Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1171/20.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/18/2021
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM FASE DE RECURSO;
IMPUGNAÇÃO DO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO;
DECRETO-LEI 444/99, DE 03/11;
DECRETO-LEI N.º 48/88, DE 28/12;
DECRETO-LEI N.º 47/2013, DE 05/04;
MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS;
TRABALHADORES QUE EXERCEM FUNÇÕES FORA DE PORTUGAL;
OBRIGAÇÃO DE INSCRIÇÃO NOS SERVIÇOS LOCAIS DE SEGURANÇA SOCIAL;
OBRIGAÇÃO DE CELEBRAÇÃO OU DE COMPARTICIPAÇÃO NUM SEGURO PRIVADO;
OBRIGAÇÃO NA COMPARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS DE SAÚDE.
Sumário:I - A junção de documentos em fase de recurso é algo excepcional, que deve obedecer aos art.ºs 425.º e 652.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.ºs. 90.º, n.º 2 e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a saber, devem tais documentos ser de conhecimento superveniente ou tem de mostrar necessários face ao julgamento proferido pelo tribunal recorrido;

II - No que se refere ao conhecimento superveniente, pode resultar de uma circunstância objectiva, decorrente da produção do documento em data posterior ao encerramento da discussão, ou de motivos subjectivos, relacionados com a possibilidade do conhecimento do documento apenas em data posterior àquele encerramento;

III - Os art.ºs. 636º, n.º 2, 640º e 662º do CPC impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

IV - Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente;

V - Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória;

VI – Conforme os art.ºs 2, n.º 2 e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 444/99, de 03/11, 85.º do Decreto-Lei 444/99, de 03/11 e 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48/88, de 28/12, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) não estava obrigado a inscrever uma trabalhadora detentora de um contrato de trabalho - e de um visto A2 - nos serviços de segurança social (SS) dos Estados Unidos da América, incumbindo-lhe, apenas, fazer essa inscrição no sistema de SS de Portugal;

VII – O MNE também não estava obrigado a comparticipar à A. um seguro privado que cobrisse, obrigatoriamente, os riscos de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego;

VIII – Por aplicação do art.º 19.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 47/2013, de 05/04, incumbia ao MNE comparticipar nas despesas de saúde dos seus trabalhadores, mas não lhe era exigível a celebração de um qualquer seguro de saúde. Tal seguro incumbiria ser contratualizado pelo próprio trabalhador, em nome pessoal, devendo, depois, o MNE comparticipar nas despesas de saúde.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

G............... interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias na qual a A. e Recorrente peticionava:
“a) Quanto ao direito à pensão de reforma:
i. Ao pagamento, à A., com base na remuneração actual da A., do montante de 451.080 USD (401.002€ ao câmbio do dia 30 de Junho de 2020) para reconstituir o capital inicial de constituição de fundo de reforma.
ii. Ao pagamento à A., caso não esteja regularizada a situação de protecção social da trabalhadora quando esta atingir a idade legal de reforma, de um montante mensal, correspondente ao seu vencimento actual, a título de pensão provisória.
b) Quanto às despesas de saúde:
i. Ao pagamento de todas as despesas de saúde que a A. terá previsivelmente de suportar em virtude da necessidade de tratamento que o seu estado de saúde comporta no montante de 785.000 USD (697.850€ ao câmbio do dia 30 de Junho de 2020),
ii.A contratação, por parte do R., em nome da A., de um seguro de saúde privado que permita à A. ter assistência médica condigna, cujo prémio indicativo importa no montante de 49.000 USD (43.560€ ao câmbio do dia 30 de Junho de 2020).
c) Subsidiariamente, caso assim se entenda não estarem preenchidos os pressupostos para o uso da intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias, requer-se a convolação da presente intimação numa providência cautelar, na qual se requer que o R. seja condenado nos mesmos termos peticionados, ainda que a título provisório, feitos no âmbito da intimação ou noutras medidas que este Tribunal entenda por mais adequadas;
d) Mais requer o decretamento provisório de tal providência no prazo de 48 horas, nos termos do disposto pelo art.° 131.°, n.° 1 do CPTA, com as devidas consequências legais.”

Em alegações são formuladas pela Recorrente, as seguintes conclusões:” a) Ao contrário do que conclui a douta sentença recorrida, a autora trabalhou para o réu em regime de trabalho subordinado desde 01/03/1999. Conforme resulta provado nos autos (doc1 da p.i.) e é de resto reconhecido pelo próprio réu.
b) Pelo que à data da sua contratação, não tendo a A. vínculo à função pública, aplicava-se-lhe por força do disposto no artigo 2° n.° 2 do DL 451/85 de 28/10, ainda que por analogia, o regime do contrato individual de trabalho, em conformidade com o direito local, já que para as funções em causa - actualmente designadas por “assistente de residência” - existia então uma lacuna na lei quanto ao regime legal aplicável.
c) Não lhe podendo ser aplicável o regime de previdência público local uma vez que nos EUA não existia, à data da sua contratação, um regime de segurança social universal que cobrisse as eventualidades de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego, e por força da sua situação de titular do visto A2, face ao do disposto no artigo 6° do Decreto 48/88 “Os nacionais de um dos Estados Contratantes que estejam ao serviço do Governo desse Estado Contratante no território do outro Estado Contratante e que não estejam isentos da legislação deste Estado Contratante por força das Convenções mencionadas no n.° 1 ficam sujeitos apenas à legislação do primeiro Estado Contratante. Para efeito deste número, estar ao serviço do Governo de um Estado Contratante inclui o serviço prestado a um dos seus organismos”,
d) Consequentemente, teria de se aplicar à situação da autora o artigo 27° n.° 1 do DL 451/85 de 28/10, ou seja, teria de ser comparticipado sistema de seguro privado que cobrisse obrigatoriamente, nos termos do n-° 2 do citado artigo 27°, os riscos de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego, comparticipação de que não poderia resultar um encargo para a trabalhadora superior ao dos restantes trabalhadores residentes em território nacional, atento respeito devido ao principio da igualdade.
e) Ao contrário do que conclui a douta sentença recorrida, em nenhum momento a segurança social portuguesa se pronuncia pela existência do chamado período de garantia, que como se pode comprovar pela resposta ao requerimento da autora entretanto submetido aquele organismo, não existe.
f) O facto de a autora ter até à presente data sido beneficiária da ADSE, em nada diminui a sua situação de total desprotecção, porquanto a autora vive num país em que a assistência média é privada e mesmo que a ADSE comparticipe algumas das suas despesas de saúde, o valor da comparticipação da ADSE, nos EUA onde o custo dos serviços de saúde é muitíssimo superior ao custo em Portugal, varia entre 50% e 25%, como se pode constatar da página da “Tabela de Preços e Regras em vigor para o Regime Livre” disponível no sitio da ADSE, viola desde logo o principio da igualdade no acesso aos cuidados de saúde, no que concerne à autora, igualdade que apenas podia ser garantida com a comparticipação pelo Réu de um seguro de saúde privado.
g) Por outro lado, o raciocínio contido na douta sentença está desde logo inquinado, já que essa comparticipação consubstancia-se no reembolso parcial das despesas apresentadas. Ora, se a autora não tem rendimentos, não tem possibilidade de pagar qualquer despesa de saúde e tão pouco poderá continuar a apagar a ADSE, ficando assim TOTALMENTE desprotegida.
h) Como sustentou o Tribunal Constitucional, no acórdão n.° 3/2010, processo n.° 176/09: “quando esteja em causa a própria subsistência mínima e, portanto, a existência socialmente condigna, o direito à segurança social adquire uma urgência e uma força vinculante que o tornam directamente aplicável e o subtraem, em ampla medida, ao poder de legislar extrai-se do princípio da dignidade humana (artigo 1° da Constituição da República Portuguesa) um direito fundamental a um mínimo de existência condigna.”
i) Impunha-se ao tribunal a quo julgar verificada a inexistência de protecção social da autora bem como o incumprimento da obrigação do réu de promover essa protecção social com recurso à comparticipação de seguros privados, única opção no caso dos presentes autos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e proferido acórdão em que se conheça do mérito da causa, condenando-se o réu nos exactos termos peticionados pela autora na petição inicial. Mais deve aréu ser condenado nas custas do processo.

