Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1635/11.1BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/28/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:SELO
USUCAPIÃO
ERRO DECLARATIVO
INEXISTÊNCIA DO FACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:I- A usucapião, embora seja definida e regulamentada como uma forma de aquisição originária (cfr. artigos 1287.º e seguintes do CC), para efeitos fiscais, é considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão.

II-Se do acervo fático não se retira, de todo, que tenha existido uma aquisição por usucapião, mas apenas a alteração do título de constituição de propriedade horizontal decorrente, tão-só, da divisão da fração “H1”, a qual já se encontrava na esfera jurídica dos Recorridos, então inexiste o facto tributário, ainda que, erradamente, declarado.

III-Incorrendo os sujeitos passivos em erro declarativo, podem/devem evidenciar tal desconformidade requerendo as devidas cominações, face à inexistência do facto tributário.

IV-A Administração Tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, devendo a sua atuação ser pautada e norteada, designadamente, pelos princípios da justiça e da legalidade, (artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 55.º da LGT), os quais impõem que sejam, oficiosamente ou a pedido, corrigidos todos os erros que possam conduzir à arrecadação indevida de tributo, mormente, por inexistência do facto tributário.

V-Se a tributação resulta da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstratamente, na lei de imposto, e inexistindo, in casu, qualquer aquisição gratuita por usucapião, então, a liquidação impugnada padece de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por J..... e M..... tendo por objeto os atos de liquidação de Imposto de Selo(IS), decorrentes das participações de imposto de selo n.ºs 998016 e 998020, respetivamente, no montante de €2.182,36, cada, perfazendo o valor de €4.364,72.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Vem o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial intentada por J..... e M....., contra os actos de liquidação do ano de 2011 de Imposto do Selo - Verba 2.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, respeitante às fracções AH, AI, AJ, E AK, do prédio urbano inscrito no artigo ..... da freguesia de ....., Abrantes.

B. Entende a Fazenda Pública que a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo não faz uma correcta interpretação e subsequente aplicação das normas legais aplicáveis ao presente caso.

C. Os impugnantes apresentaram a Mod. 1 do Imposto Selo, declarando o usucapião, verificando-se assim que a liquidação emitida está correctamente efectuada.

D. In casu, não foi a Autoridade Tributária que deduziu que o comportamento dos ora recorridos, consubstanciava uma transmissão gratuita, pelo contrário, foram os Impugnantes que vieram declarar o usucapião e consequente escritura de justificação, estando por tal motivo, sujeitos à verba 1.2 da TGIS.

E. Atento o exposto, afigura-se que a liquidação foi efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, procedendo a douta sentença a uma errada interpretação da norma vertida na verba n.º 1.2 da TGIS e no artigo 1.º do CIS.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!”


***

O Recorrido apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:
a) A Fazenda Pública nas outras ações interpostas em Tribunal relativamente aos mesmos factos - aceitou a decisão e já pagaram aos demais comproprietários há anos.
b) É de lamentar o alegado no ponto D das conclusões, pois não foi efetuada qualquer escritura de justificação.
c) Os recorridos não adquiriram direitos sobre a fração H1 que foi dividida em 4 frações por usucapião.
d) Os recorridos adquiriram o direito sobre a parte da fração H1, por transação judicial e pagaram os impostos devidos em 14-10-1998 - alínea E) dos factos assente.
e) Logo, os recorridos nada devem ao fisco devendo manter-se a douta sentença na íntegra, pois a mesma não violou qualquer disposição legal, nem houve erro de apreciação de prova ou erro da interpretação da lei.

Mas Vossas Excelências farão a costumada justiça!”


***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso .

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 19.07.1974, o prédio urbano sito na ....., à data omisso na matriz predial urbana e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o n.º .....e ....., foi submetido ao regime de propriedade horizontal, pelos então proprietários A..... e mulher M....., J..... e O..... e mulher M....., tendo a mesma sido registada na Conservatória do Registo Predial respectiva pela Ap. 11 de 01.08.1974 [cf. cópia da escritura de constituição de propriedade horizontal a fls. 19 a 31 dos autos, e cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Abrantes a fls. 77 dos autos].

B. O 8.º andar do prédio referido no ponto anterior foi inscrito na matriz sob o artigo matricial n.º .....- fracção “H1”, destinando-se inicialmente a ser explorada como restaurante [cf. cópia da caderneta predial urbana a fls. 32 e 33 dos autos].

