Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1706/09.4 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IVA
FACTURAS FALSAS
IMPUGNAÇÃO DECISÃO MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I. A limitação estabelecida no n.º 3, do artigo 19.º do CIVA está em conformidade com o entendimento do TJUE, que reconheceu, em diversas decisões que, em determinadas circunstâncias, além das previstas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Directiva, os Estados Membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma factura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou até recusar o direito à dedução do imposto quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.
II. Configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

III. Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando­­­­ o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada.

IV. No âmbito dos negócios artificiosos ou fraudulentos, a operação económica real poderá não existir, apesar de realizar-se o fluxo financeiro e a situação inversa também pode ocorrer, ou seja, existir uma operação económica real, com ocultação na revelação formal contabilística, pelo que, em face de indícios recolhidos de facturação falsa, não é suficiente a comprovação da emissão da factura e da saída dos fluxos financeiros para prova da existência das operações económicas.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. L. B. H. S., S.A. veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra os actos de indeferimento parciais dos pedidos de reembolso de IVA, referentes aos períodos de outubro de 2007, fevereiro e julho de 2008, no montante global de € 599.919,90, nos termos da alínea c) do artigo 99.º, conjugado com o artigo 102.º n.º 1 alínea b), ambos do CPPT, e dos artigos 22.º n.º 13, e 93 do CIVA.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) Os seguintes factos devem ser considerados provados e aditados à matéria de facto assente:

i.) A Recorrente é uma sociedade comercial de Direito espanhol, com sede e residência fiscal em Espanha, sem estabelecimento estável em Portugal, com instalações industriais em Z., País Basco, Espanha, cuja actividade compreende grosso modo a fundição e transformação de cobre, tendo chegado a empregar cerca de 400 trabalhadores, produzindo cerca de 35.000.000 kg de tubos de cobre por ano, sendo uma empresa fortemente instalada no mercado à data dos factos relevantes nos presentes autos;

ii.) O início de actividade da Recorrente ao abrigo do artigo 30.º, n.º 1, do CIVA, inseriu-se na sua estratégia comercial para facilitar o relacionamento com os clientes e fornecedores estabelecidos no mercado português, em particular porque os fornecedores locais preferiam vender a entidades registadas para efeitos de IVA em Portugal, evitando assim custos financeiros inerentes à necessidade de solicitar o reembolso do IVA suportado a montante;

iii.) A Recorrente procurou obter matéria-prima a preços mais competitivos face aos praticados no mercado espanhol em mercados estrangeiros, entre os quais no mercado português;

iv.) A Recorrente tomou precauções especiais na selecção dos seus fornecedores no mercado português, para evitar ver-se envolvida em circuitos de fraude fiscal em sede de IVA;

v.) A Recorrente exigia como condição para a aquisição de sucata de cobre aos diversos fornecedores com que contactou em Portugal, que lhe fossem apresentadas cópias das Declarações Periódicas de IVA e respectivos comprovativos de entrega ao Estado do IVA liquidado relativamente aos períodos de tributação a que se reportam as facturas emitidas em função das vendas de cobre;

vi.) Dos diversos potenciais fornecedores contactados pela Recorrente apenas a sociedade comercial de Direito português, E., aceitou disponibilizar os documentos comprovativos do cumprimento das respectivas obrigações tributárias em sede de IVA;

vii.) A E. integrava o grupo empresarial espanhol “I.”, que era o maior fornecedor de sucata de cobre da Recorrente em Espanha;

viii.) A Recorrente estabelecia um plano mensal de produção e em função das respectivas necessidades de matéria-prima estabelecia um plano mensal de compra de sucata de cobre, adquirindo a quantidade necessária em função das suas necessidades e da disponibilidade desta matéria-prima junto dos fornecedores;

ix.) A Recorrente encomendou sucata de cobre à E. entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, em função das necessidades de matéria-prima ditadas pelos planos de produção mensais e disponibilidades de matéria-prima junto daquele fornecedor;

x.) A Recorrente adquiriu à E. 2.866.466 kg de retalho de cobre pelo valor global de EUR 18.552.852,79, entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006;

xi.) Os contactos entre a Recorrente e a E. para acordar os termos e condições das aquisições de sucata de cobre e respectivos pagamentos eram feitos com trabalhadores do grupo “I.” em Espanha, que nessa qualidade agiam em representação das sociedades que integravam o grupo “I.”, entre as quais a sociedade portuguesa do grupo, a “E.”;

xii.) A Recorrente condicionava o pagamento do preço acordado com a E. para cada compra de sucata de cobre à apresentação dos comprovativos de entrega das Declarações Periódicas e do pagamento do respectivo IVA, para assegurar que a E. cumpria efectivamente as suas obrigações tributárias em sede de IVA;

xiii.) Enquanto sujeito passivo de IVA, a E. procedeu à liquidação de IVA no montante global de EUR 3.194.264,59, relativamente às referidas transmissões de sucata de cobre o qual foi efectivamente entregue ao Estado;

xiv.) As mercadorias adquiridas à E. em Portugal pela Recorrente foram transportadas para as suas instalações industriais em Z., País Basco, Espanha, para proceder à respectiva fundição e transformação;

xv.) A E. assumiu a obrigação de transportar, por si ou por terceiros, a mercadoria vendida à Recorrente e entregá-la nas instalações industriais desta, sitas em Espanha;

xvi.) O transporte da referida mercadoria para as instalações da Recorrente foi realizado pela transportadora portuguesa “T. N.”;

xvii.) Dos transportes de sucata de cobre de Portugal para as suas instalações industriais em Espanha, a Recorrente tem cópia de 112 CMR’s, correspondentes a outros tantos serviços de transporte que documentam o transporte de uma quantidade de retalho de cobre não inferior a 2.747.199 kg, correspondente a cerca de 400.000 kg por mês e 16 camiões por mês entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006;

xviii.) A Recorrente não tem por procedimento manter arquivados os CMR’s relativos ao transporte por terceiros de mercadoria recebida, pelo que algumas das cópias de CMR’s apresentadas correspondem às vias destinadas ao expedidor ou ao transportador, reunidas posteriormente;

xix.) A Recorrente tinha implementado um sistema interno de controlo das aquisições de matérias-primas, designadamente de sucata de cobre, que permitia aferir origem de qualquer entrada de matérias-primas na fábrica de Z., País Basco, Espanha e que condicionava os pagamentos aos fornecedores à efectiva entrada das matérias-primas nas suas instalações;

xx.) Cada fornecimento de matérias-primas que chegava às instalações industriais da Recorrente em Z., País Basco, Espanha, correspondia necessariamente a um pedido concreto de fornecimento de matérias-primas a um determinado fornecedor;

xxi.) Entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, a sucata de cobre adquirida pela Recorrente em Portugal à E. foi sendo entregue nas instalações industriais da Recorrente em Espanha;

xxii.) As diferenças existentes entre a «cant.recibida» (quantidade recebida) e «c. recepcionada» (quantidade recepcionada) reflectidas nos registos internos da Recorrente justificam-se pelo facto de em produtos como a sucata de cobre, tipicamente se verificar uma quantidade considerável de impurezas que, na realidade, não corresponde a cobre aproveitável;

xxiii.) A «c. recepcionada» resulta da diferença entre a sucata de cobre que deu entrada nas instalações industriais da Recorrente – «cant. Recibida» – e a quantidade de impurezas existentes – assinalada como «diferencia» (diferença);

xxiv.) As facturas emitidas pela E. – e, bem assim, o IVA aí liquidado –, foram sendo pagas pela Recorrente, sendo certo que o montante correspondente ao IVA apenas era pago pela Recorrente após a apresentação pela E. de cópia da declaração periódica de IVA respectiva, atestando que era declarado o IVA das vendas de sucata de cobre feitas à Recorrente, e do comprovativo de entrega junto dos cofres da Fazenda Pública do IVA liquidado;

xxv.) A mercadoria transferida de Portugal para Espanha – 2.871.586 kg de retalho de cobre – foi documentada internamente pela Recorrente em conformidade com os artigos 23.º, n.º 1, alínea b), e 7.º, n.º 2, do RITI;

xxvi.) A diferença de 5.120 kg que se constata existir entre a quantidade de retalho de cobre facturada pela E. à Recorrente – 2.866.466 kg – e a quantidade de retalho de cobre facturada internamente pela Recorrente – é manifestamente residual, visto corresponder tão-só a 0,18% do total da mercadoria transaccionada, atribuindo-se a sua existência a discrepâncias na calibragem das balanças ou método de pesagem utilizados pelas diversas entidades, que se aceitam ocorrer neste tipo de actividade – dando-se, no entanto, por correctas as pesagens efectuadas pela Recorrente;

xxvii.) A Recorrente contratou igualmente durante o exercício de 2006 serviços de contabilidade à C., relativamente aos quais suportou IVA no montante global de EUR 1.029,26;

xxviii.) Durante os exercícios de 2005 e 2006 a Recorrente suportou IVA no montante global de EUR 3.195.293,81;

xxix.) As aquisições de bens e serviços à E. e à C. e, bem assim, o IVA relativo às mesmas foram sendo declarados pela Recorrente nas respectivas declarações periódicas de IVA submetidas durante o exercício de 2006;

xxx.) O IVA liquidado pela E. à Recorrente relativamente às transmissões de retalho de cobre entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006 – no montante total de EUR 3.194.264,55 – foi declarado por aquela entidade em sede das respectivas declarações periódicas de IVA referentes ao quarto trimestre de 2005 e primeiro, segundo, terceiro e quarto trimestres de 2006, nas quais apurou um montante total de IVA a favor do Estado no valor de EUR 3.439.149,77;

xxxi.) Aquando da transferência das mercadorias adquiridas à E. para as suas instalações industriais em Espanha, a Recorrente procedeu à autoliquidação e dedução do IVA em Espanha, nos termos dos artigos 28.º-A, n.º 6, § 1, 28.º-B, ponto A, n.º 1 e 28.º-D, n.º 1, da Directiva n.º 77/388/CEE, do Conselho de 17 de Maio de 1977, relativa ao Sistema Comum do IVA (“Sexta Directiva”) – actualmente correspondentes aos artigos 21.º, 40.º e 68.º, da Directiva 2006/11/CE, do Conselho de 28 de Novembro, tendo tais transmissões intracomunitárias de bens sido incluídas nas declarações periódicas de IVA apresentadas pela Recorrente em Espanha;

xxxii.) A Recorrente acumulou, durante o exercício de 2006, um crédito de IVA no montante global de EUR 3.195.293,81, tendo solicitado gradualmente o reembolso do mesmo em sede das declarações periódicas de IVA por si apresentadas entre Agosto de 2007 e Novembro de 2008, para não ter de suportar garantias bancárias de valor incomportável;

xxxiii.) Os pedidos de reembolso efectuados nas declarações referentes aos períodos de Agosto e Setembro de 2007, no montante de EUR 200.000,00 cada, foram ambos deferidos pela Administração Tributária, tendo sido consequentemente reembolsado à Recorrente IVA no montante de EUR 400.000,00;

xxxiv.) A Recorrente acumulou um crédito de IVA no montante de EUR 2.795.293,81, o que lhe causou dificuldades de tesouraria que tiveram por consequência o fim da respectiva actividade em Portugal.

B) A Recorrente encontra-se na posse das facturas correspondentes às aquisições de sucata de cobre à E., entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, a sucata de cobre foi efectivamente utilizada na respectiva actividade económica e não se encontra expressamente vedado o direito à dedução do IVA nessas operações;

C) A Recorrente pagou à E. o montante de EUR 18.552.852,79 a título de preço pela aquisição de 2.866.466 kg de sucata de cobre, incluindo o respectivo IVA;

D) O pagamento só teve lugar após verificação de que a E. havia declarado à Administração Tributária e entregue o IVA devido por referência ao respectivo período de tributação;

E) A sucata de cobre adquirida em Portugal à E. pela Recorrente foi transportada para as instalações desta em Espanha;

F) As aquisições de sucata de cobre na origem dos presentes autos não configuram operações simuladas nos termos e para efeitos do artigo 19.º, n.º 3, do CIVA;

G) A Recorrente tem direito ao reembolso do IVA suportado nas referidas operações no montante de EUR 3.195.293,81, ao abrigo do artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, do CIVA;

H) A Administração Tributária não demonstrou que os alegados indícios de fraude em sede de IVA ao nível da E., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes se estendiam às transacções de sucata de cobre com a Recorrente;

I) A Recorrente não tinha, nem tinha obrigação de ter, conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes;

J) A Recorrente adoptou, relativamente à E., um procedimento cauteloso, solicitando a esta entidade a apresentação de certidões de inexistência de dívidas fiscais e cópia das declarações periódicas de IVA e dos comprovativos de entrega do IVA incidente sobre as operações em referência;

K) A E. declarou e entregou o IVA liquidado nas operações realizadas com a Recorrente;

L) A eventual fundamentação da improcedência dos presentes autos nos termos do artigo 19.º, n.º 4, do CIVA reconduz-se à fundamentação a posteriori do acto tributário impugnado;

M) A Recorrente desconhecia e não tinha obrigação de conhecer se a E. tinha licença, instalações ou infraestruturas adequadas para o exercício do comércio de sucata de cobre, sendo certo que aquela efectivamente vendeu sucata de cobre em Portugal à Recorrente entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006;

N) Face à Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, os artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA, opõem-se a que o regime ínsito no artigo 19.º, n.ºs 3 e 4, do CIVA, seja interpretado no sentido de permitir que seja negado o direito à dedução do IVA suportado por um sujeito passivo com fundamento em indícios de fraude nos casos em que o adquirente dos bens desconhecia, sem obrigação de conhecer, a alegada fraude em sede de IVA, bem como nos casos em que o IVA incidente sobre a operação em questão foi efectivamente entregue junto dos cofres do Estado e nos casos em que o sujeito passivo que pretende exercer o direito à dedução desconhece, sem obrigação de conhecer, que o transmitente dos bens não tinha as instalações e infraestruturas adequadas à realização dessas operações;

O) Neste contexto, tendo em conta o primado do Direito da União Europeia plasmado no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, deverá esse Douto Tribunal, em todo o caso, revogar a Sentença proferida pelo Tribunal a quo e, por via disso, anular os actos de indeferimento dos pedidos de reembolso de IVA em referência, ordenando o reembolso à Recorrente do referido IVA, no montante de EUR 599.919,90.

P) Caso, esse Douto Tribunal tenha dúvidas sobre a referida interpretação do regime ínsito no artigo 19.º, n.ºs 3 e 4, do CIVA, face aos artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA e à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, em particular constante do Acórdão Optigen, deverá obrigatoriamente suspender a presente instância e reenviar a questão para o Tribunal de Justiça da União Europeia, competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, nos termos do artigo 267.º § 3 do TFUE.

Q) A Recorrente tem direito a juros indemnizatórios por erro imputável aos serviços da Administração Tributária, nos termos dos artigos 22.º do CIVA e 43.º da LGT, em consequência da falta atempada de realização dos reembolsos de IVA em referência.

Nestes termos e nos demais de Direito que doutamente se suprirão, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento, proferindo acórdão que determine a procedência da Impugnação Judicial e, consequentemente, o reembolso à Recorrente de IVA no montante de EUR 599.919,90, condenando a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios pela falta de atempada realização do referido reembolso.

