Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:336/13.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:LUISA SOARES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
IRS;
MAIS-VALIAS
Sumário: São excluídas de tributação, em sede de IRS, as mais-valias derivadas da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos termos previstos no nº 5 do art. 10º do CIRS.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M............, contra os actos de liquidação de IRS e juros compensatórios do ano de 2011 no montante total de € 11.194,83.

A Recorrente, nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:

“ 1. O presente recurso vem interposto na sequência da Douta Sentença proferida no âmbito dos presente autos, a qual, julgou procedente a presente impugnação e, em consequência, determinou a anulação das “liquidações de IRS n.º…………, bem como dos juros compensatórios n.º…………, referentes ao período de tributação do ano de 2011, no valor total de € 11.194,83, (…).”, com os fundamentos constantes na peça decisória colocada em crise, que se dão como reproduzidos para os devidos e legais efeitos;

2. Decisão com a qual, ressalvado o devido respeito, que é muito, não nos conformamos nem concordamos, por a mesma padecer de vício de violação de lei (n.º 1, alínea a) e n.º 5 alínea a) e b) do artigo 10.º do Código do IRS, e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não devendo ser mantida;

3. Como resulta provado e é facto não controvertido a impugnante veio deduzir impugnação judicial, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 99.º e seguintes do CPPT, contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2011 supra, pugnando pela anulação da mencionada liquidação na parte referente às mais-valias, por "errónea qualificação e quantificação dos rendimentos da impugnante que foram inclusos no rendimento global desta e que estão isentos do pagamento do imposto";

4. Para decidir como decidiu, o tribunal recorrido, suportado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 22-11-2017, proferido no processo n.º 0384/16 (disponível para consulta em www.dsgi.pt), entendeu “que o prédio sito na Rua……………, era a habitação própria e permanente da Impugnante, (…) estando, assim, verificado o pressuposto consagrado no n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS, o que determina a não sujeição a imposto do valor de realização pela venda do imóvel.”;

5. Logo, sentenciou, “(…) as liquidações de IRS e respetivos juros compensatórios padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.”;

6. Ora, tendo presente o disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS e é comumente aceite, quer pela jurisprudência dos tribunais superiores, quer pela melhor doutrina, para que ocorra a exclusão de tributação ali prevista na alínea além de termos de estar perante “ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.”,

7. exige-se ainda, em complemento, a concretização de determinados comportamentos por parte do sujeito passivo para que aquela exclusão se concretize (os anteriormente referidos, previstos nas alienas a) a c) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS), sob pena de não se encontrarem reunidos os pressupostos previsto na norma para que o benefício ali previsto possa ser integralmente obtido. (Vide, entre outros, acórdão do STA, Proc.º n.º 0250/14, de 17-09-2014 – 2.ª Secção; igualmente do acórdão de 15.05.2014, do TCAS, proferido no âmbito do Proc. 07529/14 – CT – 2.ª secção);

8. Assim sendo, independentemente de se considerar que o imóvel alienado constituía a habitação própria e permanente da Impugnante, como considerou o tribunal recorrido, ao contrário do decido, tal facto não é sinónimo, por si só, de exclusão das mais-valias referentes ao ganho realizado com aquela, dado a lei exigir a verificação das condições previstas numa das alíneas do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, designadamente, e em concreto, o reinvestimento do valor de realização, que “in casu”, não se verificou.

9. Logo, com todo o respeito, que é muito, o tribunal a quo não podia considerar, como considerou, que “(…) as liquidações de IRS e respetivos juros compensatórios padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.”, e determinar consequentemente a sua anulação, apenas pela simples circunstância de “o prédio sito na Rua da Lapa, n.º 91, era a habitação própria e permanente da Impugnante,”, e dessa forma, considerar “verificado o pressuposto consagrado no n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS,” e a consequente “não sujeição a imposto do valor de realização pela venda do imóvel.”,

10. desprezando por completo as exigências previstas na alínea a) do referido n.º 5 de reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino;

11. Pressuposto necessário e exigível para que se verifique a exclusão de tributação dos ganhos resultantes da alienação de um imóvel que constituía a habitação própria e permanente do sujeito passivo alienante, que “in casu” não se verificou;

12. Como é comumente aceite pela jurisprudência: “1 - A lei prevê a exclusão tributária da mais-valia realizada na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando dentro de determinados prazos e condições o valor realizado for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim, ou seja, à habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar. 2 - Uma das condições para fazer operar a exclusão de tributação de mais valias reside na circunstância de o imóvel alienado ou “de partida” ter sido destinado a habitação do sujeito ou do seu agregado familiar. 4 – A falta de um dos pressupostos da exclusão da tributação da mais-valia realizada com a venda do imóvel afasta a aplicação do nº5 do artigo 10º do CIRS.” (Acórdão TCAS, de 08-05-2019 – Proc.º 396/08.6BECTB – CT).

