Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:270/20.8BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR;
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA;
(NÃO) FUMUS BONI IURIS.
Sumário:i) O juízo que é exigido ao juiz cautelar é um juízo perfunctório – pouco profundo; superficial -, acerca do fumus boni iuris entendido este como a probalidade de sucesso do Requerente, perante a imputação de concretos vícios ao ato suspendendo, em sede de processo principal.
ii) Pelo que, pese embora em sede de juízo perfunctório o tribunal a quo tenha concluído pela sua não probabilidade de sucesso, a tal não obsta que em sede de ação principal o Requerente e ali A., se proponha a requerer todos os meios de prova que se revelem adequados para infirmar tal conclusão e a provar o que defende.
iii) Nos termos do art. 118.º, n.º 3, do CPTA, não obstante o juiz poder ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não é admissível a prova pericial em sede cautelar.
iv) Dos autos resulta que seria essa, e não a prova testemunhal, a prova adequada a por em causa os juízos técnicos que suportaram as conclusões da vistoria efetuada e, bem assim, quanto à (im)possibilidade de cumprir o prazo de 30 dias fixado para a realização das obras.
v) A decisão recorrida mostra-se adequadamente fundamentada, quer no momento em que prescindiu da prova testemunhal requerida, quer no momento em se pronunciou sobre os concretos vícios imputados ao ato suspendendo, concluindo pela inexistência de fumus boni iuris.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A A................ – A….., A., veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 08.07.2020, que julgou improcedente o pedido cautelar, por falta de verificação do pressuposto do fumus boni iuris, perspetivando no caso fumus malus iuris, nos termos do disposto no artigo 120.°, n.° 1, 1.a parte do CPTA, que havia interposto contra o Município de Cascais.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

«(…) 1a. O artigo 392° do C. Civil prevê que a prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada; - Cf. texto supra n.°s i. a xix;

2a O despacho e sentença de 08.07.2020, ao impedir a produção de prova testemunhal e declarações de parte, impedindo a recorrente de fazer valer os seus direitos e demonstrar as suas pretensões quanto à verificação do requisito do fumus boni iuris, bem como a realização de uma audiência para que tivesse contacto direto com a prova produzida, violaram o princípio da igualdade e do contraditório, no plano da prova e, em consequência, o principio da tutela jurisdicional efetiva (art.° 20° da CRP), pelo que são nulos - Cf. texto supra n.°s i. a xxviiii;

3a Aliás, caso assim não se entendesse - o que se impugna e apenas de invoca por dever de patrocínio -, in casu, nunca poderia ser proferida sequer qualquer decisão de dispensa de produção de prova sem que a Parte fosse notificada para se pronunciar sobre tal dispensa - - Cf. texto supra n.°s i. a xxviii;

4a A sentença recorrida não se pronunciou sobre questão essencial para a decisão do presente litígio, cujo conhecimento a lei impõe, devendo ter sido apreciada e decididas todas as questões relativas à inexistência de patologias no imóvel de que é proprietária e à necessidade de execução de obras, bem como à sua adequação, pelo que sempre seria nula por omissão de pronúncia (arts. 608.° e 615.°/1/d) do CPC; - - Cf. texto supra n.°s i. a xxviii;;

5a A douta sentença recorrida enferma ainda de erros de julgamento, sendo manifesto que o requisito do fumus boni iuris se encontra verificado in casu, - Cf. Texto supra n.°s 1 a 18;

Com efeito,

6a A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, sendo manifestas a falta de fundamentação e de audição prévia sobre uma pretensa afetação de salubridade do edifício/fracção de terceiros identificados no processo, porquanto a expressão “afectação da salubridade do edifício/fracção de terceiros identificados no processo” sempre estaria a referir-se a outros bens imóveis que não o da Recorrente e não consta do ato notificado à Recorrente quais os factos em que se funda aquela decisão de imputar uma pretensa afetação de salubridade á ora Recorrente, desconhecendo esta quais as razões pelas quais se conclui por tal afetação à salubridade e o respetivo nexo causal para que, existindo as mesmas, tal seja da sua responsabilidade, tendo sido violado, além do mais, o disposto nos arts. 120°, 121° e 152° do CPA e no art.° 9.° do C. Civil; - Cf. Texto supra n.°s 1 a 3;

7a A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, pois o artigo 89.°, n.° 4 do RJUE é aplicável in casu, sendo assim o ato sub judice inválido ou, pelo menos, a sua notificação ineficaz quanto à ora recorrente - Cf. Texto supra n.°s 4 a 8;

8a A sentença recorrida enferma de claro erro de julgamento pois não só a lei impõe que da notificação para obras de conservação resulte o prazo para o seu início (art.° 89°, n° 4 do RJUE), como a própria notificação sub judice o refere (ainda que não indique qualquer prazo), e tal sempre se imporia por entendimento contrário ser violador dos princípios da boa-fé, da justiça e da proporcionalidade, constitucionalmente consagrados (art.° 266° da CRP) - Cf. Texto supra n.°s 9 a 13;

9a A sentença recorrida enferma também de erro de julgamento na parte em que decidiu não se afigurar a procedência do vício de não identificação das concretas obras necessárias realizar tendo sido assim violado, além do mais, o disposto nos artigos 89°, 91°, 107°, 108° e 109° do RJUE, pois nem se logra sequer compreender a conclusão que toda a cobertura, todos os beirados e todos os revestimentos merecem reparação, os quais, diga-se, caso tivessem sido produzidos outros meios de prova se teria concluído claramente que não precisam de qualquer obra integral.- Cf. Texto supra n.°s 14 a 18;

10a A sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 89°, 90°-A, 91°, 107°, 108° e 109° do RJUE, 114°/5, 120°, 121° e 152° do CPA, art.° 9°, 342°, 346° e 392° do C. Civil, arts. 3°, 608°/2 e 615°/1/d) do CPC aplicável ex vi do art.° 1.° do CPTA, arts. 87°, 90°, 118° e 120° do CPTA e arts 20°, 202° e 266° da CRP.(…)»

Notificado para o efeito, veio o Recorrido Município de Cascais apresentar contra-alegações, tendo concluído, por sua vez, como se segue:

«(…) 1. No presente processo todos os factos com relevo para a decisão da causa estão devidamente provados através da prova documental, que é abundante e consta do processo administrativo, tendo o Tribunal a quo emitido pronuncia sobre todas as questões levadas pelas partes com relevo para a decisão da causa.

2. Não resulta da lei, designadamente no que aos processos cautelares diz respeito a obrigação da realização de quaisquer diligências instrutórias em concreto, conforme n.os 2, 3 e 5 do artigo 118.° do CPTA, com a epígrafe “Produção de prova”.

3. Finda a fase dos articulados incumbe de imediato ao Tribunal a tarefa de decidir, sem quaisquer formalidades, sobre a produção, ou não, de prova.

4. A dispensa expressa de abertura de um período de produção de prova justifica- se perante o facto da prova no presente processo ser predominantemente documental, motivo pelo qual não existia a necessidade de qualquer outra prova, que a ocorrer, não teria quaisquer consequências no decidido.

5. E, o tribunal decidiu, e bem, desnecessária a produção de prova testemunhal, evitando-se diligências inúteis e dilatórias.

6. A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento, porquanto os terceiros estão perfeitamente identificados no processo, trata-se pois do arrendatário, ora contrainteressado, que deu início a este processo, pedindo uma vistoria ao locado, e que é diretamente afetado pela falta de segurança e salubridade, que a ausência de obras de conservação provocaram no imóvel.

