Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9559/16.0BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:REVISÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
GARANTIAS DOS CONTRIBUINTES
Sumário:I - Mesmo após o decurso dos prazos de reclamação administrativa, a Administração Tributaria tem o dever de efectuar a revisão de actos tributários ilegais, nas condições e nos limites temporais estabelecidos no artigo 78.º da LGT.

II - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, podendo o contribuinte requerer o cumprimento de tal dever cf. n.º 7 do art. 78º da L.G.T., nos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.

III – A revisão do acto tributário incluindo as situações de erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, constitui um reforço das garantias dos contribuintes em conformidade com a autorização legislativa para aprovar a LGT relativamente às que garantias existentes no domínio do CPT.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a primeira Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO


O Representante da Fazenda Pública, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) que julgou procedente impugnação, deduzida por V... – INDÚSTRIA E COMÉRCIO, S.A., com os sinais nos autos, contra o despacho do Director de Finanças, da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, que indeferiu a reclamação graciosa da autoliquidação de IRC, e, em consequência, anulou o referido despacho e determinou a correcção naquele exercício dos valores correspondentes aos custos com as amortizações e reintegrações reclamadas, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I - Para julgar procedente a presente impugnação judicial, considerou o M. Juiz do Tribunal a quo, em síntese, que não obstante a reclamação graciosa ter sido deduzida para além do prazo de dois anos previsto no art.° 131.° do CPPT, ainda assim incorria a AT no dever de proceder à correcção do erro na autoliquidação em sede e no prazo de revisão oficiosa, conforme dispõem os n°s 1 e 2 do art.° 78° da LGT.

II - Porém, ressalvado o devido respeito, afigura-se que na douta sentença a quo não se valorou o facto de a impugnação dos actos de autoliquidação prevista no art.° 131° do CPPT se mostrar prévia e necessária para efeitos de recurso à via judicial mediante impugnação.

III - Com efeito, assentando a douta sentença a quo que o erro que gerou o aumento da base tributável e, consequentemente, o excesso de liquidação deriva de equívoco na autoliquidação, a norma aplicável quanto aos prazos, para o meio de defesa do contribuinte consta do art.° 131.º do CPPT.

IV - E essa reclamação administrativa/graciosa apenas poderia ser apresentada no prazo de dois anos, contados após a entrega da declaração e respectiva autoliquidação (art.° 131°, nº 1 do CPPT). Só depois da utilização deste mecanismo legal, é que a Impugnante poderia lançar mão da competente impugnação.

V - Ora, mostrando-se, como reconheceu a douta sentença a quo, intempestiva a reclamação deduzida pela Impugnante, sob pena de fraude à lei, tal acarreta necessariamente a mesma consequência no que à apresentação da impugnação diz respeito; ou seja, a caducidade do direito de reclamar acarreta a preclusão do direito de impugnar, pois o decurso do prazo assinalado extingue o direito que se pretendia exercitar mais tarde, como sucede nos presentes autos.

VI - Com efeito, estando em causa uma situação de autoliquidação de IRC e demonstrado que ficou nos autos a intempestividade da reclamação graciosa necessária que teria permitido à impugnante a abertura da via judicial, a extinção, por caducidade, deste direito de reclamação determina a igual caducidade do direito a deduzir impugnação judicial, pelo que deverá entender-se que a mesma é intempestiva, sendo que a caducidade constitui excepção que importa, como consequência, a absolvição da Fazenda Pública da instância e a inerente improcedência da impugnação.

VII - Tanto mais que, como resulta dos autos, a impugnante elegeu a “reclamação graciosa”, como meio procedimental idóneo para obter a correcção do erro na autoliquidação, não se podendo sustentar ter incorrido em “mero lapso" na identificação do meio que efectivamente utilizou e que deveria a “revisão oficiosa" prevista no artigo 78.° da LGT.

VIII — Assim deve entender-se que só a tempestividade da reclamação graciosa necessária abriria à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade conduz à necessária improcedência da impugnação, posto que, de outro modo, estar-se-ia a reagir contra caso decidido ou resolvido.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação totalmente improcedente, tudo com as legais e devidas consequências.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, a Procuradora–Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, porquanto, sustenta,


«(…) no caso dos autos, assistia à impugnante a faculdade de pedir a revisão oficiosa do acto de auto-liquidação do IRC, como o fez no prazo de 4 anos, ficando a AT obrigada a pronunciar-se sobre o pedido por injunção normativa ínsita no art° 550, n°1 da LGT.