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A. A Recorrente procura impugnar a matéria de facto dada como provada, em especial o ponto 1 do probatório, defendendo a modificação da mesma no tocante à subsunção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo relativa à relação jurídica entre as partes, pugnando que fosse considerado um contrato de trabalho e não uma prestação de serviços. No entanto, e como não se pode deixar de notar, a Recorrente incumpre no ónus que lhe incumbia, por força do artigo 640.° n.°1 al a) do CPC, aplicável aos autos face ao disposto do artigo 140.°, n.°3 do CPTA, em indicar, em sede de conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, pelo que, por força do artigo 635.° do CPC, face às funções das conclusões na delimitação do recurso, e na ausência de qualquer indicação da matéria de facto concreta que pretende ver alterada, deverá ser rejeitado parcialmente o recurso;
B. No entanto, à cautela e sem conceder, ressalve-se que a Recorrente, em momento algum, alegou ou provou factos constitutivos do seu direito, como seria o recurso ao método tipológico, mediante a alegação e a prova de um vínculo de subordinação económica e jurídica, incumprindo, assim, nas regras de repartição do ónus da prova, previstas no artigo 342.° do Código Civil, procedendo de igual forma em sede de recurso. No entanto, estranha-se a súbita invocação de um contrato de trabalho a períodos anteriores a 2005, enquanto a própria reconheceu perante as autoridades americanas, conforme se constata do documento 3 junto com o requerimento de 12 de novembro de 2020, que iniciou funções a 1 de outubro de 2005::” I started myjob on October 1st 2005”
C. Em sede de petição inicial, a Recorrente nada mais invocou que seria trabalhadora do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, desde 01 de março de 1999, exercendo 20 horas por mês, algo expressamente impugnado pela Entidade Recorrida e não reconhecido pela mesma, como agora a Recorrente sustenta. Do documento 1 junto com a petição inicial, onde a Recorrente alicerça a suposta relação jurídica de contrato de trabalho, nada se extraí sobre a existência de um vínculo de subordinação jurídica ou económica. Apenas resulta que exercia serviços de limpeza, categoria que nem encontra previsão nos quadros de pessoal assalariado, e que o fazia no referido posto consular, como não poderia deixar de ser, dado que quem contrata um resultado como seria o da limpeza do posto, não poderá executá-lo em local distinto.
D. Por conseguinte, a Recorrente nunca alegou ou provou que cumprisse um horário de trabalho, ou que este tenha sido imposto unilateralmente pela Entidade Recorrida, porquanto nunca esteve estabelecido um. Isto é, a Entidade Recorrente nunca procedeu à distribuição das 20 horas mensais mediante a fixação do início e termo dos períodos normais de trabalho, nunca procedeu a nenhum controlo de presenças como nunca foi alegado ou provado qualquer consequência pelo incumprimento das mesmas, bem como qualquer trabalho suplementar e consequente remuneração, o que evidencia que a Recorrente não detinha um dever de assiduidade típico de um contrato de trabalho, como nunca esteve sujeita ao poder de direção e fiscalização por parte da Entidade Recorrida. Sendo certo que, perante a confissão relativa ao número de horas prestadas (20 horas mensais), é possível inferir, através de um juízo meridiano de senso comum, que a Recorrente não teria qualquer exclusividade perante a Entidade Recorrida, porquanto será questionável que, face ao número de horas reduzidas, que a mesma não exercesse outras atividades remuneratórias para garantir o seu sustento. Algo que a Recorrente sabe, bem como todas as testemunhas arroladas pela Entidade Recorrida poderiam corroborar, que a mesma exercia funções de cozinheira a título particular, não dependendo, assim, economicamente, da atividade da Entidade Recorrida; 
E. No entanto, a linha argumentativa da Recorrente peca por procurar alicerçar-se no Decreto- Lei 451/85, de 28 de outubro, que, não obstante a sua publicação, nunca chegou, efetivamente a ser aplicado, conforme se constata do preâmbulo do Decreto-Lei 444/99, de 3 de novembro, que o sucedeu, ao afirmar: “ Considerando que, apesar da publicação do Decreto-Lei n.° 451/85, de 28 de Outubro, o pessoal de nacionalidade portuguesa continua a não dispor de estatuto profissional que enquadre juridicamente a relação de trabalho constituída entre o Estado e aqueles contratados, em razão daquele diploma legal nunca ter sido aplicado naquilo que nele era determinante quanto à relação jurídica de emprego que veio a estabelecer, em particular a faculdade de opção pelo regime da função pública”
F. Isto é, se o próprio legislador reconhece, expressamente, que o Decreto-Lei 451/85, nunca teve aplicabilidade no tocante às relações jurídicas de emprego, ou seja, quanto às relações entre o Estado e o pessoal constante do referido decreto-lei, tendo criado um novo quadro para poder salvaguardar as suas relações, o mesmo não poderá ser aplicável à Recorrente, que somente iniciou funções em 2005, muito menos por analogia, porquanto nem sequer foi aplicável ao pessoal expressamente previsto no diploma. Mais se aduz que o Decreto-Lei 444/99, procedeu à criação de dois quadros, nomeadamente o Quadro Único de Vinculação e o Quadro Único de Contratação. Este último, sujeita os trabalhadores ao direito local e contrato individual de trabalho. Quadro esse que a Recorrente só veio a integrar em 2005, com a celebração do contrato de trabalho e não com a entrada em vigor do diploma, pois somente nesse momento cumpriu o âmbito de aplicação subjetivo enunciado no artigo 2.°, n. °2, dado que somente nesse momento passa exercer funções com carácter de permanência, mediante subordinação jurídica e económicas para com o Estado português;
G. Desta forma, tendo a Recorrente iniciado funções mediante um contrato de trabalho datado de 1/10/2005, o normativo aplicável à mesma seria o Decreto-Lei 444/99, de 3 de novembro, em especial, o artigo 85.°, como bem sustenta a douta sentença. Assim, não sendo aplicável o seu número 1, dado que a Recorrente pertencia ao Quadro Único de Contratação, nem sendo possível a inscrição na segurança social local face ao visto A2 que a Recorrente era portadora e impedia a inscrição na segurança social americana, seria aplicável ao caso concreto o seu número 3, que impunha a inscrição no regime da segurança social portuguesa. Acrescendo, ainda, que o DL n.° 48/88, de 28 de dezembro de 1988, que aprova o Acordo de Segurança Social entre Portugal nos Estados Unidos da América, no artigo 6.°, n. °2 não vincula o Estado português na inscrição num sistema de segurança social local estrangeiro, antes no português;
H. Não só a douta sentença subsumiu corretamente os factos ao direito aplicável, não merecendo qualquer sindicância a esse respeito, como a própria Recorrente reconhece, uma vez mais, conforme advém da queixa que submeteu às autoridades americanas, constante do documento 3 anexo o requerimento de 12 de novembro de 2020, ao afirmar: “As a A2 visa holder, i am not entitled to the benefits or social coverture a regular American worker is. I asked several times to be made a formal member of the Portuguese Consulate staff, so i could have access to benefits such ADSE (healt), social security and retirement pension as stated by Portuguese law. Both de Portuguese Consulate and the Portuguese Ministry of Foreign Affairs (MNE) are well aware it should be so"