13. Resultando provado que a Impugnante alienou o imóvel anteriormente descrito, que constituía a sua habitação própria e permanente, para ir “morar para o Montijo com a sua filha, (…)”, por padecer “de problemas de saúde que a impossibilitam de viver sozinha (…).”, acrescido do facto de notificada para o efeito, nada ter declarado nem demonstrado relativamente à ocorrência de qualquer reinvestimento, não pode considerar reunidos os pressuposto previstos no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, para a exclusão de tributação dos ganhos de mais-valias, por si auferidos, com a venda daquele imóvel;

14. Logo, por assim não o considerar a sentença proferida pelo tribunal recorrido padece de vício de violação de lei (artigo 10.º, n.º 5, alínea a) do Código do IRS) e de uma errónea aplicação do direito aos factos dados como provados, não podendo ser mantida, devendo assim ser revogada e substituída por douto acórdão que faça uma correta aplicação do direito.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente impugnação judicial, com as inerentes consequências legais.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter considerado que a liquidação de IRS de 2011 e respectivos juros compensatórios padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:

“Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade constante dos autos:

A) A 30/05/2011, foi elaborado o documento designando por “Contrato Promessa de Compra e Venda” entre:
“PRIMEIROS CONTRATANTES: A) M............ (…) B) M............ (…) C) C............ (…) D) M........... (…) E SEGUNDA CONTRATANTE: M........... (…) CONSIDERANDO QUE:
Os PRIMEIROS CONTRATANTES são únicos donos e legítimos proprietários do prédio urbano em regime de propriedade total, sito na Rua……….., na freguesia da Lapa, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ……. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….. da mencionada freguesia, cujo direito de propriedade está ainda registado em nome de A........... e sua Mulher M..........., sendo a sua Viúva e Filhas as suas únicas e universais herdeiras, conforme escritura de habilitação e declaração/ relação de bens apresentada no Bairro Fiscal. (…)
É celebrado e reciprocamente aceite o presente CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, que se rege pelas cláusulas e condições seguintes: (…) SEGUNDA 1. O preço da compra e venda prometida nos termos da cláusula anterior é de 610.000,00 EUR (seiscentos e dez mil euros).
2. O ajustado preço será pago nos seguintes prazo e forma:
a) Nesta data, a título de sinal e princípio de pagamento, a SEGUNDA CONTRATANTE entrega aos PRIMEIROS CONTRATANTES a quantia de 61.000,00 EUR (sessenta e um mil euros) correspondente a 10% do preço, da qual se dá a correspondente quitação após boa cobrança;
b) Até 40 dias após a assinatura do presente contrato, a título de reforço de sinal, a SEGUNDA CONTRATANTE entregará aos PRIMEIROS CONTRATANTES a quantia de 61.000,00 EUR (sessenta e um mil euros) correspondente a 10% do preço, da qual se dá a correspondente quitação após boa cobrança;
c) No acto da celebração da prometida escritura de compra e venda ou do documento de valor equivalente a SEGUNDA CONTRATANTE pagará aos PRIMEIROS, mediante cheque visado ou bancário o remanescente do preço, no montante de 488.000,00 EUR (quatrocentos e oitenta e oito mil euros).
d) O pagamento de sinal e princípio de pagamento bem como o reforço de sinal serão feitos mediante cheque simples, emitido à ordem de M.............” (cf. contrato promessa de compra e venda, Documento – A, a fls. 85 a 90 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B) A Impugnante reside com a sua filha, M............, na Rua…………, 2.º esquerdo, Montijo, desde 31/07/2011 (conforme depoimento da primeira testemunha);

C) A 10/08/2011, a Impugnante efetuou um pedido de alteração de morada, passando esta a ser na Rua………….., 2.º esquerdo, …….., Distrito de Setúbal, Concelho do Montijo, Freguesia Afonsoeiro (cf. documento n.º 5, a fls. 22 e 23 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D) A Impugnante padece de problemas de saúde que a impossibilitam de viver sozinha (conforme depoimentos das três testemunhas);