7. Como resulta da douta sentença a expressão utilizada “não mereceu controvérsia entre as parte, e está, ainda assim, formulada com clareza suficiente para permitir ao seu destinatário perceber o seu sentido fundamentador.”

8. Também no que concerne à questão da falta de salubridade, ela resulta dos factos descritos no auto de vistoria, onde se encontra devidamente fundamentada, bem como na informação técnica elaborada, em 12.03.2018, pelos serviços da Câmara Municipal de Cascais. Este facto foi dado como provado na alínea CC), da matéria indiciariamente provada, onde se alerta para as más condições de segurança e salubridade, informação que a par designadamente, do auto de vistoria, realizada em 21-02-2018, foi submetida a audiência prévia em 29.03.2018, mas a Recorrente à data Requerente, não se pronunciou nesse âmbito.

9. Relativamente à questão do alegado erro de julgamento por incumprimento dos requisitos do n.° 4 do artigo 89.° do RJUE, na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 66/2019, de 21.05, sempre se dirá que o ato suspendendo (despacho relativo ao dever de conservação) foi proferido em 30.05.2018 e notificado à Autora em 20.12.2019, conforme resulta das alíneas GG) e HH) da matéria dada como provada na douta sentença.

10. Deste modo à data da prolação do ato suspendendo a “indicação dos elementos instrutórios necessários para a execução daquelas obras, incluindo a indicação de algumas medidas urgentes, quando sejam necessárias,” não estava prevista no artigo 89.° do RJUE, apenas foi aditada pelo Decreto-Lei n.° 66/2019, de 21.05.2019, que promoveu a 20° alteração ao RJUE.

11. Em 19.12.2019, a Entidade Demandada apenas repetiu a notificação da decisão final de 30.05.2018, do processo relativo ao dever de conservação do edifício em causa - Artigo 89.° do RJUE (cf. Folhas 64 a 66 do PA).

12. O Despacho de decisão não foi alterado e a notificação apenas visou levar ao conhecimento do seu destinatário a decisão proferida em 2018.

13. Como bem resulta da douta sentença “o procedimento administrativo tende à formação e manifestação da vontade da administração (cf. artigo 1.°, n.° 1, do CPA) e estingue-se pela tomada da decisão final (cf. artigo 93.°, do CPA). Ainda que venham a ser necessárias outras formalidades subsequentes, como a notificação, na data em que é proferida a decisão final, o procedimento extingue-se e, necessariamente, é nesse momento que se aferem as normas que regulam o caso concreto. O acto administrativo existe e é válido com a verificação dos seus elementos intrínsecos e que consistem numa decisão (...)”

14. Quanto à alegada omissão, no despacho de 30.05.2018, do prazo conferido à Requerente para o início da execução das obras, não tem razão a Requerente, pois como estatui o n.° 4 do artigo 89.° do RJUE o ato que determina a ordem de realização de obras de conservação é eficaz após notificação, o que significa que a Recorrente a partir desse momento fica incumbida de realizar as obras determinadas.

15. Como bem resulta da douta sentença “Sendo acto eficaz com a sua notificação ao destinatário e na falta de outro prazo fixado, impõe necessariamente o inicio imediato da sua execução, com vista ao cumprimento do prazo definido e, sem que a lei imponha a fixação de um termo inicial.”

16. No tocante às concretas obras necessárias a efetuar, estas estão suficientemente identificadas, foram descritas de forma clara e objetiva e como bem resulta da douta sentença “as especificações constantes do acto são suficientes e bastantes ao determinar a reparação da cobertura (entendendo- se a sua totalidade), tratar as armaduras nos beirados (entendendo-se todos os beirados), na varanda tardoz (suficientemente identificadas) e nas arcadas da entrada (suficientemente identificada), consolidar e tratar a estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas (todo o revestimento, em todas as fachadas), reparar os tectos colapsados (suficiente identificação) e consolidar os restantes tectos (todos)”

17. Deste modo, forçoso será de concluir que a sentença não padece dos vícios invocados pela Recorrente, nada justificando a revogação da sentença recorrida, como pretende a Recorrente.(…)».

Neste tribunal, o DMMP, não se pronunciou.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência para julgamento.

I. 1. Questões a apreciar e decidir

As questões que cumpre decidir são as de saber se a decisão recorrida é i) nula por 1) omissão de pronúncia sobre questão essencial e por 2) ter dispensado a produção de prova testemunhal e, bem assim, se a mesma incorreu também em ii) erro de julgamento ao não ter considerado verificado o requisito de fumus boni iuris, por 1) falta de fundamentação do ato sub judice quanto ao pressuposto “afetação da salubridade do edifício/fração de terceiros identificados no processo”; 2) quanto à aplicabilidade do disposto no art. 89.°, n.° 4 do RJUE com a redação conferida pelo Decreto - Lei n.° 66/2019, de 21.05.; 3) por omissão de indicação do prazo para iniciar as obras; e 4) por falta de indicação das concretas obras necessárias efetuar.


II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto considerada indiciariamente provada na sentença recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:

«(…) A) A requerente é uma instituição particular de solidariedade social, tendo ao seu cuidado senhoras cegas e com multideficiência (cf. lista das IPSS disponível in http://www.seg-social.pt/documents/10152/13140219/Listagem_ipss/8371faa4- dea5-4c03-a47f-3446f1f4c6c3);

B) A requerente é dona do prédio situado na Rua A..., freguesia de São Pedro do Estoril, Cascais, denominado «Vivenda C…….» (cf. testamento, junto como doc. 2 do requerimento, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174422; bem como certidão a conservatória e matriz predial, doc. 3 e 4, do requerimento);

C) O imóvel foi construído antes de 1951 (cf. auto vistoria, a p. 63 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

D) O prédio referido está descrito na conservatória do registo predial de Cascais sob o n.° 3……, da freguesia do Estoril (cf. certidão da conservatória, junta como doc. 3 do requerimento inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174423);

E) O mesmo prédio está inscrito na matriz predial da freguesia do Estoril, sob o artigo 1…… e correspondente ao anterior artigo 9…… (cf. caderneta predial, junta como doc. 4 do requerimento inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174424);

F) O prédio referido está inscrito na matriz como estando localizado na Rua A... n.° ….., São Pedro do Estoril (cf. caderneta predial, junta como doc. 4 do requerimento inicial, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174424);

G) O prédio em causa tem como actual número de polícia, o n.° 1….. e anteriormente tinha o n.° ….. (cf. informação do departamento de polícia municipal, a p. 15 do processo instrutor, incorporado sob o registo n.° 006179181);

H) O prédio corresponde a uma vivenda, implantada no terreno, com uma área circundante livre de outros prédios ou construções (cf. fotografias, juntas como doc. 7 e 9, do requerimento, incorporados no sitaf sob o registo n.° 006174427 e 006174429);

I) A câmara municipal de Cascais instaurou um processo administrativo para verificar o cumprimento do dever de conservação da vivenda referida nas alíneas anteriores, ao qual atribuiu o n.° SPO-2017/2….., após requerimento de vistoria apresentado por J.......(cf. autuação, a p. 1 e requerimento, a p. 7, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

J) A vivenda é utilizada por J…….., como inquilino (cf. doc. 8, junto com o requerimento, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174428, conjugado com o requerimento, a p. 7/11 e sentença, a p. 19, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

K) J...... apresentou o requerimento de vistoria e identificou-se (cf. autuação, a p. 1 e requerimento, a p. 7, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

L) A Câmara Municipal de Cascais remeteu um ofício à requerente, através de carta registada em 20.12.2017, relativo à realização da vistoria de verificação do estado de conservação do imóvel e onde se pode ler o seguinte:

«(…)

Na sequência do requerimento de interessado devidamente identificado nos autos, corre termos na Divisão de Fiscalização de Obras e Infraestruturas (...) o processo PCV n.° 84/2017 - SPO-2017/2472, relativo ao dever de conservação do imóvel sito Rua A..., n.° …., S. Pedro do Estoril no Estoril, de que V. Exa.s são legais representantes.

