Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03616/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/23/2010
Relator:LUCAS MARTINS
Descritores: IRS
AJUDAS DE CUSTO
PROVA
Sumário:1. Consubstanciam «ajudas de custo» as importâncias pagas ao trabalhador visando compensá-lo pelas despesas que devam suportar, a favor e ao serviço da entidade patronal, por motivos de deslocações ou novas instalações; Ou, de outra forma, constituem abonos ocasionados mediatamente, pelas referidas circunstâncias, no interesse e por conta da entidade patronal, uma vez excedidas as balizas temporais e espaciais legalmente fixadas;
2. No âmbito de tais despesas caem, não só, aquelas que, observados os restantes pressupostos legais, seja efectivamente realizadas, mas aquelas que, presuntivamente, sejam realizadas;
3. Sem embargo, atenta a sua natureza, tais despesas, à luz de critérios de razoabilidade e de normalidade, são as que, por princípio, se circunscrevem à deslocação, estadia e alimentação pelo que, quaisquer outras, susceptíveis de serem abrangidas pelo conceito, pela sua excepcionalidade, caberá serem demonstradas por quem se arrogue o direito a elas;
4. Suportando, directamente, a entidade patronal, as despesas decorrentes da deslocação, estadia e alimentação dos seus funcionários, deslocados ao seu serviço, as quantias que, eventualmente, lhes pague àquele titulo de «ajudas de custo», estão sujeitas a tributação e sede de IRS, salvo se feita a prova referida no número anterior.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:- A..., com os sna8is dos autos, por se não conformar com a decisão documentada de fls. 193 a 201, inclusive, proferida pelo Mm.º juiz do TAF de Leiria e, pela qual, lhe julgou improcedente esta impugnação judicial, dela veio interpor o presente recurso apresentando, para o efeito, as seguintes conclusões;

1.ª Em obediência ao princípio da não retroactividade das leis fiscais e ao alcance do princípio da legalidade fiscal na esfera de delimitação de incidência das normas fiscais, é na redacção da norma do CIRS vigente de 1994 a 1997 que há-de colher-se o critério de solução para o presente caso.

2.ª A norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea e), do CIRS, na redacção aplicável – a vigente ente 1994 e 1997 – delimita negativamente a incidência do IRS relativamente às importâncias pagas a título de ajudas de custo na parte em que não excedam os limites legais fixados para os servidores do Estado.

3.ª Por razões de praticabilidade, a lei delimita negativamente a incidência do IRS sobre os valores pagos como tais, presumindo, jure et de jure, um valor-plafond que exclui da tributação do imposto, independentemente do montante efectivamente gasto ou suportado pelo trabalhador ser inferior ao montante pago pela entidade patronal dentro dos limites fixados para os servidores do Estado.

4.ª – Ou seja, as ajudas de custo são pela sua própria natureza e em princípio, compensações por despesas incorridas pelo trabalhador mas em favor da entidade patronal, pelo que só tem sentido tributá-las quando extravasarem essa função, sendo que a lei presume inilidivelmente que isso acontece quando as ajudas de custo se mantêm dentro dos limites legais previstos para os servidores do Estado”.

5.ª O que vale por dizer que a norma em causa “não tem como objectivo facilitar o estabelecimento de um facto, cuja prova possa configurar-se difícil”: não se trata de uma norma de direito probatório, outrossim, de direito material, ou seja, duma norma substantiva que é produto de uma valoração jurídico-material, surgindo como “uma declaração normativa de direito substantivo, situada fora do âmbito probatório” (António Sanchez Pino, Presunciones y ficciones en el IRPF, pp. 107 e ss.).