Na medida da procedência do pedido acima formulado requer-se ainda ao Douto Tribunal ad quem que condene a Administração Tributária no pagamento de custas de parte, nos termos do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, tudo com as demais consequências legais.»

3. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«1. A Impugnante, L. B. H. S., S.A., anteriormente denominada O. C. T., S.A. (sociedade Unipersonal), é uma sociedade comercial de Direito Espanhol, com instalações industriais em Z., sede e residência fiscal em Espanha e sem estabelecimento estável em território português, cuja atividade compreende grosso modo a fundição e transformação de cobre, englobando também a comercialização de sucata e tubos de cobre (cfr. artigo 1.º da PI e RIT a fls. 1382);

2. Em 09/12/2005, a Impugnante, à data com a denominação O., apresentou declaração de início de atividade em Portugal, para efeitos de IVA, tendo ficado enquadrada no regime normal de periodicidade mensal – cfr. artigo 2.º da PI e RIT a fls. 1383;

3. Entre 12/12/2005 e 13/10/2006, a sociedade "E.-I. e E. M., Sociedade Unipessoal, Lda." emitiu as faturas nos 1 a 4 no ano de 2005, com datas de vencimento no ano de 2006 e 1 a 91, 94 a 96,102 a 107,110 a 121, no ano de 2006, e com datas de vencimento no mesmo ano, todas com a descrição de "'Retalho Cobre Novo", no valor global de € 18.552.852,79, em nome do cliente "O. C. t., S.A.S.U.", onde se procedeu à liquidação de IVA no montante total de € 3.194.264,59 - cfr. art.º 4 da PI e documentos 1 a 116 juntos com a PI;

4. A sociedade "T.-S. T., Lda." emitiu 112 declarações de expedição internacional CMR, das quais consta como natureza da mercadoria "retalho cobre novo", expedidor "O. C. T.", em Portugal e destinatário "O. C. T.", em Espanha, local de carga em R. M., Portugal, e local de entrega em Z., em Espanha – cfr. artigo 9.º da PI e documentos 117 a 228 juntos com a PI;

5. De 07/02/2006 a 14/02/2007, a Impugnante procedeu aos pagamentos que se detalham em seguida:













- crf. Documentos 230 a 338 juntos com a PI;

6. Entre janeiro e dezembro de 2006, a Impugnante exerceu o direito à dedução de IVA, do qual resultou um crédito no montante total de € 3.195.293,81 (cfr. documentos 343 a 354 juntos com a PI);

7. A sociedade "E. I. E. M. Sociedade Unipessoal, Lda." apresentou as declarações periódicas de IVA relativas aos períodos de 2005/12T a 2006/12T, nas quais apurou um montante total de IVA a favor do Estado, no valor de € 3.439.149,77 (cfr. artigo 20.º da PI, 24.º da Contestação e documentos 355 e 356 juntos com a PI);

8. Durante os períodos compreendidos entre janeiro de 2006 e dezembro de 2006, a Impugnante procedeu à autoliquidação e correspondente dedução de IVA em Espanha (cfr. documentos 357 a 368 juntos com a PI);

9. A Impugnante, através dos seus funcionários, encomendava sucata apenas através do setor comercial do "Grupo I.", em Madrid, contactando por telefone, para o efeito, o Sr. R. e o Sr. D. C., únicas pessoas com quem agendava a entrega de mercadorias – prova testemunhal;

10. O "Grupo I." era integrado por 4 ou 5 sociedades de sucata, uma das quais era a sociedade "E." – prova testemunhal;

11. Os funcionários da Impugnante não contactavam diretamente a sociedade "E.", quer para encomendar retalho de sucata, quer para efetuar os pagamentos, sendo ainda o responsável do "Grupo I." que oferecia à Impugnante a mercadoria de sucata para o mês seguinte, sendo a encomenda feita pela Impugnante de acordo com as suas necessidades – prova testemunhal;

12. A Impugnante, para efetuar os pagamentos à E., também contactava, para o efeito, o financeiro do "Grupo I." – prova testemunhal (depoimento da testemunha A. C. P.);

13. Em cada uma das declarações periódicas de 2007/08 a 2008/11, a Impugnante, solicitou reembolsos de IVA, no valor total de € 3.195.293,81, dos quais resultou ter sido reembolsada num montante total de € 400.000,00, relativo às declarações de agosto e setembro de 2007 (cfr. documentos 369 a 385 da PI);

14. Em 28/03/2008, foram emitidas, pela Direção de Finanças de Lisboa, as Ordens de Serviço n.os 01-200801575, 01-20081576 e 01-20081577, e procedimento de inspecção externa, tendo os atos de inspeção decorrido entre 30/10/2008 e 14/04/2009 (cfr. artigo 24° da PI e PAT, a fls. 1375);

15. Em 15/05/2009, foi elaborado Relatório de Inspeção, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e nos termos do qual se referiu, nomeadamente o seguinte:

“4.2 - Faturas de compra

A totalidade das compras foi efetuada à empresa E. – I. e. M., Sociedade Unipessoal. Lda., com o NIF 50….

No ANEXO 10 consta a listagem respeitante às 116 faturas emitidas por este fornecedor à ordem da O. (NIF PT-9…), nas quais estão evidenciados os valores de IVA que sustentam o IVA que a O. deduziu no campo 22 - IVA Dedutível - Existências - Taxa Normal, ao longo das diversas declarações periódicas de IVA entregues. (...)

Foram ainda enviadas fotocópias de diversos documentos, relativamente aos movimentos financeiros efetuados ente a O. e a E.

(...)

Foi enviada cópia do Relatório de Contas e de Informação de Gestão da sociedade O. C. T., S.A. (Sociedade Unipersonal), referente ao exercício de 2007, datado de 03/06/2008 e assinado pelo administrador solidário D. J. V. V.

No ponto 7 do relatório de contas vem indicado que no saldo devedor com a Administração Pública está incluída a importância de 3.239 (em milhares de euros) referente ao crédito de IVA com origem Portugal.

Por outro lado, no dia 13/06/2008 foi elaborado pela K. – A., SL, o Relatório de Auditoria com Reservas. As reservas apresentadas pelos auditores respeitam ao facto de "...analisámos o plano de negócio que a Sociedade está preparando, não pudemos avaliar o efeito que as distintas alternativas contempladas pela Direção poderão ter, nesse caso, sobre o valor e classificação dos ativos e passivos que figuram nas contas anuais anexas. A Sociedade decidiu omitir no relato das contas anuais a informação relativa à participações, cargos e funções mantidas pelos membros do Conselho de Administração nas empresas com o mesmo, análogo ou complementar objeto social ao da Sociedade...” (nossa tradução do texto original em Espanhol).

(...)

De acordo com a base de dados da DGCI, e conforme foi posteriormente confirmado com o envio da documentação por parte da O., o único fornecedor de matéria prima (retalho de cobre) do sujeito passivo sob análise inspetiva é a sociedade E. – I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda. (doravante designada por E.), com o NIF50…. Esta empresa é uma sociedade unipessoal, apresentando como único sócio o Sr. E. F. G. (NIF 24…) e a atual técnica oficial de contas (TOC.): a Dra. A. F. G. C. (NIF 20…).

Por sua vez, este sócio é representado, em termos fiscais, pelo Dr. A. M. F. A. F. (NIF 22…), que foi o anterior oficial de contas da E. (desde o inicio de atividade), e que é, também, cônjuge da atual TOC, tendo sido igualmente responsável pela contabilidade das sociedades U. M. – I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda. (NIF 50…) e M. C. – I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda. (NIF 50…), empresas envolvidas em processos com indícios de fraude fiscal.

(...)

Por fim, saliente-se o facto de, em Espanha, existir um sujeito passivo com a mesma designação (E. – I., E. M.), que utiliza o NIF ES-N.. apurar que 1…A, com início de atividade datado de 07/03/2006, pelo que foi possível apurar que se trata de um sujeito passivo não-residente (residente em Portugal), com domicílio fiscal registado no País Basco (Espanha) e sem estar registado para efeitos de VIES.

Aliás, segundo foi possível apurar o responsável pela sociedade portuguesa E. (Sr. E. F. G.) é responsável por inúmeras empresas em Espanha, ligadas ao grupo I. (por exemplo, C., SI, A. D., SI).

5.2. - Análise aos fornecedores da E.

Conforme se pode constatar, os fornecedores nacionais declarados pela E. são as empresas "C. & i.", "C m." e "W.", todas relacionadas entre si e com fortes indícios de fraude fiscal, após ações inspetivas realizadas a estas entidades pela Direção de Finanças de Aveiro.

(...)

Em termos práticos e objetivos, ao nível da gestão, da área administrativa e da área operacional, é a seguinte a situação apresentada:

- a sede das sociedades C. I., Xm., Cm., M. e W. é a mesma (a sede de W.);

- o TOC responsável pelas contabilidades das sociedades C. I., Cm.l e W. é o mesmo;

- as sociedades M., Xm. e Cm., para além dos órgãos sociais, não possuíam qualquer pessoal, infra-estrutura ou equipamento, utilizando a capacidade instalada da sociedade C. I. e posteriormente de W. (caso de Cm. e da própria sociedade C. I.), mediante um valor debitado a esse titulo;

- os locais de armazenamento, carga e descarga, independentemente da sociedade que intervenha, são sempre os mesmos, as instalações de R. M. ou as de A.;

- o quadro de pessoal de C. I. foi transferido totalmente para a W...

- a emissão dos documentos, independentemente da sociedade a que digam respeito, era sempre realizada no mesmo local, nas mesmas impressoras e pelas mesma pessoas, no escritório de W.

Se a esta situação, acrescentarmos os movimentos comerciais entre as referidas sociedades, conclui-se pela falta de uma justificação concreta e objetiva para a sua constituição sucessiva e simultânea.

E não colhem os seguintes argumentos:

- o da economia de esforços e de meios, pois tal proliferação implica, necessariamente, custos multiplicados, quer em termos de organização quer em termos de formalidades e obrigações legais a cumprir, valores que excedem eventuais economias que se possam obter;

- o da estratégia comercial ou da vontade e liberdade individual de cada sócio, uma vez que o centro das decisões, as ordens, as operações e quem as executa, assenta sempre nas mesmas pessoas e responsáveis (os irmãos C.), numa única estrutura e composição orgânica e funcional.

Resta referir que as sociedades C. I. e M. (por via de C. I.) foram objeto de ações inspetivas do qual resultaram elevadas acções para efeitos tributários.

As correções efetuadas resultaram, essencialmente, da não aceitação do IVA deduzido relativo a existências, por se ter então concluído que as compras escrituradas e declaradas para efeitos fiscais, com base em documentos emitidos em nome da maior parte dos seus "fornecedores", eram falsas, pelo facto de não corresponderem, quanto aos intervenientes, às datas, tipo e características da mercadoria, quantidades, preços unitários e valores totais, às transações efetivamente realizadas, ou por não corresponderem, pura e simplesmente, a qualquer transação real.

(...)

5.2.2. - Analise à proveniência das mercadorias

Com vista à melhor perceção sobre a proveniência da mercadoria em causa, importava analisar os fornecedores da W., tendo sido apurado, no decurso da análise inspetiva realizada à W., que:

(...)

Como resultado do trabalho realizado concluiu-se que a grande parte das compras registadas e declaradas por W. são efetuadas a outros operadores do setor de comércio de sucata.

... De acordo com a origem declarada das sucatas adquiridas, terão sido os outros fornecedores de W., sucateiros intermediários (outros operadores registados no setor do comércio de sucata), cuja descrição e análise será efetuada nos pontos seguintes, empresas ou atividades sem qualquer estrutura ou com uma estrutura e capacidade muito inferior à sua, que conseguiram penetrar comercialmente nas grandes empresas geradoras de sucata.

(...)

Antes de se passar à descrição e análise dos "fornecedores" de W., importa esclarecer o seguinte:

- apenas serão objeto de apresentação os “fornecedores" que, em resultado de ações inspetivas efetuadas por esta Direção de Finanças de Aveiro, ou por outras Unidades Orgânicas, ficou demonstrado e concluído não terem realizado as transações declaradas ...

(…)

Dos fornecedores da W. atrás elencados, desenvolver-se-á a análise apenas aos cinco primeiros, pois apresentam uma materialidade significativa, tendo em conta que qualquer deles apresenta operações que envolvem IVA que ascende a € 600.000, focando uma particular atenção aos tais primeiros "fornecedores", cuja atividade descrita nas faturas respeita ao comércio de sucata de cobre.

5.2.2.1. - Fornecedor "T. L., C. M., Lda" N1F 50… Após ação inceptiva realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa ao sujeito passivo 'T. L., C. M., Lda.", com o NIF 50… ao das ordens de serviço n°s 01-200604838/39/40, foi recolhida a seguinte informação:

(...)

"Conclusão sobre os documentos de venda emitidos por T. L., registados como compras na contabilidade e declarados para efeitos fiscais por W.

A) Conforme foi referido na informação da DF de Lisboa, o único fornecedor da T. L. foi a sociedade portuguesa "R. F., Soc. Unipessoal, Lda". Esta também foi objeto de três ações credenciadas pelas ordens de serviço n.°s 01200604835, 01200604836 e 01200604837, realizadas pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Lisboa, que pelo mesmo oficio, remeteu o relatório final da ação inceptiva, do qual se retiram as seguintes conclusões:

- a morada da sede é num "Centro de Escritórios", onde o responsável por este centro, declarou 37,50 €;

- não possui armazém, imobilizado ou empregados;

- o seu sócio - gerente R. M. F., com o NIF 24… é de nacionalidade colombiana;

- a contabilidade da T. L. é foita no mesmo gabinete da "R. F.";

- a “R. F." é a única fornecedora da T. L.;

- os seus fornecedores são "C. A., SL”, com o NIF B63.., "F. L., SL" com o NIF B25.. e J. P., Unipessoal, Lda.", com o NIF 50…, com sede em E.;

- os pagamentos são efetuados por transferência bancária, com exceção de J. P., Sociedade Unipessoal, Lda.", que é efetuado a dinheiro;

- não são feitos pagamentos a transportadores;

(...)

Verificou-se que as aquisições intracomunitárias, constantes no VIES e declarados pelos seus fornecedores, são muito superiores. Regista-se ainda o facto de existirem ligações entre responsáveis do fornecedor Espanhol e da T. L., que em determinado período pertenceram às mesmas pessoas, mas que ainda assim colocaram como "intermediária" das transações a R. F.

No mapa do Anexo n.º (...), encontra-se discriminado o circuito documental das mercadorias constatando-se que as faturas das empresas espanholas e de "J. A P." são idênticas no seu descritivo, quantidade e datas pelo que a DF de Lisboa concluiu que existe "um possível conluio entre as empresas intervenientes, por forma a gerar o direito à dedução do imposto a terceiros (os clientes da T. L.)".

(...)

B) Relativamente ao transporte das mercadorias, justifica-se destacar que na contabilidade da T. L. apenas existem faturas de serviço de transporte da empresa "T. – C.", correspondentes a transportes efetuados entre a sociedade C. A., SL (fornecedor da R. F.) e diversos clientes da T. L., com local de carga em Espanha e descarga em Portugal. No entanto, não foram encontrados comprovativos do seu pagamento.

