Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:610/09.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/10/2022
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:VPT
DESFASAMENTO DO VALOR DE MERCADO
FORMALIDADES 76.º, Nº4 DO CIMI
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário:I-O CIMI prevê a aplicação de um regime especial de segunda avaliação, apenas para efeitos do IMT, IRS e IRC, sempre que o sujeito passivo invoque e venha a ser determinado que o valor da avaliação é distorcido relativamente ao valor normal de mercado do prédio. Sendo que, nestas circunstâncias, a comissão de avaliação não fica vinculada à aplicação da fórmula de avaliação constante dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, podendo aplicar outros modelos de avaliação, mormente, o do critério do custo.

II-No concernente aos formalismos atinentes à sua formulação, resulta, tão-só, da conjugação dos nºs 1, 4 e 6 do artigo 76.º do CIMI que o pedido apresentado pelo SP ou a sua promoção pelos órgãos competentes tem de ser, devidamente, fundamentado, não estabelecendo qualquer destrinça, nem materialização, sendo certo que o grau de exigência não poderá, naturalmente, ser o mesmo.

III-Se à data da realização da segunda avaliação já estava em vigor tal normativo, e se não constitui obstáculo, face à natureza procedimental, a sua aplicabilidade ao caso vertente, então tendo o aludido pedido sido requerido, particularmente, com fundamento de que o VPT na primeira avaliação se encontra desfasado do valor real de mercado do prédio urbano, a comissão de avaliação poderia/deveria ter realizado tal interpretação, ou no limite ter solicitado esclarecimentos quanto à sua concreta causa de pedir.

IV-De resto, a invocada distorção entre o VPT e o valor de mercado haveria já de relevar mesmo antes da consagração legal mediante manifestação e convocação do princípio da proporcionalidade.

V- Na segunda avaliação, impugnada, era de aplicar o regime consignado no artigo 76.º, nº4, do CIMI, logo o VPT apurado pela AT enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo, nessa medida, ser anulado.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:l – RELATÓRIO

O Digno Representante da Fazenda Pública (DRFP) interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade B…, LDA contra as segundas avaliações para fixação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) das frações autónomas designadas pelas letras “E” e “T” do prédio em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° 15….

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

a) Ao requerer o pedido de 2.ª avaliação, a ora recorrida, não alegou factos nem demonstrou a existência de distorção do VPT relativamente aos valores de mercado e às próprias características do imóvel, nem fundamentou tal distorção (vide artº 76,° n.ºs 4 e 5 do CIMI), pois;

b) Apenas invocou que “discorda do valor do coeficiente de localização fixado (1,95) para a zona ... valor patrimonial determinado encontra-se desfasado da realidade ... não correspondendo ao declarado na escritura e no contrato promessa” (vide fls. 60 e 61 do processo administrativo);

c) A Comissão de Avaliação não estava obrigada a proceder de acordo com o estabelecido no n.º 4 da citada norma legal, ou seja, fazendo uso do método comparativo dos valores de mercado, porquanto;

d) A aplicação do disposto no n.º 4 do art.° 76.° do CIMI está condicionado ao pedido prévio do contribuinte, onde terá de expor as razões porque considera que o VPT se apresenta distorcido relativamente ao valor normal de mercado, nos termos do n.º 6 do art.º 76.º do CIMI, e

e) Tal não ocorreu no caso sub judice, porque apenas reclamou do coeficiente de localização publicado pela Portaria n.° 982/2004, de 4/8, logo;

f) No Termo de Avaliação elaborado pelos peritos regionais D… e C…, em 15 de Maio de 2009, estes apenas se pronunciaram sobre o reclamado (Vide fls. 104 do processo administrativo), ou seja,

g) Foi realizada inspeção directa ao local e consultado o processo de 1.6 avaliação e, devidamente justificado que o coeficiente de localização reclamado é publicado em Portaria, não sendo passível de alteração, pelo que o valor patrimonial tem que se manter igual (nesse sentido Jurisprudência do STA, de 07/03/2012, proc. 01100/11, de 19/04/2012, proc. 01130/11 e de 10/04/2013, proc, 0368/13);

h) Logo, afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” não se pode substituir a uma possibilidade de defesa do contribuinte que nem sequer por si foi invocada;