Sendo a impugnação judicial o meio adequado para reagir contenciosamente contra o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (neste sentido, nomeadamente, douto Acórdão do STA de 4/5/2005, 01276/04).»


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Com dispensa dos vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir:
i) se a decisão recorrida fez errada valoração da prova ao considerar que a reclamante incorreu em mero lapso ao identificar o meio que efectivamente usou — a reclamação graciosa — quando pretendia usar a revisão oficiosa;

ii) Se ocorreu erro de julgamento de direito ao julgar que a AT deveria proceder à convolação da reclamação graciosa em revisão oficiosa por violação do artigo 131.º do CPPT e ao não considerar verificada a caducidade do direito de impugnação, por intempestividade da reclamação graciosa.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«a) Durante os exercícios de 1996 e 1997, a impugnante foi tributada em IRC pelo regime de lucro consolidado no âmbito do grupo empresarial de que era empresa dominante a sociedade F..., Ld.ª — acordo; cfr. informação a fls. 15 do PAT;
b) A 31.05.1998 a impugnante apresentou declaração Modelo 22 referente ao exercício de 1997, juntamente com as declarações individual e consolidada da empresa dominante, identificada na alínea anterior — acordo; cfr. conclusão no doc. a fls. 110 do PA (reclamação);
c) Na sequência de acção inspectiva interna realizada à impugnante, relativamente ao exercício de 1996, resultou uma correcção aritmética ao resultado fiscal declarado no montante de 16.179.154$00, decorrente da não-aceitação de despesas contabilizadas como custos na rúbrica "conservação e reparação", umas referentes a trabalhos de construção civil, no valor de 14.696.992$00, de outras a asfaltagens e arranjos de pavimentos, no valor de 4.427.570$00, por não serem consumíveis num só exercício — cfr. doc. a fls. 6 a 14 do PA (reclamação) e informação a fls. 16 do PAT;
d) Foi enviado, à impugnante, o oficio n.° 23429, de 15.12.200, da 1ª Direcção de Finanças de lisboa, comunicando as conclusões da acção inspectiva, referida na alínea anterior, e as correcções efectuadas ao lucro tributável declarado no exercício de 1996 — cfr. docs. a fls. 2-3 e 4-5 do PA (reclamação);
e) A 07.02.2001 a impugnante apresentou o seguinte requerimento dirigido ao Director Distrital de Finanças de lisboa — cfr. doc. a fls. 2 e 3 do PA (reclamação):
"V... — Industria e comércio LA., contribuinte Fiscal n.° 5..., matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 8..., com o capita/social de Esc. 100.000.0001 e sede na Rua dos R..., em Lisboa, com referência ao exercício de 1997, vem nos termos do n°4 (documento superveniente) do disposto no artigo 70° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 111° do CIRC deduzir reclamação oficiosa nos termos e com os fundamentos seguintes:
1° - A reclamante, no exercício de 1997, era tributada segundo o regime fiscal do IRC pelo Lucro Consolidado, fazendo parte do perímetro fiscal como sociedade dominante F..., Ldª.
2° - Entregou em 31 de Maio de 1998 no 10° Bairro Fiscal de Lisboa a declaração individual Mod. 22 de 1997 em simultâneo com as declarações individual e consolidada da empresa dominante, anteriormente referida.
3º - A reclamante foi notificada por carta registada com aviso de recepção, oficio n° 23429 de 00/12/15 da 1ª Direcção de finanças de Lisboa, que tinha sido corrigida a declaração Mod. 22 do exercício de 1996.
4° - Simplesmente as alterações feitas em 1996 têm consequências fiscais no exercício de 1997 e seguintes pelo que, com base na notificação supra, por a considerar como documento superveniente, vem agora a contribuinte deduzir reclamação graciosa do exercício de 1997 nos termos do citado n° 4° do art.º 70° do CPPT;
5° - No exercício de 1997, reafirma-se, pretende a reclamante que lhe seja considerado como custo em IRC as correcções operadas no ano de 1996 que tenham repercussões no ano de 1997, uma vez que já não é possível efectuar qualquer movimento na sua contabilidade dado o seu encerramento.
6° - Então, vem requerer a V. Ex.a que as amortizações e reintegrações aceites como custo, à semelhança do que foi feito para 1996, também o sejam paro o exercício de 1997. Assim, com referência aos bens do imobilizado corpóreo enquadrados no Código 2195 do D.R. 2/90, que lhe seja aceite as amortizações e reintegrações no montante de 1.469.6994$ que corresponde uma taxa de depreciação de 10% sobre o valor de aquisição e, relativamente aos restantes bens, o montante de 1.475.709$ que corresponde o uma taxa de reintegração de 33,33%, tudo aliás, em consistência com as deduções operadas à matéria colectável do exercício de 1996 que consta a pag. 3 da referida notificação.
Constituindo assim e como foi provado fundamento para reclamar graciosamente, vem requerer a V. Ex.a que lhe revista a declaração Mod. 22 de 1997 e que lhe seja restituído o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas no montante de 1. 10 1.5821$."
f) A reclamação graciosa identificada em e) foi indeferida, por despacho do Director de Finanças, da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, de 31.10.2002, com fundamento em intempestividade — cfr. docs. a fls. 123-124 e 108-110 do PA (reclamação);
g) O despacho referido na alínea anterior remeteu para os fundamentos incorporados no projecto de decisão enviado, a 31.07.2002, por correio registado, à impugnante, com o oficio n.° 018999, de onde consta o seguinte:
"6. 1 — Dizem-se supervenientes os factos ocorridos posteriormente ao termo dos pratos, bem como dos factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses pravos, nos termos do art° 506° do Código de Processo Civil
6.2 — Cabe ao reclamante o ónus de alegar e provar a superveniência do "documento ou sentença" relativa ao fundamento da reclamação, bem como a impossibilidade de invocar no prato normal o facto que serve de fundamento à reclamação.
6.3 — A correcção efectuada aos custos decorreu de erro praticado pelo sujeito passivo na contabilização de facturas de trabalhos de construção civil.
6.4 — O incumprimento de normas legais, neste caso o D. R. 2/90, de 12 de Janeiro, não configura um facto novo ou desconhecido pela reclamante, que fosse impossível de invocar no prato normal.
6.5 — Face ao exposto, estamos perante um erro na autoliquidação, cujo prazo para reclamar está previsto no artº 131º do CPT.
7— CONCLUSÃO e PROPOSTA DE DECISÃO
7.1 — Em face do exposto em 6., e estando em causa a autoliquidação do exercício de 1997, que ocorreu em 31/05/98, a reclamação apresentada é intempestiva por ter sido apresentada em 7/02/01, quando a data limite para a sua apresentação era a de 31/05/00." — cfr. docs. a fls. 108-109 e 118-119 do PA (reclamação);
h) O aviso de recepção, que acompanhou o ofício de notificação do indeferimento da reclamação identificada em e), foi assinado a 07.11.2002 — cfr. docs. a fls. 125 a 127 do PA (reclamação);
i) A impugnante deu entrada da petição inicial de impugnação, nos serviços da 1.ª Direcção de Finanças de Lisboa, no dia 21.11.2002 — cfr. carimbo, data manuscrita e rubrica a fls. 2 dos autos; j) A 19.12.2002, os autos deram entrada na Secretaria Central — cfr. carimbo a fls. 2 dos autos.»