I. Ressalve-se, contudo, que, como nota a douta sentença, após a intervenção do Instituto da Segurança Social, ficou assente que a Recorrente goza do período de garantia para beneficiar de uma pensão de velhice, bem como o referido instituto irá proceder oficiosamente à regularização da carreira contributiva da Recorrente, exigindo o pagamento das contribuições e quotizações não prescritas à Entidade Recorrida. Ora, a Recorrente não poderá deixar de conhecer tais factos, pelo que, defendendo a revogação da sentença recorrida, não altera, em nada, o pagamento que a Entidade Recorrida terá de realizar. Deste modo, continuar a defender o pagamento de um fundo de reforma em valores exorbitantes, como os peticionados, levaria a que uma trabalhadora que nunca viu o seu vencimento reduzido, aceitando todos os atos de remuneração tal qual como eram processados, beneficiasse de uma pensão de reforma, de uma regularização da sua carreira contributiva e ainda de um fundo de reforma manifestamente desproporcional, olvidando-se daquilo que também seriam os pagamentos da sua responsabilidade.
J. Não só violaria o princípio da igualdade perante todos os trabalhadores que todos os meses suportam os respetivos descontos vendo a sua remuneração diminuída, como configura, ainda, um abuso de direito, tendo em conta que a Recorrente em nada comparticiparia para o respetivo fundo, cabendo-lhe, igualmente, o pagamento de uma quota parte, por força do artigo 19.° do Decreto-Lei 47/2013, bem como, enquanto detentora de um direito, como será o direito à segurança social, procura exercê-lo de modo manifestamente contrário à boa fé, pois não pode desconhecer que a Segurança Social irá exigir o pagamento à Entidade Recorrida, continuando a pugnar pelo pagamento de um fundo de reforma, que consubstanciará o pagamento em dobro para a Entidade Recorrente, beneficiando de dois fundos de pensão, enquanto nunca descontou, exercendo o direito de forma contrária à justiça.
K. A douta sentença dá como provado, no ponto 12 do probatório, que a Recorrente apresenta até 31/12/1979 três anos de inscrição e 24 meses com registos de contribuição para que lhe seja atribuída uma pensão de velhice. No entanto, a Recorrente em sede de conclusões discorda do probatório, arguindo que a Segurança Social nunca se pronunciou sobre o referido período de garantia. Deste modo, é clarividente que a Recorrente procura impugnar a matéria de facto dada como provada, incumprindo, novamente, o ónus que lhe incumbe por força do artigo 640.° n.°1 al. a) do CPC, por falta de indicação concreta dos factos probatórios que considera incorretamente julgados, pelo que deverá ser rejeitado o recurso quanto à referida impugnação da matéria de facto;
L. Não se poderá deixar de notar que as alegações e conclusões da Recorrente quanto a este ponto são intelectualmente desonestas. Uma leitura atenta do requerimento do Instituto da Segurança Social evidencia, de modo claro, que a Recorrente goza do referido período de garantia, como resulta da sua página 2, fazendo todo o enquadramento legal aplicável à Recorrente, bem como a contagem dos períodos contributivos para que a mesma possa beneficiar. Se dúvidas houvesse sobre se o Instituto da Segurança Social se pronunciou pela existência do referido período de garantia, destaque-se o seguinte excerto: “Assim, tendo em conta que a Autora G............... apresenta, até 31/12/1979, três anos de inscrição e 24 meses com registo de contribuição (9 meses em 1976+9 meses em 1977 + 6 meses em 1979) tem direito que lhe seja atribuída uma pensão de velhice (...) Para tanto, bastará apresentar o respetivo requerimento ao abrigo do artigo 96.° do Decreto-Lei n.° 187/2007, de 10/05" 
M. Os documentos juntos pela Recorrente não devem ser aceites como deve ficar prejudicada toda a capacidade dos mesmos em alterar a matéria de facto, uma vez que não estão cumpridos os requisitos do artigo 651.° do CPC, aplicável por força do artigo 140.°, n. ° 3 do CPTA, nem foi alegado ou provado qualquer impossibilidade de apresentação dos mesmos em momento anterior ao recurso, ou qualquer introdução de elementos novos na sentença recorrida que tornasse necessária a prova documental adicional;
N. In casu, os documentos não são objetivamente supervenientes, pois os factos não ocorram após o julgamento, em especial quanto ao primeiro, onde consta a data de 14.10.2020, bem como os demais não são subjetivamente supervenientes, pois, pese embora a Recorrente só tenha procedido à simulação da pensão em momento posterior à sentença recorrida, a mesma não estaria impossibilitada de o ter feito em momento anterior, nomeadamente, quando notificada do oficio do Instituto de Segurança Social, como justificaria um quadro normal de diligência tendo em conta os seus interesses, não consubstanciado um conhecimento que ocorreu após a sentença, mas que não se diligenciou a conhecer. Acrescendo, a questão do período de garantia não assumiu uma posição de novidade da sentença recorrida, tendo em conta todos os despachos onde se discutia a intervenção do Instituto da Segurança Social, bem como a possibilidade de a Recorrente ter junto os documentos no requerimento de 14 de dezembro de 2020;
O. No entanto, os documentos juntos pela Recorrente não comportam a capacidade de alterar a matéria de facto do ponto 12 do probatório, porquanto nada mais são do que uma mera informação de como preencher o respetivo requerimento, não havendo qualquer prova de preenchimento, envio ou resposta, quanto mais negativa. Não se vislumbrado que o Instituto de Segurança Social fosse dar uma resposta errónea ao Tribunal a quo relativamente aos períodos de contribuições da Recorrente, enquanto o mesmo se socorreu do Banco Nacional de Dados de Beneficiários e Utentes, procedendo a uma discriminação dos períodos contributivos da mesma e o documento junto pela Recorrente nada mais é do que uma simulação, ou seja, meramente indicativo;
P. Como reconhece a Recorrente, a Entidade Recorrida comparticipa seguros privados que assegurem a assistência na doença, não os contratualiza ou assume a totalidade das despesas. Cabe aos trabalhadores contratualizar um seguro de saúde em seu nome e, quando o façam, a Entidade Recorrente envia a verba estipulada, em condições uniformes, para todos os trabalhadores. Não tendo a Recorrente, em momento algum, procedido à contratualização de seguro, não poderá imputar as culpas à Entidade Recorrida face à sua falta de proatividade. Pelo que a douta sentença não padece de nenhum erro, ao afirmar que não há base legal para a Entidade Recorrida proceder à contratualização de um seguro e consequente comparticipação das suas despesas de saúde. Acrescendo que, se o subsistema da ADSE não é ideal para a Recorrente, face aos custos praticados nos Estados Unidos da América, questiona-se por que motivo escolheu, então, descontar todos os meses para o referido sistema, tendo plena consciência dos valores praticados no país onde habita e que a comparticipação não seria ideal?
Termos em que deve ser julgado
a) Rejeição parcial do recurso relativamente à impugnação da matéria de facto dada como provada, em especial o ponto 1 e 12, por incumprimento do ónus do artigo 640.° n. °1 al a) do CPC;
b) Rejeitados os documentos juntos com as alegações, por falta dos pressupostos legais previstos no artigo 651.° do CPC;
c) Improcedente o recurso da Recorrente;
d) Mantida a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa”.