1) E, além disso, do n.° 4 do art.º 76,° do CIMI resulta ainda que o novo valor patrimonial tributário fixado apenas releva para efeitos de IRS, IRC e IMT e não em sede de IMI;

j) Assim sendo, entendemos que o Tribunal "a quo" errou ao considerar aplicável, à situação aqui em causa, o disposto no n.º 4 do art.° 76.º do CIMI, pois,

k) A sua aplicação está condicionada ao pedido prévio do contribuinte, onde terá de expor as razões porque considera que o VPT se apresenta distorcido relativamente ao valor normal de mercado, nos termos do n.° 6 do artº 76,º do CIMI, e tal não ocorreu aqui;

l) O pedido de 2.ª avaliação deduzido pela recorrida não foi efectuado nem fundamentado ao abrigo da norma do artº 76,° n.ºs 4 e 5 do CIMI, pelo que, a avaliação teria de ser feita, como foi, de acordo com os art.ºs 38.° e segs. do CIMI, tal como determina o artº 76.º n.º 2 do CIMI;

m) A avaliação impugnada não padece, do vício que lhe é imputado, pois, o critério de avaliação aplicasse do mesmo modo a todos os imóveis, baseando-se em critérios objectivos e, relativamente à distorção com valores de mercado, a lei permite uma avaliação especial para efeitos de IRS, IRC e IMT, desde que seja requerida e devidamente fundamentada;

n) Se assim não se entender, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se dirá que o relatório da perícia encontrou o valor de mercado para a fracção "T" através do método do custo que não é comparável ao método utilizado pela AT através dos coeficientes previstos no art.º 38.º e segs do CIMI, logo teria que dar evidentemente valores diferentes;

o) E, além disso, o valor de mercado encontrado também não é consentâneo com o valor declarado na escritura de compra e venda; 

p) Afigura-se-nos que, não pode ser colocada em causa a avaliação da citada fracção efectuada pela AT e reportada à data da entrada da Mod. 1 de IMI no Serviço de Finanças, em 9 de Maio de 2007, porque foram cumpridos todos os trâmites exigidos pela lei (cfr. art. 38.° e segs e art.° 76.° n.° 2 do CIMI);

q) Ao decidir, como decidiu, a douta sentença procedeu a uma incorrecta aplicação do direito à factualidade apurada, incorrendo em erro de julgamento, por violação do disposto nos n.°s 2, 4 e 6 do art.0 76.° e 38.° ambos do CIMI.

Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, que deverá ser substituída por acórdão que mantenha a avaliação ora impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.”


***

A Recorrida B…, LDA, contra-alegou, concluindo do modo que segue:

A - EM SÍNTESE, NO SEU RECURSO, A AT INVOCOU OS SEGUINTES FUNDAMENTOS:

1. Na 2ª avaliação, realizada, por inspeção direta, em 2009-05-15, os 2 Peritos designados pela AT determinaram a manutenção dos VPT encontrados na 1ª avaliação, por considerarem não ser possível alterar o coeficiente de localização (conclusões f) e g))

2. Ao requerer a 2ª avaliação.

2.1 a Recorrida não alegou factos, nem alegou a distorção do VPT em relação aos valores de mercado, apenas tendo alegado que o VPT se encontrava "desfasado da realidade”;

2.2 a aplicação do disposto no art° 76° 4 do CIMI (redação em vigor em 2009) está condicionada ao prévio pedido, no caso não formulado, pelo que,

2.3 naquela avaliação, os Peritos nomeados pela AT não estavam obrigados a aplicar aquele dispositivo (não estavam obrigados a utilizar o critério de avaliação do método do custo - do art 46° 2) e o Tribunal infringiu aquele dispositivo ao fundamentar nele a parcial procedência da impugnação judicial (conclusões a) a e j), h), j) a n) e q))

3. Tendo a Mod. 1 do IMI sido apresentada em 2007-05-09, a avaliação só podia ser enquadrada nos art°s 38° e 76° do CIMI (conclusão o)).

