Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:949/09.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/10/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:TRANSPARÊNCIA FISCAL
SOCIEDADES DE ADVOGADOS
IRC
Sumário:I. Quando estamos perante sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, designadamente sociedades de profissionais, estas não são tributadas em sede de IRC.

II. No entanto, a sua matéria coletável é apurada nos termos do CIRC, sendo ulteriormente imputada aos sócios e tributada de acordo com o regime aplicável a esses mesmos sócios.

III. Tendo uma sociedade de advogados apresentado declaração modelo 22, assinalando a sua sujeição ao regime da transparência fiscal, não poderia ser emitida liquidação de IRC em seu nome, nem no exercício em causa, nem no subsequente, no qual terá havido omissão declarativa.

IV. Sendo as sociedades de advogados, por imposição legal, sempre sociedades de profissionais, as mesmas estão necessariamente sujeitas ao regime da transparência fiscal.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 31.05.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por G...(doravante Recorrido ou Impugnante), na qualidade ex-sócio e ex-administrador da Sociedade de Advogados (dissolvida e liquidada) R..., que teve por objeto o indeferimento liminar da reclamação graciosa que versou sobre as liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinentes aos exercícios de 2000 e 2001.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, anulou a decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa e as liquidações impugnadas, (Liq. n.º2310277911 de 11-09-2003 – IRC/derrama/jur.comp/2000 - €31.373,72 e Liq. n.º8310024005 de 30-05-2005 – IRC/derrama/2001 - €28.820,18), com as demais consequências legais.

b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado as normas previstas no artigo 60.º e no art.º 75.º, n.º 1, ambos da LGT.

c. O tribunal a quo decidiu que o indeferimento liminar da reclamação graciosa é ilegal porque deveria ter sido precedida do direito de audição.

d. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento.

e. Como é sabido, o procedimento de reclamação graciosa tem início a requerimento do contribuinte (artigo 68.º do CPPT), devendo, em regra, ser escrito, sendo liminarmente indeferidos os requerimentos não identificados e aqueles cujo pedido seja ininteligível (n.º 3 do artigo 76 do CPA) e só devem ser ouvidos depois de concluída a instrução e que, mesmo assim, neste âmbito, ainda pode ser dispensado nos termos do artigo 100.º e 103.º, do CPA.

f. Ou seja, o direito de audição só tem lugar nos casos previstos na lei, sendo que nenhuma norma impõe, no caso de apresentação de requerimento que desde logo deva ser liminarmente indeferido, sem que haja lugar a instrução.

g. E nem o artigo 60.º da LGT, que impõe o direito de audição antes do indeferimento dos pedidos formulados pelo interessado, pode ser interpretado no sentido de que tal audição também será necessária antes de proferido um despacho de indeferimento liminar, e isto porque a norma em questão (do art. 60.º da LGT) surge inserida sistematicamente no desenrolar da marcha processual, na fase de instrução do procedimento, fase em que está já ultrapassado o momento do seu indeferimento liminar.

h. Ou seja, essa questão não se coloca perante uma decisão a proferir face a um requerimento apresentado pelo interessado que deva desde logo ser indeferido liminarmente por se encontrar afetado de vício que não tem, sequer, virtualidade, para dar início ao procedimento tributário.

i. Nestes casos, onde se insere o caso dos autos, poderá dizer-se que o procedimento nem sequer se chegou a iniciar.

j. Assim, face ao supra exposto, deveria o tribunal a quo ter decidido que a decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa não estava sujeito ao direito de audição prévia.

k. Considerou ainda o tribunal a quo que as liquidações de IRC são ilegais porque deveriam ter seguido o regime da “transparência fiscal”.

l. Como é sabido, as declarações dos contribuintes que forem apresentadas nos termos previstos na lei presumem-se verdadeiras e de boa-fé (artigo 75.º, n.ºs 1 da LGT) e a sociedade R..., Sociedade de Advogados” aquando da entrega da declaração de IRC do exercício de 2000, em 05-09-2002, não assinalou o regime da transparência fiscal.

m. Acresce ainda que da consulta à declaração anual do exercício de 2000 verifica-se que a sociedade entregou o anexo G, na qual apura a coleta que não autoliquida, declara as participações correspondentes mas não imputa qualquer rendimento aos sócios (facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados).

n. Da análise às declarações dos sócios constantes do anexo G da declaração anual de 2000, verificou-se que apenas o ora recorrido declarou rendimento imputado pela sociedade.