(...)

Assim, em cumprimento do disposto no Artigo 90°, n° 2, do RJUE, fica V. Exa. pela presente notificado de que:

1. Ao abrigo do Artigo 90°, n° 1, do RJUE, foi determinada a realização de vistoria de verificação do estado de conservação do imóvel acima referido e de que é proprietário;

2. A referida vistoria terá início entre as 10 e as 13 horas do dia 21 de Fevereiro de 2018, devendo V. Exa estar presente ou fazer-se representar para franquear o acesso ao seu imóvel, podendo indicar, até à véspera da vistoria, um perito para intervir na realização da vistoria e formular quesito, a que deverão responder os técnicos nomeados;

3. O processo poderá ser consultado, nos termos do Art. 62° do CPA, na Divisão de Fiscalização de Obras e Infraestruturas (...).

(…)»

(cf. ofício n.° 04288, de 20.12.2017 e registo postal da mesma data, com aposição do carimbo dos CTT, a p. 49/53, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

M) No dia 21.02.2018, pelas 12horas, foi realizada a vistoria à vivenda por técnicos da Câmara Municipal de Cascais (cf. auto de vistoria, a p. 61, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

N) Foi realizado um auto sobre a vistoria realizada e onde foi indicada como morada da vivenda, a Rua A..., n.° 1….., São Pedro do Estoril (cf. auto de vistoria, a p. 61, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

O) O auto apontou como quesitos da vistoria os seguintes:

A - Identificação do estado de conservação do imóvel (art. 89°/4-5 RJUE; DL 266- B/2012, 31.12):

A-1 Estado de conservação do imóvel do requerente B - Estado de conservação:

B-1 Coberturas

B-2 Pavimentos, tetos e paredes B-3 Fachadas e muros C - Condições de segurança:

C-1 Perigo de ruína D - Condições de Salubridade:

D-1 Humidades

(cf. auto de vistoria, a p. 63, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

P) Consta ainda no auto de vistoria o seguinte:

«(...)

A-1 (...)

Moradia anterior a 1……. com elementos bastante degradados.

Infiltrações em várias assoalhadas, provenientes do mau estado da cobertura, com tectos apresentando zonas de muita fissuração com zonas já colapsadas.

Arcadas no acesso principal, com traços de revestimento caídos e com armadura à vista e outras em risco.

Varanda no tardoz exterior da casa, com armadura dos elementos de protecção à vista e oxidada, reduzindo as características resistentes da mesma existindo risco de colapso da varanda.

Deterioramento do revestimento das armaduras.

Deverá o proprietário proceder à reparação da cobertura por forma a sanar a entrada de água. Deverá proceder ao tratamento das armaduras no beirado, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação da estrutura e reposição dos revestimentos. Reparação/reposição dos revestimentos nas fachadas. Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da moradia, que habitação.

(...)

Equipamento sanitário como lavatório e banheira, com fissuras, falta de esmalte e deficiente vedação que permita a passagem da água. (...)»

(cf. auto de vistoria, a p. 63, 65 e 67, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

Q) O auto de vistoria foi assinado por três «técnico[s] da comissão de vistoria» e no campo destinado à assinatura do «perito indicado ao abrigo Art. 90°/3 RJUE» foi aposto um traço no sentido diagonal (cf. auto de vistoria, a p. 67, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

R) O auto de vistoria tem como anexo a «ficha de avaliação do nível de conservação do imóvel do requerente - Portaria n.° 1192-B/2006, de 3 de Novembro» e o «levantamento fotográfico das anomalias graves e muito graves detectadas» (cf. anexos a p. 69 e 70, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

S) Na «ficha de avaliação do nível de conservação de edifícios» foram indicadas as

anomalias seguintes:

Edifício Anomalias Ponderação Pontuação

2. Cobertura Graves (2) X 5 = 10

3. Elementos salientes - varanda e sótão Muito graves (1) X 3 = 3 Unidade

18. Paredes exteriores Muito Graves (1) X 5 = 10

19. Paredes interiores Médias (3) X 3 = 9

22. Tectos Graves (2) X 4 = 8

24. Caixilharias e portas exteriores Graves (2) X 5 = 10

27. Dispositivos de protecção contra queda Muito Graves (1) X 4 = 4

28. Equipamento sanitário Médias (3) X 3 = 9

31. Instalação de drenagem de águas residuais Médias (3) X 3 = 9

33. Instalação Graves (2) X 3 = 6

Eléctrica (cf. anexos a p. 69 e 70, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

T) Na ficha de avaliação referida, foi determinado o índice de anomalias 1,92, com base no seguinte:

Total das pontuações = 73

Total das ponderações atribuídas aos elementos funcionais aplicáveis = 38 Índice de anomalias = 1,92

(cf. anexos a p. 69 e 70, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.°

006179178);

U) A final, a mesma ficha de avaliação concluiu que o «estado de conservação dos elementos funcionais 1 a 17 é 1,92 (...)» e que «existem situações que constituem grave risco para a segurança e saúde pública e/ou dos residentes: sim» (cf. anexos a p. 70, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

V) Foi ainda referido na ficha de avaliação, como observação que «a varanda no tardoz da moradia, ao nível do piso 1, encontra-se em risco de colapso, não devendo ser usada» (cf. anexos a p. 70, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179178);

W) O auto de vistoria foi ainda acompanhado do registo fotográfico da vivenda e onde se pode ver na foto 1 e na foto 2 duas paredes exteriores da vivenda, cujas imagens estão legendadas da seguinte forma: «muito grave - revestimentos de protecção de paredes em falta, empolados, partidos ou em desagregação em grandes áreas, exigindo substituição ou reparação total. Existem zonas por onde entra água e outras como nas arcadas da entrada, onde a armadura se encontra à vista e corroída» (cf. levantamento fotográfico, a p. 1 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

X) No mesmo registo fotográfico consta ainda a foto 3, onde se pode ver uma varanda, e que foi legendada da seguinte forma: «muito grave - elementos salientes com partes ou fixações deteriorados ou alteração de geometria que indicia o desabamento total ou parcial» (cf. levantamento fotográfico, a p. 1 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

Y) Consta ainda do registo fotográfico, a foto 4, onde se pode ver uma porta exterior com as caixilharias sem vidros e que foi legendada da seguinte forma: «muito grave - caixilharia sem vidros que motivam falta de estanquicidade à água» (cf. levantamento fotográfico, a p. 1 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

Z) No mesmo registo fotográfico consta ainda as fotos 5 e 6, onde se pode ver os tectos interiores e que foram legendadas da seguinte forma: «muito grave - placas de revestimento de tectos de massa elevada em risco de queda, com partes já colapsadas e com áreas molhadas» (cf. levantamento fotográfico, a p. 3 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

AA) A final, a comissão de técnicos referiu o seguinte «() Assim e conforme o n° 2 do art. 89.° do mesmo diploma e salvo melhor opinião, esta comissão considera que: deverá o proprietário proceder à reparação da cobertura por forma a sanar toda e qualquer entrada de água. Deverá proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas de entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos. Reposição dos revestimento nas fachadas. Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da habitação» (cf. levantamento fotográfico, a p. 3/5 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

BB) Como nota, consta no final do auto de vistoria o seguinte:

«Níveis de conservação conforme MAEC:

5 - Muito ligeiras/Excelente (5 a 4,5);

4 - Ligeiras/Bom (4,49 a 3,5);

3 - Médias (3,49 a 2,5);

2 - Graves/Mau (2,49 a 1,5);

1 - Muito graves/Péssimo (1,49 a 1).