C. Pelo alvará de licença de obras n.º ....., de Agosto de 1975, requerido a favor de A..... e outros, foi licenciada a realização de obras de alteração do 8.º andar do imóvel referido no ponto anterior [cf. cópia do alvará de licença emitido pela Câmara Municipal de Abrantes a fls. 36 dos autos].

D. As obras de alteração referidas no ponto anterior terminaram em 1977, tendo a Câmara Municipal de Abrantes emitido para as mesmas a licença de utilização n.º ..... de 19.01.1977, respeitante ao oitavo andar que passou a ser composta por três fogos destinados a habitação, e um fogo destinado a armazém [cf. cópia de certidão emitida pelos serviços da Câmara Municipal de Abrantes a fls. 37 dos autos].

E. A 14.10.1998 foi pelos Impugnantes pago Sisa no montante de Esc.400.000$00, correspondente à aquisição de parte da fracção “H1”, do prédio identificado em A) supra [cf. cópia do conhecimento de sisa n.º .....do Serviço de Finanças de Abrantes, a fls. 80 dos autos].

F. Pela Ap. 10 de 08.02.2000, foi registada a aquisição de 37,78% da fracção “H1” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....., a favor de M..... e J....., por compra em transacção judicial a A..... e mulher M....., F..... e mulher M....., O..... e marido L....., F..... e M..... [cf. cópia do registo predial a fls. 17 e 18 dos autos].

G. Pelo Impugnante e outros foi interposta acção judicial, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, sob o n.º 717/06.6TBABT, na qual foi peticionada, além do mais, a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio referido na alínea A) supra, reconhecendo-se que a fracção “H1” foi dividida no ano de 1974, em 4 fracções autónomas, distintas e isoladas, através da divisão da fracção H1 em quatro fracções (AH, AI, AJ, e AK) [cf. cópia da sentença proferida nos autos do processo n.º 717/06.6TBABT, a fls. 38 a 55 dos autos].

H. Por sentença datada de 15.08.2008, proferida na acção judicial identificada no ponto anterior, foram os Réus absolvidos da instância face à procedência da excepção de ilegitimidade dos RR. por preterição de litisconsórcio necessário passivo [cf. cópia da sentença proferida nos autos do processo n.º 717/06.6TBABT, a fls. 38 a 55 dos autos].

I. Contra a sentença identificada no ponto anterior foi interposto recurso jurisdicional, no qual foi pedido que os Réus fossem condenados no seguinte:

“1) A reconhecer que a Fracção H1, foi dividida no ano de 1974 em 4 fracções autónomas, distintas e isoladas entre si e com as seguintes composições:

A) FRACÇÃO AH- 8º andar, letra A, para habitação, composto por 4 casas assoalhadas, cozinha, duas casas de banho, hall de entrada, varanda e terraço, lado sul, com o valor de oito mil setecentos e cinquenta euros - 3,5% do valor total;

B) FRACÇÃO AI- 8º andar, letra B, para habitação, composta por duas casas assoalhadas, cozinha, casa de banho, corredor, despensa, casa das máquinas, terraço com o valor de quatro mil duzentos e cinquenta euros - 1,7% do valor total;

C) FRACÇÃO AJ- 8º andar, letra C, para habitação, composta por 4 casas assoalhadas, cozinha, hall, duas casas de banho, despensa e terraço lado norte e nascente e arrecadação com o valor de oito mil setecentos e cinquenta euros - 3,5% do valor total;

D) FRACÇÃO AK- Armazém na cave, em entrada pela escada principal, com uma divisão ampla e casa de banho com o valor de mil e quinhentos euros - 0,6% do valor total.

Pelo que se constituíram 4 fracções distintas, autónomas e isoladas entre si, por usucapião.

2) A reconhecer que por virtude de alteração do 8º andar, o prédio urbano passou a ser composto de 37 fracções autónomas, distintas e isoladas entre si, correspondendo a cada uma delas os valores e percentagens a seguir referidos:

- Fracção A - valor de onze mil euros - 4,4% do valor total;

- Fracção B - valor de cinco mil euros - 2% do valor total;

- Fracção C - valor de seis mil duzentos e cinquenta euros - 2,5% do valor total;

- Fracção D - valor de cinco mil euros - 2% do valor total;

- Fracção E - valor de seis mil duzentos e cinquenta euros - 2,5% do valor total;

- Fracção F - valor de cinco mil euros - 2% do valor total;

- Fracção G - valor de dez mil euros – 4% do valor total;

- Fracção H - valor de oito mil duzentos e cinquenta euros - 3,3% do valor total;

- Fracção I - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8% do valor total;

- Fracção J - valor de nove mil euros - 3,6% do valor total;