E) A Impugnante residiu na Rua……………, r/c, Lisboa, desde a data da aquisição do imóvel, a 11/07/1978, até à data em que foi morar para o Montijo com a sua filha, M............ (cf. documento n.º 4, a fls. 19 da PI, e depoimentos das três testemunhas);

F) A 09/09/2011, foi elaborado um documento designado por “COMPRA E VENDA” do qual se extrai: “No dia nove de Setembro de dois mil e onze (…) compareceram como outorgantes: PRIMEIRO M............, viúva, natural da freguesia e concelho de Mafra, residente na Rua……….., em Lisboa (…) SEGUNDO C............ (…) TERCEIRO M........... (…) QUARTO M............ (…) QUINTO M........... (…) PELA PRIMEIRA OUTORGANTE, PELA SEGUNDA E TERCEIRA OUTORGANTES, MULHERES E PELA QUARTA OUTORGANTE, FOI DITO: Que, pela presente escritura, VENDEM, à quinta outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço já recebido, de SEISCENTOS E DEZ MIL EUROS, o seguinte bem imóvel: Prédio urbano destinado a habitação sito na Lapa, na Rua……….., número noventa e um, freguesia da Lapa, concelho e Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número OITOCENTOS E NOVENTA E DOIS, da indicada freguesia, nela registada a sua aquisição por compra a favor de A..........., casado no regime de comunhão geral com M............, pela Apresentação SEIS, de onze de Julho de mil novecentos e setenta e oito, prédio inscrito na matriz da freguesia de Lapa sob o artigo ...., correspondendo-lhe o valor patrimonial de € 94.054,60.
Que a referida fracção autónoma veio à posse das vendedoras, por herança do referido A..........., falecido em vinte e quatro de Março de dois mil e dez, na freguesia de Campo Grande, concelho de Lisboa, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos e no regime da comunhão geral com M............ (…) PELA QUINTA OUTORGANTE, FOI DITO: Que, aceita a presente venda, nos termos exarados (…).” (cf. documento n.º 4, a fls. 15 a 21 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G) A 25/07/2012, foi submetida a declaração de rendimentos de IRS – Modelo 3, na qual consta o nome da Impugnante, referente ao ano de 2011, encontrando-se preenchido o “Anexo G”, “Categoria G”, “Mais-Valias e outros incrementos patrimoniais”, com o seguinte conteúdo:
«imagens no original»

(cf. Declaração de IRS, documento n.º 3, a fls. 8 a 14 da PI, cujo teor se dá
por integralmente reproduzido);

H) Na declaração referida em G) foi preenchido o “Anexo G1”, designado por
“Mais-Valias não tributadas”, com os seguintes dados:
«imagens no original»

(cf. Declaração de IRS, documento n.º 3, a fls. 8 a 14 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

I) A 08/11/2012, foi emitida a “Declaração Oficiosa /DC, Declaração de Rendimentos – IRS, Modelo 3”, na qual consta o nome da Impugnante, referente ao ano de 2011, estando preenchido o “Anexo G”, “Categoria G”, “Mais-Valias e outros incrementos patrimoniais”, com o seguinte conteúdo:
«imagens no original»

(Cf. Declaração oficiosa, a fls. 70 a 75 do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J) A 23/11/2012, foi emitida a liquidação de IRS n.º……….., referente ao ano de 2011, com valor a pagar de € 11.040,63 (cf. Liquidação de IRS, documento n.º 2, a fls. 7 e 8 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K) A 23/11/2012, foi emitida a liquidação n.º…………., respeitante aos juros compensatórios correspondentes ao imposto referido em J), no valor de € 154,20 (cf. Liquidação de IRS, documento n.º 2, a fls. 7 e 8 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
*
Não existem outros factos provados ou não com relevância para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Para a fixação da matéria de facto provada, a convicção do Tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.
No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas M............, A............. e T............. foram credíveis, precisos, assim como ficou esclarecida a razão de ciência quanto ao seu conhecimento dos factos em causa nos autos.
A primeira testemunha, filha da Impugnante, esclareceu o Tribunal quanto às motivações e circunstâncias que ditaram a venda do prédio - no qual também residia, no 2.º andar, assim como uma outra irmã, no 1.º andar.
Explicou, com clareza e assertividade, as condições que originaram a celebração do contrato promessa de compra e venda e, consequentemente, a alteração da morada da Impugnante para o Montijo.
A segunda e terceira testemunhas afirmaram conhecer a Impugnante desde a juventude de ambas, confirmando que a Impugnante viveu no prédio localizado na Rua……………, desde a data da sua compra até à altura em que foi morar com a sua filha para o Montijo, sendo as duas testemunhas visitas regulares desta casa em virtude da relação de amizade que as une às filhas da Impugnante
Demonstraram igualmente conhecer o estado de saúde debilitado da Impugnante, o qual antecede a venda do prédio.
Desta forma, destes três depoimentos resultaram provados os factos constantes em B), D) e E).”