O DMMP não apresentou pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.



II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que se mantém:
1. Em 01.03.1999, a Autora iniciou prestação de serviços no Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, a tempo parcial, enquanto “Pessoal Assalariado - Pessoal de Limpeza (cf. documento 1 da petição inicial e PA).
2. Entre 01.10.2005 e 31.12.2008, a Autora foi trabalhadora do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, ao abrigo de contrato individual de trabalho, de regime local, sem termo, na carreira de Auxiliar e na categoria de Auxiliar de Serviço — Nível II (cf. documento 1 da petição inicial; documento 4 da contestação; e PA).
3. Entre 01.09.2009 e 30.04.2013, a Autora foi trabalhadora do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na carreira de Auxiliar e na categoria de Auxiliar de Serviço- Nível 2 (cf. documento 1 da petição inicial e PA).
4. Desde 01.05.2013, a Autora é trabalhadora do Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na carreira e categoria de Assistente de Residência (cf. documento 1 da petição inicial e PA).
5. A Autora nasceu em 10.12.1950 (cf. artigo 22.° da petição inicial e PA).
6. Não existem registos de remunerações junto de sistemas de previdência, públicos ou privados, portugueses ou estrangeiros, relativas ao período e remunerações respeitantes à prestação de serviços ou ao trabalho para o Ministério dos Negócios Estrangeiros/Estado Português, referidos em 1. a 3. (acordo).
7. A Entidade demandada não efectuou retenções sobre as remunerações da Autora nem efectuou pagamentos, para contribuição ou quotização de sistemas de previdência, nomeadamente para efeitos de pensão de aposentação (acordo).
8. Até data incerta, mas pelo menos até Fevereiro de 2019, a Autora não era titular do denominado “Greer Cará’ dos Estados Unidos da América (cartão de residência permanente), mas apenas de visto A2 (para funcionários de Missões estrangeiras) (cf. documentos 4 e 14 da petição inicial; documentos 6 a 9 da contestação; e PA).
9. A Autora está inscrita como beneficiária da ADSE desde 26.06.2008, efectuando os respectivos descontos sobre o vencimento (cf. documento 2 da petição inicial; documentos 3 e 19 da contestação; e PA).
10. A Autora, anteriormente ao exercício das funções referidas em 1. a 3., esteve inscrita na segurança social portuguesa, sendo beneficiária do Centro Nacional de Pensões (cf. documento 9 da contestação; conjugado com a informação prestada pelo Instituto da Segurança Social a que se fará referência autónoma a seguir).
11. Em 04.07.2020, deu entrada a presente intimação, via SITAF (cf. fls. 1 dos autos). Mais se provou:
12. Por ofício de 26.11.2020, o Instituto da Segurança Social, I.P., apresentou as suas respostas às questões que lhe foram colocadas pelo Tribunal por despacho de 11.11.2020, dele constando, entre o mais, o seguinte:





(cf. despacho de 11.11.2020 e requerimento de 26.11.2020 - registo SITAF).