B RAZÕES DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO:

B.l - a falsa a alegação de que a Recorrida não alegou factos, nem alegou a distorção do VPT em relação aos valores de mercado, apenas tendo alegado que o VPT se encontrava “desfasado da realidade” (2.1 supra)

4, Nos art°s 15 a 17 da PI. a Recorrida concretizou factualmente o enquadramento dos critérios do art° 42° do CIMI, impugnando, por comparação com a envolvente, o coeficiente de localização, por desconsideração dos factores de valorização determinantes do ''mercado imobiliário” (artº 17)

5. Nos artºs 18 e 21 da PI, voltou a invocar o "mercado imobiliário" como fundamento da errada uniformidade do valor unitário (m2) da área do imóvel/ fração, sem considerar que, por regra, este é (no mercado) menor, consoante o volume do edifício em que se encontra.

6. Nos arts 23 e 24 da PI concretizou a distorção ou o desfasamento dos VPT impugnados face ao "valor normal de mercado o, alegando os montantes máximos que este lhes atribuía.

7, Nos art°s 25 e 26 da PI, em conjugação do 10 e 11, a Recorrida invocou que "o mercado", em igualdade das demais condições valoriza mais o imóvel mais novo em relação ao mais antigo, impugnando a injustiça que resulta da aplicação do CIMI, enquanto, admitindo a redução imediata dos VPT por redução do valor base dos prédios edificados, limita a aplicação dessa mesma redução aos imóveis mais antigos, já avaliados, há menos de 3 anos.

6. No art° 34 da PI. a Recorrida impugnou o resultado dos VPT das frações em causa por "excessivo, porque dele resultam Vts que superam os valores de mercado”.

9. No art° 33º da PI a Recorrida voltou a concretizar em que montantes os VPT resultavam desconformes com os "valores reais de mercado" e desconformes com os normativos do CIMI e constitucionais.

10. No artº 45 da PI a Recorrida argumentou que o próprio legislador vinha a reconhecer o desfasamento dos VPT face aos “reais valores de mercado".

11. No artº 53 da PI a Recorrida alegou que o VPT fixado na 2ª avaliação para as fracções identificadas resultava “desproporcionado, face ao mercado " e

12. E na conclusão da Pi, na formulação do pedido, a Recorrida pediu se julgasse que os VPT fixados na 2a avaliação, em 131.850€ para a fracção E, e 169.410€ para a fracção T fossem considerados “excessivos face aos valores de mercado, e mais "conformes com os valores de mercado'' os de 102.770€ para a fracção E e de 117,310€ para a T.

13. Há assim pedido e alegação de causa de pedir da “distorção" do VPT face ao mercado,

14. Não estando, aliás, os tribunais limitados à qualificação dos factos alegada pelas partes.

B.2 - É falsa a alegação da Recorrente de que a aplicação do disposto no art° 76°,4 do CIMI (redação em vigor em 2009) está condicionada ao prévio pedido (2.2 supra)

15, Na verdade, desde a redação da lei 64-A/2008, o art 76°, 4 do CIMI dispõe:.. "desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.° e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efectua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário (…), devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.° 2 do artigo 46.º

16. Assim, aquele normativo legal fica um dever ou, pelo menos, um poder dever.

B.3 - É falsa a alegação da Recorrente de que, tendo a Mod. 1 do IMI sido apresentada em 2007-05-09, a avaliação só podia ser enquadrada nos art°s 36° e 76° do CIMI (3 supra)

17. Na verdade, conforme o Ac. do ST A 18-11-2009, Proc. 0765/09, “O facto de a nova redacção do artigo 76.° do Código do IMI apenas ter entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo á sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efectuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa a segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epigrafe do artigo 76.0 do Código do IMI), é de cariz procedimental, logo é de aplicação imediata a menos que tal aplicação prejudique garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes (cfr o n.° 3 do artigo 12° da Lei Geral Tributária), o que no caso não ocorre.”

B.4 - É errado o entendimento da Recorrente de que não estando os Peritos nomeados pela AT obrigados a aplicar o dispositivo do art° 76°, 4 do CIMI, o Tribunal infringiu aquele dispositivo ao fundamentar nele a parcial procedência da impugnação judicial (2.3 supra)

18. Os Acs, do STA referidos na Conclusão g) respeitam à questão de as Portarias emitidas ao abrigo do CIMI não estarem sujeitas ao princípio da fundamentação nos termos definidos peio artigo 77.º da LGT e pelo artigo 124.° do CPA - mas não é isso que se discute.