Estranhamente é a T. L. que contabiliza o custo dos transportes, pese embora compre a mercadoria a um operador nacional, sendo a aquisição intracomunitária feita em nome da R. F. No entanto, subsistem dúvidas nesta matéria, já que não se encontra contabilizado o pagamento dos serviços.

Não foram contabilizadas pela T. L. quaisquer outras faturas referentes a serviços de transportes.

Quer no que se refere às operações mencionadas no ponto anterior, quer nas supostas compras e vendas internas (entre contribuintes do mercado nacional), é de salientar a ausência de documentos comprovativos dos transportes, assim como dos inerentes custos, à semelhança do que ocorreu nos outros operadores nacionais que se encontram a montante da R. F. no circuito documental. Em todo o circuito a única exceção são os custos registados na T. L. a que já se fez referência.

(...)

A ter existido mercadoria, o que apenas se admite a partir das aquisições intracomunitárias, os documentos conhecidos revelam que as sociedades R. F. e T. L. assumiram um papel meramente instrumental no circuito económico, não sendo aquela a verdadeira destinatária das aquisições intracomunitárias efetuadas em sem nome.

A situação referida possibilitou a liquidação de IVA aos clientes da mercadoria e, por via do exercício do direito à dedução do imposto refletido nas faturas dos "falsos" fornecedores, não entregue por estes nos cofres do Estado, permitiu ao "grupo" apoderar-se indevidamente do IVA.

(...)

Assim sendo, e tendo em conta que a mercadoria poderá terá vindo diretamente de dois fornecedores comunitários para os clientes da T. L, no caso a W., conforme era do conhecimento desta, na prática o papel dos diversos operadores intermediários (a montante) serviu meramente para simular transações internas, por forma a sujeitarem as mesmas a IVA, em detrimento da tributação que seria aplicável às aquisições intracomunitárias, da qual na prática não resulta imposto dedutível.

Maior evidência existe ainda, no caso da w., em que o transporte foi efetuado por veículos da F. L., SL, que foi fornecedora da maior parte da mercadoria que "alimentou" o circuito, já que esta situação demonstra que essa empresa e a W. são precisavam das sociedades R. F. e T. L. para materializar a relação comercial, sendo certo que em condições normais de independência entre as empresas, para evitar as margens de lucro desses dois intervenientes, negociariam entre si diretamente.

Pode ainda referir-se que se for observada a diferença entre o preço de venda dos fornecedores Espanhóis que iniciaram o circuito e o preço de venda praticado pela T. L., verifica-se que o lucro bruto obtido pelos intervenientes não seria suficiente para pagar o custo do transporte da mercadoria ria região de Barcelona para a de Lisboa, que andava entre os 600 e os 800 euros.

C) Na contabilidade da W., encontram-se arquivadas juntamente com as faturas emitidas pela T. L., as guias de transporte e talões de pesagem.

O local de carga supostamente mencionado nas guias de transporte é Montijo, embora a matrícula do camião que fez o transporte é sempre de matrícula espanhola.

As guias de transporte não são emitidas sequencialmente, pois a guia n.º 185 foi emitida em 18 de maio de 2006, a n.º 28 no dia 16 de maio de 2006 (nesta guia, a designação do tipo de sucata foi escrita em espanhol).

Em outros casos, o número da guia de transporte mencionada na fatura não corresponde à guia que acompanhou a sucata, tendo sido riscado o n.º da guia de transporte e posto o que constava referido na fatura (ver fatura n.º 452 de 11 de maio de 2006).

D) Segundo a contabilidade da W., a mercadoria faturada pela T. L., maioritariamente cobre, teve como destino a empresa E., I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda" (doravante designada de E.), NIF 50… com sede num escritório em Lisboa. Tem como sócio, E. F. G., de nacionalidade espanhola.

A "E.” transmitiu à empresa O., não residente, que a transmitiu novamente para a O. em V., Espanha.

Nas faturas emitidas por W. para "E." é indicado o local de descarga "O. em V., Espanha", pois qualquer uma das empresas referidas não possui estaleiro em Portugal.

Relativamente às vendas destinadas ao operador Espanhol, cuja documentação de suporte foi verificada, não parece lógico o circuito físico porque passou a mercadoria. Ou seja, os bens vêm da região de Barcelona e tem novamente como destino uma sociedade Espanhola, localizada em V. (região de Bilbau), sem que no território nacional tenham sofrido qualquer transformação ou valorização.

Tais circunstâncias também evidenciam que fora das condições verificadas "esse mercado " não deveria ser rentável (cor, pagamento do IVA), já que as margens de lucro dos operadores, adicionadas dos custos dos transportes e dos outros custos, dificilmente permitiriam às empresas nacionais ganharem com o negócio e serem competitivas no mercado Espanhol, como ê percetível.

E) Face ao exposto ... os factos e circunstâncias que envolveram as transações revelam elementos objetivos e credíveis de que estamos perante a simulação de operações económicas, tendo em conta que parece evidente que a vontade negocial divergiu da forma como foram declaradas as operações, pelo menos quanto à efetiva participação dos intervenientes e ao valor dos bens, já que a existir mercadoria tudo indica que a mesma veio de Espanha, dos dois fornecedores identificados, com destino direto a W., que em virtude de tudo quanto foi referido não pode alegar total desconhecimento da situação.

(...)

Assim sendo, por tudo quanto ficou provado e indiciado nos pontos anteriores, conclui-se que as compras escrituradas e declaradas para efeitos fiscais por W., com base em documentos emitidos em nome da T. L., são falsas, pelo facto de não corresponderem, quanto aos intervenientes, quanto às datas, tipo e características da mercadoria, quantidades, preços unitários e valores totais, às transações efetivamente realizadas, ou por não corresponderem, pura e simplesmente, a qualquer transação real.

(…)

5.2.2.2. - Fornecedor "Z. Unipessoal. Lda". NIF 50…

o sujeito passivo "Z. Unipessoal, Lda", com o NIF50…, foi, igualmente, objeto de uma ação inceptiva realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo da ordem de serviço n.º 01- 200701285, na qual foram obtidos os dados que a seguir se descrevem, tendo-se concluído que existiam "indícios da prática de crime fiscal de fraude qualificada nos termos do n.º 2 do art.º 104.° do RGA - Regime Geral CBS Infrações Tributárias, em resultado do sujeito passivo utilizar e emitir faturas falsas": (...)

5.2.3. - Conclusões relativamente ao fornecedor W.

De acordo com a informação prestada pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças e Aveiro, as compras de sucata de cobre efetuadas pela W. correspondem a operações simuladas.

A seguir se transcrevem as respetivas operações:

(…)

"o "cliente" "E., I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda”, NIF 50…

(...)

Como já foi referido neste relatório, praticamente toda a sucata de cobre supostamente vendida pela W. a E. foi “fornecida" pelas empresas “T. L.” e … Z.". Como também já foi relatado, estas empresas não têm qualquer estrutura para exercer uma atividade comercial.

Não tendo estas empresas estaleiro e/ou armazém em Portugal, sendo real o circuito físico da sucata que já foi relatado anteriormente, esta terá vindo de Espanha diretamente para as instalações da W. e c/esta novamente para Espanha, pois E. e O. (não residente), também não têm estaleiro em Portugal.

Tendo sido analisados todos os documentos a jusante de W., teríamos que fizer o mesmo para os documentos a montante, pelo que teria proceder ao controlo de todos os documentos de transporte associados às faturas de " E.".

Atendendo a que o transporte era da responsabilidade da "E.", na contabilidade da W. não constavam os documentos de transporte (cmr's), apenas se tinha conhecimento da viatura que tinha procedido ao transporte pela guia de transporte e guia do ambiente, anexas às faturas de venda.

Procedeu-se à análise dos serviços de transportes efetuados pela "T. para " W." e "E.", ... Da verificação efetuada, encontraram-se as seguintes divergências discriminadas de seguida, por viatura ...:

Viatura 0.-1.-S.:

(...)

Viatura 0.-1.-P.

(...)

Viatura 7..9..U.

(...)

Concluindo.

A sucata de cobre supostamente vendida pela W. à E. foi "adquirida" às empresas "T. L." e "ZL". Face às conclusões retiradas das ações de inspeção a essas empresas, estas não têm qualquer estrutura para desenvolverem uma atividade comercial, não tendo estaleiros em Portugal.

Toda a sucata faturada à E., de acordo com os documentos de transporte analisados, teve como destino Espanha, nomeadamente "O., C. T, Sociedade Anónima, Sociedade Unipersonal”, NIF 98…, com sede no Bairro A…, 48… Z., Sujeito Passivo não residente.

Importa reforçar, que as empresas " T. L.", "Z. L." e "O. não têm estaleiro em Portugal.

Face às Informações relatadas aquando da análise das compras, a ser real o circuito físico desta sucata, ela vinha de Espanha para o estaleiro (sede) da W. e depois seria novamente enviada para Espanha (tendo em conta as faturas de venda da W. e os documentos de transporte das mesmas, o local de descarga da sucata faturada é também Espanha).

Assim, supostamente esta sucata apenas foi transportada de Espanha para Portugal e de Portugal para Espanha, sem sofrer qualquer transformação e valorização no território nacional.

Todos os transportes desta sucata foram efetuados pela empresa "T.". Da análise dos documentos desses transportes, foram verificadas algumas incoerências já relatadas neste ponto, nomeadamente a mesma viatura fazer dois transportes ao mesmo tempo."

(...)

5.3 - Recolha da informação na E. – I. E. M. - Sociedade Unipessoal, Lda.

(...)

5.3.2. - Elementos recolhidos

5.3.2.1 - Vendas

Ao nível das Vendas, foram recolhidas fotocópias de 132 faturas emitidas pela E. (6 faturas em 2005, 123 em 2006 e 3 em 2007), conforme constam no ANEXO 16, das quais 121 foram emitidas à O. PT.

(...)

Como se pode constatar a esmagadora maioria das vendas da E. destinam-se à O., sociedade espanhola, mas que nestas operações utiliza o número de sujeito passivo português, razão pela qual a E. liquida IVA nestas operações e que sustentam a respetiva dedução de imposto no sujeito passivo objeto da presente análise inspetiva.

Muito embora, a mercadoria vendida nunca fique em território português, destinando- se ao mercado espanhol, com a ressalva dos dois clientes italianos, apenas a empresa "L. O. – C., S.A." (a atual designação é "K. L.., Sociedad Unipersonal") utiliza o número de sujeito passivo espanhol.

Esta referência é pertinente, pois quer no caso da O., quer no da B., estamos, de facto, perante duas empresas espanholas, que utilizam ambas o número de identificação fiscal português, distinguindo-se, na primeira, como número de sujeito passivo não residente, sem estabelecimento estável (mantendo a figura jurídica de sociedade espanhola); enquanto que, na segunda, foi criada, do ponto de vista jurídico/formal, uma sociedade portuguesa (dependente da empresa mãe espanhola: B. G. R. I., SL), utilizando, neste caso, o número de identificação fiscal português, como se de um sujeito passivo ”normal" se tratasse.

Aliás, a própria E. reveste aspetos muito similares a esta última, pois, conforme mais à frente se desenvolverá, do ponto da jurídico/formal é uma sociedade portuguesa (detida exclusivamente por um cidadão espanhol, que, por sua vez, reside em Espanha), que utiliza o número de identificação fiscal português, como se de um sujeito passivo "normal” se trate, mas todavia todas as decisões são tomadas a partir de Espanha e, em território português, não possui qualquer instalação, nem qualquer equipamento, nem qualquer funcionário, nem realiza qualquer operação em Portugal, a não ser a "aparente” intermediação entre a empresa portuguesa W. e a empresa espanhola O. (...)

5.3.2.2. -Compras

Ao nível das Compras, foram recolhidas fotocópias de 113 faturas emitidas à E. pelos seus fornecedores (4 faturas em 2005, 108 em 2006 e 1 em 2007), às quais acrescem algumas notas de crédito e de débito, conforme constam no ANEXO 17.

5.3.2.2.1 – Totais acumulados referentes às compras efetuadas pela E.

A seguir se apresenta um quadro-resumo com os totais anuais referentes às compras efetuadas pela E.:

(...)

Conforme se pode constatar, a W. é o principal fornecedor da E., representando um total de 92,72 % do total do volume de compras.

Por outro lado, se incluirmos, na análise à W., os outros dois fornecedores pertencentes ao mesmo grupo económico dirigido pela Família C. (CM. e C. & I.), tal representará um total de 99,87% das compras. efetuadas pela E., durante o período em análise.

(…)

5.3.2.3 - Transportes

Tendo em conta que a E. não dispõe de qualquer viatura, o transporte da sucata teria que ser feito com recurso a terceiros, ou por veículos do fornecedor originário, ou por veículos do destinatário final, ou através do recurso a uma empresa de transportes.

5.3.2.3.1- T. – S. T. Lda.

Com efeito, a esmagadora maioria dos transportes destas mercadorias está documentada com faturas da prestação de serviços de transporte efetuada pela sociedade T. – S. T., Lda. (doravante designada por T.), com o NIF 50…, com o domicílio fiscal em L. da V. – 4…-2.. A., freguesia de A., concelho de V. C.; todavia, apresenta nas suas faturas a seguinte morada: Rua Z. I., 2.. F., Lote 1./1. – 4…-2.. V. C.

Da análise aos diversos CMR's emitidos pelo transportador T., cujas fotocópias foram recolhidas, constatou-se a existência de algumas anomalias que importa analisar:

(...)

Em resumo, a duplicidade de faturas com o mesmo número, a par da emissão de mais que um CMR para o mesmo transporte (negado pela T., mas confirmado pela recolha de documentos na E.), é mais um indício de que a transportadora T. está conluiada neste circuito fraudulento.

(...)

5.3.2.4. - Meios financeiros

Ao nível dos meios financeiros, existe uma dificuldade na validação dos pagamentos da O. à E., em resultado dos respetivos movimentos financeiros estarem sujeitos, por vezes, a desconto, originando movimentos bancários em sentido contrário e o débito dos juros e comissões bancárias, dificultando a plena consolidação dos montantes em causa.

(...)

A dificuldade de validação dos movimentos financeiros é exemplificada com o caso dos pagamentos da O. à E. das faturas n.ºs 12, 14 e 19, datadas de 03/03/2006, 13/03/2006 e 22/03/2006, respetivamente, nos montantes globais de € 106.119,40, € 113.875,71 e € 122.164,58 (já com IVA incluído), nos quais, aparentemente, existem dois movimentos bancários para liquidarem cada uma destas faturas, provenientes de duas contas distintas da O., uma do B. S. (ISAN ES../00../1../1…/1…/6…) e outro proveniente do B. (conta n.° 01../9…/7./0….), em ambas as transferências a conta beneficiária é a conta do B. P. -IBAN: ES3…., cujo titular é a E.

Uma situação que se destaca é o conjunto de inúmeros movimentos financeiros entre as contas de E. F. G. e da C., SL e as contas da E.. Se no primeiro caso, ainda se pode aceitar, pois é o único sócio e, como tal, estes movimentos traduzirem-se em suprimentos; já não se compreende, no segundo caso, quais as razões subjacentes a sucessivos movimentos financeiros entre a C. e a E., sem existir qualquer operação comercial entre ambas nem, do ponto de vista jurídico, qualquer ligação direta entre as mesmas que justifique a realização de tais movimentos e que se resumiram a:

(...)