(…)»

(cf. levantamento fotográfico, a p. 3/5 do processo instrutor incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

CC) Em 12.03.2018 foi elaborada informação pelos serviços da Câmara Municipal de Cascais onde se pode ler o seguinte:

«(…)

Face às conclusões constantes do Auto de Vistoria realizada em 21-02-2018, relativas ao imóvel sito na Rua A..., n° 1…. S. Pedro do Estoril, propriedade de A................, com sede em Rua E..., n°l Misericórdia 1200-164 Lisboa, verifica- se a necessidade de realização urgente de obras de conservação com vista à correção das más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético detetadas, nomeadamente: Deverá o proprietário proceder à reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água. Deverá proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas. Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no Interior da habitação.

Visto nesta data continuarem por resolver as anomalias identificadas pela Comissão de Vistorias, propõe-se a notificação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel objeto do presente procedimento para se pronunciarem em sede de audiência prévia de interessados quanto ao projeto de decisão que consta em anexo.

(…)»

(cf. info. a p. 9 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

DD) Em 29.03.2018, foi remetido um oficio à requerente, com o assunto «notificação para audiência prévia de interessados - dever de conservação: artigos 89° e 91o do RJUE» e onde se pode ler o seguinte:

«(...)

Em 21-02-2018, após notificação prévia para o efeito a todos os interessados, foi realizada a vistoria a que se refere o Artigo 90° do no imóvel sito na Rua A..., n.° 1….. (antigo n.° 7), em S. Pedro do Estoril, tendo a Comissão de Vistorias concluído haver necessidade de realização urgente de obras de conservação para correcção das más condições de segurança ou de salubridade ou do arranjo estético do imóvel, conforme consta do respectivo Auto de Vistoria.

(...)

Assim, (...) fica V. Exa. notificada de que:

1. Dispõe do prazo de 15 dias úteis, a contar da data de recepção da presente notificação, para apresentar, por escrito, as suas alegações relativamente ao projecto de decisão que consta em anexo, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos;

2. (...)

3. (...)

4. O processo poderá ser consultado, nos termos do Art. 62.° do CPA, na Divisão de Fiscalização de Obras e Infraestruturas, sita na (...)»

(cf. info. a p. 19 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

EE) Em 10.05.2018 foi elaborada nova informação pela técnica da Câmara, onde se concluiu da forma seguinte:

«(...)

Face às conclusões constantes do Auto de Vistoria realizada em 21-02-2018, relativas ao imóvel sito na Rua A..., n° 1…… S. Pedro do Estoril, propriedade de A................, com sede em Rua E...., n°… Misericórdia 1200-164 Lisboa, procedeu-se à notificação de todos os interessados para, em sede de audiência prévia, se pronunciarem quanto ao projecto de decisão que lhes foi dado a conhecer, o qual ia o sentido de ordenar a realização das obras de conservação necessárias à correção das más condições de segurança ou de salubridade ou à melhoria do arranjo estético, nomeadamente: Deverá o proprietário proceder à reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água. Deverá proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas. Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no Interior da habitação.

Concluída a fase de audiência prévia, e ponderados os factos e argumentos apresentados pelos interessados, considera-se de manter a intenção de ordenar a realização das obras de conservação constantes do projecto de decisão.

(...)»

(cf. info. a p. 27 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

FF) A informação referida na alínea anterior foi sancionada pelo presidente da câmara, por despacho de 30.05.2018 (cf. despacho aposto na info., a p. 25 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

GG) Em 30.05.2018 foi proferido despacho pelo presidente da câmara de Cascais, onde se pode ler o seguinte:

«(...) Assunto: decisão final que determina a execução de obras de conservação ao abrigo do n° 2 do Artigo 89° do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) aprovado pelo Decreto-Lei n.° 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada, por último pelo DL n° 136/2014, de 9 de setembro

Considerando que:

a) Durante a vistoria realizada em 21-02-2018 por uma Comissão designada nos termos do Artigo 90° do RJUE, foram confirmados os indícios existentes quanto à violação do dever de conservação previsto no Artigo 89°, n° 1, do RJUE, sendo identificadas desconformidades graves e muito graves que exigem a imediata realização de obras de conservação, conforme Auto de Vistoria constante dos autos;

b) Que a situação, pela sua gravidade, atenta contra a segurança e saúde das pessoas e afeta a salubridade do edifício/fracção de terceiros identificados no processo;

c) Nos termos do artigo 89°, n° 1, do RJUE, “As edificações devem ser objecto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético”;

d) (...)

e) (...)

f) (...)

Determino:

1. Que se notifique A................, com sede na Rua E..., n° ….. Misericórdia 1200-164 Lisboa, e outros titulares de direitos reais sobre o imóvel objeto deste processo, caso existam, de que dispõem do prazo de trinta (30) dias para executarem as obras de conservação necessárias à correção das más condições de segurança ou de salubridade ou do arranjo estético do imóvel sito na Rua A... n.° 1….. S. Pedro do Estoril, detetadas na vistoria realizada no dia 21-02-2018 e que constam do respetivo Auto de Vistoria, nomeadamente: Deverá o proprietário procederá reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água. Deverá proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas. Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da habitação.

2. Caso o notificado não inicie as obras que por esta ordem lhe são determinadas ou não as conclua dentro do prazo que para o efeito lhe foi fixado, pode a câmara municipal, nos termos dos Artigos 91°, n° 2, e 107° do RJUE, tomar posse administrativa do imóvel e ordenar o respetivo despejo administrativo para lhes dar execução imediata;

3. Quando a Câmara Municipal venha a executar coercivamente as obras em substituição do proprietário, são da responsabilidade deste as quantias relativas às despesas realizadas, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que tenha de suportar para o efeito, nos termos do Artigo 108° do RJUE

(…)»

(cf. despacho, a p. 31 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

HH) Em 30.11.2018, foi elaborada informação pelo fiscal da câmara municipal, onde disse ter passado junto da moradia e verificado que exteriormente não houve intervenção (cf. info., a p. 14 do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

II) A requerente foi notificada da decisão final em 20.12.2019, através do ofício n.° 049002 (cf. ofício e aviso de recepção assinado, a p. 63, 65 e 67, do processo instrutor, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179181);

JJ) A requerente obtém como rendimentos da vivenda em causa cerca de €500,00 por ano (cf. acordo - artigo 147.°, do requerimento, não impugnado);

KK) A requerente, no ano de 2017, apresentou um total de activo no valor de €3.692.863,44 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 3 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

LL) A requerente, no ano de 2018, apresentou um total de activo no valor de €4.470.414,32 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 3 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

MM) A requerente, no ano de 2017, apresentou um total de passivo no valor de €58.812,04 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 3 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

NN) A requerente, no ano de 2018, apresentou um total de passivo no valor de €116.892,47 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 3 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