Factos não provados com relevo para a decisão:
A) A Autora desistiu da sua reinscrição na Segurança Social portuguesa, devido aos elevados valores de retroactivos que teria de pagar, respeitantes à sua quota-parte (cf. artigo 102.° da contestação).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste recurso são:
- aferir da admissibilidade da junção do documento apresentado em fase de recurso;
- aferir do erro no julgamento da matéria de facto porque foi admitido e está provado pelo doc. n.º 1 junto com a PI que a A. e Recorrente trabalhou para o MNE, em regime de trabalho subordinado, desde 01/03/1999;
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs do art.º 2.º, n.º 2, 27.º do Decreto-Lei n.º 451/85, de 28/10, 6.º do Decreto-Lei n.º 48/88, de 28/12 e do princípio da igualdade, porque deveria ter-se entendido que existiu uma lacuna, que obrigava à aplicação à situação da A. do regime do contrato individual de trabalho e à comparticipação pelo MNE de um seguro privado que cobrisse, obrigatoriamente, os riscos de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego, relativamente ao qual a comparticipação da A. e Recorrente não poderia ser superior à dos restantes trabalhadores nacionais dos EUA.

Da questão prévia da admissibilidade da junção de documento em fase de recurso
A A. e Recorrente veio juntar um documento em fase de recurso.
O Recorrido opõe-se a tal junção.
O indicado documento é relativo a uma simulação efectuada junto dos serviços da Segurança Social (SS).
No recurso, a A. e Recorrente não invoca a razão pela qual só após a apresentação do recurso veio juntar o indicado documento. A A. e Recorrente também não diz porque é que entende que a junção de tal documento se tornou necessária face ao julgamento de 1.ª instância.
Atendendo ao conteúdo do documento junto, este poderia ter sido obtido pela A. e Recorrente antes da data da interposição da presente acção e antes da data do encerramento da discussão em 1.ª instância.
A junção de documentos em fase de recurso é algo excepcional, que deve obedecer aos art.ºs 425.º e 652.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art.ºs. 90.º, n.º 2 e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a saber, devem tais documentos ser de conhecimento superveniente ou tem de mostrar necessários face ao julgamento proferido pelo tribunal recorrido.
No que se refere ao conhecimento superveniente, pode resultar de uma circunstância objectiva, decorrente da produção do documento em data posterior ao encerramento da discussão, ou de motivos subjectivos, relacionados com a possibilidade do conhecimento do documento apenas em data posterior àquele encerramento.
No caso em apreço, o documento junto - tratando-se de uma simulação que pode ser feita a qualquer momento junto da SS – poderia ter sido obtido num momento anterior.
Por seu turno, não se vê como tal junção se só se mostrou necessária face à decisão recorrida.
Acresce, que atendendo ao conteúdo do documento junto, este é de todo irrelevante para o julgamento do recurso.
Na verdade, nos presentes autos, verifica-se, que por requerimento de 09/10/2020 a A. e Recorrente veio indicar que não pretendia discutir a inscrição na SS portuguesa e que não pretendia ficar responsabilizada pelo pagamento de quaisquer quotizações para esse efeito. Mais indica nesse requerimento, que “nos presentes autos não está em causa a reconstituição da carreira contributiva da autora, já que a mesma nunca poderia ser inscrita na segurança social portuguesa, mas sim o cumprimento da obrigação legal e constitucional do Réu de assegurar à autora, mediante comparticipação em seguro privado, a protecção na doença, no desemprego e na velhice”.
Portanto, atendendo à causa de pedir e aos pedidos formulados na PI - e ao esclarecimento que é dado pela A. e Recorrente através do requerimento de 09/10/2020 - há que concluir que a questão relativa ao preenchimento pela A. e Recorrente dos períodos de garantia necessários a ser-lhe atribuída uma pensão de reforma pela SS é algo que se alheia a estes autos.
Logo, é manifesto que não interessa aos autos o documento junto.
Por conseguinte, há que julgar inadmissível, porque ilegal, a referida junção aos autos do documento anexo às alegações de recurso e, em consequência, há que determinar o desentranhamento de tal documento e a sua devolução à apresentante.
Custas de incidente, que se fixa pelo mínimo legal de 1 UC, pela Recorrente (cf. art.º 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Judiciais (RCJ) e Tabela II).