19. O que está em causa nos autos é essencialmente a tributação do património fixado por critérios que o distorcem ou desfasam face ao seu real valor do mercado,

20. tornando a tributação injusta e desigual no tratamento dos cidadãos, em violação dos princípios do Estado de Direito, da Igualdade, da Proporcionalidade e da Justiça e da contribuição para a igualdade entre os cidadãos (art°s 2°, 13º, 103º.1, 104°.3 e 266°.2 da Constituição).

21. Na verdade, as normas aplicáveis aos avaliadores tributários não são as normas e os princípios aplicáveis aos Tribunais, pois a estes cabe aplicar a justiça em conformidade com a Constituição, desaplicando as normas que a desrespeitem,

22. Não podem os Tribunais aplicar normas do CIMI ou suas Portarias que violem a justa repartição justa dos rendimentos e da despesa e contribuam para a igualdade entre os cidadãos.

23. Não contribui para a repartição justa dos rendimentos e da despesa nem para a igualdade entre os cidadãos, antes para o inverso, exigir-se-lhes pagamento desproporcionado de IMI, IMT, IRS e IRC face ao valor relativo dos imóveis de que são titulares ou em cuja transmissão patrimonial intervieram.

24. O Estado admite a fixação de patrimónios, para efeitos de tributação distorcidos até 15% para efeitos da liquidação de IRS, IRC, ISelo e de não importa quanto mais que 15% para efeitos do IMI a que se sujeitam os seus titulares.

25. O próprio Estado, admitindo a injustiça dos VPT, não se vincula aos seus valores em caso de execução de venda executiva ou de oferecimento de Imóveis para garantia de créditos fiscais. Para efeitos de hipoteca e de admitir a sua venda, admite/exige que os valores se depreciem para 70% do VPT (art°s 199º 5, 248 ° 2 e 250° 4 do CPPT).

26. É injusto e desproporcionado, atentando contra os princípios do Estado de Direito, que o Estado liquide IMI, IMT, IRC e IRS com base em VPT superiores aos que lhes atribui quando lhe são oferecidos em hipoteca para caucionar créditos ou quando ele mesmo promove a respectiva venda em processo executivo.

27. No caso em apreço, o VPT fixado em 1ª e 2ª avaliações, resulta desproporcionado, face ao valor normal do mercado.

28. As conclusões tiradas exigem a desaplicação das normas do CIMI ou dos normativos das Portarias regulamentares que lhe dão conteúdo de que resultem valores desfasados face ao mercado e à real valorização do património determinante dos impostos sobre o património.

29. Na verdade, determinando o pagamento de impostos sobre o património e sobre o rendimento desproporcionados, face ao valor normal do mercado, a Portaria 982/2004 é ilegal e inconstitucional, devendo ser recusada a sua aplicação a título Incidental (artº 73º do CPTA).

NEGANDO, POIS, PROCEDÊNCIA AO RECURSO, VOSSAS EXAS. FARÃO JUSTIÇA”.


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O Digno Magistrado Ministério Público (DMMP), junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Dos documentos e elementos constantes dos autos, com interesse para a decisão da causa, julgo provada a seguinte factualidade:

A) Em 06/04/2004, a Impugnante celebrou escritura de compra e venda, em que declarou vender a fracção autónoma identificada pela letra “E” destinada a habitação, correspondente ao “primeiro andar trás-poente-tipo T-dois, com um lugar de estacionamento na cave, designada pelo nº …, Bloco … do prédio urbano sito no ……., Lote …, Portimão, inscrito na matriz sob o artigo 1….” (cfr. fls. 20 do p.a);

B) Em 14/06/2008 a Administração Fiscal procedeu à 1.ª avaliação da fracção autónoma melhor identificada na alínea anterior e da qual resultou um valor patrimonial de €131.850,00 (cfr. fls. 24 do p.a.);

C) Em 29/07/2008 a Impugnante apresentou pedido de 2ª avaliação (cfr. fls. 15 do p.a.)