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Consta ainda da mesma sentença que «Inexistem outros factos relevantes a considerar na apreciação do mérito da causa.».

No que respeita à motivação da decisão de facto, refere a sentença que: “O Tribunal considerou, na apreciação que fez sobre a matéria de facto, os documentos e informações oficiais constantes dos autos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.»

III – 2. Do direito

A recorrida dirigiu à AT um requerimento solicitando a correcção da autoliquidação referente ao exercício de 1997, relativamente a custos, invocando que a acção de inspecção que teve por objecto a matéria tributável no exercício de 1996 deu origem a correcções com repercussão nos exercícios seguintes, que implicam a necessidade de alteração das correspondentes autoliquidações, por via da abertura de novo prazo para dedução de reclamação graciosa a contar da data de notificação daquelas correcções.
Qualificou o requerimento como «reclamação oficiosa» identificando-a também como reclamação graciosa, requerendo a final a revisão da declaração de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 1997, atendendo a que não declarou os custos correspondentes a amortizações e reintegrações que podia deduzir nesse ano, em resultado de correcções realizadas ao exercício anterior, pedindo ainda a restituição do imposto.
A sua pretensão foi indeferida, e não se conformando, a recorrida impugnou o acto invocando que as correcções efectuadas ao exercício de 1996 integram o conceito de documento superveniente.
A sentença recorrida julgou a acção procedente no entendimento de que ocorreu erro na forma de procedimento, já que atento o conteúdo do requerimento ele preenche todas as condições de um pedido de revisão do acto tributário.
Na conclusão VII a recorrente insurge-se contra a decisão recorrida alegando que a recorrida elegeu a reclamação graciosa como meio procedimental idóneo não se podendo sustentar que se trata de um “mero lapso”.
Compulsada a matéria de facto assente, resulta do ponto e) que, em 7/2/2001 a recorrida dirigiu um requerimento ao Director Distrital de Finanças de Lisboa em que invoca o seguinte: «(…) com referência ao exercício de 1997, vem nos termos do n°4 (documento superveniente) do disposto no artigo 70° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 111° do CIRC deduzir reclamação oficiosa nos termos e com os fundamentos seguintes (…) 3º - A reclamante foi notificada por carta registada com aviso de recepção, oficio n° 23429 de 00/12/15 da 1ª Direcção de finanças de Lisboa, que tinha sido corrigida a declaração Mod. 22 do exercício de 1996.
4° - Simplesmente as alterações feitas em 1996 têm consequências fiscais no exercício de 1997 e seguintes pelo que, com base na notificação supra, por a considerar como documento superveniente, vem agora a contribuinte deduzir reclamação graciosa do exercício de 1997 nos termos do citado n° 4° do art.º 70° do CPPT;
5° - No exercício de 1997, reafirma-se, pretende a reclamante que lhe seja considerado como custo em IRC as correcções operadas no ano de 1996 que tenham repercussões no ano de 1997, uma vez que já não é possível efectuar qualquer movimento na sua contabilidade dado o seu encerramento.
6° - Então, vem requerer a V. Ex.a que as amortizações e reintegrações aceites como custo, à semelhança do que foi feito para 1996, também o sejam paro o exercício de 1997. Assim, com referência aos bens do imobilizado corpóreo enquadrados no Código 2195 do D.R. 2/90, que lhe seja aceite as amortizações e reintegrações no montante de 1.469.6994$ que corresponde uma taxa de depreciação de 10% sobre o valor de aquisição e, relativamente aos restantes bens, o montante de 1.475.709$ que corresponde o uma taxa de reintegração de 33,33%, tudo aliás, em consistência com as deduções operadas à matéria colectável do exercício de 1996 que consta a pag. 3 da referida notificação. Constituindo assim e como foi provado fundamento para reclamar graciosamente, vem requerer a V. Ex.a que lhe revista a declaração Mod. 22 de 1997 e que lhe seja restituído o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas no montante de 1. 10 1.5821$.»