Da apreciação do recurso

Os art.ºs. 636º, n.º 2, 640º e 662º do CPC impõem à parte recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Por seu turno, os art.ºs 640.º e 662.º do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, permitem a reapreciação e a modificabilidade da decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância apenas nas situações em que o tribunal recorrido apresente um julgamento errado, porque fixou factos de forma contrária às regras da prova, ou os fixou de forma inexacta, ou porque os valorou erroneamente.
Aqui vale o princípio da livre apreciação da prova, remetendo-se para uma íntima convicção do julgador, formada no confronto dos vários meios de prova, que uma vez exteriorizada através de uma fundamentação coerente, razoável, plausível, que obedeça às regras da lógica, da ciência e da experiência comum, torna-se uma convicção inatacável, salvo para os casos em que a prova deva ser feita através de certos meios de prova, que apresentem uma determinada força probatória.
Nestes termos, a impugnação da matéria de facto e a modificabilidade da mesma pelo tribunal superior não visa alterar a decisão de facto fundada na prova documental ou testemunhal, apenas porque a mesma é susceptível de produzir convicções diferentes, podendo ser diversa a tomada no tribunal superior daquela que teve o tribunal da 1.ª instância. Diferentemente, este tribunal superior só pode alterar a matéria de facto porque as provas produzidas na 1.ª instância impunham, decisiva e forçosamente, outra decisão diversa da aí tomada (cf. art.º 662.º do CPC).
Portanto, para a modificação da matéria de facto é necessário que haja uma dada matéria de facto que foi identificada e apreciada pelo tribunal de 1.ª instância e que este tenha exteriorizado a sua convicção na fixação da matéria provada e não provada. Só depois, se face às provas produzidas e para as quais o Recorrente remete, se impuser forçosamente decisão diversa da tomada pela 1.ª instância, há que alterar aquela. Mas terá que se tratar de uma prova firme, indiscutível ou irrefutável, que necessariamente abala a convicção que o tribunal de 1.ª instância retirou da prova produzida.
Igualmente, a matéria de facto que se exige fixada e que pode justificar a alteração em sede de recurso é apenas a que releve para a decisão da causa e não qualquer outra que haja sido alegada pela A. Ou seja, ainda que seja alegada determinada matéria de facto e ainda que a mesma resulte provada nos autos, se a mesma for irrelevante para a decisão a proferir, não há-de ser tomada em consideração pelo juiz em sede de 1.º instância e tal omissão também não conduz a um erro decisório.
Através deste recurso a A. cumpriu muito deficientemente os seus ónus na impugnação da matéria de facto.
Saliente-se, identicamente, que o facto que a A. quer ver dado por provado não se reconduz a um verdadeiro facto, a uma realidade da vida, mas é, sim, uma apreciação conclusiva ou de Direito, pois o que a A. pretende é que se dê por assente a conclusão ou a qualificação jurídica relativa ao tipo de contratação que efectuou 01/03/1999. A A. e Recorrente quer que se qualifique essa contratação como sendo um contrato de trabalho subordinado.
Assim, pelas supra-indicadas razões, teria sempre de improceder o ataque à decisão recorrida relativamente ao correspondente julgamento da matéria de facto.
Sem embargo, acrescente-se, que ficou provado em 1. “que 01.03.1999, a Autora iniciou prestação de serviços no Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, a tempo parcial, enquanto “Pessoal Assalariado - Pessoal de Limpeza (cf. documento 1 da petição inicial e PA).”
O documento 1. junto à PI corrobora tal factualidade.
Tal documento não comprova que a A. e Recorrente, naquela data, cumpria um dado e concreto horário de trabalho, que ali se indique, num dado local e ao serviço do MNE, ou que tivesse sujeita às ordens de um dado titular de um órgão do MNE, que fosse seu superior hierárquico. Ou seja, daquele documento não se retiram os factos relativos a um alegado dever de cumprimento pela A. de um horário de trabalho completo, num determinado local e sob as ordens de titulares de órgãos do MNE.
Improcede, pois, o invocado erro decisório relativamente ao julgamento da matéria de facto.