D) Em 15/05/2009 a Administração Fiscal procedeu à 2.ª avaliação da fracção autónoma melhor identificada na alínea A) e da qual resultou um valor patrimonial de €131.800,00 (cfr. fls. 52 a 54 do p.a.);

E) No “Termo de avaliação”, elaborado no dia 15/05/2009, refere-se que, “Após visita ao local e consulta do processo verificou-se não haver discordância com a 1ª avaliação. O valor patrimonial mantêm-se igual. O Factor de localização em reclamação é publicado em Portaria, pelo que não se pode alterar.” (Cfr. fls. 54 do p.a.);

F) Em 15/05/2009 foi entregue pelo perito nomeado pela Impugnante e que acompanhou a 2ª avaliação feita pelos peritos regionais nomeados pela Administração Tributária, requerimento, onde refere, nomeadamente, que: “declara que não concorda como valor patrimonial, dado que o mesmo está desajustado ao valor do mercado. Este desajustamento do valor patrimonial é resultante do coeficiente de localização de 1,95 atribuído à área onde o prédio se situa que considero demasiado elevado. Em confirmação do exposto, o signatário não pode deixar de considerar o conhecimento pessoal que tem de que os preços praticados na urbanização em causa são inferiores aos que resultam da aplicação dos coeficientes para a mesma fixados, em percentagem que varia entre os 15% e 30%” (cfr. fls. 54 e 55 do p.a.);

G) Em 29/03/2007, a Impugnante celebrou escritura de compra e venda, em que declarou vender a fracção autónoma identificada pela “letra “T” - quarto andar nascente – Bloco …..., habitação T-três, destinado a habitação, com um estacionamento no rés-do-chão, designado pelo número dezasseis, fracção que tem o valor patrimonial tributário de 82.781,10€ e que faz parte do prédio urbano sito na …….., Lote ……, Portimão, inscrito na matriz sob o artigo ….” (cfr. fls. 64 e 65 do p.a);

H) Em 26/07/2006 a Administração Fiscal procedeu à 1.ª avaliação da fracção autónoma melhor identificada na alínea anterior e da qual resultou um valor patrimonial de €169.410,00 (cfr. fls. 69 e 70 do p.a.);

I) Em 27/09/2007 a Impugnante apresentou pedido de 2ª avaliação (cfr. fls. 61 do p.a.)

J) Em 15/05/2009 a Administração Fiscal procedeu à 2.ª avaliação da fracção autónoma melhor identificada na alínea G) e da qual resultou um valor patrimonial de €169.410,00 (cfr. fls. 101 e 102 do p.a.);

K) No “Termo de avaliação”, elaborado no dia 15/05/2009, refere-se que, “Após visita ao local e consulta do processo verificou-se não haver discordância com a 1ª avaliação. O valor patrimonial mantêm-se igual. O factor de localização em reclamação é publicado em Portaria, pelo que não se pode alterar.” (Cfr. fls. 104 do p.a.);

L) Em 15/05/2009 foi entregue pelo perito nomeado pela Impugnante e que acompanhou a 2ª avaliação feita pelos peritos regionais nomeados pela Administração Tributária, requerimento, onde refere, nomeadamente, que “declara que não concorda como valor patrimonial, dado que o mesmo está desajustado ao valor do mercado. Este desajustamento do valor patrimonial é resultante do coeficiente de localização de 1,95 atribuído à área onde o prédio se situa que considero demasiado elevado. Em confirmação do exposto, o signatário não pode deixar de considerar o conhecimento pessoal que tem de que os preços praticados na urbanização em causa são inferiores aos que resultam da aplicação dos coeficientes para a mesma fixados, em percentagem que varia entre os 15% e 30%” (cfr. fls. 104 e 105 do p.a.);

M) Em 19/05/2009 foram enviadas, à Impugnante, as notificações do resultado das 2ªs avaliações (cfr. fls. 12 e13 dos autos).


***

Consta como factualidade não provada o seguinte:

“Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na documentação junta com os articulados, no processo administrativo junto aos autos e no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência contraditória.”

Do depoimento das testemunhas resultou que os peritos avaliadores, por terem tido intervenção directa na 2ªavaliação ora posta em causa, têm conhecimento directo dos factos e demonstraram recordar-se com precisão da realização da mesma, o que originou o convencimento deste Tribunal dos factos por si relatados. O mesmo se diga da primeira testemunha que também teve conhecimento directo dos factos por ter tido intervenção na perícia colegial feita às fracções em causa. Já a segunda testemunha, por nunca se ter deslocado ao local, o seu testemunho foi menos relevado por este Tribunal.