o. A liquidação de IRC n.º 2310277911, referente ao exercício de 2000, é o reflexo da declaração entregue pelo próprio sujeito passivo, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT.

p. Relativamente ao exercício de 2001, importa salientar que a sociedade R..., Sociedade de Advogados não entregou a declaração de rendimentos (facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados), incumprindo com os deveres declarativos a que estava sujeita.

q. Pelo que face à omissão declarativa do Sujeito Passivo, a AT emitiu a declaração oficiosa de IRC n.º 8310024005, referente ao exercício de 2001 com base nos elementos entregues no exercício de 2000.

r. Em sede de impugnação judicial o ora Recorrido não trouxe elementos que contrariam os valores declarados pela própria sociedade pelo que não eliminou a presunção prevista no artigo artigo 75.º, n.º 1 da LGT

s. Assim, face ao exposto, deveria o tribunal a quo ter decidido pela legalidade das liquidações ora em causa.

t. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade do indeferimento liminar da reclamação graciosa e das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2000 e 2001 violou as normas previstas artigo 60.º e no art.º 75.º, n.º 1, ambos da LGT.

u. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade do indeferimento liminar da reclamação graciosa e das liquidações de IRC.

v. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA”.

O Recorrido apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“O recurso da RFP versa sobre matéria de facto e matéria de direito.

1. Quando à matéria de facto:

A RFP não impugnou os factos dados como provados, apenas pretende ver aditados dois novos factos. Só que esses dois factos a “acrescentar” à matéria assente estão em contradição manifesta com o facto provado levado à alínea 3) da sentença recorrida (matéria que não foi impugnada pela RFP). Além disso, é manifesto que a RFP não satisfez o ónus de especificar, os concretos meios probatórios que impunham decisão no sentido que pretende (cfr. art. 640º, nº1, alínea b) do CPC, aplicável subsidiariamente ex vi art. 2º alínea e) do CPPT). Por último, mas não menos importante, há a evidência de que tais factos a aditar não têm adesão à realidade, como cristalinamente se retira da própria argumentação aduzida na minuta de recurso. Portanto, este recurso da RFP contra a decisão sobre a matéria de facto não tem sequer condições para ser apreciado. E em termos de objeto, não podia ter provimento pelas razões aduzidas na alegação.

2. Quanto à matéria de direito:

A RFP pretende ver reapreciada a questão da dispensabilidade do direito de audição em sede de reclamação graciosa e, também, a questão da (i)legalidade dos atos tributários de IRC à sociedade de advogados sujeita ao regime da transparência fiscal.

2.1. Direito de audição. A apreciação da questão do direito de audição está prejudicada, em virtude da RFP não ter impugnado a ilegalidade da decisão de indeferimento liminar da reclamação graciosa. A tese da RFP de que não houve procedimento não tem adesão à realidade material.

Por outro lado, a RFP não apresentou uma verdadeira impugnação crítica à fundamentação da sentença recorrida e fugiu à discussão das questões nela abordadas. O recurso contém mera repetição de alguns argumentos aduzidos pela RFP em 1ª instância. A tese que pretende fazer valer é manifestamente ilegal e violadora do direito fundamental do contribuinte a participar na formação das decisões que lhes digam respeito.

2.2. A ilegalidade dos atos tributários: é notório que a RFP advoga contra os factos provados (que não impugnou) e contra lei expressa. Não é admissível que a RFP fundamente o recurso em afirmações falsas e factos não provados. Assim como não é admissível que a RFP fundamente o seu recurso contra lei expressa. Com efeito, a RFP trata o regime da transparência fiscal como se fosse de “livre escolha” pela sociedade de advogados, quando esse regime é imperativo.

NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicável, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com as legais consequências, como é de

JUSTIÇA.”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

b) Verifica-se erro de julgamento, por não ter sido violado o direito de audição, em sede de reclamação graciosa?

c) Verifica-se erro de julgamento, porquanto a liquidação do exercício de 2000 se baseou na declaração da sociedade e a de 2001, oficiosa, igualmente em tal declaração?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1) Na declaração de início de atividade, a sociedade de advogados ”R..., Sociedade de Advogados”, indicou que a sua atividade exclusiva era a “advocacia”, fazendo constar no Campo 8 referente à “descrição” dessa atividade: «o exercício em comum pelos sócios da profissão de advogado com o fim de repartirem entre si os respectivos resultados» - cfr. doc.2, junto com a petição inicial;

2) Nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, a matéria coletável da sociedade de Advogados referida em 1), foi sujeita a tributação de acordo com o regime da “transparência fiscal” estabelecido no Código do IRC - cfr. docs. 3 a 9, juntos com a petição inicial;

3) Nos anos de 2000 e 2001, a matéria coletável determinada nos termos do CIRC foi imputada aos sócios da sociedade de Advogados, integrando-se nos seus respetivos rendimentos tributáveis para efeitos de IRS - cfr. docs. n.º10 e 11, juntos com a petição inicial;

4) A Sociedade de Advogados identificada em 1) preencheu o campo 7 no Quadro 3.04 da declaração de rendimentos modelo 22, referente ao ano de 2000, assinalando o regime de transparência fiscal - cfr. doc. de fls.32 do processo físico;

5) São objeto da presente impugnação judicial as liquidações de IRC e derrama, respetivamente n.º2310277911, de 11.09.2003 (€31.3373,72) e n.º8310024005, de 30.05.2005 (€28.820,18), referentes aos anos de 2000 e 2001;

6)O ora Impugnante foi citado pessoalmente no 2º Serviço de Finanças de Lisboa em 06.08.2008”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não existem quaisquer outros factos com relevância para a apreciação das questões em apreço”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, designadamente juntos com a petição inicial e constantes do processo administrativo tributário que contém a reclamação graciosa e o despacho que a indeferiu”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto

Entende, desde logo, a Recorrente que deveriam ser aditados os seguintes factos:

a) A sociedade R..., Sociedade de Advogados, entregou o anexo G, na qual apurou a coleta que não autoliquidou, declarou as participações correspondentes, mas não imputou qualquer rendimento aos sócios;

b) No exercício de 2001, a sociedade R..., Sociedade de Advogados, não entregou a declaração de rendimentos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos.

Com efeito, a Recorrente não identifica que concretos meios probatórios sustentam a sua pretensão, sendo certo que, como refere o Recorrido, esta pretensão colide com a matéria de facto considerada provada, que não foi impugnada.

Face ao exposto, rejeita-se o recurso nesta parte.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto à legalidade das liquidações

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a sociedade de advogados em causa, no exercício de 2000, apresentou declaração de rendimentos onde não assinalou a sujeição ao regime da transparência fiscal, não tendo imputado rendimentos aos sócios, surgindo a liquidação oficiosa de 2001 na sequência do que já ocorrera em 2000.

Vejamos então.

Antes de mais, refira-se que grande parte da argumentação da FP se sustenta em factos que não constam da factualidade assente e que entram em colisão com a factualidade provada, não cabalmente impugnada.

Assim, atenta a factualidade assente, verifica-se que a sociedade de advogados em causa apresentou declaração modelo 22 de IRC, no exercício de 2000, assinalando a sua sujeição ao regime da transparência fiscal [cfr. facto 4)].

Ficou também provado que, nos exercícios de 2000 e 2001, a matéria coletável determinada nos termos do Código do IRC (CIRC) foi imputada aos sócios da sociedade de advogados, integrando-se nos respetivos rendimentos tributáveis para efeitos de IRS [cfr. facto 3)].

Refira-se, ainda, que a própria declaração de início de atividade, mencionada em 1) do probatório, permite aferir que se estava perante uma sociedade de profissionais.

Vejamos então.

O regime da transparência fiscal foi criado visando atingir três objectivos (3):

a) Neutralidade fiscal, tendo em vista que rendimentos idênticos sejam tributados de forma também ela idêntica, independentemente da interposição de uma figura societária;

b) Combate à evasão fiscal, tendo por objetivo impedir que, pelo uso da tal figura societária, haja de alguma forma fuga à tributação;

c) Eliminação da dupla tributação económica (4), visando impedir que, pelos mesmos rendimentos, os sócios (ou associados) das entidades em causa paguem IRC e IRS, em simultâneo.

Este regime encontrava, à época, desde logo previsão no CIRC, sendo de chamar a este propósito à colação o seu art.º 6.º (art.º 5.º, por referência a 2000), nos termos do qual (redação em vigor em 2001, mas que globalmente, no que ora releva, corresponde à sua antecedente):

“1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros:

(…) b) Sociedades de profissionais;

(…) 2 - Os lucros ou prejuízos do exercício, apurados nos termos deste Código, dos agrupamentos complementares de empresas e dos agrupamentos europeus de interesse económico, com sede ou direção efetiva em território português, que se constituam e funcionem nos termos legais, são também imputáveis diretamente aos respetivos membros, integrando-se no seu rendimento tributável.