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Nos presentes autos importa decidir se a liquidação padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito como foi decidido pela 1ª instância ou se ao invés como defende a Recorrente, não se encontram preenchidos todos os requisitos enunciados no nº 5 do art. 10º do CIRS.

Na impugnação judicial a Recorrida alegou ter ocorrido uma errónea quantificação dos seus rendimentos, dado que foram incluídos no rendimento global rendimentos de mais-valias quando estes, estão isentos de imposto, pedindo a anulação da liquidação referente às mais-valias. Para o efeito invocou; ter declarado o valor dos rendimentos da categoria G bem como a sua intenção de reinvestir o valor de realização; que sempre teve a sua habitação própria e permanente no imóvel alienado, tendo no mês anterior à outorga da escritura procedido à alteração da sua morada para a casa da sua filha, pelo tempo suficiente para encontrar uma casa para adquirir para si e para a sua filha, atenta a sua idade avançada.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada decidiu julgar procedente a impugnação judicial com a seguinte fundamentação:
A Impugnante alega existir uma errónea quantificação e qualificação dos rendimentos que declarou, enquadrados na categoria G, porquanto, os mesmos são resultado da venda de um imóvel que era a sua habitação própria e permanente, tendo declarado a intenção de reinvestir o valor da realização.
Dissente a Fazenda Pública por entender que o prédio alienado não era a habitação própria e permanente da Impugnante, uma vez que à data da venda o seu domicílio fiscal era no Montijo, pelo que, não há lugar à exclusão da tributação do IRS com fundamento no reinvestimento na aquisição de outro imóvel.
Face aos argumentos plasmados e à prova feita nos autos, cumpre apurar e decidir se a Impugnante detinha a sua habitação própria e permanente no prédio sito na Rua……………, em Lisboa.
Ora, determina a alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º, do Código do IRS (atendendo à redação da lei à data dos factos), o seguinte:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”
Contudo, a alínea b), do n.º 5 do mesmo artigo, prevê:
“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (…)”.
Há que atender ainda à definição de domicílio fiscal presente na alínea a), do n.º 1 do artigo 19.º da Lei Geral Tributária (LGT), da qual decorre que :
“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário: a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;”
Perante a base legal a aplicar, verifica-se ser necessário clarificar os conceitos de “habitação própria e permanente”, por um lado, e de “domicílio fiscal”, por outro lado.
Precisamente quanto a esta distinção, por se afigurar esclarecedor, veja-se o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribuna Administrativo, de 14-11-2018, proferido no processo n.º 01077/11.9BESNT 01448/17 (disponível para consulta em www.dgsi .pt), de acordo com o qual:
“No supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (…) não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal.
E a tal conclusão não obsta o disposto nos nºs 1 a 3 do art. 19º da LGT (ineficácia da mudança de domicílio enquanto não for comunicada à AT), em que se permite que a AT continue a considerar o contribuinte residente no domicílio que, porventura, já tenha abandonado (…) É que aqui estamos no âmbito dos pressupostos da incidência do imposto, que não serão afectados por tal presunção.
Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal». Mas, ainda assim, também aqui estaremos perante presunção ilidível, na consideração de que a circunstância de o sujeito passivo não ter comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediu a isenção (de IMI), por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio (cfr. o ac. do STA, de 23/11/2011, no proc. n° 0590/11). (Esta foi, aliás, a solução legal que veio a ser adoptada nos n.ºs 10 e ss. do art. 13º do CIRS (aditados pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12, na qual se procedeu a uma reforma da tributação das pessoas singulares): apenas se estabeleceu uma presunção no sentido de que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo, mas podendo este apresentar, a todo o tempo, prova em contrário.)
Em suma, no caso presente, provado que o impugnante mantinha no prédio vendido, a sua habitação própria e permanente, com o respectivo agregado familiar, há-de verificar-se o requisito previsto no nº 5 do art. 10° do CIRS, para efeitos da não sujeição a imposto do respectivo valor de realização (…) o que releva é a comprovação de que o prédio alienado em causa tinha aquela especial afectação.”.
Tendo em consideração o entendimento jurisprudencial transcrito, o qual se acompanha, perante a não sujeição ao imposto prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, revela ser primordial a prova conducente à conclusão de que o prédio alienado era a habitação própria e permanente da Impugnante.
O que significa que, feita esta prova, a alteração do domicílio fiscal, nos termos da alínea a), do artigo 19.º da LGT, pode não ser determinante para se considerar que a Impugnante não tinha a sua habitação própria e permanente no nº 91, da Rua…………...
(…) Pelo que face a este enquadramento fáctico, encontra-se comprovado que a Impugnante apenas deixou de viver no prédio sito na Rua ……………a partir do momento em que a família o decidiu vender e por um período de sensivelmente dois meses antes da celebração do contrato de compra e venda. (…) é possível a partir de um juízo de razoabilidade e atentas as circunstâncias do caso concreto, concluir que o prédio sito na Rua…………….., era a habitação própria e permanente da Impugnante não sendo o período temporal que medeia a alteração de morada para o Montijo e a celebração do contrato de compra e venda suficiente para afastar este facto, estando assim, verificado o pressuposto consagrado no nº 5 do art. 10º do CIRS, o que determina a não sujeição a imposto do valor de realização pela venda do imóvel.
Face exposto conclui-se que as liquidações de IRS e respectivos juros compensatórios padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.”.