Vem a A. invocar, também, um erro decisório e a violação dos art.ºs do art.º 2.º, n.º 2, 27.º do Decreto-Lei n.º 451/85, de 28/10, 6.º do Decreto-Lei n.º 48/88, de 28/12 e do princípio da igualdade, porque entende que existia uma lacuna, que obrigava à aplicação à sua situação do regime do contrato individual de trabalho e à comparticipação pelo MNE de um seguro privado que cobrisse, obrigatoriamente, os riscos de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego, relativamente ao qual a comparticipação da A. e Recorrente não poderia ser superior à dos restantes trabalhadores nacionais dos EUA. Para suportar tal erro, a A. e Recorrente diz, igualmente, que aquela exigência decorria de ser titular do visto A2 nos EUA. Mais diz a A. e Recorrente, que a circunstância de ser beneficiária da ADSE não podia afastar a comparticipação pelo MNE daquele seguro, pois nos EUA os valores devidos pela assistência médica são muitíssimo superiores aos de Portugal e não ficam cobertos pelos reembolsos da ADSE. A A. e Recorrente invoca, também, que não tem rendimentos para pagar quaisquer despesas de saúde ou, sequer, para pagar as quotas da ADSE. A A. e Recorrente aduz, identicamente, que não teve acesso à inscrição na SS e aos benefícios que daí derivavam, porque a SS, após ter sido instada, não se pronunciou sobre o período de garantia.
Como nota prévia, saliente-se, que a A. não pretende que através desta acção se discuta o direito de inscrição na SS portuguesa ou os termos da sua carreira contributiva, mas pretende, sim, a inscrição no regime de SS nos EUA e a contratualização de um seguro privado em seu favor pelo MNE. É, pois, em face desta pretensão que cumpre apreciar o supra indicado argumento da falta de inscrição na SS e do não preenchimento dos prazos de garantia.
A decisão recorrida julgou improcedente a presente intimação com base na seguinte fundamentação: “Não perdendo de vista a delimitação do objecto do litígio anteriormente realizada, o cerne da decisão está em saber se, afinal, a Autora podia/devia ser inscrita na Segurança Social portuguesa ou, ao invés, podia/devia ser inscrita no regime de segurança social local (dos EUA) ou contratar seguro privado de reforma.
À data do início de funções públicas pela Autora, em 2005, regia o então Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 444/99, de 3 de Novembro.
Dispunha o artigo 85.° do referido Estatuto, inserido no Capítulo XIII - Segurança Social, o seguinte:
“Artigo 85. ° Regimes
1 - O pessoal sujeito ao regime da função pública é obrigatoriamente inscrito na Caixa Geral de Aposentações e na ADSE.
2 - O restante pessoal é inscrito no sistema de segurança social do país onde presta serviço que preveja a protecção na doença, maternidade, invalidez, desemprego e reforma.
3 - Sempre que não seja possível aderir ao sistema de segurança social local ou que este não assegure as coberturas previstas no número anterior, será garantida aos nacionais portugueses a inscrição no regime geral de segurança social portuguesa e, bem assim, desde que exista convenção internacional que o permita, aos trabalhadores estrangeiros.
4 - Fora dos casos previstos no número anterior, a protecção em matéria de segurança social será assegurada mediante recurso a seguro privado, sendo que a comparticipação dos trabalhadores para a formação do respectivo prémio não excederá o que teriam de suportar com a inscrição no regime geral de segurança social portuguesa, caso fosse admitida.
5 - Na medida em que os instrumentos internacionais o permitam, o pessoal poderá optar peia inscrição no regime de segurança social local ou no regime geral de segurança social portuguesa.
6 - O Estado assegurará a cobertura dos encargos com a quotização que lhe competir para os organismos de segurança social.
Já o artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 47/2013, de 05.04.2013 (que estabelece o regime jurídico-laboral dos trabalhadores dos serviços periféricos externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendo revogado o Decreto-Lei n.° 444/99, de 3 de Novembro), na Secção V — Protecção social e benefícios sociais, dispõe o seguinte: “Artigo 19.° Protecção social e sistema de saúde
1- Os trabalhadores dos SPE do MNE ficam abrangidos, sempre que possível, pelo regime de segurança social local, sem prejuízo do disposto nos regulamentos comunitários ou instrumentos internacionais a que Portugal está vinculado, cabendo ao Estado português suportar os encargos por conta da entidade empregadora.
2 - Quando não for admitida a inscrição em sistema de segurança social local ou este não preveja a protecção nas eventualidades que integram o âmbito material do regime geral de segurança social português dos trabalhadores por conta de outrem (RGSS), bem como acidentes de trabalho, é, sempre que possível, celebrado seguro para cobertura das eventualidades não abrangidas, sendo os correspondentes encargos suportados pelo trabalhador e pelo Estado português nas mesmas percentagens estabelecidas para as contribuições e quotizações para o RGSS. 3 - A comparticipação do trabalhador para a formação do prémio de seguro a que se refere o número anterior, bem como relativamente a eventuais franquias, não pode exceder o montante correspondente a quotizações que teria de despender se estivesse inscrito no RGSS, tendo por referência o valor da sua retribuição, de acordo com a respectiva percentagem que serve de base para efeitos de retenção na fonte.
4 - Nos países onde não haja ou não seja possível o acesso a um sistema de saúde, a entidade empregadora comparticipa as despesas dos trabalhadores, nos termos de portaria a aprovar pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e dos negócios estrangeiros.
Como se sabe e resulta do probatório, a Autora, à época, não detinha o denominado Green card’, mas apenas o visto A2.
Assim, não era possível a inscrição da Autora em sistema de segurança social local (dos EUA), pelo que regia o disposto no n.° 3 do citado artigo 85.° do Estatuto, nos termos do qual a Autora, por ser nacional portuguesa, seria então inscrita no regime geral de segurança social portuguesa.
Apenas para os casos não abrangidos pelos números precedentes, isto é, para os que não pudessem ser inscritos no sistema de segurança social local nem no regime geral da segurança social portuguesa, é que previa o n.° 4 a possibilidade de a protecção ser assegurada mediante recurso a seguro privado, com comparticipação do trabalhador limitada ao que teria de contribuir face ao regime geral de segurança social português.
À mesma conclusão se chega face ao disposto no artigo 19.° do regime actual, acima citado.
Não tem, assim, razão a Autora ao considerar que, no seu caso, apenas era possível o recurso a seguro privado.
Por outro lado, não só era possível a inscrição na segurança social portuguesa como, na verdade, a Autora já tinha inscrição prévia no regime geral (de 01.04.1976) e tendo registo de remunerações e descontos que lhe permitem dispor de prazo de garantia para que lhe seja atribuída pensão de velhice, bastando-lhe apresentar o respectivo requerimento junto da Segurança Social (cf. ponto 12. do probatório).
Com o referido, também fica afastada a hipótese de uma total ausência de protecção na velhice/aposentação. É certo que, se regularizada toda a carreira contributiva da Autora, a referida pensão será de montante mais elevado, mas, ainda assim, já não se estará na situação de inexistência ou ablação total do direito à protecção social ou de afectação do limiar de vida condigna.
Por outro lado, e conforme resulta também das respostas apresentadas pelo Instituto da Segurança Social, no que se refere às contribuições ainda não prescritas, a própria Segurança Social, oficiosamente, irá reconstituir a situação contributiva da Autora e exigir o pagamento da totalidade das quotas (incluindo a que seria devida por retenção na fonte sobre a remuneração paga à Autora) à Entidade demandada.
Assim, a futura pensão de velhice/aposentação poderá já reflectir não só a carreira contributiva já inscrita na Segurança Social, como toda aquela ainda não prescrita mais recente.
Ficará, apenas (se a Entidade demandada não recusar o pagamento que lhe venha a ser exigido pela Segurança Social das contribuições não prescritas; situação que, a suceder, para além da eventual execução fiscal por parte da Segurança Social, sempre teria de ser regulada ou decidida no âmbito de acção própria para o efeito), por discutir a situação das contribuições prescritas.
Contudo, para além de já não estar em causa a total inexistência de protecção social na velhice, como se referiu, a haver litígio entre as partes sobre a possibilidade e responsabilidade pelo pagamento das contribuições não prescritas (não obstante parecer resultar da resposta do ISS,I.P., que à partida deveria ser a Entidade demandada também a proceder a esse pagamento, pela totalidade, ainda que, eventualmente, podendo depois discutir se tem ou não direito de regresso perante a Autora), tal deverá ser dirimido no âmbito de acção administrativa adequada para o efeito. O que não pode ser feito no âmbito da presente intimação, pelos motivos já referidos aquando da delimitação do objecto do litígio, sendo certo que nada do aqui em causa foi peticionado pela Autora nestes autos.
Nestes termos, forçoso é concluir que improcede o primeiro pedido da Autora, relativo ao direito à pensão.
Também improcede, até pode decorrer do primeiro, o pedido relacionado com o pagamento de um montante mensal a título de pensão provisória, já que seria, no enquadramento dado pela Autora, até à regularização do direito à pensão, não genérico, mas concretamente aquele que havia peticionado (fundo de reforma).
No que respeita ao segundo pedido, relativo às despesas de saúde, deve dizer-se que as partes incorrem num equívoco. Assim, existe alguma confusão entre a protecção na eventualidade de doença (vulgarmente designado de “baixa médica” e que respeita à garantia de parte dos rendimentos dos beneficiários, quando se encontrem incapazes para o trabalho por motivo de doença) e que faz parte da protecção social, em sentido mais amplo, conferida pela inscrição e contribuição para a segurança social portuguesa, com a comparticipação em despesas médicas e o acesso a um sistema de saúde.
Assim, não é correcto a posição da Autora, depois aparentemente seguida pela Entidade demandada, na parte em que citam o disposto no artigo 19.°, n.ºs 2 e 3, para a situação subjacente à comparticipação de despesas médicas e de celebração de seguro de saúde.
Na verdade, apenas o n.° 4 do artigo 19.° respeita ao sistema de saúde e despesas médicas, não se confundido com a protecção na doença, enquanto uma das várias eventualidades abrangidas pela segurança social, como se referiu.
Ora, atendendo ao disposto naquele n.° 4, resulta que nos países em que não haja ou não seja possível o acesso a um sistema de saúde, a entidade empregadora comparticipa as despesas (médicas ou de saúde) dos trabalhadores, nos termos de portaria a aprovar.
Essa portaria não existe até ao momento. É verdade que pode estar aqui em causa uma omissão regulamentar (diga-se, aiatere, que mesmo para o pessoal diplomático, em cujo estatuto já estava prevista não apenas a comparticipação em despesas, mas a própria celebração de um seguro de saúde, há vários anos, e apesar de já regulamentado em 2011, só muito recentemente foi autorizada a assunção de encargos decorrentes da contratação de seguro, após procedimento pré-contratual de aquisição - cf. artigo 68.° do Estatuto da Carreira Diplomática, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 40-A/98, de 27 de Fevereiro; Portaria n.° 305/2011, de 20 de Dezembro e Portaria n.° 671/2019, de 8 de Outubro). Porém, mesmo que assim seja, tal questão teria de ser discutida em acção própria para o efeito.
Tal como está (e não podendo a presente intimação contornar a eventual omissão de regulamentação), não há base legal para proceder o peticionado pela Autora.
No limite, a considerar-se que a norma legal tem uma parte directamente exequível, que se cingiria à previsão de comparticipação (mas já não ao seu quantum e forma), concluir-se-ia que teria a Entidade demandada margem de liberdade nessa comparticipação, a qual bem poderá ser aquela que a vem alegada nos autos, nomeadamente a da compartição, até ao montante de USD 300,00, do prémio de seguro de saúde privado celebrado pelo trabalhador.
No fundo, na ausência de regulamentação e face ao que resulta da norma legal, o que haveria era de garantir alguma comparticipação e que ela seja essencialmente idêntica e atribuída com base em critérios uniformes em relação aos demais trabalhadores, garantido a não violação do princípio da igualdade.
Ora, a Entidade demandada não se recusou a essa comparticipação, igual à que atribui aos demais trabalhadores, pelo que, não cabendo, face à falta de norma regulamentar que não pode ser colmatada com a presente intimação, improcede o peticionado, quer quanto a comparticipação em despesas concretas quer em seguro de saúde.
Ademais, caberá à Autora, querendo, celebrar o seguro de saúde (com ou sem o apoio da contratação por parte da Entidade demandada) e requerer, depois, a comparticipação, nos termos em que a Entidade demandada vem fazendo com os demais trabalhadores.
Acresce que a Autora é beneficiária da ADSE, sendo, assim, beneficiária de um subsistema de saúde.
Mesmo que, eventualmente, possa não ser uma comparticipação ideal ou de nível adequado às despesas incorridas nos EUA, não se tratará, em todo o caso, de uma ausência total de assistência na saúde e acesso a sistema de saúde.
Improcede, pois, o pedido relativo a despesas de saúde.
Assim concluindo, há que reiterar que o agora julgado se cinge aos exactos termos do peticionado, pelo que a improcedência não abrange nem afecta, naturalmente, quaisquer eventuais direitos ou pretensões que a Autora possa ter perante a Entidade demandada e/ou o Estado Português, e a dirimir em acção administrativa própria e adequada para o efeito, a respeito da responsabilidade civil contratual ou extracontratual, no âmbito da segurança social portuguesa, em particular da responsabilidade pela reconstituição da carreira contributiva da Autora, no que respeita às contribuições eventualmente já prescritas.
Tem, pois, de improceder o peticionado, indeferindo-se a intimação.”