6.ª O que o legislador pretendeu ao delimitar a incidência do IRS nestes termos mais não foi do que o reconhecimento de que a deslocação do trabalhador em serviço e proveito da entidade patronal gera sempre um acréscimo de despesas, riscos e incómodos, cuja compensação não deve ser tributada, sendo que o estabelecimento do conceito de “ajuda de custo” e a sua não tributação, dentro dos limites referidos, permite ultrapassar as dificuldades práticas que existiriam se fosse necessário controlar casuisticamente, despesa a despesa, todo o montante dispendido pelo trabalhador, bem como a natureza dessa despesa para efeitos da sua elegibilidade como ajuda de custo.

7.ª O conceito de ajudas de custo não é, pois, um conceito restrito que se circunscreva aos gastos especificamente relacionados com o pagamento da deslocação ou alimentação do trabalhador, mas que abrange todas as demais despesas suportadas em virtude das deslocações ao serviço da entidade patronal e do acréscimo de incómodo e risco inerente a essas deslocações, compensando gradualmente o adiantamento por parte do trabalhador dos montantes dispendidos em favor da entidade patronal, onde a causa jurídica da atribuição está na indemnização da adiantada cobertura de despesas efectuadas pelo trabalhador por facto de serviço, valendo em todos estes casos o raciocínio de que a entrada no património do trabalhador dessas “importâncias não corresponde propriamente a rendimento do trabalhador, mas a uma compensação dos serviços prestados ou a prestar por ele à sua entidade patronal, quando essas importâncias não excederem o limite legal anualmente fiado para os servidores do Estado”.

8.ª Dessa valoração legislativa resulta que a efectiva realização das despesas suportadas e o seu controlo não é condição para a sua tributação, conquanto os montantes pagos se situem no patamar legalmente reconhecido.

9.ª Assim, os pressupostos tributário substantivos do pagamento de ajuda de custo e da sua não tributação, são, na redacção da lei aplicável in casu, de índole puramente quantitativa, ou seja, balizados apenas pelo montante a pagar e não pela verificação dos pressupostos de atribuição aos servidores do Estado, razão pela qual a hipótese da norma apenas faz depender a não tributação dessas ajudas da realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e portanto no interesse da sua entidade patronal; e de que o pagamento de quantitativo diário que não exceda os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.

10.ª Estes pressupostos encontram-se verificados e provados nos autos.

11.ª Em oposição, a AT não logrou provar que todas as despesas relativas às deslocações para prestação do trabalho fora das instalações da entidade patronal se encontravam previamente cobertas pela entidade patronal.

12.ª O facto da entidade patronal cobrir os gastos com o veículo, com o alojamento e a alimentação do trabalhador não constitui condição suficiente, nem sequer necessária, susceptível de postergar o não pagamento de ajudas de custo dentro do patamar legalmente estabelecido.

13.ª As ajudas de custo pretendem fazer face a todas as despesas extraordinárias que surjam nas deslocações ao serviço da entidade patronal, não estabelecendo a lei qualquer limitação quanto à sua “espécie”, razão pela qual as ajudas de custo abrangem igualmente despesas que não contendam exclusivamente com o custo específico da deslocação (veículo, alojamento e alimentação), v.g., a aquisição, reposição ou substituição de materiais indispensáveis ao trabalho (que com probabilidade poderá ocorrer em deslocações mais longas).

14.ª Para além das demais razões que justificam a atribuição de um valor de ajudas de custo ao trabalhador que se desloque em proveito da entidade patronal para fazer face a todas as eventuais despesas que tenha de realizar em favor daquelas, existe também o facto desse montante reflectir uma compensação pelo acréscimo do risco e do incómodo sempre inerentes a deslocações ao serviço da entidade patronal.

15.ª Mesmo que assim fosse, o que não se concede, sempre caberia à AT a prova de que o pagamento das despesas incorridas em favor da entidade patronal era anterior à verificação da despesa, caso contrário, o próprio conceito de ajuda de custo reflectiria, entre outros caracteres, como causa jurídica da sua atribuição, a indemnização adiantada cobertura de despesas efectuadas pelo trabalhador por facto de serviço.