As testemunhas depuseram, em suma, nos seguintes termos:

A testemunha P…, em síntese, referiu que, há certas patologias, com fissuras, humidades, deficiências nas partes comuns, garagens e em algumas fracções.

Estas patologias não serão recentes. Actualmente nem sequer há procura para compra de fracções. São imóveis de utilização sazonal e têm tido algumas reclamações. A qualidade de construção e arquitectónica desvaloriza o valor do imóvel. A testemunha trabalhar para a Impugnante desde 2007 e as fracções foram finalizadas em 2003. A Impugnante foi a promotora imobiliária, não construiu as fracções. Em finais de 2008, e em 2009, visitou o imóvel e, foi aí, que viu as patologias que descreveu. As fracções ficam perto de transportes, a localização das mesmas está numa zona com acessos. Mas o lote 17, ora em causa, fica numa zona interior do empreendimento.

A testemunha J…, em síntese, referiu que nunca visitou o imóvel, mas era funcionário da Impugnante e conhecia o lote 17 por exercer funções de administrativo na Impugnante; desde início da construção teve algumas reclamações dos proprietários e ainda hoje ficaram algumas fracções por vender. A ocupação é sazonal, o que contribui também para a sua degradação. Em 2007, as patologias já existiam, embora se calhar não muito visíveis.

A testemunha D…, em síntese, referiu que foi perito avaliador no caso dos autos e recorda-se que a 2ª avaliação foi em 2009, porque a Impugnante não concordava com o coeficiente de localização. Para fazerem a 2ª avaliação foram ao local, e recorda-se que era um edifício com aspecto de recente, numa zona boa, não é a melhor, mas está a 800m da Praia da Rocha, tem acessos fáceis, com transportes, serviços públicos (serviços municipalizados e escola) e comércio. Visitaram também o edifício por dentro. Não encontraram patologias no edifício. Visitaram também fracções, mas não encontraram nada de especial, não havia aspectos de degradação do imóvel. Na altura, a ocupação era sazonal, embora existissem alguns moradores permanentes. Não encontraram qualquer critério minorativo que pudesse ser aplicado, aliás até porque nada foi invocado sobre isso para depois, em deslocação ao local, analisarem. Recorda-se que o que foi posto em causa foi apenas o coeficiente de localização. O zonamento não pode ser alterado face à 1ª avaliação, se as condições forem as mesmas, como aconteceu. Verificaram se o valor final se enquadra no valor de mercado, até para corrigir possíveis erros, por exemplo, de medição ou de localização. Aplicou-se a fórmula da Portaria e o valor não era superior ao do mercado, na altura. Não pode ser alterado o zonamento. Se o imóvel em causa estivesse noutro local, por exemplo, numa zona rural, teria outro coeficiente de localização, por causa do zonamento.

A testemunha C…, em síntese, referiu que interveio como perita para a 2ª avaliação. Recorda-se que a Impugnante colocou em causa a 1ª avaliação porque não concordava com o coeficiente de localização. Deslocou-se ao local e verificou que o prédio era relativamente recente. É em frente aos serviços municipalizados, está junto à Marina, tem uma vista bonita, está perto de uma escola e de transportes públicos. Não consideraram haver nada que pudesse originar uma majoração para menos do que havia sido fixado na 1ª avaliação, tendo-se mantido a mesma. O valor da localização não pode ser posta em causa, está fixada por Portaria.

Visitou as fracções que estão em causa no processo, a “E” e a “T”.”


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Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se em alterar a redação de parte da factualidade mencionada em II), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração. (1)

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redação dos factos que infra se identificam, por referência à sua enumeração por letras efetuada em 1.ª instância:

H) A 27 de agosto de 2007, o Serviço de Finanças de Portimão procedeu à avaliação da fração autónoma identificada pela letra “T”, que faz parte do prédio urbano sito na Quinta ………., Lote ….., Portimão, inscrito na matriz sob o artigo ….. e melhor identificado na alínea antecedente, resultando a fixação de um VPT de €169.410,00, conforme elementos que infra se identificam:


(cfr. fls. 62 do PA apenso);

I) Na sequência da notificação da avaliação referida na alínea antecedente, a 27 de setembro de 2007, a Impugnante apresentou requerimento de segunda avaliação relativamente à fração autónoma identificada pela letra “T”, que faz parte do prédio urbano sito na ……, Lote …, Portimão, inscrito na matriz sob o artigo ….. e melhor identificado na alínea G) e com o teor que infra se descreve:

