dos poderes de que essa decisão tenha emanado.
É sabido que os órgãos da Administração Pública só podem actuar com vista à prossecução das atribuições, e dentro dos limites da competência, que lhes forem legalmente atribuídas.
Acontece que o exercício dessas competências nem sempre é definido pela Lei com a mesma amplitude. Em certos casos todos os campos da decisão estão previstos na Lei de forma absolutamente vinculada, e noutros, é o próprio legislador que deixa em aberto certas margens de liberdade na escolha da decisão a tomar pela Administração.
É justamente perante decisões que comportem alguma margem de liberdade de decisão, e dentro dessas margens de liberdade, que emerge a vinculação da Administração Pública aos princípios gerais.
Perante decisões tomadas ao abrigo de poderes totalmente vinculados, é o respeito pelas próprias normas reguladoras da actuação administrativa que define a validade ou invalidade do acto. O acto será legal se praticado de acordo com o que a lei determina e será inválido, por vício de violação de lei, se se afastar dessas determinações.
Ou seja, no âmbito de poderes vinculados, é a própria lei e não os princípios gerais que funcionam como parâmetro de validade da decisão administrativa.
Ora, o acto de liquidação de IMI, como qualquer acto tributário de liquidação é um acto praticado no exercício de poderes essencialmente vinculados.
Na verdade, para além de aspectos como o momento da prática desse acto, a lei não confere à Administração Tributária qualquer margem de liberdade quanto ao conteúdo desse acto.
No que se refere à determinação da matéria colectável ou à definição da taxa aplicável, não tem a Administração Tributária qualquer liberdade de decisão, estando absolutamente vinculada a fazer a liquidação de acordo com aquilo que se encontra pré determinada pela Lei.
Como não tem qualquer liberdade de não proceder a qualquer liquidação se dela resultar qualquer aumento do valor da colecta porque a existir esse aumento ele terá sido consequência de uma opção do próprio legislador, sendo portanto imputável à lei e não ao acto administrativo tributário.
Neste contexto, não se vislumbra sequer que a liquidação em apreço, sendo produto do exercício administrativo de poderes vinculados, pudesse violar directamente o princípio da igualdade, pois a Administração não dispunha de qualquer liberdade para deixar de aplicar o regime resultante do quadro legal em vigor à data do facto tributário.
Mas também ao nível dos factos não se mostra demonstrado qualquer tratamento diferenciado de realidades iguais.
É sabido que o princípio da igualdade apenas proíbe o tratamento diferenciado de situações substancialmente idênticas.
Ora, e para além da hipótese utilizada pelas impugnantes como termo de comparação (vide art.ºs 57º e 58º da sua petição inicial), não ficou demonstrada a existência de qualquer prédio nas mesmas condições do que o prédio n.º 002.... a cuja liquidação de IMI referente a 2005 tivesse sido aplicado um quadro legal diferente.
(…).
Mas, ainda que se verificasse a existência de outros prédios rústicos em que a sua tributação em sede de IMI, eventualmente, não tivesse em conta a revogação do art.º5.º da Lei 36/91 de 27.07, a violação do princípio da igualdade por parte da liquidação ora impugnada, exigiria que se demonstrasse qualquer ilegalidade nesta liquidação e que se demonstrasse a legalidade da liquidação de IMI referente a esses outros prédios, pois o princípio da igualdade pressupõe um tratamento igual dentro da legalidade. Isto é, o respeito pelo princípio da igualdade não confere a nenhum particular o direito a um tratamento de igualdade fora do campo da legalidade, no caso, da legalidade tributária.
Não se vislumbra por isso qualquer ilegalidade da liquidação impugnada por violação do princípio da igualdade.”

Pelo exposto, é de negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
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Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. vencida nesta instância os Recorrentes, estes deram causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, devem ser condenados nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)

A cláusula de salvaguarda prevista no art. 25.º do DL 287/2003, de 12 de dezembro, diploma que aprovou o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, não é aplicável quando aumento de coleta do prédio deriva da revogação do regime do art. 5.º da Lei n.º 36/91, de 27 de julho (operada pelo art. 31.º, n.º 2, daquele diploma) que estabelecia um regime de suspensão da revisão de avaliações cadastrais.




II. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção, da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelos Recorrentes.

D.n.

Lisboa, 24 de junho de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora
Cristina Flora
A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e António Patkoczy