16.ª Cabendo à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos de incidência da norma de tributação (balizada pela delimitação negativa efectuada por essa mesma norma de incidência) e não existindo prova do supra alegado e vazado nas conclusões 11.ª a 15.ª.

17.ª Ora, a AT não fez prova constitutiva da verificação da norma de incidência, não cabendo ao trabalhador a alegar e provar que as importâncias recebidas se destinavam a compensá-lo que quaisquer DESPESAS que, em nome e em benefício da empresa, haja suportado.

18.ª A AT não detém qualquer margem de apreciação das condições normativamente estabelecidas no artigo 2.º do CIRS, devendo a norma ser interpretada de acordo com os cânones metodológicos exigidos pelo referido princípio no que tange com a sua específica dimensão material.

19.ª O que vale por dizer que não cabe à AT definir quais são as despesas elegíveis e inelegíveis para efeitos de atribuição de ajudas de custo, não estando as mesmas limitadas por lei àquelas estritamente relacionadas com o pagamento do custo efectivo do transporte e da alimentação do trabalhador.

20.ª A decisão recorrida, ao avalizar a actuação administrativa, violou também ela a disposição do artigo 2.º, n.º 3, al. e), do CIRS, a disposição do artigo 121.º do CPT, em relação com os critérios de repartição do ónus da prova e o princípio da legalidade fiscal relativamente aos pressupostos de determinação negativa da incidência do citado preceito do IRS.

- Conclui que, pela procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida e julgada procedente a impugnação, com todas as consequências legais.

- Não houve contra-alegações.

- O EMMP, junto deste Tribunal, emitiu o douto parecer de fls. 231 a 232, pronunciando-se, a final, no sentido da improcedência do recurso, no entendimento de que a prova documental carreada para os autos atesta com facilidade que as importâncias em causa nos autos consubstanciam “montantes remuneratórios”.

*****


- Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

- A decisão recorrida deu, por provada, a seguinte;

- MATÉRIA DE FACTO -


A) A sociedade comercial ELECTRO INSTALADORA A.M. CORREIA, S.A., da qual o ora impugnante era administrador nos anos de 1994 a 1997, foi alvo de uma acção de inspecção tributária, que incidiu sobre os exercícios daqueles anos e culminou com o relatório de fls. 14 a 21, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES
3.1 – CUSTOS COM PESSOAL
Analisados todos os elementos que serviram de suporte aos registos contabilísticos, constatou-se que a empresa não tem vindo a obedecer a todas as normas determinadas pelas leis fiscais, alterando assim o valor da matéria colectável sujeita a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas. Por outro lado, os custos com pessoal, cujo suporte justificativo são os recibos, incluindo com regularidade ajudas de custo.
(…)
3.4 – CUSTOS COM PESSOAL
A empresa processou ao longo dos anos em análise ajudas de custo nos recibos de salários. Efectuada uma análise a estes custos, conclui-se que umas são complementos de vencimento e outras contabilizadas sem que as tenham justificado.
3.4.1 – COMPLEMENTOS DE VENCIMENTO
No que se refere a complementos de vencimento, a empresa processou aos sócios gerentes ajudas de custo durante todos os dias úteis na base de:
ANOS1994199519961997
ATRIBUIÇÃO DIÁRIA8.000$008.350$008.500$008.750$00