«Imagem no original»



«Imagem no original»

«Imagem no original»

«Imagem no original»

K) A 15 de maio de 2009, foi lavrado termo de avaliação no Serviço de Finanças de Portimão, com o teor que se reproduz infra:

«Imagem no original»


(cfr. fls. 104 do PA apenso);

L) A 15 de maio de 2009, no âmbito dos processos de segunda avaliação dos prédios urbanos inscritos nas matrizes sob os artigos ….. e ……, foi lavrado laudo pelo Perito nomeado pelo contribuinte e com o teor que infra se transcreve:

«Imagem no original»

(cfr. fls. 105 do PA apenso);


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

N) A 24 de setembro de 2010, foi elaborado relatório de perícia colegial, do qual se extrata na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

(cfr. doc. de fls. 78 a 84 dos autos);


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III.FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as segundas avaliações para fixação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) das frações autónomas designadas pelas letras “E” e “T” do prédio em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.° …..

Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que apenas o DRFP interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, tendo, por isso, transitado em julgado a manutenção do VPT fixado relativamente à fração autónoma designada pela letra “E”.


Mais importa ter presente que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a sentença padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo fez uma correta apreciação do requerimento de segunda avaliação, mormente, quanto ao seu âmbito, extensão e fundamentos, e se face a essa interpretação entendeu, erroneamente, que haveria lugar ao regime contemplado no artigo 76.º, nº4 do CIMI decretando a anulação do ato impugnado.

Apreciando.

A Recorrente sustenta, desde logo, que no requerimento do pedido de segunda avaliação, a ora Recorrida, não alegou factos nem demonstrou a existência de distorção do VPT relativamente aos valores de mercado e às próprias características do imóvel, nem fundamentou tal distorção, em conformidade com o consignado no artigo 76.º, n.ºs 4 e 5 do CIMI.

Razão pela qual, aduz que a Comissão de Avaliação não estava obrigada a proceder de acordo com o estabelecido no n.º 4 da citada norma legal, a qual está condicionada ao pedido prévio do contribuinte, onde terá de expor as razões porque considera que o VPT se apresenta distorcido relativamente ao valor normal de mercado, e em conformidade com o consignado no n.º 6 do artigo 76.º do CIMI, donde o VPT tem de manter-se igual.

Mais relevando que, de todo o modo o relatório pericial encontrou o valor de mercado para a fração "T" através do método do custo o que não é comparável com o método utilizado pela AT através dos coeficientes previstos no artigo 38.º e seguintes do CIMI, o qual, de resto, não é consentâneo com o valor declarado na escritura de compra e venda.

Dissente a Recorrida relevando, para o efeito, que contrariamente ao propugnado pela Recorrente há pedido e alegação de causa de pedir da “distorção" do VPT face ao valor de mercado, sendo certo que a aplicação do disposto no artigo 76.º, nº 4 do CIMI não está condicionada ao prévio pedido, constituindo antes um poder/dever.

Mais sublinhando que a norma do artigo 76.º, nº4 do CIMI é de cariz procedimental, logo é de aplicação imediata, pelo que comprovando-se um desfasamento do valor fixado em relação ao valor de mercado nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida, sob pena inclusive de violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.

Vejamos, então, começando por convocar o regime jurídico aplicável ao caso vertente.

Dispunha, à data da realização da segunda avaliação, o artigo 76.º do Código do IMI sob a epígrafe de “Segunda avaliação de prédios urbanos”, o seguinte.

“1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, podem, respetivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado.

2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo diretor de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respetiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante.

3 - Pelo pedido da segunda avaliação é devida uma taxa a fixar entre 5 e 20 unidades de conta, tendo em conta a complexidade da matéria, cujo montante é devolvido se o valor patrimonial se considerar distorcido.

4 - Não obstante o disposto no n.º 2, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo.

5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15% do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitetura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15% do valor normal de mercado.

6 - Sempre que o pedido ou promoção da segunda avaliação sejam efetuados nos termos do n.º 4, devem ser devidamente fundamentados.”