Esta fundamentação e o julgamento subsequente estão inteiramente correctos.

Quanto ao invocado Decreto-Lei n.º 451/85, de 28/10, foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 444/99, de 03/11/1999. Foi, depois, repristinado pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/86, publicada no DR n.º 50/1986, Série I de 1986/03/01 e novamente revogado com efeitos a 27/12/1985 pelo Decreto-Lei n.º 500-B/85, de 1985/12/27.

Logo, tal diploma não tem aplicação ao caso da A. e Recorrente, que conforme a factualidade provada só a partir de 01/10/2005 passou a ser detentora de um contrato individual de trabalho celebrado com o MNE.
No mais, não estando provado que a A. e Recorrente era detentora de um contrato de trabalho desde 1999, cai por terra a invocação da existência de uma lacuna que justificasse a aplicação de tal diploma.
Assim, a partir da indicada data de 01/10/2005 a mesma ingressou no quadro único de contratação, celebrando com o MNE um contrato de trabalho, nos termos dos art.ºs 2, n.º 2 e 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 444/99, de 03/11. Porque detinha um visto A2 - e não um “Green Card” - não era possível ao MNE inscrevê-la no sistema de SS local. Consequentemente, o MNE ficou obrigado a inscrevê-la nos serviços de SS em Portugal, conforme estipulado nos art.ºs. 85.º do Decreto-Lei 444/99, de 03/11 e 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48/88, de 28/12.
Ou seja, o MNE não tinha a obrigação de comparticipar à A. um seguro privado que cobrisse, obrigatoriamente, os riscos de doença, maternidade, invalidez, reforma e desemprego, mas estava tão-somente obrigado a inscrevê-la nos serviços de SS em Portugal.

Por seu turno, por aplicação do art.º 19.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 47/2013, de 05/04, apenas incumbe ao MNE comparticipar nas despesas de saúde dos seus trabalhadores, não lhe sendo exigível a celebração de um qualquer seguro de saúde. Tal seguro incumbirá ser contratualizado pelo próprio trabalhador, em nome pessoal, devendo, depois, o MNE comparticipar nas despesas de saúde.

Em suma, há que acompanhar e manter a decisão recorrida, que está certíssima.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em julgar inadmissível, porque ilegal, a junção aos autos do documento anexo às alegações de recurso e, em consequência, determinar seu o desentranhamento e correspondente devolução à apresentante;
- em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão recorrida;
- custas de incidente, que se fixa pelo mínimo legal de 1 UC, pela Recorrente (cf. art.º 7.º, n.º 4, do RCJ e Tabela II);
- custas do recurso pela Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 18 de Março de 2021.
(Sofia David)

O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art.º 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Dora Lucas Neto e Pedro Nuno Figueiredo.