Da análise verificou-se que os custos das deslocações efectuadas pelos sócios, em nome da empresa estão contabilizadas na conta “DESLOCAÇÕES E ESTADAS”, cujos montantes anuais são na quase totalidade das suas deslocações e que somam em cada um dos anos:
(…)
Quanto ao pessoal pertencente aos quadros técnicos, chefes de equipe e outro pessoal diferenciado, o valor atribuído por cada dia de trabalho oscila entre os 3.000$00 e os 5.000$00 a título de ajudas de custo. Ao restante pessoal, por cada dia de trabalho atribuem em média 1.300$00.
(…)
Outra situação utilizada pela empresa é a de atribuir aos administradores todos os dias úteis de trabalho de cada ano, ajudas de custo completas, quando cada administrador possui viatura afecta ao imobilizado da empresa e, as despesas de (alojamento e alimentação) pelas deslocações efectuadas, estão contabilizadas na empresa na conta “DESLOCAÇÕES E ESTADAS”. Pelo que estas ajudas de custo atribuídas aos administradores enquadram-se no n.º 2 do artigo 2.º do CIRS para efeitos de tributação.
Nesta situação, dado que a empresa efectua serviços que justificam o pagamento de ajudas de custo e existindo dificuldades na quantificação exacta do montante de ajudas de custo pagas ao pessoal, propõe-se a correcção por aplicação de métodos indirectos de 20% desses custos ao lucro tributável de IRC, nos exercícios indicados. A proporção utilizada dos 20% baseia-se no critério utilizado nos termos do artigo 41.º do CIRC.
(…)».

B) Em 21/05/2001, o Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Leiria prestou a informação de fls. 46 a 47, que se dá por integralmente reproduzida, da qual consta o seguinte:
»(…)
1º - O impugnante exerce as funções de administrador na firma “ELECTRO – INSTALADORA A. M. CORREIA, S.A.», contribuinte n.º 501 469 370 com sede em Parque Industrial da Quinta Nova – Pelariga – Pombal cuja actividade consiste em “Instalações Eléctricas de Alta e Baixa Tensão”, sendo a E.D.P. e a TELECOM os seus principais clientes, para os quais efectua obras de construção, reparação ou ampliação de linhas, quer por concurso, quer para reparação imediata de avarias que possam surgir nas suas áreas de jurisdição.
2º - No âmbito das suas junções, o impugnante efectuava com alguma regularidade visitas tanto a clientes como a fornecedores bem como às equipas de trabalho que se encontravam a laborar nas suas diversas áreas de intervenção.
3º - Para fazer face às despesas que as constantes deslocações originavam, a empresa atribuiu ao seu administrador uma compensação monetária a título de ajudas de custo na base de uma atribuição diária de 8.000$00 em 1994; 8.350$00 em 1995; 8.500$00 em 1996 e 8.750$00 em 1997, conforme se verifica dos recibos de salários, de que se junta fotocópia.
4º - No entanto, como nos foi dado verificar a firma possuía três veículos devidamente registados no Activo Imobilizado, um BMW matrícula 14-99-CV; um Mitsubishi Pajero, matrícula 62-32-DU; e um Mercedes, matrícula 88-12-DO, que normalmente eram utilizados pelos Administradores nas suas deslocações, sendo os custos derivados da utilização dessas viaturas, designadamente seguros, combustíveis e reparações, suportados pela firma.
5º - (…) analisando os Boletins Itinerários, designadamente os dos meses de Março de 1994 e 1996, e Outubro de 1997, verificamos que o impugnante se encontra semanas inteiras deslocado com ajudas de custo completas a cerca de 40 km ou menos da sua residência permanente, (…).
Da mesma análise, ressalta ainda o facto de não existirem dias disponíveis para acompanhamento das obras efectuadas na área da sede da empresa, uma vez que o impugnante se encontrava permanentemente deslocado fora da área da sede da firma.
7º - Ao pagar as despesas com transportes e alojamento do seu administrador e simultaneamente atribuir ajudas de custo para fazer face a essas mesmas despesas, origina uma duplicação de custos (…).
8º - Do exposto nos pontos anteriores e depois de analisadas as condições de atribuição das referidas “Ajudas de Custo”, se conclui de forma inequívoca que estas assumem a natureza de complemento de remuneração (…)».

C) O impugnante desenvolvia actividade na sociedade comercial supra identificada como outro operário.

D) O impugnante passava a maior parte do tempo fora da sede daquela sociedade, a trabalhar nas obras.

*****


- Mais se deram como não provados quaisquer outros factos, diversos dos constantes das precedentes alíneas, enquanto relevantes à decisão de mérito a proferir.

*****


- Em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto consignou-se, expressamente, na decisão recorrida que “A convicção do Tribunal” se baseou “nos documentos referidos em cada uma das alíneas antecedentes, bem como no depoimento das testemunhas inquiridas, revelando-se estes coerentes e credíveis.».

*****

- ENQUADRAMENTO JURÍDICO -


- A questão decidenda consiste em saber se as importâncias pagas pela sociedade «Electro-Instaladora A. M. Correia, S.A.» ao recorrente, durante os anos de 1994 a 1997, e que motivaram as correcções à suas respectivas declarações de rendimentos, em sede de IRS, são de qualificar como ajudas de custo, como este entende, ou não, como considerou a AF e ao que deu cobertura a decisão recorrida.

- Por outro lado, não se dissentindo da matéria de facto dada por provada, a questão nuclear traduz-se na delimitação do conceito de “ajudas de custo”, para efeitos de tributação, à luz do estatuído no art.º 2..º, n.º 3, al. e), do CIRS, então em vigor, sendo certo que, como é entendimento jurisprudencial, ao que se crê firme, as “ajudas de custo” não se encontra(va)m sujeitas a tributação na medida em que, dentro dos limites legais, tenham assumido um carácter compensatório, tendo em vista reembolsar o trabalhador pelas despesas que teve de suportar a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, nessa medida se afastando qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.

- A questão, no entanto, no caso sub judicio, é mais “cirúrgica”, já que se prende com a delimitação do tipo de despesas susceptíveis de caírem no âmbito das referidas ajudas de custo; De facto, no caso que aqui nos ocupa, o Mm.º juiz recorrido, veio, a final, a decidir como decidiu na consideração de que “(…) apenas podem ser aceites como ajudas de custo os abonos auferidos pelos trabalhadores, referentes a deslocações por si efectuadas em benefício da entidade patronal, desde que se destinem a compensar o trabalhador pelas despesas por si suportadas e relativas a essas mesmas deslocações” pelo que, apesar de se encontrar demonstrado que o recorrente efectuava constantemente deslocações ao serviço da empresa de que era administrador, o certo é que não provou, nem sequer alegou, que as quantias em questão foram, por si, recebidas para o compensar de quaisquer despesas que tivesse suportado em nome e benefício da empresa.

- A recorrente, por seu turno e como o atestam as presentes conclusões de recurso, sustenta, no essencial, que as despesas a compensar não se limitam às de deslocação, alojamento e alimentação, sendo que era à AT que cabia demonstrar que todas as despesas decorrentes das suas deslocações ao serviço e no interesse da empresa se encontram abrangidas, quer pelo fornecimento de viatura desta última quer nas importâncias contabilizadas a título de pagamentos por deslocações e estadas dos seus quadros.

- Na linha do que acima se referiu e ao que aqui, agora, nos importa, ajudas de custo são, abonos ocasionados mediatamente pela deslocação em serviço, quando esta ultrapasse determinados limites mínimo espaciais e temporais, visando compensar os quadros de uma pessoa colectiva, de despesas efectuadas por virtude dela e por conta e no interesse da última, sendo referidas a cada dia durante os quais se verifique(1).

- Contudo e sem embargo do que se vem de dizer crê-se que, face ao regime plasmado, quer no art.º 2.º, n.º 3. al. e), do CIRS, quer, conjugadamente, no art.º art.º 87.º, do DL n.º 49.408, de 1969NOV24(2), as ajudas de custos não visarão, verdadeiramente, compensar despesas efectuadas mas terão por finalidade, antes, compensar despesas que sejam de presumir terem sido efectuadas pelos referidos quadros, deslocados em serviço, ainda que efectivamente eles as não façam. Será o caso, por exemplo e na linha do sustentado pelo recorrente nestes autos, dos aludidos quadros não tomarem refeições, ou de pernoitarem em casa familiares ou amigos em lugar de numa qualquer unidade hoteleira, já que a ajuda de custo será devida na mesma, não obstante não ter sido, efectivamente, efectuada qualquer despesa.

- E crê-se ser nesta linha que se há-de entender a jurisprudência, designadamente do STA, sobre esta matéria de que são expressão, para além do Ac. já citado, o Ac. do Pleno de 2006NOV08, tirado no Proc. n.º 1.082/04, - e a que aquele faz apelo -, disponível em www.dgsi.pt, e onde se doutrina que «as ajudas de custo só na parte excedente aos correspondentes valores atribuídos aos funcionários públicos é que têm natureza remuneratória» uma vez que «na estrutura do IRS visa-se tributar apenas o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos efectivos possam ser presumidos», pelo que, «(…) o artigo 2° do CIRS que define os rendimentos do trabalho, tem de ser interpretado a esta luz, como abrangendo apenas hipóteses em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função.
É certo, porém, que sob a capa da atribuição de "compensações" deste tipo podem, por vezes, estar a esconder-se atribuições de verdadeiras remunerações, o que justifica que se estabeleçam limites a essas atribuições patrimoniais nas alíneas c), d), e e) do nº 3 do artigo 2° do CIRS na redacção anterior à Lei nº 39-B/94, de 27 de Dezembro.
Mas só na parte excedente a esses limites.
Resulta daqui claro que as ajudas de custo só têm natureza remuneratória na parte em que excederem os apontados limites, tendo natureza compensatória na parte que os não excedam» (sublinhado da nossa responsabilidade).

- Só que, do que se vem de dizer não significa que se tenha de extrapolar que a razão se encontre do lado do recorrente.

- É que o entendimento acima expresso tem pressuposto, por um lado, que as despesas por que são pagas as ajudas de custas, por normal e materialmente inerentes às deslocações, devem/têm, por princípio e segundo parâmetros de normalidade adequada, de ser realizadas sendo-lhes, nessa medida, estranho e irrelevante, que os seus beneficiários, por opção ou circunstâncias fortuitas e de excepção, as não tenham que, efectivamente, suportar; Por outro, que sejam verdadeiramente ajudas de custo, isto é, que se reportem a despesas no interesse e por conta da entidade para quem o quadro se desloca.

- E, neste âmbito, se o princípio é o de que todo tipo de despesas suportadas no interesse e por conta da entidade de cujos quadros faz parte aquele que se arroga direito a elas, caem dentro do conceito de ajudas de custo, não é menos verdade, a nosso ver, que esse conceito não pode deixar de ser preenchido à luz de critérios de razoabilidade e normalidade adequada, o que significa, a nosso ver que, sem que seja legítimo excluir outro tipo de despesas, que casuísticamente, se revelem terem de ser incorridas, no interesse e por conta, ao que aqui releva, das empresas, a verdade é que, aquelas que, por princípio são adequados ao preenchimento do conceito em questão são que as que se reconduzem à deslocação, à estadia e à alimentação dos funcionários daquelas, em serviço das mesmas.

- E, nesta linha, recusa-se que dentro do conceito de ajudas de custo caiba qualquer tipo de indemnização por incómodo e risco acrescido, sendo que, a não ser assim e neste último caso, face à consideração geral, da lei fiscal, dos limites a atender, de forma indiscriminada, para todas as situações, se crê que a norma afrontaria o princípio constitucional da igualdade.

- Por outro lado, o entendimento acima sustentado reflecte-se, a nosso ver, no domínio das regras do ónus da prova, já que, se é certo que é à AT, face ao princípio do declarativo vigente no nosso ordenamento jurídico, que cabe a obrigação de demonstrar os pressupostos do seu agir, quando agressivo e desfavorável ao contribuinte, é, também, certo que, uma vez aportados, por ela, indícios sérios e de probabilidade elevada que legitimem essa mesma actuação, passa, então, a caber ao contribuinte demonstrar que, apesar desses indícios, a conclusão extrapolada pela AT, carece de aderência à realidade.

- Transpondo o que se vem de dizer, para situações como a vertente, é nosso entendimento que o que a AF, tem que demonstrar, ainda que indiciariamente e nos supra citados termos, para sujeitar quaisquer recebimentos da natureza dos em causa nos autos, a tributação em sede de IRS é que ou eles excedem, e na medida em que excedem, os limites legais, ou que não cabem no conceito de ajudas de custo, seja porque, por exemplo, não correspondam a despesas por conta e no interesse de quem paga, ou que, ainda que correspondendo e ainda que dentro dos limites legais, elas tenham sido já pagas pela empresa.

- Ora essa é, a nosso ver e precisamente, a situação que, aqui, nos ocupa.

- Na realidade, se as despesas que são naturalmente inerentes às ajudas de custo são as relativas ao suporte das deslocações, do alojamento e da alimentação, se estas estiverem contabilizadas como pagas/suportadas, por outra via, não se vislumbra como possa um seu qualquer funcionário ter direito a ajudas de custo a esse mesmo título, uma vez que, as que poderia ter suportar foram incorridas pela sua entidade patronal.

- Ora, no caso, como, aliás, o próprio recorrente não dissente, - cfr. a conclusão 12.ª -, a empresa de que era administrador e para a qual realizou as deslocações pelas quais lhe pagou as quantias que, aqui se controvertem, forneceu-lhe viatura do seu imobilizado, suportando as inerentes despesas de deslocação, e contabilizou os custos das deslocações efectuadas por ele, em “deslocações e estadas”.

- Sustenta o recorrente que, as despesas inerentes à deslocação propriamente dita, à estadia e à alimentação, não esgotam todo o tipo de despesas susceptíveis de serem efectuadas por conta e no interesse da empresa de quem era administrador, argumentando, - ainda que a título meramente exemplificativo e não sustentando que tivessem efectivamente ocorrido -, com despesas relativas a aquisição, reposição ou substituição de materiais indispensáveis ao trabalho que, em seu entender, poderão ocorrer em deslocações mais longas.

- Não se contesta, como se começou por dizer que, as despesas que caem no conceito de ajudas de custo se tenham de limitar ás de deslocação, estadia e alimentação; Só que, como, aliás, resulta do tipo de alegação do recorrente, tratar-se-ão de despesas excepcionais, no sentido de que não são normais/usuais, cingindo-se estas às referidas deslocação estadia e alimentação, pelo que, sendo assim, quando estas outras ocorram, caberá ao funcionário atestá-lo, como, necessariamente, terá, igualmente, de o fazer perante a sua entidade patronal.

- Ora, no caso vertente, não podendo as importâncias em causa serem qualificadas de ajudas de custo, enquanto despesas inerentes à deslocação, à estadia ou à alimentação do recorrente, durante os períodos em que teve de se ausentar ao serviço da empresa de que era administrador, pelas razões acima aduzidas, a verdade é que ele tão pouco alega, e muito menos prova, que nelas teve de incorrer, no interesse da referida empresa e em razão das deslocações que efectuou, pelo que, mesmo que se entenda subsistir qualquer dúvida na matéria ela não pode deixar de o desfavorecer.

- E, sendo assim, entende-se que bem andou a decisão recorrida ao decidir como decidiu.

*****

- D E C I S Ã O -


- Nestes termos acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do TCASul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se, nessa medida e na ordem jurídica, a decisão recorrida.
- Custas pelo recorrente, com a menor taxa de justiça.
LISBOA, 23/09/2010
LUCAS MARTINS
MAGDA GERALDES
JOSÉ CORREIA




1- Cfr. JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, vol II, 1988, pag. 839 e seg..
2- Cfr. Ac. do STA, de 2008ABR23, Proc. n.º 1.055/07, disponível em www.dgsi.pt.