Do teor do aludido requerimento e independentemente da designação que lhe tenha atribuído, percebe-se que o pretendido pela ora recorrida era que lhe fosse efectuada a correcção dos custos, por si declarados na autoliquidação, cuja necessidade resultou das correcções efectuadas posteriormente, no âmbito da acção de inspecção levada a cabo ao exercício anterior. A recorrida apelidou o seu requerimento de reclamação oficiosa e de reclamação graciosa, contudo, no essencial, pede que a sua situação seja revista em conformidade com as conclusões da acção inspectiva cujas correcções se repercutem no exercício seguinte.
Independentemente das normas invocadas pela recorrida, a configuração da sua pretensão é clara, sendo irrelevante que a recorrida tenha pretendido apresentar uma reclamação graciosa, ou que o meio procedimental não decorra de mero lapso. O que releva, em face da injunção estatuída no artigo 52.º do CPPT, é a concreta pretensão deduzida pelo contribuinte e se, apesar do erro, as peças úteis ao apuramento dos factos podem ser aproveitadas, caso em que se impõe à AT, oficiosamente, o dever de proceder à convolação no procedimento adequado. Verificado que esteja o pressuposto da tempestividade do meio adequado.
Na sentença recorrida afirmou-se precisamente esse entendimento que aqui se acolhe e reafirma: «Constatada a situação de erro no procedimento, impunha-se à Entidade Impugnada o dever de o convolar na forma adequada, “in casu” em procedimento de revisão oficiosa do acto tributário, em cumprimento do poder-dever ínsito no artigo 52.° do CPPT - cfr. neste sentido os Acórdãos do STA de 14.12.2011 [Proc. n.° 0366/11] e de 02.11.2011 [Proc. n.° 0329/11]».
Tendo em conta que o n.º 2 do artigo 78° da LGT determina que, para efeitos de revisão oficiosa do acto tributário, considera-se imputável aos serviços o erro na autoliquidação — embora, na situação de erro imputável aos serviços, se esteja perante um dever de carácter oficioso — a verdade é que se encontra legalmente reconhecida, ao contribuinte, nos termos do (então) n.º 6 do artigo 78°, a faculdade de este solicitar o cumprimento desse dever por parte da Administração Tributária, dando (para o efeito) noticia do erro que, a verificar-se, constitui a entidade administrativa no dever de revisão, desde que o respectivo pedido seja efectuado dentro dos limites temporais em que esta o pode exercer.
Acresce - como se refere no Acórdão do STA de 06.02.2013, Proc. n.° 0839/11 - que na situação de erro imputável aos serviços o poder de revisão oficiosa do ato tributário — aqui entendido em sentido amplo — não significa “um poder de rever ou não o acto tributário, mas de uma actividade de natureza vinculada, estando a Administração obrigada a decidir o pedido de revisão oficiosa impulsionada pelo contribuinte por força do preceituado no art.° 55.°, n.° 1, da LGT, sendo que, por força do n.° 2 do art.° 78° da LGT, se tem de considerar como imputável aos serviços, para efeitos de revisão dos actos tributários, o próprio erro na autoliquidação”.
A confirmação da existência do erro na autoliquidação do imposto constituiu a Administração Tributária no dever legal de correcção da matéria tributável, com vista à reposição da legalidade».
A sentença recorrida que assim decidiu não merece a censura que lhe vem dirigida, como se deixou assinalado, donde se conclui pela improcedência da conclusão de recurso apreciada.
No segundo vector do recurso a recorrente sustenta que não foi tido em conta pelo Tribunal a quo que a impugnação de actos de autoliquidação prevista no artigo 131.º do CPPT se mostra prévia e necessária para efeitos de recurso à via judicial mediante impugnação e sendo a reclamação intempestiva, na sua óptica, ocorre a caducidade do direito de reclamar precludindo-se também o direito de impugnação.
Desde já se adianta que não lhe assiste qualquer razão.