OO) A requerente, no ano de 2017, teve o resultado líquido do período antes de impostos no valor positivo de €266.681,09 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 5 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

PP) A requerente, no ano de 2018, teve o resultado líquido do período antes de impostos no valor positivo de €351.929,44 (cf. balanço em 31.12.2018, junto como doc. 10 do requerimento, a p. 5 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

QQ) No ano de 2017 a requerente tinha em caixa ou em equivalentes de caixa (depósitos bancários, na C……., N……, B….., T…. e B…..) o valor de €1.120.512,08 (cf. anexo às demonstrações financeiras, junto como doc. 10, do requerimento, a p. 13 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

RR) No ano de 2018 a requerente tinha em caixa ou em equivalentes de caixa (depósitos bancários) o valor de €1.638.080,99 (cf. anexo às demonstrações financeiras, junto como doc. 10, do requerimento, a p. 13 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174430);

SS) A requerente, sobre o prédio em causa, paga anualmente de IMI o valor de €568,92 (cf. nota de cobrança, junta como doc. 11, incorporado no sitaf son o registo n.° 0061744331);

TT) A requerente tem como encargo decorrente do legado da vivenda, mandar celebrar mensalmente, duas missas, uma por alma da testadora e outra por alma de sua mãe (cf. testamento, junto como doc. 2 do requerimento, incorporado no sitaf sob o registo n.° 006174422);

UU) A requerente está a executar obras de alteração e de beneficiação do edifício do convento do cardaes, pelas quais terá de pagar ao empreiteiro o preço global de €2.145.556,62, acrescido de IVA, desde Dezembro de 2017 (cf. contrato de empreitada, clausula sexta, a p. 5 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006175086);

VV) O pagamento daquele preço deve ser feito mensalmente, pelo valor determinado pelas medições fixadas no contrato e pago no prazo máximo de 60 dias após a apresentação da factura (cf. contrato de empreitada, clausula sexta, a p. 5 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006175086);

WW) A obra referida deve ser executada, de acordo com o contrato, durante 600 dias e em duas fases, sendo que entre cada uma haverá um período de suspensão de 60 dias (cf. cláusula décima do contrato empreitada, clausula sexta, a p. 7 do doc. incorporado no sitaf sob o registo n.° 006175086);

XX) Os peritos que realizaram a vistoria ao prédio, referida na al. Q), foram nomeados pelo despacho n.° 30/2016, do presidente da câmara de cascais (cf. doc. 1 junto com a oposição, a p. 22 e 23, do documento incorporado no sitaf sob o registo n.° 006179177).

*

Motivação.

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada com relevo para a decisão da causa, fundou-se na apreciação crítica do conjunto da prova documental junta e indicada em cada uma das alíneas dos factos provados e ainda face à posição assumida pelas partes relativamente aos factos alegados, tendo em conta que a prova em providências cautelares é meramente indiciária.

Para prova dos factos fixados nas al. V), W), X), Y) e Z), o tribunal teve em consideração os registos fotográficos que instruem o auto de vistoria, que não foram impugnados e cujas imagens são consentâneas com as legendas atribuídas e com as anomalias apontadas no auto e na ficha avaliativa (cf. al. P) e S), do probatório). (…)»

II. 2. De direito

i) Da nulidade da sentença recorrida 1) por omissão de pronúncia sobre questão essencial e 2) por ter dispensado a produção de prova testemunhal.

Sobre este aspeto, alega a Recorrente – por referência às 1.º a 4.ºs conclusões de recurso -, que não tendo o tribunal a quo permitido a produção de prova testemunhal e/ou declarações de parte, por forma a fazer valer os seus direitos e demonstrar as suas pretensões quanto à verificação do requisito do fumus boni iuris, bem como a realização de uma audiência para que tivesse contacto direto com a prova produzida, terá violado o princípio da igualdade e do contraditório, no plano da prova, pelo que o despacho e a sentença recorrida, ambos de 08.07.2020, são nulos, ao terem «considera[do] perfunctoriamente provados factos da Vistoria alegadamente realizada ao imóvel da recorrente sem conceder a esta a oportunidade de contrariar as conclusões de tal relatório sobre o atual estado do imóvel da recorrente e a extensão das pretensas patologias, através da produção da requerida prova testemunhal, quando é certo que “a vistoria constitui um meio de prova que pode ser apreciado livremente.» Mais invoca a «omissão de pronúncia por não ter apreciado todos os factos invocados pela Requerente ao não permitir que fosse produzida prova sobre os factos invocados relativos à verificação do requisito do fumus boni iuris.».

Vejamos.

Quanto à alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.

É jurisprudência pacífica(1) que só ocorre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, sendo estas todas as que lhe tiverem sido submetidas e cujo conhecimento não se venha a revelar prejudicado pela solução dada a outras – cfr. art. 608.º, nº 2, do CPC, ex vi art. 1.º CPTA.

Deve, pois, o juiz, apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir, sendo que só a falta absoluta de fundamentação gera a nulidade da decisão.

Ora, no caso em apreço, o tribunal a quo ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o as razões de facto e de direito que o levaram a tomar a sua decisão, explicando, de forma escorreita e com fundamentação suficiente, o seu raciocínio. Mais concretamente, e como justificação para ter tomado a decisão apenas com base na prova documental, o tribunal a quo invocou a desnecessidade de outra prova para apreciar o requisito fumus boni iuris. Nesta consonância, a decisão recorrida não padece de nulidade alguma.

Da mesma forma, a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento.

Vejamos porquê.

Determina o art. 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o fumus boni iuris e periculum in mora.

Para a verificação do fumus boni iuris, na sua formulação positiva, exige-se uma probalidade séria de procedência da pretensão principal, sendo que, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações que forem trazidos ao processo pelo Requerente.

Por seu turno, para a verificação do periculum in mora, exige-se que dos factos concretos alegados pelo Requerente se possa antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, não aqui seguido o critério da suscetibilidade ou insuscetibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.

A falta de qualquer um destes requisitos faz claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida, dado que os mesmos são cumulativos.

Ao invés, ainda que se preencham os requisitos referidos, haverá, ainda, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art. 120.º do CPTA.

Retomando o caso em apreço.

O tribunal a quo deu por não verificado o requisito fumus boni iuris.

Para suportar o fumus boni iuris, o Requerente, ora Recorrente, havia invocado, em sede de requerimento inicial, 1) a incongruência na identificação da morada da vivenda; 2) a falta de fundamentação e da falta de audição prévia quanto ao pressuposto “afetação da salubridade do edifício/fração de terceiros identificados no processo”; 3) a omissão do prazo para iniciar as obras; 4) a indicação dos elementos instrutórios necessários para a execução das obras; 5) a impossibilidade de cumprir o prazo concedido para a conclusão das obras; 6) da falta de notificação para a realização da visória; 7) a assinatura aposta no campo destinado ao perito do proprietário; 8) a identificação dos peritos; 9) a falta de fundamentação - índice de anomalia fixado em 1,92; 10) a necessidade de obras determinadas pelo município; 11) as obras de conservação vs de manutenção e, 12) a falta de notificação das concretas obras necessárias a efetuar - identificação exaustiva das obras.