5.3.2.5. - Documentação diversa

Uma vez analisadas faturas de compra e de venda, os CMR's e documentos de transporte, e, por fim, os meios financeiros, importa referir que na documentação arquivada, relativa à E., constavam inúmeras Guias de Acompanhamento de Resíduos Ambiente (modelo A), com vista ao cumprimento declarativo, em termos de legislação ambiental, junto do Ministério do Ambiente.

Da análise a estas guias, constataram-se diversas divergências, no que concerne à entidade " produtora/detentora" do resíduo, pois em inúmeros casos aparecia o nome da empresa C. & I., enquanto na restante documentação (Guias de Transporte, CMR's, Faturas de Compra) o nome que surgia era o da W. (vide, a título de exemplo, a Guia modelo A n,° 621 529 versus Guia de Transporte n.º 253 e CMR n.° 2428).

Outro aspeto a salientar, é a existência de diversos e-mails provenientes, na maior parte dos casos, do e-mail do Sr. A. L. (a.l@a.com), dando instruções à T.O.C (ou ao Dr. J. M.), para esta emitir a fatura n.° "X" ou "Y", corrigindo, por vezes, ora o preço, ora a quantidade.

Na troca de emails, existiam, igualmente, indicações dadas por esta, por exemplo, alertando- o do valor para pagamento de impostos.

Ou seja, é por demais evidente que a instrução para uma eventual atividade comercial exercida pela E. não era realizada em Portugal, mas sim provenientes de Espanha, ora pelo Sr. E. F. G., ora, sobretudo, pelo Sr. A. L.

(...)

Ou seja, em Portugal, da E. apenas existe o seu domicílio fiscal, que corresponde ao local onde a sociedade F. exerce a sua atividade.

Em resumo, a E. é uma sociedade juridicamente constituída em Portugal, com o único sócio, o cidadão espanhol, E. F. G., controlada a partir do escritório deste último e do Sr. A. L., localizado em Espanha, de acordo com indicações obtidas na F., na zona de M..

Da análise à documentação, durante o período em análise não foi realizada qualquer venda em território nacional, de acordo com o responsável pela contabilidade, o exercício de 2007 tem pouquíssimos documentos que justificam o abandono de qualquer atividade, inclusive, em 2008, apenas existem as faturas correspondentes aos serviços da F.

Pelo que, atendendo à generalidade dos factos descritos no presente relatório, em suma, a E., no período sob análise, limitou-se a "comprar" em Portugal sucata de cobre à W. para "vendê-la" para Espanha ã Q.,

6. Conclusões

De acordo com os dados recolhidos ao longo da presente ação inspetiva, complementados com as informações obtidas junto de outros sujeitos passivos, é possível esboçar o esquema documental que está na base de todo este processo (valores em Euros, reflorentes ao exercício de 2006):

(…)

6.1 - IVA indevidamente deduzido por assentar em faturas que não correspondem a reais transmissões de bens

Tendo em conta os factos descritos no ponto 5.2.2., verifica-se que o circuito documental, em que assenta o esquema atrás enunciado, não corresponde a um circuito real de transações de sucata de cobre.

Com efeito, estamos perante um evidente esquema de fraude em cadeia em IVA (muito próxima da tipologia da fraude do tipo carrossel) com o claro intuito de lesar o Estado português, gerando artificiosamente um crédito de imposto, em sede de IVA, que se concretiza nos diversos pedidos de reembolso de IVA que a O. (PT) tem vindo, sucessivamente, a solicitar, em resultado de deduções de IVA efetuadas, através das faturas emitidas pelo seu único fornecedor E. que, por sua vez, proveem, essencialmente, da empresa W., cujo IVA liquidado a montante pelos seus fornecedores (operadores fictícios) não foi entregue nos cofres do Estado.

(...)

Esquemas de fraude em IVA com esta tipologia, por vezes, não tem qualquer circuito físico de bens, limitando-se a haver um circuito de documentos.

No entanto, os esquemas de fraude mais elaborados incorporam o transporte real de bens, com o intuito de dificultar o controlo inspetivo do circuito fraudulento de documentos, isto é, por outras palavras, fazem "passear" a mercadoria com o intuito de reforçar a credibilidade do circuito documental envolvido.

Existem, todavia, casos, em que o circuito real da mercadoria envolve somente uma parte do circuito documental, na medida que são implantados, artificiosamente, no esquema, sujeitos passivos fictícios, com vista a ludibriar os reais agentes económicos envolvidos nos negócios em causa e que assim evitam que a tributação recaia sobre si.

Perante este interlocutório, importa sublinhar que dos elementos apurados Dela Inspecção Tributária não se pode afirmar com inequívoca certeza que a O. ES não tenha recebido qualquer sucata de cobre nas suas instalações sitas em Z., V., B., em Espanha.

Isto é, admite-se a possibilidade de existir, efetivamente, mercadoria (neste caso, sucata de cobre), que tenha entrado na fábrica para ser transformada e, posteriormente, o produto final (tubos de cobre) ser introduzido, deforma "normal”, no mercado.

No entanto, outro aspeto que estamos absolutamente seguros é que a origem da sucata de cobre não é aquela que os documentos querem evidenciar, não tendo origem em Portugal, designadamente, nos operadores portugueses descritos no presente relatório.

A documentação recolhida ao longo deste processo sugere que a mercadoria provenha de Portugal, nomeadamente, dos aludidos "fornecedores" que se comprovaram serem operadores fictícios, pelo que, a existir mercadoria, a mesma provirá de Espanha.

Relembre-se a este propósito a evolução legislativa que ocorreu, em sede de IVA, neste sector de atividade da sucata, em que, inicialmente, era considerada como atividade comercial enquadrada no regime normal de IVA, caracterizando-se pela liquidação de IVA efetuada pelo vendedor, e respetiva dedução de imposto pelo comprador.

Todavia, o seu regime fiscal passou a ser excecionado, através de legislação específica que, em resumo, se consubstanciou no mecanismo de autoliquidação de IVA a efetuar pelo comprador ("reverse-charge”), o que permitiu reduzir (ou eliminar) as vantagens fiscais obtidas com esquemas fraudulentos, geradores de deduções de IVA artificiosos, através da emissão de faturas, por parte de operadores fictícios, assentes em negócios simulados.

Com efeito, Espanha procedeu à alteração para este regime fiscal em 2004, através da Lei 62/2003, enquanto Portugal apenas adotou este regime a partir de outubro de 2006, através da Lei 33/2006. Durante este período, assistiu-se à deslocalização da fraude em IVA, neste sector, de Espanha para Portugal. É neste contexto que se insere o esquema descrito no início deste ponto 6, compreendendo-se, assim, o envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis na prossecução de atividades fraudulentas com a criação de operadores fictícios nacionais.

Deste modo, se as nossas conclusões fossem erradas, como seria explicada a seguinte questão:

“Se os hipotéticos fornecedores iniciais são sujeitos passivos nacionais que não têm estrutura para o exercício de qualquer atividade comercial, consentânea com os valores apresentados, ou que pura e simplesmente não existem, como é possível serem reais as compras que os seus “clientes" declaram?"

(…)

Nesta informação foi ainda indicado que sob a F. L. recaem suspeitas da sua participação numa rede organizada de fraude em IVA, com indícios da existência de movimentos financeiros entre Espanha e Portugal com regresso a Espanha, alimentando um possível "carrossel", com a finalidade de gerar artificialmente operações, conducentes a reembolsos do IVA suportado.

Aliás, recorde-se que a empresa Z. foi criada para dar continuidade ao papel que a empresa T. L. desempenhava neste esquema e que, fruto da abordagem da inspeção tributária, importava fazê-la "desaparecer”

A T. L. apresentava o mesmo modus operandi, só variando de protagonistas, as compras eram efetuadas no mercado nacional à empresa R. F. (cujo responsável era o atrás referenciado Sr. R. M. F. e que consta como selo, ou tendo sido, empregado da empresa F. L.), que, por sua vez, adquiria as mercadorias ao fornecedor "nacional" J. A. P. (cujo responsável, o cidadão espanhol J. A. P., é sócio e administrador de inúmeras sociedades espanholas e que é ou foi trabalhador da empresa B. R. M.) e aos fornecedores espanhóis F. L. e C. A. (refira-se que a sócia minoritária da empresa C. A., D.ª M. A. G. B. a única socia-gerente da empresa portuguesa T. L., no período compreendido entre 30/12/2004 e 10/11/2005). (...)

Chegando à W., empresa que, efetivamente, tem estrutura para o exercício de uma atividade de recolha e reciclagem de sucata, pois foi confirmada a existência de instalações, equipamentos e pessoal; foi também constatada a utilização de inúmeras faturas “falsas", não só dos fornecedores T. L. e Z., mas também de outros fornecedores, tais como, entre outros, a G., F. D. A. L. e A. J. C. P. G. (vide pontos 5.2.23., 5.2.2.4. e 5.2.2.5.).

Aliás, o comportamento fraudulento dos responsáveis da W. é sublinhado pela sistemática criação e fecho de diversas empresas, com o claro intuito de promover a fraude e evasão fiscal, como são os casos, entre outros, das empresas C. & I., CM., XM., M., T....

À semelhança do atrás indicado, relativamente à admissibilidade da existência de mercadoria na O. em Espanha, também se admite a existência de (alguma) mercadoria na W./C. & I., todavia não é aquela que os documentos apontam, quer ao nível de quantidade, quer ao nível da origem.

O elo que se segue na cadeia é a E., uma sociedade juridicamente portuguesa, mas sem qualquer estrutura empresarial em Portugal, detida unicamente por um cidadão espanhol (E. F. G.), que a par do Sr. A. L., gere em Espanha, não só a "pseudo" atividade da E., como também, de diversas empresas ligadas a este setor de atividade (refira-se a existência de um registo da E., como sujeito passivo espanhol, com o N1F ES-N0..).

(…)

Assim, em resumo, a "atividade" da E. desenvolvida em Portugal permitiria legitimar o direito à dedução de IVA, perante terceiros registados como sujeitos passivos portugueses.

Ora, deste modo, chega-se ao fim da cadeia, ao destinatário final das mercadorias; a sociedade espanhola O. C. T., Sociedade Anónima, Sociedade Unipersonal.

Todavia, ainda antes de chegar ao destinatário final, a O. ES resolveu registar-se como sujeito passivo português O. PT), criando, assim, as condições para gerar um crédito de imposto, conducente ao pedido de reembolso de IVA, "alimentado" pela dedução de imposto nas faturas de compra à E., conjugada com a isenção de IVA nas "vendas" à O. ES, que, fiscalmente, são consideradas como transmissões intracomunitárias.

(...)

6.2 - Circuito deliberadamente criado para obter vantagens fiscais

(...)

É a própria O. que admite uma relação "especial" com a E., divergindo nos prazos normais de pagamento aos seus fornecedores, bem como, apesar, de pertencer a um grande grupo económico, a O. cedeu "à pressão da E." em registar-se como sujeito passivo português, para efeitos de IVA, de modo a reivindicar o reembolso de IVA, junto da Administração Fiscal Portuguesa.

Ora, se todos os aspetos desenvolvidos no ponto 6.1. foram bem elucidativos, quanto à simulação das diversas operações, registadas ao longo da cadeia pelos "sujeitos passivos" aí indicados, fica, aqui, demonstrada a conivência e conluio existente entre a O. e a E.:

É do conhecimento do sujeito passivo sob análise:

- quem são os responsáveis e os interlocutores da E.,

- que exercem atividade em Espanha e não em Portugal,

- que a E. não possui estrutura em Portugal,

- que os pagamentos são efetuados para contas bancárias da E. domiciliadas em Espanha,

pelo que é, por mais evidente que, mesmo que a O. desconhecesse, a título hipotético, a génese fraudulenta do circuito, saberia, por decerto que a E. não reúne a estrutura adequada para o exercício de uma atividade comercial como esta, que envolve um volume de negócios de cerca de € 15.000.000.

De igual modo, não colhe a afirmação do responsável pela O. que desconhecia a origem da mercadoria, pois pelo menos da W. era forçoso terem conhecimento, em resultado dos dados constantes nos CMR's e nos documentos de transporte.

(...)

Em resumo e em concreto, caso não existissem quaisquer anomalias e o reembolso de IVA fosse legítimo e passível de deferimento (e recuperando as questões evocadas no inicio deste ponto), bastaria a W. fazer uma transmissão intracomunitária, isenta de IVA à O. ES; esta limitar-se-ia ao mecanismo de rerverse-charge, pelo que o efeito do IVA era nulo para si, enquanto que a W. solicitaria o reembolso a que teria alegadamente direito.

Mas, esta solução, lógica e mais próxima do circuito, alegadamente, "real" dos bens, tinha um inconveniente: implicaria que a W. fosse alvo de ação de inspeção tributária, no sentido da Administração Fiscal validar a legitimidade não só da isenção de IVA a jusante (a priori sem contestação), mas do direito à dedução de IVA a montante (aqui é que reside o problema), o que evidenciaria todas as irregularidades que já fora descritas no ponto 5.2.2.

(…)

Então, a solução encontrada foi registar a O., como sujeito passivo português, ficcionando transmissões intracomunitárias para a O. ES (isentas de IVA).

Deste modo, estaria a legitimar o crédito de imposto, baseado em aquisições no território nacional (com IVA a deduzir) efetuadas a um sujeito passivo português e que cumpria todas as suas obrigações fiscais, quer em IVA, quer em IRC, e que possuía em arquivo a documentação necessária para satisfazer eventuais pedidos de esclarecimento da Administração Fiscal (faturas, CMR's, documentos de transporte, meios de pagamento).

(...)

Em resumo, do exposto ao longo do presente relatório, conclui-se que os sucessivos pedidos de reembolso de IVA solicitados são ilegítimos, como consequência de um esquema concebido de geração de dedução de IVA fraudulenta, em cadeia, envolvendo diversos operadores fictícios que liquidavam IVA nas faturas por si emitidas, mas cujo imposto não era entregue nos cofres do Estado.

Tendo presente o esquema indicado no ponto 6, verifica-se que todos os sujeitos passivos portugueses, com exceção da W., não possuem qualquer estrutura para o exercício da atividade em que se registaram, não evidenciando quaisquer instalações físicas, quer comerciais/administrativas, quer logísticas/armazenamento; nem quaisquer veículos de transporte de mercadorias (nem subcontratação de transportadores, exceto a T.); nem quaisquer mão-de-obra contratada (funcionário/pessoal ou subcontratação de prestadores de serviços).

Todos estes sujeitos passivos portugueses traduzem-se em operadores fictícios, que não entregam o IVA gerado ao longo da cadeia e que culmina no pedido de reembolso da O.PT.

Para o efeito, existem operadores que, pura e simplesmente, não entregaram as respetivas declarações periódicas de IVA, ou que omitiram as operações geradores de IVA liquidado a entregar nos cofres do Estado, revestindo-se no papel de "Missing-Traders", residindo aqui a fonte do prejuízo para os cofres do Estado e que se dissemina, sucessivamente, à medida que se avança para o(s) seguinte(s) elo(s) na cadeia.

Por outro lado, existem outros operadores que apresentaram, de forma aparentemente “normal", as suas declarações periódicas de IVA, mas que ou entregaram importâncias diminutas de imposto, ou permaneciam em situação de crédito de imposto, em resultado das deduções de IVA geradas artificiosamente, revestindo o papel de "Buffers" (Por exemplo: a E., a W. e a Z.).