- Fracção K - valor de oito mil euros - 3,2% do valor total;

- Fracção L - valor de sete mil e duzentos euros - 2,88% do valor total;

- Fracção M - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8% do valor total;

- Fracção N - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total:

- Fracção O - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção P - valor de sete mil e duzentos euros - 2,88% do valor total;

- Fracção Q - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8 % do valor total;

- Fracção R - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção S - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção T - sete mil e duzentos euros - 2,88 % do valor total;

- Fracção U - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8% do valor total;

- Fracção V - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção W- valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção X - valor de sete mil e duzentos euros - 2,88% do valor total;

- Fracção Y - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8% do valor total;

- Fracção Z - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AA - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AB - valor de sete mil e duzentos euros - 2,88 % do valor total;

- Fracção AC - valor de quatro mil e quinhentos euros - 1,8% do valor total;

- Fracção AD- valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AE - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AF - valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AG- valor de sete mil e quinhentos euros - 3% do valor total;

- Fracção AH- valor de oito mil setecentos e cinquenta euros - 3,5% do valor total;

- Fracção AI- valor de quatro mil duzentos e cinquenta euros - 1,7% do valor total;

- Fracção AJ- valor de oito mil setecentos e cinquenta euros - 3,5% do valor total;

- Fracção AK- valor de mil e quinhentos euros - 0,6% do valor total

3) Ficando, ainda, o Administrador do prédio autorizado a fazer as alterações julgadas necessárias na Conservatória no Registo Predial de Abrantes e na Repartição de Finanças de Abrantes, para alterar o que for necessário relativamente à modificação da Propriedade Horizontal, constituída por usucapião e por decisão da Assembleia de Condóminos, e tudo o mais que seja necessário aos indicados fins.” – cf. fls. 55 a 74 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;[cf. cópia do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em sede dos autos do processo n.º 717/06.6TBABT, a fls. 60 e 61 dos autos].

J. Em 15.12.2009, no âmbito do processo n.º 717/06.6TBABT.E1, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora, a 15.12.2009, no qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“(…)

É manifesto que, no caso dos autos, estamos perante um situação de divisão de uma da fracções - a fracção HUM que, em conformidade com o título de constituição da propriedade horizontal relativa ao prédio em causa nos autos, constituía o 8° andar e era composta por um estabelecimento, comercial, que se destina a restaurante, com hall de entrada, sala de espera, salão, bar, cozinha, varanda, terraço, instalações sanitárias para senhoras e homens, copa, vestiários e instalações sanitárias para o pessoal, despensa e armazém, situado na cave, junto à escada e que faz parte integrante desta Fracção", e que;

Com efeito, conforme resultou ainda provado, esse 8° andar deixou de ser um estabelecimento comercial, que nunca chegou a funcionar e foi dividido em quatro fracções autónomas, distintas e isoladas, entre si (com a composição referida no n° 8 da matéria de facto).

Aliás, para além de, a partir de 1974, estas quatro fracções terem passado a ser distintas das demais fracções do prédio (passando o 8° andar a ser utilizado como habitação e a cave como armazém e recolha de carros), sem qualquer oposição, ainda se provou que, tendo sido solicitada à respectiva Câmara Municipal, nessa conformidade, a modificação da propriedade horizontal, tal modificação veio a ser aprovada por essa entidade.

Para além disso, é ainda a nosso ver manifesto que, no caso dos autos, a pretendida alteração do título de constituição do título de propriedade horizontal, nos termos peticionados, apenas decorre como consequência directa da referida divisão de uma das fracções do prédio.

Ora, acontece que, conforme foi ainda dado como provado, embora não estando presentes todos os condóminos (nº 19 da matéria de facto), em consequência da divisão da tal fracção e da aprovação da modificação do título por parte da Câmara Municipal, foi efectuada uma assembleia de condóminos, no dia 21/07/2004, onde foi discutido e aprovada a alteração propriedade horizontal, sendo alterados os valores e percentagens de cada uma das fracções e averbado letras, as fracções, que tinham números nos termos referidos em 18) dos factos provados.

(…)

Desta forma, e sendo certo não estar em causa a inobservância dos requisitos a que alude o art. 1415° do C.C. - até porque a alteração, aprovada em assembleia e pretendida com a presente acção, até foi objecto de aprovação por parte da entidade administrativa competente, a Câmara Municipal (o que, aliás, a não ser assim, sempre acarretaria a nulidade da alteração, nos termos do n° 3 do art. 1419° do mesmo diploma), haveremos de concluir no sentido de que a aprovação pela assembleia de condóminos de 21.07.2004 da pretendida alteração do título de constituição da propriedade horizontal, deve ser considerada como válida e eficaz.