3 - A imputação a que se referem os números anteriores é feita aos sócios ou membros nos termos que resultarem do ato constitutivo das entidades aí mencionadas ou, na falta de elementos, em partes iguais.

4 - Para efeitos do disposto no nº 1, considera-se:

a) Sociedade de profissionais (…) a (…) constituída para o exercício de uma atividade profissional constante da lista a que alude o artigo 151º do Código do IRS, em que todos os sócios sejam profissionais dessa atividade…”.

O exercício da advocacia consta da tabela a que se refere o art.º 151.º (art.º 141.º, por referência ao exercício de 2000) do Código do IRS [CIRS; cfr. art.º 141.º do CIRS, vigente em 2000 (0702 - Advogados), e Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto (6010 Advogados)].

No caso das sociedades de advogados, cujo regime, à época, estava previsto no Decreto-Lei n.º 513-Q/79, de 26 de dezembro, as mesmas, sendo constituídas exclusivamente por advogados, estão necessariamente sujeitas ao regime da transparência fiscal.

Por seu turno, nos termos do art.º 20.º do CIRS (redação vigente em 2001, correspondente ao art.º 19.º, na redação em vigor em 2000):

“1 - Constitui rendimento dos sócios ou membros das entidades referidas no artigo 6º do Código do IRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constantes.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B…”.

Portanto, quando estamos perante sociedades sujeitas ao regime da transparência fiscal, designadamente sociedades de profissionais, como sucede in casu, estas não são tributadas em sede de IRC (cfr. art.º 12.º do CIRC: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6º, seja aplicável o regime de transparência fiscal, não são tributadas em IRC”).

No entanto, a sua matéria coletável é apurada nos termos do CIRC, sendo ulteriormente imputada aos sócios e tributada de acordo com o regime aplicável a esses mesmos sócios (IRC ou IRS). Caso os sócios sejam pessoas singulares, a tributação é feita ao nível da categoria B do IRS.

É ainda de chamar à colação o art.º 92.º do CIRC, nos termos do qual:

“Sempre que, relativamente às entidades a que se aplique o regime de transparência fiscal definido no artigo 6º, haja lugar a correções que determinem alteração dos montantes imputados aos respetivos sócios ou membros, a Direção-Geral dos Impostos promove as correspondentes modificações na liquidação efetuada àqueles, cobrando-se ou anulando-se em consequência as diferenças apuradas”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como resulta provado, a sociedade de advogados R..., que, por ser uma sociedade de profissionais, sempre estaria sujeita ao regime da transparência fiscal, apresentou, por referência ao exercício de 2000, declaração modelo 22 de IRC, na qual declarou, justamente, estar sujeita a tal regime.

Resultou igualmente provado que, nos exercícios de 2000 e 2001, houve imputação do apurado aos sócios, para efeitos de tributação em sede de IRS.

Face a este contexto, não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, estando a sociedade em causa sujeita ao regime da transparência fiscal, como declarou, nunca poderiam ser emitidas liquidações de IRC nos termos em que foram emitidas (quer a de 2000, com base na declaração, quer a de 2001, considerando os elementos constantes da declaração anterior), dado que os lucros são imputados aos sócios e tributados, como foram, em sede de IRS.

Aliás, sendo as sociedades de advogados, por imposição legal, sempre sociedades de profissionais, as mesmas estão necessariamente sujeitas ao regime da transparência fiscal, como a administração tributária não podia, no caso, ignorar, atento o mencionado em 1) do probatório.

Como tal, as liquidações em causa padecem de erro sobre os pressupostos, tal como decidido pelo Tribunal a quo.

Assim sendo, não assiste razão à Recorrente.

Nessa sequência, resulta prejudicada a apreciação do alegado em termos do vício próprio imputado à decisão proferida em sede de reclamação graciosa, porquanto este vício, material, abrange quer o ato mediato do processo (as liquidações) quer o imediato (o indeferimento da reclamação graciosa).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 10 de fevereiro de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)

(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3) Cfr., v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.06.2016 (Processo: 01508/13) e do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27.03.2012 (Processo: 05287/12)
(4) V., a este respeito, Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 293.