Refira-se que a W., apesar de ser a única empresa portuguesa que apresenta estrutura consentânea para o exercício da atividade a que se propôs, as suas operações relacionadas com o cobre traduzem-se em operações simuladas, conforme já foi plenamente demonstrado.

Por fim, saliente-se que os indícios da prática de fraude fiscal não se confinam aos operadores nacionais, verificando-se o envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis, bem como, de empresas espanholas, como por exemplo a F. L., conforme informações prestadas pela Administração Fiscal Espanhola.

6.3. - Quantificação das correções fiscais

Em resultado do descrito nos pontos 6.1. e 6.2., constatou-se que foi indevidamente deduzido IVA, nos termos dos n.° 3 do art.° 190 do CIVA, constante nas faturas emitidas pela E. à ordem da O. PT, conforme se discrimina:

(…)

Refira-se que, apenas são objeto de correções as DP's realizadas ao exercício de 2006 (com exceção do mês de novembro), pois a DP, de dezembro de 2005 (única declaração deste ano) foi entregue a "zeros" e as DP’s referentes a 2007, apenas constam deduções de IVA, respeitantes ao imposto constante nas faturas dos serviços de contabilidade prestados pela C. e que não são postas em causa, pois, entende-se que o facto da O. PT incorrer em custos com esta empresa de contabilidade é distinto do seu envolvimento no esquema fraudulento descrito no presente relatório” – cfr. PAT, a fls 1379 a 1512;

16. Em 03/06/2009, foi proferido o Ofício G25161, nos termos do qual se procedeu à notificação da Impugnante, do Despacho do Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Reembolso, de 01/06/2009, em sede do qual se procedeu à dedução da quantia de € 199.973,75 relativa ao pedido de reembolso apresentado pela Impugnante relativo ao período de outubro de 2007, no valor de € 200.000,00, tendo sido consequentemente deferido o reembolso parcial de € 26,25 – cfr. PAT, a fls. 1524;

17. Em 03/01/2009, foi proferido o Ofício G25175, nos termos do qual se procedeu à notificação da Impugnante, do Despacho do Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Reembolso, em sede do qual se procedeu à dedução da quantia de € 199.975,00 relativa ao pedido de reembolso apresentado pela Impugnante relativo ao período de julho de 2008, no valor de € 200.000,00, tendo sido consequentemente deferido o reembolso parcial de € 25,00 – cfr. PAT, a fls. 1530;

18. Em 16/06/2009, foi proferido o Ofício G27589, nos termos do qual se procedeu à notificação da Impugnante, do Despacho do Diretor de Serviços da Direção de Serviços de Reembolso, de 05/06/2009, em sede do qual se procedeu à dedução da quantia de € 199.971,15 relativa ao pedido de reembolso apresentado pela Impugnante relativo ao período de fevereiro de 2008, no valor de € 200.000,00, tendo sido consequentemente deferido o reembolso parcial de € 25,00 – cfr. PAT, a fls. 1527;

19. Em 25/01/2010, deu entrada na Direção Distrital de Finanças de Lisboa, Ofício 001/10/DPEA-DEA, da Agência Portuguesa do Ambiente, nos termos do qual se referiu o seguinte: “No seguimento da comunicação de V. Exa de 15 de Janeiro p.p., com o n° 10/2010 referente aos Processos PAT 1,57/09 e PAT 1.062/09, informa-se que a Empresa E. – I. E. M., Sociedade Unipessoal, Lda. (N1PC 50..) não possui licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), e a mesma não se encontra listada no Sistema de Licenciamento de Operações de Gestão de Resíduos, que agrega também empresas com licença para a realização de operações de gestão de resíduos atribuídos por outras entidades (por exemplo as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional ou Direções Regionais de Economia), disponível em http://wiow.avanibiente.ptsllogr/pages/princival.aspx.

Mais se informa que a referida Empresa não consta:

No Sistema Integrada de Registo da Agência Portuguesa do Ambiente (SIRAPA) ao abrigo do Artigo 46.° do Decreto-Lei n° 178/2006, de 5 de Setembro;

Enquanto origem, transportador ou destino de resíduos identificado por outras entidades que efetuaram o registo do Mapa Integrado do Registo de Resíduos (M1RR) no SIRAPA;

Da lista de entidades que Instruíram processos de notificação de movimentos transfronteiriços de resíduos abrangidos pelo n.° 1 do Artigo 3/ do Regulamento (CE) n° 1013/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho, ou comunicaram transferências de resíduos abrangidos pelo n.° 3 do Artigo 3.° do mesmo Regulamento.” – cfr. PAT, a fls. 1517;

MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Não se provou que foram adquiridas mercadorias à E., em Portugal, e que a Impugnante as transferiu para as suas instalações industriais em Espanha, para Z., País Basco, para proceder à respetiva fundição e transformação.

Não se provou que as faturas emitidas pela sociedade "E.- I. E. M., Soc. Unip, Lda.", identificadas no ponto 3 do probatório supra, tenham por base negócios efetivamente realizados.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório, tal como no depoimento das testemunhas colhidas no processo de Impugnação Judicial que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2423/09.

Quanto aos factos não provados, é de referir que, nenhuma das testemunhas teve contacto com a sociedade "E.", desconhecendo a estrutura e as instalações daquela sociedade. Tal se deveu ao facto de os contactos para encomenda e pagamento serem todos efetuados através de funcionários do grupo "I.", em Espanha.

Da análise dos depoimentos das testemunhas pode-se retirar que estas apenas conseguem corroborar os factos referentes à entrada de retalho de cobre nas suas instalações.

Por um lado, todos os contactos, de negociações e de pagamentos, foram feitos em Espanha, com cidadãos espanhóis, uma vez que nenhuma das testemunhas arroladas afirmou ter realizado qualquer tipo de contactos de encomenda à Sociedade "E.".

Por outro lado, verifica-se que uma parte dos CMR apresentados não se encontram carimbados pela Impugnante, nem contêm a data da sua receção, não conseguindo, portanto, fazer a prova da data de receção dos artigos em Espanha.

Mais se refere, quanto a este aspeto, que a aparente falta de um procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinentes a bens recebidos revelam um certo paradoxo, face aos depoimentos das testemunhas, a tendo em conta o facto de terem a consciência de que o setor da sucata configura um segmento propício a esquemas de ocultação de impostos, ao ponto de requererem cópia das declarações periódicas da E. e de reterem o pagamento do IVA até ao respetivo reporte nas declarações periódicas desta última.

Da prova testemunhal também ficou demonstrado que os contactos encetados com vista a realizar os alegados pagamentos eram tidos na pessoa do financeiro do Grupo I. deixando a descoberto a falta de estrutura da E. em Portugal para a transmissão da sucata de cobre ora em crise e, consequentemente, infirmando a tese de que tais transmissões tiveram, efetivamente lugar, nos termos em que as mesmas se encontram tituladas pelas faturas referidas no ponto 3 da matéria de facto assente, sendo que, face a este aspeto, é ainda de acrescentar que a E. não possuia licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Face ao exposto, não conseguiram demonstrar a veracidade das compras de retalho de cobre objeto de faturação por "E.", não tendo a Impugnante logrado colocar em causa o alegado pela Fazenda Pública, em sede de relatório inspetivo.»


*

2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. Do erro de julgamento da matéria de facto

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios, e quando estes tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, procedendo, se assim o entender, à transcrição de quaisquer excertos.

A imposição das especificações previstas no n.º 1, do artigo 640.º do CPC traduz, nomeadamente, a necessidade de o recorrente delimitar o âmbito do recurso indicando claramente qual o segmento da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento, bem como o ónus de fundamentar, em termos convincentes, as razões porque discorda do decidido, indicando os meios probatórios que implicam decisão diversa da tomada pelo tribunal.

Assim, a modificação da decisão da matéria de facto, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente introduzidas, está dependente da iniciativa da Recorrente e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados nas respectivas alegações, que circunscrevem o objecto do recurso.

Não basta, pois, à Recorrente invocar que a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento na valoração da prova e apresentar a sua própria convicção da prova produzida, sem a devida concretização.

Relembremos que já a reforma de 1995, através do Dec.-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, institui, como se anuncia no seu preâmbulo “um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na matéria de facto” em processo civil, tendo o legislador deixado expresso na justificação preambular:

Facultar às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reação contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito (…) incidindo sobre os pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Mais referiu que este especial ónus de alegação do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado.

Como escreveu Ana Luísa da Silva Geraldes «Não cumprem as exigências legais de especificação a mera indicação, sem mais, de um determinado meio de prova (salvo situações excepcionais em que o mesmo não deixe dúvidas quanto ao desacerto da decisão proferida pela 1ª instância), e também se revela insuficiente no que respeita à prova testemunhal, o extracto de uma simples declaração da testemunha, sem correspondência com o sentido global do depoimento produzido de tal modo que não permita consolidar uma determinada convicção acerca de matéria controvertida. Ao invés, tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), nos termos do art. 653º, nº 2, também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.» (in IMPUGNAÇÃO e REAPECIAÇÃO da DECISÃO da MATÉRIA de FACTO – Trabalho publicado na Obra realizada em Homenagem ao professor Lebre de Freitas, vol I, págs. 589 segs.).

No mesmo sentido nota António Santos Abrantes Geraldes «As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.» (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 5 ao artigo 640.º, pág. 169).

Face à lei em vigor, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto o «recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;» (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª Edição, nota 3 ao artigo 640.º, pág. 166).

Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).

No caso que nos ocupa, a Recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, embora se entenda que se refere a factos não provados, uma vez que declarou (simplesmente) entender que deverão ser considerados provados e aditados à matéria de facto.

O Recorrente indicou no corpo da alegação de recurso, mas não relativamente a todos os factos almejamos aditar, os concretos meios de prova - documentos e menção do tempo/passagem da gravação do depoimento das testemunhas, sem, contudo, os relacionar com os diversos pontos da matéria de facto impugnada e sem qualquer apreciação crítica dos meios de prova.

O nosso entendimento é no sentido de que basta as referências aos concretos meios de prova no corpo da alegação, não sendo essencial que integrem as conclusões.

Lidos os factos que que a Recorrente pretende aditar, constata-se que quanto às alíneas xviii, xxii, xxiii, xxvi, xxvii e xxviii ou não indica os meios probatórios constantes do processo ou que nele tenham sido registados ou não transcreve as partes relevantes dos depoimentos das testemunhas, nem faz menção às passagens da gravação.

Assim, quanto a eles a Recorrente não logra observar os ónus de impugnação especificada da matéria de facto (artigo 640.º do CPC), pelo que nesta parte rejeita-se a impugnação da matéria de facto.

Face à maior tolerância de critérios professada pelos tribunais superiores, considera-se que a Recorrente cumpriu o ónus de impugnação que estava cometido pelo artigo 640.º, n.º 1 do CPC, no que se refere aos factos em que indicou os meios de prova, ou seja, i, ii, iii, iv, v, vi, vii, viii, ix, x, xi, xii, xiii, xiv, xv, xvi, xvii, xix, xx, xxi, xxiv, xxiv, xxv, xxix, xxx, xxxi, xxxii, xxxiii e xxxiv, no entendimento que se tratam de factos não considerados provados, indica os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente e a decisão que no seu entender se impunha, ou seja, darem-se como demonstrados os factos não provados aí enunciados.

Porém, conclusão distinta é a de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos provados, através do seu aditamento.

Prosseguindo na verificação do cumprimento do ónus de impugnação a cargo da Recorrente, e no que respeita ao juízo critico próprio, assentou o mesmo quase exclusivamente em declarações dos depoimentos das ditas testemunhas, e se bem interpretamos, segunda ela confirmativos do seu juízo de prova.

Ora, o Tribunal a quo ouviu integralmente os depoimentos das testemunhas, onde se encontram as passagens áudio selecionadas pela Recorrente, e fez dos mesmos uma outra valoração, ajuizando todo o seu conjunto face à demais prova produzida (documental) e às regras de experiência.

Assim, pretendendo a Recorrente sindicar este juízo, importaria que indicasse as razões pelas quais entende que àqueles depoimentos deveria ter sido dada outra relevância, o que não fez, concentrando o seu juízo crítico na reclamação da suficiência do afirmado pelas testemunhas, para que se desse por demonstrada a sua tese.

Porém, abdicando este TCAS de um maior rigor, entendemos estar em condições de poder proceder, nos limites autorizados pelo artigo 640.º do CPC, à reapreciação da matéria de facto pretendida pela Recorrente.


*

2.1.1. A Recorrente pretende que sejam dados como provados e aditados factos à matéria de facto dada como assente pela 1.ª instância, os pontos i, ii, iii, iv, v, vi, vii, viii, ix, x, xi, xii, xiii, xiv, xv, xvi, xvii, xix, xx, xxi, xxiv, xxiv, xxv, xxix, xxx, xxxi, xxxii, xxxiii e xxxiv, por considerar que resultam dos depoimentos das testemunhas e documentos que identifica juntos aos autos.

A sentença recorrida deu como provado os factos vertidos nos pontos 1 a 19 e deu como não provado que a Impugnante tenha adquirido mercadorias, em Portugal, à E. e que as tenha transferido para as instalações industriais em Espanha, e que as faturas emitidas pela E. tenham por base negócios efectivamente realizados.

O Mmo. Juiz a quo motivou a decisão da matéria de facto da seguinte forma:

Conforme especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos, como referido em cada ponto do probatório, tal como no depoimento das testemunhas colhidas no processo de Impugnação Judicial que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º 2423/09.

Quanto aos factos não provados, é de referir que, nenhuma das testemunhas teve contacto com a sociedade "E.", desconhecendo a estrutura e as instalações daquela sociedade. Tal se deveu ao facto de os contactos para encomenda e pagamento serem todos efetuados através de funcionários do grupo "I.", em Espanha.

Da análise dos depoimentos das testemunhas pode-se retirar que estas apenas conseguem corroborar os factos referentes à entrada de retalho de cobre nas suas instalações.

Por um lado, todos os contactos, de negociações e de pagamentos, foram feitos em Espanha, com cidadãos espanhóis, uma vez que nenhuma das testemunhas arroladas afirmou ter realizado qualquer tipo de contactos de encomenda à Sociedade "E.".

Por outro lado, verifica-se que uma parte dos CMR apresentados não se encontram carimbados pela Impugnante, nem contêm a data da sua receção, não conseguindo, portanto, fazer a prova da data de receção dos artigos em Espanha.

Mais se refere, quanto a este aspeto, que a aparente falta de um procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinentes a bens recebidos revelam um certo paradoxo, face aos depoimentos das testemunhas, a tendo em conta o facto de terem a consciência de que o setor da sucata configura um segmento propício a esquemas de ocultação de impostos, ao ponto de requererem cópia das declarações periódicas da E. e de reterem o pagamento do IVA até ao respetivo reporte nas declarações periódicas desta última.