Discordando do assim decidido veio a Fazenda Pública recorrer invocando para o efeito que “(…) independentemente de se considerar que o imóvel alienado constituía a habitação própria e permanente da Impugnante, como considerou o tribunal recorrido, ao contrário do decido, tal facto não é sinónimo, por si só, de exclusão das mais-valias referentes ao ganho realizado com aquela, dado a lei exigir a verificação das condições previstas numa das alíneas do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, designadamente, e em concreto, o reinvestimento do valor de realização, que “in casu”, não se verificou.
Logo, com todo o respeito, que é muito, o tribunal a quo não podia considerar, como considerou, que “(…) as liquidações de IRS e respetivos juros compensatórios padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.”, e determinar consequentemente a sua anulação, apenas pela simples circunstância de “o prédio sito na Rua da Lapa, n.º 91, era a habitação própria e permanente da Impugnante,”, e dessa forma, considerar “verificado o pressuposto consagrado no n.º 5, do artigo 10.º, do CIRS,” e a consequente “não sujeição a imposto do valor de realização pela venda do imóvel.”, desprezando por completo as exigências previstas na alinea a) do referido n.º 5 de reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino;
Pressuposto necessário e exigível para que se verifique a exclusão de tributação dos ganhos resultantes da alienação de um imóvel que constituía a habitação própria e permanente do sujeito passivo alienante, que “in casu” não se verificou (cfr. conclusões 8 a 11 das alegações de recurso).

Consagrava o art. 10º do CIRS sob a epígrafe “Mais-valias”, na redação à data dos factos, o seguinte:
1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(…)
5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores;
c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir;
d) (Revogada).
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado; (…)”.

Decorre da transcrição do art. 10º do CIRS que o rendimento de mais-valia decorrente da alienação do imóvel está excluído de tributação, desde que estejam preenchidos determinados pressupostos, que se encontram enunciados no seu nº 5, desde logo que os ganhos sejam provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cumprindo-se determinadas condições.

Vejamos então.

A Recorrida impugnou judicialmente a liquidação oficiosa de IRS decorrente da tributação de mais-valias resultantes da alienação de imóvel que constituía a sua habitação própria e permanente. O tribunal a quo decidiu favoravelmente à sua pretensão, determinando a anulação da liquidação oficiosa porquanto considerou existir erro sobre os pressupostos de facto e de direito quanto à questão da habitação própria e permanente. A Fazenda Pública discordando do decidido assentou o seu recurso na questão do reinvestimento que em seu entender não se encontra provado.

Importa desde já salientar, quanto ao reinvestimento, que compulsados os presentes autos bem como o processo administrativo em apenso não existe qualquer fundamentação do acto tributário quanto a essa questão. O reinvestimento é mencionado, já após a impugnação judicial, na informação prestada pelos serviços nos termos do art. 110º, nº 4 do CPPT, pelo que, tendo presente que a fundamentação do acto tributário é escrita e contemporânea ao mesmo, não sendo admissível fundamentação a posteriori, a única questão a decidir no presente recurso é o acerto ou não da decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à habitação própria e permanente da Impugnante.