Apenas os que se prendem com as alegadas 5) impossibilidade de cumprir o prazo concedido para a conclusão das obras e 10) (des)necessidade das obras de execução determinadas pelo Município, é que poderiam, nos autos em apreço e em abstrato, ser objeto de prova testemunhal – sem prejuízo de a mesma se revelar inconclusiva por se tratar de matéria cuja contraprova mais adequada seria a pericial – na medida em que todos os outros vícios invocados pela Requerente, ora Recorrente, se prendem com a forma e conteúdo do ato suspendendo, convocando argumentos de direito, e não de facto, para a sua decisão, pelo que, como bem decidiu o tribunal a quo, a prova testemunhal revelar-se-ia absolutamente desnecessária.

Quanto àqueles dois vícios – o 5) e o 10), supra -, vejamos então se o tribunal a quo errou ao ter prescindido da produção de prova testemunhal.

Sobre o mesmo, no despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal e, bem assim, o discurso fundamentador da sentença recorrida na parte que aqui interessa, foi o seguinte:

«(…) As partes arrolaram testemunhas para inquirição nos presentes autos.

Contudo, tendo presente a posição das partes assumidas nos respectivos articulados e os documentos juntos, em especial o processo instrutor e tendo em conta que o juízo que cumpre formular é meramente perfunctório, considera-se que os autos dispõem dos elementos necessários à prolação de decisão final cautelar.

Pelo exposto, afigura-se desnecessária a produção de prova testemunhal requerida e, em consequência, indefere-se os requerimentos para inquirição de testemunhas apresentados pelas partes, nos termos do disposto no artigo 118.°, n.° 3 do CPTA.

*

(…)

[5] Da impossibilidade de cumprir o prazo concedido para conclusão das obras.

Alega a requerente que o prazo concedido de 30 dias é «manifestamente insuficiente para a execução das obras ordenadas pelo Município de Cascais» (cf. artigo 59.°, do requerimento inicial).

Ora, o prazo concedido pela autoridade administrativa para execução do acto, insere-se dentro da sua margem de discricionariedade técnica e livre margem de apreciação das necessidades do caso concreto, estando apenas na disponibilidade do tribunal a apreciação do erro grosseiro, o que não é patente no caso concreto. Por outro lado, consiste num prazo que, não tendo os seus limites máximos fixados no RJUE, sempre poderá ser prorrogado administrativamente, perante o requerimento do destinatário nesse sentido e com a devida fundamentação face às dificuldades sentida na execução do acto.

Face ao exposto, o acto administrativo não será, com probabilidade, invalidado com base na fixação do prazo de 30 dias para a execução das obras.

(…)

[10] Da necessidade das obras de execução determinadas pelo Município.

Compulsado o acto suspendendo (cf. GG), do probatório), verifica-se que o mesmo determinou a execução das «obras de conservação necessárias à correcção das más condições de segurança ou de salubridade ou do arranjo estético do imóvel»» e definiu as seguintes intervenções:

-Reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água;

-Proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas;

- Reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da habitação.

E suportou-se nas «desconformidades graves e muito graves que exigem a imediata realização de obras de conservação, conforme o auto de vistoria».

Compulsado o auto de vistoria verifica-se que o mesmo identificou cada uma das anomalias (cf. al. S) e V), do probatório), em função dos quesitos fixados (cf. al. O), do probatório), a partir do qual é perceptível quais as partes integrantes do imóvel que devem ser intervencionadas e em que sentido. Acresce que o registo fotográfico em anexo ao auto de vistoria também documenta as anomalias existentes na moradia, através da sinalização concreta dos sítios onde estão localizadas cada uma das falhas e da respectiva descrição através de legenda (cf. al. W), X), Y) e Z), do probatório).

Os registos fotográficos e o auto de vistoria, além de coerentes entre si, são consentâneos em apontar à varanda elementos salientes e fixações deteriorados ou alteração da geometria que indicia o desabamento total ou parcial (cf. al. X), do probatório), bem como a apontar entradas de água pelas paredes exteriores (cf. al. W), do probatório) ou ainda placas de revestimento de tectos interiores de massa elevada em risco de queda, com partes colapsadas e áreas molhadas (cf. al. Z), do probatório).

Mais se diga que no auto de vistoria vem ainda indicada a oxidação da armadura dos elementos de protecção da varanda no tardoz exterior da casa (cf. al. P), do probatório) e na ficha vem sinalizada como anomalia ‘muito grave’ a varanda do sótão, enquanto elemento saliente (cf. al. S), do probatório), não subsistindo assim qualquer incongruência ou contradição entre o relatório e a ficha de avaliação, como alega a requerente no artigo 103.°, do requerimento inicial, sobre a (in)existência de anomalias na estrutura, porquanto as falhas na varanda foram concretamente descritas e retiradas as consequências no global da utilização da moradia (no campo de observações foi recomendada a sua não utilização - al. V), do probatório) e não é manifesto que implique ou determine necessariamente falhas na estrutura central do edifício, além da estrutura da própria varanda enquanto elemento saliente e externo.

Conjugados todos os elementos, verifica-se que a autoridade administrativa, dentro do seu juízo técnico, detectou falhas na construção da moradia que qualificou como «graves» e que exigem «intervenção urgente» e, face aos elementos instrutórios juntos ao procedimento, não se afigura que a análise técnica e as conclusões a que chegou enfermem em erro grosseiro ou manifesto. Não são imputações genéricas ou conclusivas, mas antes concretas e específicas, com sinalização precisa das irregularidades, consentâneas com as conclusões dos técnicos e com o registo fotográfico.

Assim, não se vislumbra que possa proceder a alegação da requerente quando sustenta que as obras não são necessárias ou são inadequadas à resolução das anomalias. Foram apontadas anomalias, pormenorizadas e exigidas as obras necessárias à sua correcção, sem que se configure uma apreciação manifestamente errada por parte da administração e, nesse sentido, com probabilidade, o acto suspendendo será mantido na ordem jurídica. (…)»

Um primeira nota para salientar que o juízo que é exigido ao juiz cautelar é um juízo perfunctório – pouco profundo; superficial -, acerca da probalidade de sucesso do Requerente, ora Recorrente, perante a invocação deste vício em sede de processo principal. Pelo que, pese embora em sede de juízo perfunctório o tribunal a quo tenha concluído pela sua não probabilidade de sucesso, a tal não obsta que em sede de ação principal o Requerente, ora Recorrente e ali A., se proponha a requerer todos os meios de prova que se revelem adequados para infirmar tal conclusão e a provar o que afirma.

De notar também que nos termos do art. 118.º, n.º 3, do CPTA, não obstante o juiz poder ordenar as diligências de prova que considere necessárias, não é admissível a prova pericial e sede cautelar. De onde resulta que, considerando este concreto aspeto, seria essa e não a prova testemunhal a prova adequada a por em causa os juízos técnicos que suportaram as conclusões da vistoria efetuada e, bem assim, relativamente à impossibilidade de cumprir o prazo de 30 dias fixado para a realização das obras.

Razões pelas quais, a decisão recorrida se mostra adequadamente fundamentada, quer no momento em que prescindiu da prova testemunhal requerida, quer no momento em se pronunciou sobre estes concretos vícios imputados ao ato suspendendo.

ii) Dos erros de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida ao não ter considerado verificado o requisito de fumus boni iuris 1) por falta de fundamentação do ato sub judice quanto ao pressuposto “afetação da salubridade do edifício/fração de terceiros identificados no processo”; 2) quanto à aplicabilidade do disposto no art. 89.°, n.° 4 do RJUE com a redação conferida pelo Decreto - Lei n.° 66/2019, de 21.05.; 3) por omissão de indicação do prazo para iniciar as obras; e 4) por falta de indicação das concretas obras necessárias efetuar.