Da prova testemunhal também ficou demonstrado que os contactos encetados com vista a realizar os alegados pagamentos eram tidos na pessoa do financeiro do Grupo I., deixando a descoberto a falta de estrutura da E. em Portugal para a transmissão da sucata de cobre ora em crise e, consequentemente, infirmando a tese de que tais transmissões tiveram, efetivamente lugar, nos termos em que as mesmas se encontram tituladas pelas faturas referidas no ponto 3 da matéria de facto assente, sendo que, face a este aspeto, é ainda de acrescentar que a E. não possuia licença para a realização de operações de gestão de resíduos emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Face ao exposto, não conseguiram demonstrar a veracidade das compras de retalho de cobre objeto de faturação por "E.", não tendo a Impugnante logrado colocar em causa o alegado pela Fazenda Pública, em sede de relatório inspetivo.

Daqui resulta, desde já, que o Tribunal a quo ponderou toda a prova produzida sobre os factos em causa, incluindo àquela que a Recorrente elegeu para fundar o seu oposto juízo, privilegiando a prova documental recolhida pelos serviços de inspecção tributária e junta aos autos, e valorizando a prova testemunhal mais conforme com aquela e com as regras de experiência.

Procedemos à reapreciação da prova testemunhal produzida nos autos, através da audição do registo magnético dos depoimentos das testemunhas inquiridas, e da prova documental.

Vejamos, então, cada um dos factos pretendidos aditar à matéria de facto assente.

Quanto ao ponto i) corresponde ao ponto 1. da matéria de facto dada como provada. Pretende a recorrente que se adite, com base no depoimento das testemunhas, que a recorrente empregava cerca de 400 trabalhadores, produzia cerca de 35.000.000 Kg de tubos de cobre por ano, e que era uma empresa fortemente instalada no mercado à data dos factos.

Ora, tais factos para além de não terem sido alegados na petição inicial não têm relevância para a decisão do presente pleito, visto que não está em causa a estrutura e o volume de actividade da Recorrente, que não se mostra controvertida, mas antes a efectividade das operações realizadas com a “E.”

No que respeita aos pontos ii, iii e viii também não foram alegados na petição inicial, sendo irrelevante a estratégia comercial da Recorrente, bem como a eventual preferência dos fornecedores locais (referidos em termos genéricos) por entidades registadas para efeitos de IVA em Portugal, uma vez que nos presentes autos apenas se debruça sobre os fornecimentos de matéria prima pela sociedade portuguesa “E.”, com origem em Portugal.

Quanto aos pontos iv., v., vi e xii., constituem os mesmos matéria não alegada na petição inicial. Porém, o Mmo. Juiz a quo não deixou de se pronunciar, evidenciando um certo paradoxo, face ao depoimento das testemunhas, atento a alegada falta de procedimento organizado de preenchimento e arquivamento de CMR atinente a bens recebidos e a exigência de cópias das declarações periódicas da E. e retenção do IVA. Tal paradoxo é acentuado ainda pelo depoimento da testemunha J. M. U. Z. quando de forma peremptória afirmou que tinham um procedimento exigente na pesagem dos camiões na entrada e saída, que incluía o arquivamento dos documentos CMR’s, ticket de pesagem e alvará de entrada (em clara contradição com o alegado no ponto 10 da p.i. parte final) e a verificação da qualidade, com registo informático. Porém, analisadas as cópias dos CMR’s juntas aos autos é possível ver que não se mostram assinadas, nem datadas no campo destinado à recepção da mercadoria, como bem é salientado pelo Mmo. Juiz a quo na motivação da decisão sobre a matéria de facto. Acresce referir a existência de CMR’s que indicam a proveniência e o destino da mercadoria em território espanhol, traduzindo uma operação localizada em Espanha e aí tributável em sede de IVA, mas facturada pela “E.” à “O.”, pelo que a Recorrente não pode desconhecer esse facto por tal ser apreensível por mera análise de documentos (cfr. RIT)

Por outro lado, é de realçar que nenhuma das testemunhas teve contactos com a sociedade “E.” na encomenda de sucata e no pagamento das facturas, por as encomendas e pagamentos serem efectuados pela “I.”, conforme afirmaram (cfr. ponto 11 do probatório, não impugnado). Acresce referir que os documentos 1 a 116 e 230 a 338 deram origem aos factos constantes dos pontos 3 e 5 do probatório, dos quais não consta os comprovativos de entrega das Declarações Periódicas e do pagamento do IVA pela E. As declarações foram juntas como documentos n.ºs 355 a 356 da p.i. e foram levadas ao probatório.

No respeita ao ponto vii., o mesmo já consta do ponto 10 dos factos dados como provados, em conjugação com o ponto 3.

Quanto aos pontos ix. e x., correspondem ao facto constante ponto 3 da matéria de facto dada como assente, levado ao probatório com base no alegado no artigo 4.º da petição inicial e documentos n.ºs 1 a 116 da p.i..

No que respeita ao ponto xi, consta dos pontos 9 e 12 da matéria de facto dada como provada.

Quanto ao ponto xiii., já consta dos factos dados como provados, pontos 3, 5 e 15 do probatório.

No que respeita ao ponto xiv., foi dado como não provado na decisão da matéria de facto. A Recorrente alicerça-se, no que respeita a este facto, no depoimento da testemunha J. M. U. Z.

Esta testemunha, exercia as funções de director de fundição e de matérias primas, afirmou saber que a E. era um dos fornecedores da Impugnante e que tinha como transportadora a sociedade “T. N.”, e que esta transportadora trazia sucata de Portugal e da Galiza (Porrinho).

Mais afirmou que fazia a recepção da mercadoria e para o efeito contactava o fornecedor “E.”, através de telefones de Madrid, fixos e móveis, identificando os seus contactos pelos nomes de R. e D. C., ambos espanhóis, e que com a transportadora, falava com o Sr. M.. Mais disse que esta transportadora tinha sede em V. C., e que conhecia muito bem os camionistas com quem falou durante anos.

E quando perguntada sobre qual a estrutura da “E.”, disse desconhecer.

A testemunha F. J. V., responsável pela compra dos fornecimentos, afirmou igualmente desconhecer a estrutura da “E.”.

Os depoimentos das referidas testemunhas revelam-se incongruentes, não sendo credível a afirmação de desconhecimento quanto à estrutura da “E.”, bem como sobre a efectiva origem da sucata e local de carregamento da mercadoria, atenta o constante fornecimento (no período em causa) e a grande quantidade de cobre que as facturas evidenciam, o que determinava frequentes contactos com funcionários dessa empresa para agendamento da entrega das mercadorias, como foi referido pelas testemunhas.

As testemunhas nas respostas dadas refugiam-se em afirmações de que as encomendas eram feitas ao grupo “I.” e que os pagamentos também eram feitos pela I. (ponto 12 do probatório). Porém, desconhecem o significado dessa sigla, bem como o nome das demais sociedades que dela faziam parte. Resulta, assim, quanto às questões dos autos que importava esclarecer, que tal matéria era tratada por outras pessoas, as quais, note-se, não foram arroladas como testemunhas.

A testemunha F. J. V. afirmou que estabelecia contactos com “I.”, com instalações em Madrid, para a encomenda de sucata. Referiu também que contactava os comerciais da “E.”, também em Madrid, que identificou pelos nomes de R. e E.. E quanto à facturação disse que não era com ele e que não se recorda.

Ora, sendo a “E.” um dos mais importantes fornecedores da Impugnante e atento as funções exercidas pelas testemunhas e os contactos estabelecidos e referidos, não é credível que as testemunhas não saibam nada sobre a estrutura da “E.”, bem como desconheçam a origem da sucata em cada encomenda.

A testemunha J. M. Z. quando instada sobre a possibilidade da mercadoria facturada pela E. não ter chegado à Fabrica, respondeu pensar não ser possível, referindo singelamente que se não tinha matéria prima não podia trabalhar. Em momento algum afirmou que a mercadoria tinha sido efectivamente comprada em Portugal, apenas confirmou que a E. era um dos mais importantes fornecedores da Recorrente, e disse ainda que a transportadora “T.” transportava mercadoria de Portugal e da Galiza.

Assim, os depoimentos das testemunhas foram vagos e genéricos quanto à efectiva compra de mercadorias à “E.” em Portugal, por desconhecem a proveniência da mercadoria que alegadamente chegava à fundição. Sendo de realçar que todos os contactos, quer para compra, quer para agendamento da entrega da mercadoria eram feitas com funcionários da I. e comerciais da E., todos cidadãos espanhóis, que se encontravam a laborar em Espanha.

Mas mesmo admitindo que as testemunhas não têm uma razão de ciência segura, ampla e directa sobre factos essenciais à decisão do processo, por se tratarem de meros funcionários/executantes, sem qualquer intervenção na efectiva compra de mercadorias e respectivo pagamento, e não terem conhecimento directo sobre a gestão da Impugnante no que envolve a decisão relativa à escolha de fornecedores e compra de matérias primas, pois declararem desconher a forma como se processava a compra do cobre, não se pode afirmar o mesmo quanto aos gestores/administradores da Impugnante, a quem são cometidos poderes de gestão e/ou representação, decidindo a vida da sociedade.

De salientar que, a impugnante não ofereceu qualquer testemunha que pudesse esclarecer cabalmente com quem eram feitas as negociações e como estas se desenvolviam.

E quanto às testemunhas ouvidas, prestaram depoimentos que não têm a consistência probatória mínima exigível e não são, por isso, susceptíveis, só por si, para que se possam dar como provados, com um mínimo de certeza e de segurança, os factos referidos pela Recorrente, relativos à efectividade das operações dos autos, apesar de se poder admitir, com base em tais depoimentos, que tenham chegado mercadorias à fundição para a fabricação de tubos de cobre, mas já não dar como provado que tiveram origem em Portugal e com o circuito documental que quer fazer transparecer.

Não se suscitam dúvida sobre a emissão de facturação pela E., documentada nos autos, matéria que resultou provada. Porém, importava esclarecer a efectividade das operações e origem da sucata, atento todos os elementos de prova recolhidos pela Administração Tributária em sede de inspecção tributária, não sendo suficiente para a prova da sua origem em Portugal o facto da E. tratar-se de uma sociedade portuguesa (a qual era detida por um sócio espanhol e gerida a partir de Madrid), e de utilizar uma transportadora portuguesa, a qual também assegurava transportes em Espanha.

De realçar, conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a existência de uma sociedade, com a mesma denominação da sociedade portuguesa - “E.-I., E. M. -, sujeito passivo não-residente (residente em Portugal), com domicilio fiscal registado no País Basco (Espanha) e sem registo para efeitos de VIES. A Impugnante sobre eventuais relações com a sociedade registada em Espanha nada disse ou esclareceu.

Assim, tais depoimentos não são de molde a dar como provado que a sucata facturada pela E. tenha origem em Portugal e que corresponda a operações reais, considerando que a E. apenas tem um domicílio fiscal, não possuindo qualquer instalação, nem equipamento, nem funcionários para o exercício de uma actividade que envolve um volume de negócios que ascende a € 14.000.000,00.

Quanto ao ponto xv., não se vê qualquer relevância neste facto. Sendo de salientar o que foi dito supra a propósito dos pontos iv., v., vi. e xii., e que as encomendas, negociações e pagamentos eram efectuados pela I., sem qualquer participação das testemunhas.

Quanto ao ponto xvi., não se pode dar como provado nos termos pretendidos pela Recorrente, desde logo, porque o facto vertido no ponto xiv. não foi provado. Assim, nenhuma censura merece o facto vertido no ponto 4 dos factos dados como provados.

No que respeita ao ponto xvii., também não se pode dar como provado nos termos pretendidos pela Recorrente. As 112 declarações de expedição internacional CMR emitidas pela sociedade “T.” já se mostram vertidas no ponto 4 dos factos dados como provados. No que respeita às quantidades, constam das facturas que documentam, em média, o envio, a cada 3 dias, de cerca de 2,5 toneladas de cobre. E a testemunha J. M. Z. afirmou não saber as quantidades exactas, acrescentado a estimativa de que seriam 400 toneladas por mês, considerando para o efeito que a E. era o maior fornecedor.

Quanto aos pontos xix. e xx., os factos aí vertidos não se mostram alegados na p.i.. A testemunha J. M. Z. esclareceu, em termos genéricos, os procedimentos afectuados na encomenda e na recepção da mercadoria, cujas declarações se mostram desconformes com os documentos juntos aos autos e com a própria alegação da Impugnante na p.i.. Mas em causa nos autos não está a entrega de mercadoria na fabrica da Recorrente, mas antes, qual a que tem origem em Portugal e respeitante à facturação emitida pela E.. Assim, para além de não se ver qualquer relevância no aditamento de tal matéria, tal factualidade não pode ser aditada ao probatório nos termos pretendidos pela Recorrente.

No que respeita ao ponto xxi., a Recorrente não fez prova de que a mercadoria entregue nas suas instalações tinha origem em Portugal, nos termos supra referidos. Assim, não se pode deferir a pretensão da Recorrente.

Quanto ao ponto xxiv., constitui uma repetição de outros factos pretendidos aditar e já apreciados, pelo que se remete para o que supra se expendeu relativamente aos pontos v., vi., xii. e xiii..

No que respeita ao ponto xxv. pretendido aditar, a Recorrente indica como meio de prova dos documentos n.º 339 a 342, referidos no ponto 15 da p.i..

Analisados tais documentos constata-se tratarem-se de facturas internas emitidas pela Recorrente a si própria (sujeito passivo português e sujeito passivo espanhol), e, por isso, de documentos internos de entrega de bens para efeitos de facturação do IVA, sem nenhumas referências ao efectivo fornecedor e à origem da mercadoria. Sendo o facto relevante a mercadoria transferida de Portugal para Espanha através da “E.”, a emissão de tais facturas internas nenhuma valia têm para o pretendido pela Recorrente, pelo que não vai deferida a pretensão da Recorrente.

Quanto ao ponto xxix. pretendido aditar, já consta do ponto 6 da matéria de facto dada como provada.

Quanto ao ponto xxx. pretendido aditar já consta do ponto 7 da matéria de facto dada como provada.

Quanto ao ponto xxxi., pretendido aditar já consta do ponto 8 da matéria de facto dada como provada.

Quanto aos pontos xxxii e xxxiii. pretendidos aditar já constam do ponto 13 da matéria de facto dada como provada, com base nos documentos n.º 369 a 385, única prova oferecida para prova destes factos.

Por último quanto ao ponto xxxiv. pretendido aditar, os factos aí vertidos não foram alegados na petição inicial e, por outro lado dos depoimentos das testemunhas não se retira afirmações que permitam levar ao probatório esses factos.

Dos documentos juntos aos autos resulta antes que a Recorrente na sequência dos pedidos de reembolso, que tinham obrigatoriamente que ser analisados pela Administração Tributária, foi alvo de uma inspecção tributária, na sequência da qual foram proferidos despachos de indeferimento parcial dos pedidos de reembolso, os quais foram impugnados nos presentes autos. Não sendo despiciendo lembrar que através da Lei n.º 33/2006, de 28 de Julho Portugal alterou o regime fiscal, que se consubstanciou no mecanismo de autoliquidação do IVA a efectuar pelo comprador (“reverse-charge”).

Em suma, feita a reapreciação da prova testemunhal produzida e da prova documental (prova livremente apreciada pelo Tribunal), não podemos dar razão à Recorrente.

Termos em que não deve ser deferido o pedido em apreço de aditamento da matéria assente.

Face ao exposto improcede o alegado erro de julgamento da matéria de facto.


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Estabilizada a matéria de facto avancemos para a apreciação das questões relativas ao erro de julgamento de direito.