Em primeiro lugar porque a tempestividade do meio de tutela administrativa afere- -se em função do meio adequado à pretensão, ou seja, ao meio a convolar e não em função do meio efectivamente usado. Assim, atendendo ao que supra se deixou dito sobre o dever de convolação do requerimento dirigido à AT pela ora recorrida, e como se sustentou na decisão recorrida, sendo o pedido de revisão oficiosa o meio mais adequado a tutelar os direitos e interesses invocados pela recorrida, a sua apresentação ocorreu tempestivamente. O mesmo sucede com a dedução da presente acção de impugnação.
Por outro lado, importa ter presente que o decurso do prazo de reclamação da autoliquidação, previsto no artigo 131.º do CPPT não preclude o direito de requerer a revisão oficiosa da liquidação, nos termos do artigo 78.º da LGT, pois estes meios não constituem meios excludentes. A revisão oficiosa constitui sim um meio alternativo ou complementar, conforme for utilizado no prazo de reclamação, ou depois deste, constituindo neste caso, um acréscimo e um reforço de garantias do contribuinte, quando já decorreram os prazos previstos para os restantes meios de tutela (cf. Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 6.ª edição 2011, Volume II, anotação 10 ao artigo 131.º pag. 412/414).
A revisão oficiosa deve ser vista como um acréscimo de garantia, tal como configurado pelo legislador e não apenas como um meio admissível em todos os actos de autoliquidação, a par dos demais pois, como se sublinhou no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 1540/13, datado de 29/10/2014 entendimento reiterado em muitos outros acórdãos: «I – O alcance do nº 2 do art. 78º da LGT, ao estabelecer que, para efeitos de admissibilidade de revisão do acto tributário, se consideram imputáveis à administração tributária os erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, em relação às que existiam no domínio do CPT, solução esta que está em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era de reforço das garantias dos contribuintes.
II – Aquele art. 78º, nº 2, seria organicamente inconstitucional, por ser incompatível com aquele sentido da autorização legislativa, se fosse interpretado por forma que se reconduza a que a revisão oficiosa, em casos de autoliquidação, só fosse possível quando o contribuinte tivesse apresentado reclamação graciosa e impugnação judicial da autoliquidação.»
Voltando à razão de ser da qualificação da revisão do acto tributário como um acréscimo de garantia, explicitado a questão, pode ver-se o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 536/07 de 06/10/2005 notando que «(...) na autorização legislativa em que se baseou a aprovação da LGT pelo Governo se indicava como princípio primacial a assegurar o «reforço das garantias dos contribuintes» (artº 1º, nº 2, da Lei nº 41/98, de 4 de Agosto), pelo que, estando estas garantias incluídas na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, alínea i), da CRP], é de concluir com segurança que qualquer norma da LGT que, na sua redacção inicial, concretize uma redução dessas garantias será organicamente inconstitucional. (…) Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impedia a impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta (Cfr., entre outros, os Acórdão do STA de 12/2/2001, rec nº 26233/2001; 19/2/2003, rec. nº 1461/02;9/4/2003, rec nº 422/03; e de 2/2/2005, rec nº 1171/04.). (…).»
Conforme se alcança do que se deixou dito, ainda que esteja em causa um acto de autoliquidação, a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT, não depende da prévia reclamação graciosa prevista no artigo 131.º n.º 1 do CPPT enquanto pressuposto prévio e necessário, precisamente por a revisão oficiosa dos actos de liquidação constituir um meio autónomo reforço das garantias dos contribuintes.
Configurando-se este meio procedimental como um meio administrativo de correcção de erros de actos de liquidação de tributos, constitui o corolário, no direito tributário, do dever que impende sobre a administração de, oficiosamente, revogar os actos ilegais, aqui através da convolação do meio adequado à sua revisão, em concretização dos princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que enformam toda a actuação da administração tributária nos termos dos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Atento o exposto, concluímos pela improcedência do recurso.


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No que se refere à responsabilidade por custas, atento o seu decaimento, a mesma cabe à Recorrente (cf. artigo 527.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Contudo, atendendo à data da interposição da impugnação judicial, vigorava o Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11/2, em cuja alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º foi consagrada a isenção subjetiva de custas do «Estado, incluindo os seus serviços e organismos, ainda que personalizados».
Não obstante essa isenção tenha deixado de ter consagração legal com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 /12 conforme decorre do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, sucederam-se as disposições transitórias quanto à respectiva aplicação no tempo (cf. artigo 14.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 324/2003, artigo 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 de 26/2), que mantiveram a referida isenção da Fazenda Pública até à actualidade, hoje por força do n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012 de 13/2, a qual, prevê que: «[
n]os processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.»

Assim sendo, e embora responsável pelas custas, em face do seu total decaimento, a Fazenda Pública encontra-se isenta do respectivo pagamento, na 1.ª instância, e no presente recurso.


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IV – CONCLUSÕES

I - Mesmo após o decurso dos prazos de reclamação administrativa, a Administração Tributaria tem o dever de efectuar a revisão de actos tributários ilegais, nas condições e nos limites temporais estabelecidos no artigo 78.º da LGT.
II - A revisão do acto tributário com fundamento em erro imputável aos serviços deve ser efectuada pela Administração tributária por sua própria iniciativa, podendo o contribuinte requerer o cumprimento de tal dever cf. n.º 7 do art. 78º da L.G.T., nos limites temporais em que Administração tributária o pode exercer.
III – A revisão do acto tributário incluindo as situações de erros na autoliquidação, foi o de alargar as possibilidades de revisão nestas situações de autoliquidação, constitui um reforço das garantias dos contribuintes em conformidade com a autorização legislativa para aprovar a LGT relativamente às que garantias existentes no domínio do CPT.

V - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da primeira Subsecção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional e confirmar a sentença.


Sem custas atenta a isenção subjectiva de que beneficia a recorrente.


Lisboa, 16 de Setembro de 2021.


A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-lei n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente acórdão as Senhoras Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


Ana Cristina Carvalho