No que se refere à apreciação do fumus boni iuris relativamente aos vícios aqui postos em crise – supra citados cfr. n.º 1 a 4, da alínea ii) que antecede -, do discurso fundamentador da sentença recorrida consta o seguinte:
«(…)
[1] Da falta de fundamentação (…) quanto ao pressuposto «afectação da salubridade do edifício/fracção de terceiros identificados no processo».
Compulsado o acto, dado como provado na al. GG), do probatório, resulta do mesmo o seguinte: «Que a situação, pela sua gravidade, atenta contra a segurança e saúde das pessoas e afeta a salubridade do edifício/fracção de terceiros identificados no processo».
A expressão utilizada é compreendida no contexto de utilização da vivenda pelo inquilino, utilização essa que não mereceu controvérsia entre as partes, e está, ainda assim, formulada com clareza suficiente para permitir ao seu destinatário perceber o seu sentido fundamentador.
Não há assim que extrapolar para a falta de fundamentação (…) sobre o pressuposto do acto e, dessa forma, não se afigura que o acto venha a final ser anulado com base nesta circunstância.
[3] Da omissão do prazo para iniciar as obras.
A requerente alega que o acto é omisso quanto ao prazo para iniciar as obras.
Contudo, como resulta do disposto no artigo 89.°, n.° 4 e 5, do RJUE, conjugado com o disposto no artigo 91.°, do mesmo diploma, a indicação de um prazo para iniciar as obras não surge como um elemento determinante do acto, cuja omissão seja susceptível de inquinar o acto, ao contrário do prazo final de execução dos trabalhos, momento através do qual se poderá aferir o cumprimento do determinado e avançar para as medidas subsequentes.
Sendo acto eficaz com a sua notificação ao destinatário e na falta de outro prazo fixado, impõe necessariamente o início imediato da sua execução, com vista ao cumprimento do prazo definido e, sem que a lei imponha a fixação de um termo inicial, não se afigura que o acto e a sua notificação enfermem das causas invalidantes apontadas pela requerente.
[2] Da indicação dos elementos instrutórios necessários para a execução das obras.
O acto suspendendo foi proferido em 30.05.2018 e apenas foi notificado à requerente em 20.12.2019 (cf. al. GG) e HH), do probatório).
Na data da notificação, estava em vigor a redacção do artigo 89.°, n.° 4, do RJUE, dada pelo Decreto-Lei n.° 66/2019, de 21.05 (cf. entrada em vigor em 20.06.2019, por força do artigo 8.°, do diploma) e que passou a exigir que fosse levado ao conhecimento do destinatário do acto os «elementos instrutórios necessários para a execução daquelas obras, incluindo a indicação de medidas urgentes, quando sejam necessárias, bem como o prazo em que os mesmos devem ser submetidos, sob pena de o notificando incorrer em incumprimento do ato, designadamente para os efeitos previstos nos artigos 91.° e 100.°».
A nova redacção compreende-se com o artigo 90.°-A, também ele introduzido pelo mesmo diploma e que passou a definir que a entrega daqueles elementos instrutórios vale como comunicação prévia.
Com esta alteração ao RJUE, o legislador optou pelo controlo prévio administrativo no cumprimento da intimação para a realização de obras coercivas através da figura da “comunicação prévia” e, para assegurar esta nova imposição, definiu que a notificação do acto deve ser acompanhada da indicação dos elementos instrutórios necessários à execução das obras, mas esta notificação só se compreende com a nova definição do regime do controlo prévio das obras impostas.
Sem esse regime, a notificação perde o seu substrato.
Ora, face aos considerandos anteriores, na data da prolação do acto suspendendo não estava em vigor a nova redacção dos artigos 89.°, n.° 4 e 90.°-A, do RJUE, ainda que na data da notificação já produzissem efeitos.
Ocorre que o procedimento administrativo tende à formação e manifestação da vontade da administração (cf. artigo 1.°, n.° 1, do CPA) e extingue-se pela tomada da decisão final (cf. artigo 93.°, do CPA).
Ainda que venham a ser necessárias outras formalidades subsequentes, como a notificação, na data em que é proferida a decisão final, o procedimento extingue-se e, necessariamente, é nesse momento que se aferem as normas que regulam o caso concreto.
O acto administrativo existe e é válido com a verificação dos seus elementos intrínsecos e que consistem numa decisão, proferida por um órgão da administração, tomada ao abrigo de normas de direito público, dirigidas à regulação de uma situação individual e concreta e à produção de efeitos jurídicos nessa esfera (cf. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, in ob. cit., págs. 550 e segs.; João Caupers, Direito Administrativo, pág. 171; Acs. do STA de 11/5/2004-Proc. n°2037/03, de 16/1/2008-Proc. n°780/07, de 4/10/2007-Proc. n°523/07, de 18/6/2008-Proc. n° 957/07, apudac. STA de 15.11.2012, proc. 450/09).
A notificação do acto é um elemento externo, não essencial ao acto. Como refere Mário Aroso de Almeida, «a notificação não é requisito de eficácia, mas de oponibilidade do acto administrativo (cfr. artigo 160.°).»» (cf. Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2015, p. 134).
O acto existe, é válido na medida em que ponderou os pressupostos de facto e de direito em vigor na data da sua prolação, mas não será oponível ao seu destinatário enquanto não lhe for validamente notificado, nomeadamente, para exigibilidade de execução ou para efeitos de impugnação.
Outro entendimento seria admitir que a administração teria de proferir novo acto administrativo, mas sem que subsistissem motivos que invalidassem o seu conteúdo ou a sua validade intrínseca, conclusão que contende com os princípios estruturantes do procedimento administrativo. A lei aplicável será assim aquela que vigorar na data da prolação do acto, ainda que no momento da notificação seja aplicável um normativo diferente.
Conclui-se assim que o acto suspendendo procedeu à aplicação do regime que estava em vigor e que era devido nessa data e o qual não exigia a formalização da comunicação prévia nem a consequente notificação dos elementos instrutórios necessários para a execução das obras impostas pelo acto.
Neste sentido se conclui que, num juízo sumário e perfunctório, o acto suspendendo não será invalidado por falta de notificação dos elementos instrutórios mencionados na nova redacção do artigo 89.°, n.° 4, do RJUE, ao contrário do alegado pela requerente.
(…)
[4] Da notificação das concretas obras necessárias a efectuar - identificação exaustiva das obras.
Alega ainda a requerente que o acto suspendendo não especifica exaustivamente as obras necessárias que terá de realizar, utilizando apenas fórmulas genéricas e indeterminadas.
Dispõe o artigo 89.°, n.° 2, do RJUE que a câmara municipal pode determinar a execução de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou salubridade ou melhoria do arranjo estético.
Por outro lado, dispõe o artigo 91.°, do RJUE que, quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89.°, pode a câmara tomar posse administrativa.
A conjugação das duas normas exige que o município especifique ao proprietário as concretas obras que deva efectuar e cuja obrigação recai sobre a sua esfera.
Compulsado o acto e como referido anteriormente, o mesmo determina o seguinte:
(i) a reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água;
(ii) proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas;
(iii) a reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da habitação.
Entende-se que as especificações constantes do acto são suficientes e bastantes ao determinar a reparação da cobertura (entendendo-se a sua totalidade), tratar as armaduras nos beirados (entendendo-se todos os beirados), na varanda tardoz (suficientemente identificada) e nas arcadas da entrada (suficientemente identificada), consolidar e tratar a estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas (todo o revestimento, em todas as fachadas), reparar os tectos colapsados (suficiente identificação) e consolidar os restantes tectos (todos).
As intervenções necessárias e exigidas foram assim identificadas no acto suspendendo, sendo as restantes concretizações subsumíveis a projectos de especialidade técnica que ultrapassam as exigências que devem revestir o teor do acto.
Face ao exposto, não se afigura a procedência do vício, nem que o acto suspendendo venha a ser anulado em consequência. (…)».

Esta decisão está correta, quer na sua fundamentação, quer no seu sentido decisório. Razão pelo que se sufraga e se mantém.

Vejamos porquê.
No despacho suspendendo é feita a citada referência à «afectação da salubridade do edifício/fracção de terceiros», alegando a requerente, ora Recorrente, que não se refere a qual(is) os edifícios ou frações de terceiros que podem ser afetados pelo alegado estado de conservação do imóvel da Recorrente, pelo que o mesmo padece de falta de fundamentação.
Mas sem razão, pois, na verdade, e ao contrário do que alega, a expressão utilizada é mesmo compreendida no contexto de utilização da vivenda pelo inquilino, sendo este o aqui terceiro, tal como se considerou na sentença recorrida.
Conforme é jurisprudência uniforme e constante dos tribunais superiores(2), a fundamentação assume-se como um conceito relativo que varia em função do tipo de cada ato e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face de cada caso, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao iter cognoscitivo e valorativo do mesmo, ficaria em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro. Para tal, pode bastar uma fundamentação sucinta, desde que seja clara, congruente e contextual.
Neste pressuposto, a fundamentação do ato administrativo será suficiente, mesmo que sucinta, se, no contexto em que foi praticado, as razões de facto e de direito enunciadas forem capazes ou aptas e bastantes para permitir que um destinatário normal apreenda o iter cognoscitivo e valorativo da decisão. Assim como será clara, quando tais razões permitem compreender sem incertezas ou perplexidades qual foi o referido iter cognoscitivo- valorativo da decisão, sendo também congruente quando a decisão surge como a conclusão lógica e necessária de tais razões e, por fim, contextual, quando se integra no próprio ato e dele é contemporânea.
Assim, resulta evidente que o ato, na parte aqui sindicada, é claro, sendo disso exemplo o esclarecimento que a Recorrente entende que ao Recorrido caberia fazer, caso este pretendesse referir-se ao inquilino da fração, ao sugerir a redação «afetar a salubridade no edifício e a terceiros identificados no processo», como ilustrativo da irrelevância deste para se considerar verificado o alegado vício de falta de fundamentação.

Relativamente à aplicabilidade do disposto no art. 89.º do RJUE na redação vigente à data em que o ato foi notificado à Recorrente, decorre que, mesmo aceitando, perfunctoriamente, a tese que mais a beneficia – a de que esta última versão seria a aplicável à notificação a efetuar, tratando-se de uma irregularidade imputada à notificação do ato suspendendo e não ao ato em si, sempre da mesma apenas resultaria a sua ineficácia relativamente à Recorrente e não a sua invalidade, importando distinguir, para o efeito, as formalidades essenciais que condicionam a validade do ato - anteriores e concomitantes à sua prática – p. ex. a realização de audiência prévia e a fundamentação – das que condicionam apenas a sua eficácia(3) - formalidades posteriores à prática do ato – p. ex. a notificação – cfr. art. 114.º do CPA.
Razão pela qual a sentença recorrida não errou no juízo perfunctório que fez quanto à improcedência do vício que foi imputado ao ato suspendendo, na medida em que, face ao exposto, o invocado não cumprimento ou o cumprimento deficiente do dever de notificar não consubstancia uma ilegalidade, ou torna, sequer, a decisão administrativa ilegal. Daí que, e mesmo que hipoteticamente se entendesse que se verificava a irregularidade imputada pela Recorrente à notificação do ato suspendendo, a sanção que ocorreria seria, apenas, a da ineficácia do ato, e não a da sua invalidade.

O mesmo se diga quanto à invocada omissão – no ofício que procedeu à comunicação da decisão sub judice à Recorrente – cfr. alínea GG) da matéria de facto - da indicação do prazo para iniciar as obras, ao ter sido invocado como vício do ato suspendendo e não como uma situação de irregular notificação do mesmo e, bem assim, da invocada falta de identificação das concretas obras a efetuar, sendo que, quanto a estas, resulta da alínea GG) da matéria de facto supra, que da decisão suspendenda e do ofício que a comunicou, consta o seguinte: (i) reparação da cobertura, por forma a sanar toda e qualquer entrada de água; (ii) proceder ao tratamento das armaduras nos beirados, na varanda tardoz e nas arcadas da entrada, com consolidação e tratamento da estrutura e reposição dos revestimentos nas fachadas; (iii) reparação dos tectos no interior da moradia, que já se encontram colapsados e consolidação dos que apresentam risco, por forma a garantir a segurança no interior da habitação.
Do que resulta, lido este conjugadamente com os factos constantes das alíneas N) e BB) da matéria de facto, que as referidas deficiências constam de anexos aos autos de vistoria – notificado à Recorrente, designadamente, em sede de audiência prévia - cfr. alínea DD) da matéria de facto - com informação sobre quando e onde o processo poderia ser consultado – e, designadamente, de fotos tiradas aquando a realização da vistoria.
Partindo do princípio de que a leitura e interpretação do ato final tem de ser feita em sintonia com os demais elementos que foram comunicados à Recorrente durante o procedimento, consentaneamente com o que é referido na comunicação do ato suspendendo – cfr. alínea GG) da matéria de facto -, que: «(…) a) Durante a vistoria realizada em 21-02-2018 por uma Comissão designada nos termos do Artigo 90° do RJUE, foram confirmados os indícios existentes quanto à violação do dever de conservação previsto no Artigo 89°, n° 1, do RJUE, sendo identificadas desconformidades graves e muito graves que exigem a imediata realização de obras de conservação, conforme Auto de Vistoria constante dos autos (…)», não se pode acompanhar a Recorrente quando alega que não lhe é exigível compreender quais as obras necessárias para o cumprimento do ora ordenado pelo Recorrido.

Em suma, não errou a sentença recorrida ao ter considerado que no caso dos autos ocorre uma situação de fumus malus iuris e, consequentemente, porque os requisitos indicados no art. 120.º do CPTA são cumulativos, ter considerado improcedente a providência requerida e julgado prejudicado o conhecimento do periculum in mora e, bem assim, a ponderação de interesses a qua alude o n.º 2 do art. 120.º do CPTA.

III. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 12.11.2020.

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Dora Lucas Neto


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A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.


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(1)A título de exemplo, v. ac.s STA de 11.05.2016, P.01668/15; de 19.10.2017, P. 0603/15 e de 15.10.2020, P. 02886/17.0BEPRT.
(2)V. a título de exemplo, ac. TCA Sul de 06.06.2019, P.2788/17.0BELSB, e demais jurisprudência aqui citada, disponível em www.dgsi.pt
(3)Neste sentido, v. por todos, Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, volume II, pg. 389: «(…) a eventual preterição de formalidades posteriores à prática do acto administrativo não produz ilegalidade (nem invalidade) do acto administrativo - apenas pode produzir a sua ineficácia. Porquê? Porque a validade de um acto administrativo se afere sempre pela conformidade desse acto com o ordenamento jurídico no momento em que ele é praticado.»