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2.2. Reenvio Prejudicial

Na conclusão P das alegações do recurso, a Recorrente requereu, caso este Tribunal ad quem tenha dúvidas, que submeta ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão sobre a interpretação do regime ínsito no artigo 19.º, n.ºs 3 e 4 do CIVA, face aos artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA e à jurisprudência do TJUE, em particular constante do Acórdão Optigen.

A Recorrente não formulou qualquer questão prejudicial e este Tribunal ad quem também não tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 19.º, n.ºs 3 do CIVA (em que a AT fundamenta o indeferimento do pedido de reembolso), nem sobre a compatibilidade dessa norma com o direito e com os princípios comunitários.

Por outro lado, como vem sendo decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (cfr. acórdão de 19/3/2015, Processo C-672/13, § 29) não lhe cabe pronunciar-se, no quadro de um processo e nos termos do artigo 267.º do Tratado, sobre a compatibilidade das normas do direito interno com o direito da União nem interpretar as disposições legislativas nacionais à luz do direito da União.

Decorre ainda do citado acórdão e da demais jurisprudência ali citada, que a decisão judicial a proferir sobre o caso compete sempre ao tribunal nacional. A função do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo previsto naquele artigo 267.º não é a de auxiliar o tribunal nacional da decisão do caso, mas a de fornecer ao tribunal nacional elementos de interpretação de normas comunitárias e em face de questões concretas que sejam colocadas a respeito dessas normas comunitárias.

Termos em que indefere-se o requerido reenvio.


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2.3. Do erro de julgamento de Direito por inaplicabilidade do artigo 19.º, n.ºs 3 e 4 do CIVA

O Tribunal Tributário de Lisboa julgou improcedente a impugnação, por nenhuma ilegalidade se verificar no despacho de indeferimento dos pedidos de reembolso apresentados em sede de declarações de IVA relativamente aos períodos de 200710, 200802 e 200807, no montante global de € 599.919,90, proferido na sequência de acção inspectiva à contabilidade da Recorrente, em que a Administração Tributária, com base no artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, concluiu que a Recorrente (“Broker”) terá deduzido indevidamente IVA contido em facturas emitidas pela sociedade “E.” (“Buffer”), por o circuito documental não corresponder a um circuito real de transacções de sucata de cobre, cuja existência teve o clara intuito de lesar o Estado Português, situação a que o sujeito passivo não era alheio.

A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando o imputado erro de julgamento à sentença recorrida, no essencial, por a Recorrente encontrar-se na posse das facturas correspondentes às aquisições de sucata de cobre à E., entre Dezembro de 2005 e Outubro de 2006, tendo pago o montante de € 18.552.852,79, sucata que foi transportada para as suas instalações em Espanha onde foi utilizada na respectiva actividade económica. Concluindo que as aquisições de sucata não configuram operações simuladas nos termos e para os efeitos do artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, tendo direito ao reembolso de IVA suportado nas referidas operações no montante de € 3.195.293,81.

Mais alegou que a Administração Tributária não demonstrou os alegados indícios de fraude em sede de IVA ao nível da E., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes, e que não tinha obrigação de ter conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes.

A sentença recorrida para julgar a acção improcedente, discorre da seguinte forma:

A Impugnante considera não ser aplicável ao caso em apreço o disposto no artigo 19°, n° 3 do CIVA, por, em face da prova produzida, concluir pela efetiva ocorrência das aquisições de sucata de cobre por si efetuadas à E.

(…)

As conclusões da administração tributária assentaram essencial e resumidamente na existência de operações comerciais com fornecedores relativamente aos quais foram apurados indícios de emissão de faturação fictícia, concretamente, com fornecedores que não possuem qualquer estrutura para o exercício da atividade em que se registaram, com exceção da W., não evidenciando quaisquer instalações físicas, quer comerciais/administrativas, quer logísticas/armazenamento, nem quaisquer veículos de transporte de mercadorias (nem subcontratação de transportadoras, exceto a T.), nem qualquer mão-de-obra contratada (funcionários/pessoal ou subcontratação de prestadores de serviços). Mais verificaram os Serviços de Inspeção que as empresas a montante da sociedade W. não tinham suporte suficiente para a realização das ditas operações (cfr. pontos 5.2.2.1 e seguintes do RIT).

Assim, a questão a analisar é a de saber se as transações em causa foram efetivamente realizadas ou se correspondem a transações simuladas.

(…)

E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder ao indeferimento dos pedidos de reembolso decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas faturas relativamente às quais considerou que as transações nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratório, no intuito de enganar terceiros – cfr. art.º 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respetiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do sujeito passivo e dos respetivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efetivamente.

Resumindo, quando a Administração Tributária recolhe indícios sérios da inexistência de operações tituladas por faturas, impende sobre contribuinte o ónus da prova de que tais operações económicas se realizaram efetivamente.

No caso dos autos, e como se referiu, e bem, na Sentença deste Tribunal Tributário Lisboa, proferida em 22/03/2013 (processo 2423/09.0 BELRS), que incidiu sobre os mesmos factos, “resulta dos elementos recolhidos pela Administração Fiscal que as operações comerciais relativas à sociedade "E.", subjacentes aos aludidos pedidos de reembolso de IVA, não correspondiam à realidade, embora a declaração negocial corresponda a uma compra e venda de bens. Porém, tal sociedade não tinha infraestruturas, nem instalações adequadas para o exercício do comércio de sucata, nem possuía licença para a realização de operações de gestão de resíduos.

Acresce que, conforme resultou provado, todos os contactos e negociações tendentes à compra de sucata pela impugnante eram feitos em Espanha, através dos comerciais do grupo I., cidadãos espanhóis, contactáveis através de números de telefone fixos e móveis espanhóis.

Os elementos recolhidos pela Administração Fiscal são elementos probatórios objetivos, porque resultantes das análises à contabilidade das diversas empresas envolvidas e não foram sequer contrariados.

Como se encontra profusamente ilustrado no relatório da ação inspetiva, reuniram os serviços de inspeção tributária, designadamente através do cruzamento de informações com equipas inspetivas de outras direções de finanças, fortes indícios de que as vendas de sucata pela sociedade "E.", não têm aderência à realidade.

Do exposto resulta que, a Administração Tributária invocou factos que traduzem uma probabilidade elevada das operações referidas nas faturas serem simuladas, o que abala irremediavelmente a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade (cfr. artigo 75° da LGT).

Acolhe-se, assim, o entendimento da Administração, que fez prova bastante dos requisitos legais da existência dos factos tributários e sua quantificação, concretamente, do não reconhecimento aos reembolsos solicitados (cfr. artigo 87.º do CIVA).

Satisfeito o ónus da prova que impendia sobre a AT, ao demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais que determinaram a sua atuação, passou a recair sobre a impugnante o ónus da prova dos factos invocados para sustentar o seu direito à dedução, isto é, aos reembolsos de IVA”.

Mais se acompanha o referido aresto, por com ele se concordar, quando afirma que, por outro lado, “a Impugnante não logrou fazer prova dos requisitos estabelecidos na lei para que esses reembolsos sejam substantivamente legítimos, isto é, não resultou provada a materialidade das operações subjacentes.

Sendo certo, quanto ao processo judicial, que as dúvidas que aí subsistam sobre a matéria de facto não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de justificarem a anulação do ato impugnado, por recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da realização das operações.

Nesta conformidade, apenas cabe salientar, conforme se explana na fundamentação de facto, que a prova produzida pela Impugnante não foi de molde a convencer o tribunal da aderência à realidade das operações objeto de faturação, desde logo por confrontação com os elementos documentais carreados em sede de ação inspetiva, claramente indiciadores da falta de aderência à realidade das operações comerciais, supostamente tituladas pelas faturas.

Dir-se-á ainda que, a Impugnante, pugnou pelo reconhecimento da realidade das operações, com a junção aos autos de extratos bancários e pagares em que se faz referência ao fornecedor "E.", assim, demonstrando, na sua ótica, os fluxos financeiros inerentes àquelas operações.

Contudo, tal não comprova que as operações económicas referenciadas nas faturas se tenham efetivamente realizado, por confronto com os demais elementos de prova, que inequivocamente apontam no sentido do fornecedor da Impugnante carecer de estrutura organizacional para realizar tais operações, facto de que não podia a Impugnante desconhecer, visto que, faziam parte do mesmo grupo de empresas - "Grupo I." e, por outro lado, através dos "CMR’s podia ter conhecimento da origem da mercadoria (cfr. Ac. Kittel, proc. C-439/04, do TJCE)”.

Assim, conclui-se, que nenhuma ilegalidade se verifica no despacho de indeferimento parcial dos pedidos de reembolso apresentados pela Impugnante em sede de declarações periódicas de IVA, relativamente aos períodos de 200710, 200802 e 200807, no montante global de € 599.919,90.

Vejamos.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

Desta maneira, o IVA funciona pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro): Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

O direito à dedução é, assim, um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (35.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

O Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado contém várias normas que excluem especialmente o direito à dedução, mas só nos interessa analisar aqui uma delas – o n.º 3 do seu artigo 19.º -, visto que foi com base nessa norma que a Administração Tributária indeferiu os pedidos de reembolso de IVA.

A limitação estabelecida no n.º 3, do artigo 19.º do CIVA está em conformidade com o entendimento do TJUE, que reconheceu, em diversas decisões que, em determinadas circunstâncias, além das previstas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Directiva, os Estados Membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma factura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou até recusar o direito à dedução do imposto quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.

O artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, na redacção à data dos factos, preceituava:

Não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que esteja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.

No entanto, o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado também não nos diz o que se deve entender por operação simulada para os efeitos desse Código, pelo que terá que ser interpretada com o sentido que o termo tem no direito civil (cfr. artigo 11.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária).

Ora a simulação é a divergência entre a vontade real e a vontade declarada dos sujeitos do negócio jurídico, por acordo entre o declarante e o declaratário e com o intuito de enganar terceiros (cfr. artigo 240.º do Código Civil).

Passemos a outra questão, que é a de saber se compete à administração tributária provar o acordo simulatório. É o problema da repartição do ónus probatório entre a administração tributária e o sujeito passivo na aferição da legalidade do exercício à dedução.

O artigo 74.º, n.º 1, da LGT dispõe sobre o ónus da prova e refere que:

1 – O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

Em conformidade, aliás, com o princípio consagrado no artigo 342.º do Código Civil (CC), que preceitua que aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Tomando, por facilidade de exposição, como modelo o procedimento de liquidação da iniciativa da administração tributária, esta terá o ónus de demonstrar a ocorrência dos factos de que deriva o direito à liquidação (os factos-pressupostos da existência, qualificação e quantificação do facto tributário). E o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito.

Porém, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 05/07/05/2003, proferido no processo n.º 01026/02, seguindo o entendimento do acórdão do STA de 17/04/2002, proferido no processo n.º 026635, firmou jurisprudência no sentido de que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (disponíveis em www.dgsi.pt).

A razão de ser deste entendimento é a seguinte: ao contrário do que sucede em regra, em que a administração tributária afirma a ocorrência do facto de que deriva o direito à tributação, neste caso é o sujeito passivo que afirma o facto tributário de que deriva o direito à dedução e a administração tributária que põe em causa a sua ocorrência.

Contudo, esta regra do ónus probatório só opera verdadeiramente depois de a Administração Tributária ter reunido e invocado indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu. De acordo com o discurso fundamentar do citado arresto, depois da administração tributária ter emitido «um juízo administrativo de adequação entre os factos e as valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei».

Importa ainda considerar que o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, dispõe que presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei bem como os dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

E quando alguém tem a seu favor uma presunção legal não tem que provar o facto a que ela conduz (cfr. artigo n.º 350.º, n.º 1, do CC).

Do que vimos dizendo resulta que quando o direito à dedução tenha por base declaração do sujeito passivo apresentada nos termos da lei, a administração tributária que pretenda infirmar a ocorrência do facto em que se suporta essa dedução invocando a simulação de sujeitos, não tem que demonstrar que o acordo simulatório existiu (o que na generalidade dos casos seria muito difícil demonstrar), mas tem que reunir indicadores objetivos de que tal acordo deveria ter existido (vide acórdãos do Pleno da secção do CT do STA de 16/11/2016, proc. n.º 0600/15 e de 19/10/2016, proc. n.º 511/15, disponíveis em www.dgsi.pt/).

Com efeito, configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando­­­­ o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada, uma vez que o artigo 100.º do CPPT não é aplicável neste caso, por in dubio contra Fisco apenas existe quando seja a Administração Tributária a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto (vide neste sentido acs. do TCA Sul de 22/01/2002, processo nº 5884/01, do STA de 27/10/2004, proc. n.º 810/04, do TCA Norte de 24/01/2008, proc. n.º 02887/04-Viseu, e acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 07/03/2003, proc. n.º 01026/02, de 16/11/2016, proc. n.º 0600/15 e de 27/02/2019, proc. n.º 01424/05, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, a administração tributária sustenta a existência de uma fraude (muito próxima da fraude tipo "carrossel”), em que a ora Recorrente funcionaria como “broker” e o seu fornecedor E. como “buffer”.

De acordo com a jurisprudência do TJUE, não basta a existência objectiva da fraude nas operações para poder ser recusada a dedução do IVA pelo adquirente, sendo que o direito a dedução só pode ser recusado a um sujeito passivo se, à luz de elementos objectivos, se demonstrar que este sujeito passivo, ao qual foram fornecidos os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou deveria saber que, ao adquirir estes bens ou estes serviços, participava numa operação que fazia parte de uma fraude ao IVA cometida pelo fornecedor ou por outro operador a montante ou a jusante na cadeia destes fornecimentos ou destas prestações (vide, neste sentido, acórdãos Kittel (C-439/04), Recolta Recycling (C-440/04) e Mahagében e Dávid e acórdão relativo aos processos apensos Optigen Ltd, Fulcrum Electronics Ltd e Bond House (C- 354/03, C- 353/03 e C-484/03).

No acórdão do TJUE, de 22/10/2015, no Processo C-277/14, expendeu-se o seguinte: [a]s disposições da Sexta Diretiva devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o IVA devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao IVA (…).

Todavia, a jurisprudência do TJUE citada não é aplicável ao caso dos autos, uma vez que a AT reuniu, de forma fundamentada, indícios sérios de que as transacções tituladas pelas facturas em causa não tiveram efectividade, ou seja, que elas não correspondem a transacções reais, como melhor se verá infra.

Considerando o acima descrito, cumpre então averiguar se a Administração Tributária fez a prova, como lhe competia, da existência de indícios sérios e objetivos, suscetíveis de permitir a conclusão de que as facturas contabilizadas pela ora Recorrente não correspondem a reais operações para obstar à dedução do IVA inscrito nas facturas, e se ao fazê-lo a impugnante, ora Recorrente, por sua vez demonstrou que a AT laborou em erro.