E desde já se afirma que a sentença recorrida não merece qualquer reparo, tendo efectuado o correcto enquadramento fáctico-legal da questão.

A propósito da habitação própria e permanente para efeitos de exclusão da tributação das mais-valias, para além do Acórdão do STA de 14/11/2018 no proc. 01077/11.9BESNT mencionado na sentença recorrida, importa salientar o entendimento vertido no Acórdão do STA de 01/07/2020 no proc. nº 0114/15.2BELLE ao afirmar-se que “No caso concreto dos autos não subsistem dúvidas que tanto o imóvel vendido e em cuja venda foram apuradas as pretensas mais-valias, como o imóvel adquirido pelo impugnante/recorrido, em cuja compra terá sido reinvestido parte do produto daquela venda, tiveram como afetação a sua habitação própria e permanente. E é esta condição cuja verificação o legislador exige no nº5 do artigo 10º do CIRS. Daí que se concorde com o entendimento sufragado na sentença recorrida no sentido de que o facto de o impugnante e aqui recorrido ter deixado de residir no imóvel durante um determinado período, na sequência do processo de divórcio e até se ultimar a respetiva venda, não põe em causa a verificação dessa condição.
Por outro lado, o facto de o impugnante/recorrido ter alterado em 2012 o seu domicílio fiscal para o seu novo local de residência – cfr. ponto nº 5 do probatório – não permite concluir que esta nova residência passou a ser a sua “habitação própria e permanente”. De facto, a presunção prevista no atual nº 12 do artigo 13º do CIRS (e à data nº 10) só foi introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12 (e atualmente com as alterações introduzidas pela Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro), motivo pelo qual à data da ocorrência dos factos em causa nos autos a AT não beneficiava de qualquer presunção (a qual sempre seria ilidível).
Considera-se, assim, que o conceito de “habitação própria e permanente” previsto no nº5 do artigo 10º do CIRS assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos (cfr. Neste sentido o acórdão do STA de 14/11/2018, proc 01077/11.9BESNT).
E nessa medida, e numa interpretação teleológica, no caso concreto dos autos, o que releva para aferir da verificação dos requisitos de exclusão da tributação das mais-valias, é saber se o imóvel vendido serviu ou não de “habitação própria e permanente” do impugnante e aqui recorrido, ainda que à data da venda, por condicionalismos específicos do procedimento de divórcio, este residisse noutro local. O que se mostra relevante para o legislador é que o produto da venda de um determinado imóvel com determinação afetação – habitação própria e permanente - seja reinvestido noutro imóvel com a mesma afetação, impondo apenas uma limitação temporal no que respeita ao reinvestimento e à afetação do imóvel destino do reinvestimento. Já quanto à contemporaneidade da sua utilização como habitação e venda a lei não impõe tal exigência.
Por outro lado dos elementos fixados na sentença recorrida resulta que no período em causa o impugnante e aqui recorrido não afetou qualquer outro imóvel a “habitação própria e permanente”, e que a sua duração decorreu da dificuldade na venda do imóvel, motivo pelo qual não há fundamento legal para que o mesmo não possa beneficiar da exclusão da tributação no reinvestimento do produto da venda (…)”.

No caso em apreço conclui-se que, pese embora a alienação do imóvel tenha ocorrido em 09/09/2011 e a impugnante tenha ido viver com a sua filha a partir de 31/07/2011 e, efectuado a alteração de morada em 10/08/2011 (argumentando que essa mudança se deveu ao facto de ser uma pessoa de idade avançada tendo ido morar com a sua filha pelo tempo suficiente para encontrar uma casa para adquirir para si e para a sua filha), tais factos não permitem concluir que esta nova residência passou a ser a sua “habitação própria e permanente. Na verdade, como se afirma no Acórdão ora transcrito, numa interpretação teleológica e no caso concreto dos autos, o que releva para aferir da verificação dos requisitos de exclusão da tributação das mais-valias, é saber se o imóvel vendido serviu ou não de “habitação própria e permanente” da impugnante e aqui recorrida, ainda que à data da venda, por condicionalismos específicos da sua idade avançada residisse noutro local.

E da prova produzida nos autos resultou que a impugnante sempre residiu no imóvel que foi alienado, sendo aí a sua habitação própria e permanente (cfr. alínea E) do probatório).

Em face do exposto conclui-se que efectivamente a liquidação impugnada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e a sentença recorrida que assim decidiu deve ser confirmada, negando-se provimento ao recurso.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.
Lisboa, 25 de Março de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luísa Soares