(…)

Por outro lado, não deixa de ser compreensível que, perante tantos condóminos, seja difícil, senão praticamente impossível, reunir todos os condóminos (particularmente em assembleia), e assim obter a concordância de todos para o que quer que seja - o que terá sido certamente o caso dos autos e que terá levado os autores a recorrer à via judicial.

Desta forma, e sem necessidade de nos referirmos a outros fundamentos (designadamente no que toca à questão da posse e da usucapião), havermos de concluir no sentido da procedência da acção.

Conforme resulta do relatório supra, para além dos pedidos formulados, a final da p.i., sob os nºs 1 e 2 (reconhecimento da divisão da fracção B1 em 4 fracções e reconhecimento de que o prédio passou a ser composto de 37 fracções autónomas, nos termos descritos no pedido), formulou ainda, sob o nº 3, o pedido de autorização do administrador do prédio a fazer as alterações julgadas necessárias na Conservatória no Registo Predial de Abrantes e na Repartição de Finanças de Abrantes, para alterar o que for necessário relativamente à modificação da Propriedade Horizontal, constituída por usucapião e por decisão da Assembleia de Condóminos, e tudo o mais que seja necessário aos indicados fins - sendo certo que a absolvição do pedido incidiu sobre todos os pedidos formulados pelos autores.

Concretamente sobre este último pedido, formulado sob o n° 3, conforme se alcança da 1ª sentença (para a qual se remete na 2a sentença, objecto do presente recurso), considerou o Senhor Juiz "a quo" que tal pedido: "é manifestamente improcedente, porquanto é flagrantemente ilegal. Na verdade, consubstancia um pedido genérico formulado muito além do que o art. 471° do CPC. Na prática, se o Tribunal atendesse a tal pedido, seria o mesmo que passar um cheque em branco ao administrador do prédio para ir fazer o que bem entendesse, mesmo à revelia dos condóminos".

Todavia, a nosso ver, sem razão.

Para além de se não tratar a nosso ver de um pedido genérico, apenas está em causa a possibilidade de, através do administrador, se regularizar a situação registral e matricial do prédio, em função da decisão resultante da procedência dos demais pedidos.

(…)

Procedem desta forma as conclusões do recurso, impondo-se revogar a sentença recorrida e julgar procedente a acção.

Termos em que, concedendo-se provimento à apelação, se acorda:

a) Em revogar a sentença recorrida, que julgando a acção improcedente, absolveu os réus dos pedidos;

b) E em julgar procedente a acção;

c) Condenando os réus nos termos peticionados (em 1 e 2 do petitório supra enunciado) e autorizando o administrador nos termos igualmente peticionados (em 3 do mesmo petitório)” [cf. cópia do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, em sede dos autos do processo n.º 717/06.6TBABT, a fls. 56 a 75 dos autos].

K. A 30.04.2010, os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Abrantes declaração Modelo 1 de “Participação de Transmissões Gratuitas”, referente às fracções AH, AI, AJ e AK do prédio urbano inscrito no artigo .....da freguesia de ....., Abrantes, identificando no campo correspondente a “Origem do facto tributário” na “Justificação judicial ou oficiosa de aquisição por usucapião” e declarando que eram simultaneamente os autores e os beneficiários da transmissão gratuita [cf. cópia da declaração Mod.1 de Imposto de Selo, a fls. 95 a 97 do PAT em apenso]

L. Em 14.06.2011, na sequência da apresentação das declarações identificadas no ponto anterior, foram emitidas as liquidações de IS contidas nos documentos de cobrança n.º .....e ....., respectivamente, relativas ao ano de 2011, no valor de €2.182,36, cada [cf. cópia das demonstrações de liquidação a fls. 15 e 16 dos autos e fls. 98 a 107 do PAT em apenso].

M. Em 16.06.2011, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Abrantes a alteração da propriedade horizontal do 8.º andar do prédio referido na alínea A) supra, sendo que da certidão permanente consta, além do mais, que a fracção “H1” foi dividida em 4 fracções designadas por AH, AI, AJ e AK, as três primeiras destinadas a habitação e a última para armazém [cf. cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Abrantes a fls. 78 e 79 dos autos].

N. Em 21.07.2011, foi celebrada a escritura pública de permuta, através da qual os Impugnantes adquiriram a fracção autónoma designada pelas letras “AJ”, correspondente ao oitavo andar C, e cederam as fracções autónomas designadas pelas letras “AI” e “AK”, todas do prédio em regime de propriedade horizontal sito na ....., concelho de Abrantes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, sob o n.º ....., e inscrito na correspondente matriz urbana sob o artigo ..... [cf. cópia da escritura de permuta a fls. 81 a 88 dos autos].

O. Em 24.08.2011, foi apresentada a presente impugnação judicial [cf. carimbo aposto a fls. 2 dos autos].


***

Ficou ainda consignado na decisão recorrida, quanto à factualidade não provada:

“Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.”


***

No concernente à motivação da matéria de facto consta o seguinte:

“Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.”


***

III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação de IS, decorrentes das participações de IS n.ºs 998016 e 998020, respetivamente, no montante de €2.182,36, cada, perfazendo a quantia global de €4.364,72.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre apreciar se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, por face à realidade fática dos autos ter entendido que não ocorreu qualquer aquisição de bem imóvel através de usucapião, mas tão somente a divisão de uma fração que já existia em momento anterior – a fracção “H1”.

Vejamos, então.

A Recorrente defende que a decisão recorrida fez uma incorreta interpretação e subsequente aplicação das normas legais aplicáveis ao caso vertente, porquanto tendo os Recorridos apresentado a Modelo 1 do IS na qual declararam, expressamente, a aquisição por usucapião, a transmissão gratuita encontra-se sujeita a tributação subsumindo-se na verba 1.2 da TGIS.

Defende, nessa medida, que a liquidação foi efetuada em cumprimento das normas legais vigentes, tendo o Tribunal a quo, incorrido, em errada interpretação da norma vertida na verba n.º 1.2 da TGIS, e no artigo 1.º do CIS.

Dissentem os Recorridos, aduzindo que a decisão recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, sendo aliás este o sentido de outras ações interpostas em Tribunal relativamente aos mesmos factos já transitadas e objeto de aceitação pela Administração Tributária.

Mais aduzem que, no caso vertente, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente não foi efetuada qualquer escritura de justificação, sendo que não foram adquiridos quaisquer direitos sobre a fração “H1” por efeito de usucapião.

O Tribunal a quo fundou a procedência convocando, desde logo, a fundamentação vertida no acórdão da Relação de Évora de 15 de dezembro de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 717/06.6TBABT.E1, sublinhando, neste particular, que “[a] alteração do título de constituição da propriedade horizontal advém da divisão da fracção “H1”, e não de aquisição por usucapião, enunciando expressamente que “a pretendida alteração do título de propriedade horizontal, nos termos peticionados, apenas decorre como consequência directa da referida divisão de uma das fracções do prédio”.

Sublinhando, neste particular, que “[a] concretização da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora determinou a alteração da propriedade horizontal que foi realizado junto da Conservatória do Registo Predial de Abrantes consta que a fracção “H1” foi dividida em 4 fracções – fracções “AH”, “AI”, “AJ” e “AK” – [cf. al. M) dos factos assentes], não existindo qualquer referência à existência de novas fracções omissas no registo ou na matriz.”

Concluindo, assim, que “[p]erante a conclusão que as fracções “AH”, “AI”, “AJ” e “AK” decorrem da divisão da anterior fracção “H1”, que era da titularidade dos Impugnantes, verificamos que não ocorreu qualquer aquisição por usucapião, pelo que a declaração Mod. 1 de Imposto de Selo, apresentada pelos Impugnantes, padece de vício por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, o que terá consequências evidentes nas liquidações impugnadas.”

E por assim ser, desfecha que, “[n]ão tendo existido qualquer aquisição gratuita de bens imóveis, também não se verificou qualquer facto tributário susceptível de ser tributado em sede do IS na esfera do Impugnante, nos termos do disposto no n.º 1 e na alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º do Código do IS e na verba 1.2 da Tabela Geral do IS.”

Vistas as posições das partes, e a fundamentação em que se esteou a procedência da ação, ajuíza-se que inexiste qualquer erro de julgamento, porquanto a decisão recorrida interpretou correta e adequadamente o regime jurídico vigente, à realidade fática dos autos.

Senão vejamos.

Comecemos por convocar o quadro jurídico aplicável ao caso sub judice.

Importa, desde já, relevar que o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, veio consagrar o alargamento do âmbito de incidência do IS, tributando as transmissões gratuitas que tenham por objeto, entre outros, o direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.

Preceitua o artigo 1.º do CIS, sob a epígrafe de “incidência objetiva” que:

“[o] imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”

Consignando, por seu turno, o artigo 2º, sob a epígrafe de “incidência subjetiva”, que:

“(…) 2 - Nas transmissões gratuitas, são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitam os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) (…)

b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.”

De convocar, outrossim, o nº3, alínea a), do citado normativo o qual estatui que:

 “[a] verba 1.2 da Tabela Geral, que são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objeto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião.”

Mais importa chamar à colação, o artigo 5.º do citado diploma que, a propósito do nascimento da obrigação tributária, preceitua, no que para os autos releva, que:
“1 - A obrigação tributária considera-se constituída:
a) Nos atos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes (…)
r) Nas aquisições por usucapião, na data em que transitar em julgado a ação de justificação judicial, for celebrada a escritura de justificação notarial ou no momento em que se tornar definitiva a decisão proferida em processo de justificação nos termos do Código do Registo Predial.”

Importa, in fine, ter presente a verba 1.2. da Tabela Geral, da qual emerge que o imposto do selo recai em 10% sobre o valor dos respetivos contratos de “aquisição gratuita de bens, incluindo por usucapião (…)”.

Ora, do teor dos citados normativos legais dimana inequívoco que, o ato de aquisição de prédio por usucapião está abrangido no âmbito da incidência objetiva do IS.

É certo que pese embora a usucapião, seja definida e regulamentada como uma forma de aquisição originária (cfr. artigos 1287.º e seguintes do Código Civil (CC)), a verdade é que para efeitos fiscais, é considerada como uma transmissão gratuita de bens imóveis, que ocorre no momento em que se torna definitivo o documento que titula essa aquisição ou transmissão.

Feitos estes considerandos iniciais, vejamos, então, se atenta a factualidade constante no probatório, nos encontramos -conforme ajuizou o Tribunal a quo- perante uma realidade insuscetível de integrar o facto tributário liquidado, ou seja, aquisição por usucapião.

Vejamos, então.

Resulta, desde logo, do probatório que, a 19 de julho de 1974, o prédio sito na ....., da freguesia de .....- omisso, à data, na matriz predial urbana- foi submetido ao regime de propriedade horizontal, pelos então proprietários, tendo a mesma sido objeto de registo na competente Conservatória do Registo Predial. Inferindo-se, igualmente, que a fração “H1” do citado prédio correspondente ao 8.º andar se destinava, nessa data, à exploração como restaurante.

Sendo que, através do alvará de licença de obras n.º ....., datado de agosto de 1975, foi licenciada a realização de obras de alteração ao 8.º andar do supra evidenciado prédio as quais terminaram em 1977, tendo, em consequência, a Câmara Municipal de Abrantes procedido à emissão de licença de utilização nº ....., datada de 19 de janeiro de 1977.

Fluindo, igualmente, do probatório que face às aludidas obras realizadas, a fração “H1” foi objeto de divisão em quatro frações, destinando-se três a habitação e uma a armazém.

Da conjugação das alíneas E) e F) da factualidade provada, resulta que os Recorridos eram comproprietários da fração “H1” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo .....da freguesia de ....., concelho de Abrantes, tendo pago a SISA devida.

Mais resulta provado que, a 21 de julho de 2004, teve lugar uma Assembleia de Condóminos tendente à alteração do título de propriedade horizontal, a qual não foi aprovada porquanto não se encontravam presentes todos os titulares inscritos o que motivou a interposição de uma ação declarativa ordinária comum que correu termos com o número de processo nº 717/06.6TBABT.E1, pedindo que os Réus fossem condenados, designadamente, “a reconhecer que a Fração H1, foi dividida no ano de 1974 em 4 fracções autónomas, distintas e isoladas entre si (…)”, tendo sido julgada, na primeira instância, a verificação da exceção de ilegitimidade dos Réus, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, com a consequente absolvição da instância, a qual foi objeto de revogação pelo Tribunal da Relação de Évora, cujo Aresto datado de 15 de dezembro de 2009, condenou os Réus nos termos peticionados.

Promanando, igualmente, que na sequência da prolação e trânsito em julgado do citado Aresto, a 16 de junho de 2011, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Abrantes a alteração da propriedade horizontal do 8.º andar do prédio referido na alínea A) supra, constando no item “descrição da alteração” que: “a fracção “H1” foi dividida em 4 fracções designadas por “AH”,”AI”, “AJ” e “AK”-Afectação destas 4 fracções: para habitação e a última para armazém”.

Ora, atentando na factualidade supra exposta, não se vislumbra que o decidido pelo Tribunal a quo mereça qualquer censura, e isto porque da realidade fática expendida anteriormente não se retira, de todo, que tenha existido uma aquisição por usucapião, mas tão-só, a alteração do título de constituição de propriedade horizontal decorrente, tão-só, da divisão da fração “H1”, a qual já se encontrava na esfera jurídica dos Recorridos.

Note-se que, conforme resulta do teor literal do artigo 1287.º do CC, a usucapião é a aquisição da propriedade com fundamento na posse mantida por certo lapso de tempo -o qual varia, sobretudo, em função da natureza do bem- porquanto a mesma constitui um efeito da posse reiterada de um direito real, nomeadamente o direito de propriedade e opera a aquisição originária do direito correspondente à posse exercida[1].

Conforme doutrinado no Acórdão do STJ, proferido no processo nº 460/11.4, datado de 09 de fevereiro de 2017: “[a] usucapião constitui um modo de aquisição originária, ou seja, é uma forma de constituição de direitos reais e não uma forma de transmissão e, por isso, a propriedade conferida com base na usucapião não está dependente de qualquer outro circunstancialismo juridicamente relevantes que surja ao lado do seu processo aquisitivo e que, só aparentemente poderá interferir neste procedimento de consignação de direitos; porque se trata de uma aquisição originária, o decurso do tempo necessário? Sua conformação faz com que desapareçam todas as incidências que neste processo eventualmente possam ter surgido”.

Ora, face à factualidade supra exposta-e não impugnada- dimana inequívoco que contrariamente ao evidenciado pela Recorrente, inexistiu qualquer escritura de justificação notarial, sendo que se atentarmos na ação judicial e ao reconhecimento dela dimanante resulta perentório que inexistiu qualquer aquisição por usucapião.

Com efeito, e por forma a melhor se espelhar o supra aludido, atente-se na fundamentação do citado Aresto o qual se extrata na parte que para os autos releva:

“É manifesto que, no caso dos autos, estamos perante um situação de divisão de uma da fracções - a fracção HUM que, em conformidade com o título de constituição da propriedade horizontal relativa ao prédio em causa nos autos, constituía o 8° andar e era composta por um estabelecimento, comercial, que se destina a restaurante, com hall de entrada, sala de espera, salão, bar, cozinha, varanda, terraço, instalações sanitárias para senhoras e homens, copa, vestiários e instalações sanitárias para o pessoal, despensa e armazém, situado na cave, junto à escada e que faz parte integrante desta Fracção", e que;

Com efeito, conforme resultou ainda provado, esse 8° andar deixou de ser um estabelecimento comercial, que nunca chegou a funcionar e foi dividido em quatro fracções autónomas, distintas e isoladas, entre si (com a composição referida no n° 8 da matéria de facto).

Para além disso, é ainda a nosso ver manifesto que, no caso dos autos, a pretendida alteração do título de constituição do título de propriedade horizontal, nos termos peticionados, apenas decorre como consequência directa da referida divisão de uma das fracções do prédio.

Ora, acontece que, conforme foi ainda dado como provado, embora não estando presentes todos os condóminos (nº 19 da matéria de facto), em consequência da divisão da tal fracção e da aprovação da modificação do título por parte da Câmara Municipal, foi efectuada uma assembleia de condóminos, no dia 21/07/2004, onde foi discutido e aprovada a alteração propriedade horizontal, sendo alterados os valores e percentagens de cada uma das fracções e averbado letras, as fracções, que tinham números nos termos referidos em 18) dos factos provados.

(…)

Desta forma, e sendo certo não estar em causa a inobservância dos requisitos a que alude o art. 1415° do C.C. - até porque a alteração, aprovada em assembleia e pretendida com a presente acção, até foi objecto de aprovação por parte da entidade administrativa competente, a Câmara Municipal (o que, aliás, a não ser assim, sempre acarretaria a nulidade da alteração, nos termos do n° 3 do art. 1419° do mesmo diploma), haveremos de concluir no sentido de que a aprovação pela assembleia de condóminos de 21.07.2004 da pretendida alteração do título de constituição da propriedade horizontal, deve ser considerada como válida e eficaz.” (destaques e sublinhados nossos).

Aliás, no sentido da inexistência do facto tributário[2],  doutrinou-se no Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 00635/07, de 18 de setembro de 2014 que: “Não constitui transmissão gratuita de bens que possa constituir facto tributável no âmbito da previsão normativa do disposto no art. 1.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo, a celebração de uma escritura pública de justificação de aquisição por usucapião, com o fim de reatar o trato sucessivo e proceder ao registo daquele prédio anteriormente adquirido, nos termos do art. 34.º do Código do Registo Predial.”

Densificando, outrossim, que: “Para que se verifique o facto tributário previsto naquela norma, é imperativo que tenha efectivamente exista uma transmissão gratuita de bens, e como supra exposto, in casu, tal não se verifica, pois a propriedade do prédio em questão já havia sido transmitida por força do contrato de compra e venda formalizado por escritura pública outorgada em 1972.”

É certo que este Tribunal não descura-aliás esse é o acento tónico do presente recurso jurisdicional-que foram os Recorridos que declararam, expressamente, a realidade fática subjacente enquanto tal, mediante a apresentação, a 30 de abril de 2010, da Declaração Modelo 1, identificando, expressamente, no campo correspondente a “Origem do facto tributário” a “Justificação judicial ou oficiosa de aquisição por usucapião”.

Mas a verdade é que, não é pela simples circunstância de se declarar uma realidade fática como facto aquisitivo do direito de propriedade que o mesmo terá, indiscutível e irremediavelmente, de ser qualificado e tributado enquanto tal.

Aduza-se, em abono da verdade, que incorrendo os sujeitos passivos em erro declarativo e percecionando, ulteriormente, o mesmo, podem/devem evidenciar tal desconformidade requerendo as devidas cominações, face à inexistência do facto tributário.

Note-se, ademais, que na convocada Modelo 1, é declarado, desde logo, que são simultaneamente “autores da transmissão” e “beneficiários da transmissão” os Recorridos, o que, per se, patenteia, desde logo, o erro declarativo e a efetiva inexistência do facto tributário no caso vertente.

E por assim ser, se a liquidação impugnada tem subjacente uma realidade de facto que não se subsume no facto tributário que originou a tributação, a mesma enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada.

Note-se que, conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 1124/09, datado de 13 de janeiro de 2010:

 “o acto tributário tem que ter por base uma situação de facto ou de direito, concreta, prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Tal base é, pois, o pressuposto de facto ou o facto gerador da imposição – cf. Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 1972, p. 266. No Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade (…).

O facto tributável, com ser um facto típico, só existe como tal, desde que na realidade se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos, que, por esta nova óptica, se convertem em elementos do próprio facto, bastando a não verificação de um deles para que não haja, pela ausência de tipicidade, lugar à tributação. No Direito Tributário, a tipologia é dominada não só por um princípio de taxatividade como também por um princípio de exclusivismo. Opera-se o fenómeno que a lógica jurídica designa por implicação intensiva.

Verifica-se a implicação intensiva sempre que os elementos enunciados no pressuposto não são apenas suficientes, mas ainda necessários para a verificação da consequência: se esses elementos se verificarem, segue-se a consequência, mas esta só se segue se eles se verificarem – cf., sobre o princípio da tipicidade em Direito Fiscal, Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 263 e ss. Sobre o conceito de “implicação intensiva”, cf. Castanheira Neves, Questão-de-facto - Questão-de-direito, p. 264, e ainda J. Baptista Machado, Introdução ao Estudo do Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1991, 5.ª reimpressão, p. 187.”

Ademais, se é certo que a Administração Tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, a verdade é que não podemos descurar que a sua atividade, deve ser pautada e norteada, designadamente, pelos princípios da justiça e da legalidade, (artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 55.º da LGT), os quais impõem que sejam, oficiosamente ou a pedido, corrigidos todos os erros que possam conduzir à arrecadação indevida de tributo, mormente, por inexistência do facto tributário[3].

Face ao exposto, se a tributação resulta da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstratamente, na lei de imposto, e inexistindo, in casu, qualquer aquisição gratuita por usucapião, então, como bem se decidiu na sentença recorrida, a liquidação impugnada sofre de ilegalidade decorrente da violação das apontadas normas do CIS.

Assim, tudo visto e ponderado, conclui-se que inexiste a aquisição por usucapião que legitimava a tributação em sede de IS, donde inexiste facto tributário, devendo, por isso, serem anulados os atos impugnados, donde, a sentença que assim o decidiu deve ser confirmada, mantendo-se, por isso, na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 28 de janeiro de 2021


[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]

Patrícia Manuel Pires

__________________
[1] Vide, designadamente, Acórdão do STJ, proferido no processo nº 455/12.0, datado de 24.05.2018.
[2] Numa situação em que tinha, de resto, existido uma escritura pública de justificação de aquisição por usucapião.
[3] Vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos 0140/13, 0532/07, 0402/06, 0653/05, 319/05, datados de 29.05.2013, 28.11.2007, 12.07.2006, 06.10.2005 e 11.05.2005, respetivamente.