Resulta da factualidade apurada que a Recorrente foi alvo de uma acção inspectiva, bem como o seu fornecedor E. e fornecedores desta, bem como a transportadora envolvida, e que nessa sede, com base nos elementos recolhidos, das respostas dadas à AT e das fiscalizações cruzadas, os serviços de inspeção tributária concluíram, no essencial que:

(i) Tendo em conta o esquema indicado no ponto 6 do RIT, todos os sujeitos passivos portugueses, com excepção da W., não possuem qualquer estrutura para o exercício da actividade em que se registaram, não evidenciando quaisquer instalações físicas, quer comerciais/administrativas, quer logísticas/armazenamento; nem quaisquer veículos de transporte de mercadorias (nem subcontratação de transportadoras, excepto a T.), nem qualquer mão-de-obra contratada (funcionários/pessoal ou subcontratação de prestadores de serviços) – cfr. pontos 5.1, 5.2. e 5.3 do RIT.

(ii) Todos os sujeitos passivos portugueses não entregam o IVA gerado ao longo da cadeia e que culmina no pedido de reembolso de O. PT.

(iii) Existem operadores que não entregam as respectivas declarações periódicas de IVA, ou que omitiram as operações geradoras de IVA liquidado a entregar nos cofres do Estado, revestindo-se no papel de “Missing-Traders”, residindo aqui a fonte do prejuízo para os cofres do Estado e que se dissemina, sucessivamente, à medida que se avança para o(s) seguinte(s) elo(s) na cadeia.

(iv) Existem outros operadores que apresentaram, de forma aparentemente “normal”, as suas declarações periódicas de IVA, mas que ou entregavam importâncias diminutas de imposto, ou permaneciam em situação de crédito de imposto, em resultado das deduções de IVA geradas artificiosamente revestindo o papel de “Buffers” (por exemplo: a E., a W. e a Z.).

(v) A W., era a única empresa portuguesa que apresentava estrutura consentânea para o exercício da actividade a que se propôs, que tinha como fornecedores empresas que careciam de substancia económica (v.g. R. F., T. L., Z., G., F. D. A. L. e A. J. C. P. G.), assumindo um papel meramente instrumental, para possibilitar a liquidação de IVA aos clientes e exercer o direito à dedução do IVA, utilizavam fornecedores (alguns tinham como elo comum um espanhol – “Sr. R.”), que nunca chegaram a exercer a actividade, ou não tinha estruturas empresarias para o efeito, ou não tiveram nos anos de 2005 e 2006 comércio de sucata, ou utilizavam viaturas, na generalidade dos documentos emitidos, que não tinham capacidade ou vocação para efectuar o transporte da sucata que deles constava, ou locais de carga da sucata que não possuíam capacidade ou condições para movimentar uma pequena parte das quantidade indicadas; nas aquisições nacionais, o transporte da sucata para a w. era efectuada por camiões espanhóis, e utilizava fornecedores espanhóis cuja mercadoria se destinava a ser vendida à E. e, por sua vez esta vendia à O., neste caso, a ser real o circuito físico desta sucata, vinha de Espanha para o estaleiro da W. e depois seria enviada para Espanha, sem sofrer transformação e valorização em território nacional;

(vi) Existência de envolvimento de inúmeros cidadãos espanhóis, bem como de empresas espanholas;

(vii) Não esclareceram a origem da sucata comercializada, independentemente da fase do circuito comercial em que estão colocados, afirmando que não sabem, nem é da sua conta, limitando-se, os intermediários, a emitir a documentação.

(viii) Da analise dos serviços de transporte efectuados pela T. para W. e E. encontraram diversas divergências, discriminadas por viatura, em que a mesma viatura fazia dois transportes no mesmo dia para Espanha e realizava transportes em dias seguidos ao longo do ano para Portugal e daqui para Espanha e daqui para Portugal; emissão de CMR’s duplicados, com a indicação da O. PT como expedidora e outro com a indicação da E. como expedidora, datados do mesmo dia.

(ix) Os serviços de transporte de sucata em cobre entre R. M. (W.) e V. (O.) eram facturados à E., sendo o Sr. R. C. que em nome da E. interagia com a T.

(x) Os CMR’s não apresentam qualquer carimbo de recepção da mercadoria, nem data, nem assinatura.

(xi) A E. é uma sociedade portuguesa, detida exclusivamente por um cidadão espanhol, E. F. G., residente em Espanha, que tomava todas as decisões a partir de Espanha, não possui qualquer instalação, nem equipamento, nem qualquer funcionário, realizando apenas a “aparente” intermediação entre a empresa portuguesa W. e a empresa espanhola O.

(xii) Ao nível dos meios financeiros, a O. efectuava os pagamentos à E. em contas bancárias domiciliadas em Espanha, existindo dificuldade na validação dos pagamentos; destaca-se inúmeros movimentos financeiros entre as contas de E. F. G. e da C. SL (da qual aquele é também sócio) e as contas da E., não existindo quaisquer operações comerciais entre a E. e a C. que justifique tais movimentos.

(xiii) A O. ES registou-se como sujeito passivo português (O. PT), criando as condições para gerar um crédito de imposto, conducente ao pedido de reembolso de IVA, “alimentado” pela dedução de imposto nas facturas de compra da E., conjugada com a isenção IVA nas vendas à O. ES, que fiscalmente são consideradas como transmissões intracomunitárias.

(xiv) A O., através dos CMR’s podia obter a informação que a mercadoria provinha de R. M., em Portugal (instalações da W.); se as operações correspondessem a operações reais podia comprar directamente à W, gerando para si um lucro maior, suprimindo o intermediário E.; e ao não ter utilizado o seu número fiscal de sujeito passivo espanhol, as operações passavam a ser aquisições intracomunitárias em território espanhol, aplicando-se o mecanismo de “reverse-charge”, permitindo-lhe não ter qualquer encargo e de não ter que esperar pela Administração Tributária para analisar o pedido de reembolso, pois, neste cenário seria a E. (ou a W.) a solicitar o reembolso de IVA.

(xv) Tendo em conta os factos descritos no ponto 5.2.2., concluiu-se que o circuito documental não corresponde a um circuito real de transacções de sucata de cobre, e admitindo-se a possibilidade de existir mercadoria que tenha entrado na fábrica para ser transportada, não tem origem em operadores portugueses.

A recolha, a consistência e a conjugação de todos os elementos descritos no relatório de inspecção tributária (ponto 15 do probatório) foram de molde a que a AT, e por sua vez o Tribunal a quo na sentença recorrida, considerassem que a contabilidade da Recorrente não era credível, abalando desta forma a presunção de veracidade das operações constantes na escrita da Recorrente, pois que criaram fundados indícios de que tais operações não reflectiam operações reais.

Na verdade, tais indícios apurados tanto na contabilidade da Recorrente, como nas informações cruzadas com outros contribuintes, como ainda em ações inspetivas dirigidas aos fornecedores em crise, segundo as regras da experiência comum, são seriamente indiciadores de que as operações tituladas pelas faturas em causa não ocorreram efetivamente.

Ao contrário do alegado pela Recorrente, a AT demonstrou no relatório inspetivo indícios de fraude em sede de IVA, como por nós devidamente realçado supra.

Assim, na parte relativa à factualidade apurada pela AT, temos de reconhecer aos relatórios inspetivos o valor probatório que o artigo 76.º da LGT lhes reconhece, sendo que, nesta parte, tais relatórios fazem fé em juízo.

Portanto, impunha-se que a impugnante, ora Recorrente, contrariasse o apurado pela AT em sede inspectiva. Dito por outras palavras, apesar de todos os indícios recolhidos pela AT, que eram reais as operações de vendas de sucata facturadas que incluíam o IVA corrigido.

Ora, tal prova não ocorreu, conforme resulta da matéria de facto apurada e da analise supra efectuada, para a qual remetemos por facilidade de exposição.

Pelo que fica dito, deve ter-se por não observado o ónus da prova da realidade subjacente às facturas que recaía sobre a Recorrente.

Na verdade, não basta alegar que a sucata foi efectivamente adquirida, necessário era que fosse apresentada prova sobre a veracidade das facturas, o que não foi feito, ficando por esclarecer a origem da sucata que a impugnante faz corresponder à facturação fictícia.

Invoca a Recorrente que se encontra na posse das facturas correspondentes às aquisições de sucata à E.

Contudo, tal não comprova que as operações económicas em causa nas facturas se tenham efectivamente realizado, uma vez que a par da aparente realidade formal existe uma outra de natureza substancial, respeitante às transacções que, no caso em apreço, no cotejo com os demais elementos de prova recolhidos (prova documental e testemunhal), que apontam no sentido do fornecedor da impugnante e dos fornecedores daqueles carecerem de estrutura empresarial para a realização de tais operações e, bem assim, do seu envolvimento em esquemas de facturação falsa.

Assim, a eventual comprovação da emissão e saída de fluxos financeiros também não é suficiente para comprovar a existência material da operação económica.

Com efeito, no âmbito dos negócios artificiosos ou fraudulentos, a operação económica real poderá não existir, apesar de realizar-se o fluxo financeiro e a situação inversa também pode ocorrer, ou seja, existir uma operação económica real, com ocultação na revelação formal contabilística, pelo que, em face de indícios recolhidos de facturação falsa, não é suficiente a comprovação da emissão da factura e da saída dos fluxos financeiros para prova da existência das operações económicas.

Alega a Recorrente que não tinha, nem tinha obrigação de ter conhecimento do alegado circuito fraudulento em sede de IVA ao nível da E., seus fornecedores e respectivos fornecedores destes (conclusão I) das alegações de recurso).

Nos casos como o dos autos, em que houve fraude e o utilizador das facturas afirma desconhecer, impunha-se-lhe, em primeiro lugar, demonstrar a efectividade das operações em concreto, por a AT ter recolhido indícios de que as transacções mencionadas nas facturas não correspondem à realidade, esclarecendo como é que as negociações se desenvolvem e com quem se desenvolveram, e, em segundo lugar, fazer então prova do desconhecimento sobre o circuito fraudulento.

Como se viu a Recorrente não logrou fazer prova da efectividade das operações, carecendo, por isso, de relevância a invocação do desconhecimento do circuito fraudulento.

Aliás, a Recorrente desenvolveu um esforço probatório nulo sobre o desconhecimento do circuito fraudulento, onde centra mais fortemente a sua alegação, uma vez que as testemunhas oferecidas nada sabiam sobre as negociações atinentes à compra da sucata e pagamento das facturas, sendo tais depoimentos evasivos, incongruentes e genéricos quanto a toda a matéria a que foram ouvidas.

Invoca ainda a Recorrente que adoptou um procedimento cauteloso relativamente à E., consubstanciado no pedido de apresentação de cópias das declarações periódicas de IVA e comprovativos de entrega do IVA.

Concordamos com o que se escreveu no RIT sobre esta questão, ao considerar tal procedimento estranho, a menos que a Recorrente quisesse obter algum elemento para posteriormente se defender quando fosse confrontada com o seu envolvimento no circuito fraudulento em IVA. Mas ainda assim, tais elementos nunca seriam suficientes para prova da materialidade das aquisições, e quanto ao IVA constante das facturas, não resultou provado que a sociedade E. tenha efectuado o pagamento do IVA liquidado a favor do Estado. Na verdade, das declarações periódicas juntas aos autos, apenas as referentes aos documentos n.º 355 e 356 da p.i. apresentam imposto a entregar ao Estado, no valor respectivamente de € 19.571,46 e de € 37.737,41, pois, todas as outras apresentam crédito de imposto a recuperar.

Relembremos que, no caso presente, a AT não põe em causa que foram apresentadas as declarações periódicas de IVA, nem que foram emitidas as facturas, as quais se encontram na posse da Recorrente, mas que as operações tituladas por aquelas correspondam a operações realmente efectuadas, o que obsta à dedução do imposto pago a montante.

Alega a Recorrente jurisprudência do TJUE no sentido de que quando a operação foi efectivamente entregue ao adquirente, bem como nos casos em que o IVA incidente sobre a operação em questão foi entregue junto dos cofres do Estado, e nos casos em que o sujeito passivo desconhece, sem obrigação de conhecer, que o transmitente dos bens não tinha as instalações e infraestruturas adequadas à realização dessas operações.

Contudo, o acórdão Optigen, proc. C-354/03, do TJUE indicado pela Recorrente, como já expendemos supra, não tem aplicação ao caso em apreciação, visto que a AT reuniu indícios de que as operações em causa não foram realmente efectuadas, e os acórdãos do TJUE citados referem-se a situações em que as operações ocorreram realmente, mas na cadeia de entregas, na qual se insere essas operações, sem que o sujeito passivo saiba ou passa saber, uma ou outra operação, anterior ou posterior à realização por este último, estar viciada por fraude ao IVA.

Por último, alega a Recorrente que a eventual fundamentação da improcedência dos presentes autos nos termos do artigo 19.º, n.º 4 do CIVA reconduz-se à fundamentação a posteriori do acto tributário impugnado (conclusão L) das alegações de recurso).

Com o devido respeito, não tem razão.

A AT não afastou o direito à dedução do IVA nos termos do n.º 4 do artigo 19.º do CIVA e a sentença recorrida limitou-se a apreciar as questões suscitadas pela Impugnante na sua petição inicial, em face da prova produzida, relativas à legalidade da decisão da Administração Tributária que indeferiu o pedido de reembolso do IVA apresentado pela Impugnante.

Em lado nenhum da sentença se faz referência ao n.º 4, do artigo 19.º do CIVA ou se procede a uma fundamentação a posteriori do acto impugnado. Aliás, como é consabido, ao Tribunal está vedado praticar actos administrativos ou substituir-se à AT na fundamentação de actos administrativos.

Concluindo, a AT logrou demonstrar que se verificavam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação e, por outra banda, a Recorrente não logrou demonstrar a tese que defende.

Deste modo, a sentença recorrida que assim entendeu não merece censura.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.


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Conclusões/Sumário:

I. A limitação estabelecida no n.º 3, do artigo 19.º do CIVA está em conformidade com o entendimento do TJUE, que reconheceu, em diversas decisões que, em determinadas circunstâncias, além das previstas nos n.º 6 e 7 do artigo 17.º da Sexta Directiva, os Estados Membros podem estabelecer determinadas regras para o exercício do direito à dedução, designadamente condicionando-o à posse de uma factura ou de um documento equivalente e ter-se verificado a exigibilidade do imposto, ou até recusar o direito à dedução do imposto quando se verifiquem situações fraudulentas ou abusivas.

II. Configura entendimento jurisprudencial reiterado e sólido, em situações como a dos autos, de não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte, que compete à administração tributária fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais legitimadores da sua atuação, ou seja, assentando o juízo da administração tributária na consideração de que as operações e o valor a que se referem as facturas em causa não correspondem à realidade, pelo que terá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas.

III. Cumprido este encargo pela Administração Tributária, passa a impender sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que tais facturas consubstanciam operações realmente efectuadas pela entidade emitente desses documentos e pelos valores constantes dos mesmos, comprovando­­­­ o direito à dedução do IVA liquidado nas facturas, não lhe aproveitando a mera criação de dúvida, ainda que fundada.

IV. No âmbito dos negócios artificiosos ou fraudulentos, a operação económica real poderá não existir, apesar de realizar-se o fluxo financeiro e a situação inversa também pode ocorrer, ou seja, existir uma operação económica real, com ocultação na revelação formal contabilística, pelo que, em face de indícios recolhidos de facturação falsa, não é suficiente a comprovação da emissão da factura e da saída dos fluxos financeiros para prova da existência das operações económicas.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.*

Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão aos serviços do Ministério Público – DIAP (fls. 1709 do suporte físico).


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Lisboa, 27 de Outubro de 2021.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta