Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:134/17.2BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/28/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:RECURSO DE DECISÃO PROFERIDA POR UM TRIBUNAL ARBITRAL (ARTºS.25, 27 E 28, DO RJAT).
FUNDAMENTOS DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL JUNTO DOS T.C.ADMINISTRATIVOS.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
NULIDADE DA DECISÃO ARBITRAL DEVIDO A VÍCIO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA (CFR.ARTº.28, Nº.1, AL.C), DO RJAT).
T.C.A. SUL NÃO TEM PODERES PARA O CONHECIMENTO DO MÉRITO DE DECISÃO ARBITRAL.
Sumário:1. Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C.P.Civil.
São eles, taxativamente, os seguintes:
a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b-Oposição dos fundamentos com a decisão;
c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;
d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do mesmo diploma.
2. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
3. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma. No processo arbitral tal vício está previsto no artº.28, nº.1, al.c), do RJAT.
4. O T.C.A. Sul não tem poderes para o conhecimento do mérito de decisão arbitral, visto que essa competência, e em moldes muito restritos, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional e ao S.T.A. (cfr.artº.25, do RJAT).
5. Sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o T.C.A. Sul deve apenas declarar a nulidade da sentença e ordenar a devolução do processo para que o Tribunal Arbitral a reforme em consonância com o julgado rescisório do T.C.A. Sul e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito, da qual poderá caber recurso para o Tribunal Constitucional ou S.T.A. nos termos do citado artº.25, do RJAT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“R………, SUCURSAL EM PORTUGAL”, com os demais sinais dos autos, deduziu impugnação de decisão arbitral, ao abrigo dos artºs.26 e 27, do dec.lei 10/2011, de 20/1, dirigida a este Tribunal visando sentença proferida no procedimento arbitral nº.600/2016-T (cfr.cópia da decisão arbitral constante de fls.31 a 40 do processo físico), tendo por objecto o pedido de anulação de actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (I.U.C.) e respectivos juros compensatórios, relativos aos exercícios de 2009 a 2014 e no valor global de € 24.535,19, tendo julgado o mesmo improcedente.
X
O apelante termina as alegações da impugnação (cfr.fls.2 a 17 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
1- Nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, ex vi do artigo 29º nº 1e) do RJAT, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação - atento o princípio da proibição do non liquet (artigos 8º nº 1 do CC e 152º nº 1do CPC);
2-Conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral (RI), a impugnante suscitou no processo arbitral duas questões distintas, de facto e de Direito: situação 1 - a impugnante/requerente, à data da exigibilidade do IUC, já tinha locado os veículos a terceiros (locatários, com opção de compra no final dos contratos de locação); situação 2 - a impugnante/requerente, à data da exigibilidade do IUC, já tinha vendido os veículos;
3-Aliás, como resulta do teor do RI, a impugnante/requerente dedicou capítulos próprios a cada uma destas situações;
4-Conforme resulta do processo arbitral, a impugnante discriminou os veículos e respectivas liquidações de IUC que se enquadravam na situação 1 e os veículos e respectivas liquidações de IUC que se enquadravam na situação 2 referidas no ponto anterior;
5-Tal como resulta do processo arbitral, a impugnante juntou quadro discriminativo das viaturas objecto de contrato de locação financeira ou ALD à data da exigibilidade do IUC, e respectivos documentos de suporte, designadamente os próprios contratos de locação;
6-E juntou quadro discriminativo das viaturas já vendidas à data da exigibilidade do IUC, e respectivos documentos de suporte, designadamente as facturas de venda;
7-Tal como se retira do doc. 7 junto ao RI. a situação 1- veículos locados à data da exigibilidade do IUC - representa a esmagadora maioria das situações em apreciação;
8-Sendo certo que, atento o disposto no artigo 3º nº 1e 2 do CIUC (redacção aplicável), a apreciação de ambas as situações, 1 e 2, era relevante para a decisão de mérito;
9-Com efeito, nos termos da lei, no caso de a liquidação de IUC incidir sobre uma viatura que, à data a que se reporta a liquidação, estiver em regime de locação, o IUC é devido pelo locatário ou "outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação" - e não pelo locador/proprietário;
10-E no caso em concreto praticamente a totalidade viaturas em causa estava precisamente nesta situação - locação financeira ou ALD (com opção de compra) - nas datas a que se reportavam as respectivas liquidações de IUC;
11-Mais precisamente, na esmagadora maioria das situações aqui em questão, à data a que se reportavam as liquidações de IUC a impugnante/requerente era a proprietária das viaturas, mas já as havia locado a terceiros;
12-Ora, analisada a douta decisão arbitral em apreço, constata-se que a mesma não se pronunciou sobre a situação 1 acima referida - ou seja, sobre estes casos, em que as viaturas, à data da exigibilidade do IUC, estavam em regime de locação;
13-A douta decisão arbitral limitou-se a apreciar a situação 2 acima mencionada - ou seja, os casos das viaturas que, à data da exigibilidade do IUC, já tinham sido vendidas;
14-Com efeito, tal como resulta da douta decisão arbitral, esta limitou-se a julgar integralmente improcedentes os pedidos arbitrais tão só porque a requerente não teria provado a venda dos veículos às datas a que se reportam as liquidações de IUC;
15-Ou seja, quanto às liquidações de IUC incidentes sobre viaturas propriedade da impugnante/requerente, mas em regime de locação a favor de terceiros - a esmagadora maioria - a douta decisão arbitral é totalmente omissa;
16-E a pronúncia de mérito sobre essas liquidações e situações não estava prejudicada pela solução dada às demais;
17-O mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação à questão da violação dos princípios do inquisitório e da descoberta verdade material, suscitada pela impugnante/requerente nos pontos 264 a 286 do RI;
18-Com efeito, a impugnante/requerente invocou aí, em suma, que a AT não realizou todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, com a consequente violação dos sobreditos princípios, consignados designadamente no artigo 58º da LGT;
19-Ora, esta questão não foi objecto de qualquer apreciação na douta decisão arbitral aqui impugnada;
20-Sendo certo que essa apreciação não estava prejudicada pela apreciação concretamente feita na douta decisão arbitral;
21-O mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação à ilegalidade dos juros compensatórios (JC), suscitada pela impugnante/requerente nos pontos 287 a 300 do RI;
22-Com efeito, essa questão não foi objecto de qualquer apreciação na douta decisão arbitral aqui impugnada;
23-E essa apreciação não estava prejudicada pela apreciação concretamente feita na douta decisão arbitral;
24-Com efeito, embora os JC sejam acessórios e dependentes do imposto a que respeitam (IUC), no caso concreto a impugnante/requerente imputou aos JC vícios autónomos, independentes da validade das liquidações de IUC;
25-Com efeito, conforme resulta do pedido de pronúncia arbitral, a impugnante suscitou as seguintes questões de direito quanto aos JC: os JC, analisados autonomamente, não seriam devidos, pois padecem, de per si, de vício de violação de lei (artigos 94º do CIRC e 35º da LGT), porquanto a AT não invocou qualquer nexo de causalidade adequada entre o comportamento do contribuinte e o alegado retardamento da liquidação, muito menos a censurabilidade de tal comportamento, a título de dolo ou negligência - aliás inexistente in casu;
26-Ora, analisada a douta decisão arbitral, constata-se que a mesma não se pronunciou sobre estas questões de direito autonomamente suscitadas pela impugnante a propósito dos JC;
27-E a pronúncia de mérito sobre estas questões de direito não estava prejudicada pela solução dada às demais questões;
28-A douta decisão arbitral aqui impugnada padece de nulidade por omissão de pronúncia (cfr. artigos 28º nº 1 c) in fine do RJAT, 125º nº 1 do CPPT, 608º nº 2 e 615º nº 1 d) e nº 2 do CPC, estes por remissão do artigo 29º nº 1 a) e e) do RJAT);
29-Nestes termos, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V. Exas, concedendo provimento à presente impugnação e declarando a nulidade da douta decisão arbitral em apreço, V. Exas, como sempre, farão inteira JUSTIÇA.
X
A entidade impugnada, Autoridade Tributária e Aduaneira, produziu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado (cfr.fls.45 a 48 do processo físico) e sustentando nas Conclusões:
1-A recorrente não tem qualquer razão nos fundamentos que invoca, sendo claro que a decisão arbitral objecto de recurso não padece do alegado vício de omissão de pronúncia;
2-Aliás, o que a A. realmente impugna - não o podendo fazer -, é o sentido da decisão arbitral, que lhe foi desfavorável, procurando, de alguma maneira, para atingir este objectivo, identificar o vício típico que poderia justificar, face à lei, a possibilidade de impugnação da decisão;
3-Não existe qualquer vício de violação do princípio do inquisitório, que aliás é de alegação dificilmente compreensível. As partes tiveram as mesmas oportunidades ao longo de todo o processo, tendo a A. apenas descoberto que existia uma alegada violação do princípio do inquisitório quando foi notificada da decisão desfavorável;
4-É assim evidente que o Tribunal Arbitral explicitou com exactidão todos os fundamentos de facto e de direito da sua decisão, tendo decidido em função de todos os elementos de prova de que dispunha;
5-Todos os factos considerados provados e não provados, bem como os testemunhos prestados, foram devidamente ponderadas na decisão arbitral;
6-A decisão considera que o art.º 3.º, n.º 1, do CIUC, consagra uma presunção ilidível, simplesmente que a A. foi incapaz de fazer a suficiente provar de contrariar os elementos constantes do registo automóvel da propriedade dos veículos em seu favor;
7-Nestes termos, e nos demais que V. Exa. doutamente suprirá, deve ser julgado totalmente improcedente o presente recurso, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade recorrida do pedido.
X
Foi cumprido o artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (“ex vi” do artº.27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1), não tendo o Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitido pronúncia sobre a presente impugnação (cfr.fls.49 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a decidir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
Não tendo havido contestação da matéria de facto nas conclusões da impugnação deduzida, igualmente não se vislumbrando a necessidade de alteração da factualidade constante do probatório, o Tribunal remete para a decisão arbitral impugnada, a qual julgou provada/não provada e fundamentou a matéria de facto inserta a fls.35-verso e 36 do processo físico e se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr.artº.663, nº.6, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.29, nº.1, al.e), do dec.lei 10/2011, de 20/1).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, o Tribunal Arbitral julgou totalmente improcedente a petição que originou o procedimento arbitral, em consequência do que não atendeu o pedido de anulação dos actos tributários objecto do pedido arbitral.
X
Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, “ex vi” dos artºs.140, do C.P.T.A., e 27, nº.2, do dec.lei 10/2011, de 20/1).
O impugnante dissente do julgado alegando, em síntese, que a decisão arbitral é nula por omissão de pronúncia. Que o impugnante suscitou no processo arbitral quatro questões distintas, sendo que a primeira se refere à exigibilidade do IUC, quando já tinha locado os veículos a terceiros (locatários, com opção de compra no final dos contratos de locação). Que a segunda se reconduz à exigibilidade do IUC, quando já tinha vendido os veículos a terceiros. Que a terceira questão se expressa na violação dos princípios do inquisitório e da descoberta verdade material por parte da A. Fiscal e no âmbito do procedimento que levou ao indeferimento da reclamação graciosa. Que o Tribunal Arbitral Singular não justificou a razão, ou as razões, que o levaram a não conhecer das primeira e terceira questões acabadas de identificar. Que não são questões cuja resolução tivesse ficado prejudicada. Que, igualmente, se verifica omissão de pronúncia face à aduzida ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios. Que a sentença arbitral ora colocada em crise deve ser declarada nula (cfr.conclusões 1 a 28 da impugnação). Com base em tal argumentação pretendendo assacar à decisão arbitral recorrida o vício de omissão de pronúncia previsto no artº.28, nº.1, al.c), do dec.lei 10/2011, de 20/1 (RJAT).
Analisemos se a decisão recorrida sofre de tal pecha.
Em sede de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, o qual foi introduzido pelo dec.lei 10/2011, de 20/1 (R.J.A.T.), os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.
São eles, taxativamente, os seguintes:
1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
2-Oposição dos fundamentos com a decisão;
3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.
E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.).
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
No regime de arbitragem voluntária em direito tributário, a nulidade da decisão arbitral derivada do vício de omissão de pronúncia está consagrada no artº.28, nº.1, al.c), do R.J.A.T. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/06/2014, proc.7084/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/03/2016, proc.8981/15).
Revertendo ao caso dos autos, defende o impugnante que a decisão arbitral omitiu pronúncia sobre as seguintes questões:
1-A exigibilidade do IUC, quando já tinha locado os veículos a terceiros (locatários, com opção de compra no final dos contratos de locação);
2-A violação dos princípios do inquisitório e da descoberta verdade material por parte da A. Fiscal e no âmbito do procedimento que levou ao indeferimento da reclamação graciosa.
Efectivamente, do exame do requerimento inicial do processo arbitral, junto a fls.3 a 115 da cópia do processo junta em CD anexo, verifica-se que:
1-Nos artigos 38 a 57 do articulado inicial a impugnante autonomizou devidamente a diferença entre os casos de locação de veículos e os casos de venda dos veículos, para daí retirar diferentes consequências jurídicas em sede de liquidação de IUC;
2-Por sua vez, nos artigos 264 a 286 do articulado estrutura como fundamento de anulação dos actos tributários a alegada violação dos princípios do inquisitório e da verdade material por parte da A. Fiscal (e estamos perante verdadeiras questões, que não perante meros argumentos).
Do exame da decisão arbitral objecto da presente impugnação (cfr.cópia junta a fls.31 a 40 do processo físico), deve concluir-se que na fundamentação de direito de tal peça processual não se faz qualquer referência, e muito menos se examina e decide, as mencionadas questões suscitadas pelo impugnante e causa da alegada omissão de pronúncia, sendo que o conhecimento das mesmas não se encontra prejudicado pela resolução das demais questões examinadas pelo Tribunal Arbitral.
Mais se dirá que a nulidade em análise abrange toda a decisão arbitral recorrida e contende com o seu segmento decisório.
Aqui chegados, deve recordar-se que o T.C.A. Sul não tem poderes para o conhecimento do mérito da decisão arbitral, visto que essa competência, e em moldes muito restritos, pertence exclusivamente ao Tribunal Constitucional e ao S.T.A. (cfr. artº.25, do RJAT; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc.8224/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/10/2015, proc.8101/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/10/2016, proc.9711/16; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seg.).
Assim, sendo procedente a impugnação de uma decisão arbitral, o T.C.A. Sul deve apenas declarar a nulidade da sentença e ordenar a devolução do processo para que o Tribunal Arbitral a reforme em consonância com o julgado rescisório do T.C.A. Sul e, eventualmente, profira nova decisão sobre o mérito, da qual poderá caber recurso para o Tribunal Constitucional ou S.T.A. nos termos do citado artº.25, do RJAT (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, proc.8224/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/10/2015, proc.8101/14), no caso concreto, prejudicado ficando o conhecimento do restante fundamento da impugnação.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se procedente a presente impugnação e, em consequência, declara-se a nulidade da decisão arbitral recorrida, ao abrigo do artº.28, nº.1, al.c), do RJAT, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, DECLARAR NULA A DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA NO PROCESSO Nº.600/2016-T E ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA.
X
Sem custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 28 de Março de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)



(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)