Ora do aludido normativo resulta, que o CIMI prevê a aplicação de um regime especial de segunda avaliação, apenas para efeitos do IMT, IRS e IRC, sempre que o sujeito passivo invoque e venha a ser determinado que o valor da avaliação é distorcido relativamente ao valor normal de mercado do prédio. Sendo que, nestas circunstâncias, a comissão de avaliação não fica vinculada à aplicação da fórmula de avaliação constante dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, podendo aplicar outros modelos de avaliação, mormente, o do critério do custo.

Como doutrina José Maria Fernandes Pires (2), “A Lei define a existência de distorção em função do desvio do valor da avaliação relativamente ao valor normal de mercado, no n° 5 do artigo 76 ° do CIMI, norma que foi aditada apenas em 2008 pela Lei n°- G4-A/2008, de 31/12, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009. (…) no entanto não preceitua como se determina o valor de mercado para que se verifique a existência da distorção. Relevando, tão-só, que “resulta da aplicação do critério do custo ou do método comparativo dos valores de mercado, no caso dos terrenos para construção.”

Com efeito, no concernente aos formalismos atinentes à sua formulação, resulta, tão-só, da conjugação dos nºs 1, 4 e 6 que o pedido apresentado pelo SP ou a sua promoção pelos órgãos competentes tem de ser, devidamente, fundamentado, não estabelecendo qualquer destrinça, nem materialização, sendo certo que, o grau de exigência não poderá, naturalmente, ser o mesmo.

No concernente à concreta densificação da fundamentação atinente ao efeito, convocamos o Aresto deste Tribunal prolatado no âmbito do processo nº 610/12, de 08 de maio de 2019, com o qual concordamos, e que se transcreve, nos excertos que reputamos relevantes para o efeito:

“Com efeito, a norma do art.º 76/6 do CIMI, na sua previsão, refere-se tanto ao pedido (contribuinte), como à promoção (câmara municipal ou chefe de finanças – art.º76/1 do CIMI), nessa medida, cremos que a estatuída exigência de fundamentação visará, em primeira linha, a promoção, por poder redundar num acto lesivo do contribuinte conduzindo a um valor de avaliação superior ao que em 1.ª avaliação resultara da aplicação da fórmula do art.º 38.º e seguintes do CIMI (cf. art.º76/5 CIMI “…quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 /prct. do valor normal de mercado”).

No que respeita ao pedido formulado pelo contribuinte, a estatuída exigência de fundamentação tem de entender-se em termos mais restritos, desde logo, não contemplando a demanda probatória (“apresentação de documentação pertinente, nomeadamente, estudos de mercado, pareceres técnicos ou outros julgados relevantes” (…).

E nesta visão restritiva, que é a nossa, da preceituada exigência de fundamentação do pedido de 2.ª avaliação por distorção do VPT face ao valor normal de mercado do imóvel, a utilidade do preceito circunscrever-se-á à menção expressa do valor que o contribuinte entende corresponder ao normal de mercado do bem objecto de avaliação.

É que, a distorção do VPT face ao normal de mercado, tem de ser superior a 15% para justificar o afastamento, em 2.ª avaliação, da fórmula de avaliação prevista no art.º38.º e seguintes do CIMI e levar à aplicação do critério de avaliação previsto no art.º46/2 do Código (quando se trate de edificações, que é o caso).
Ora, como a comissão, na leitura que fazemos do art.º76/2 e 3 do CIMI, tem sempre (oficiosamente ou a pedido) de certificar-se de que o resultado da 1.ª avaliação observou a fórmula enunciada no art.º38.º, e não há erro nos cálculos ou na determinação dos coeficientes da fórmula de determinação do VPT, bem pode suceder que por virtude da eventual rectificação de erros de cálculo ou na aplicação da fórmula, a distorção do VPT face ao normal de mercado indicado pelo contribuinte baixe para uma percentagem inferior a 15%.

E sendo tal o caso, o trabalho da comissão termina logo ali, pois cessam os pressupostos de aplicação do critério especial, justificado por razões constitucionais de proporcionalidade, previsto no art.º46/2 do CIMI.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, uma vez tecidos os considerandos de direito que relevam para o caso vertente, vejamos, então, se existe o aduzido erro de julgamento na medida em que do requerimento de segunda avaliação não era possível retirar a alegação atinente ao desfasamento do valor de mercado.

Vejamos, então.

Ab initio, importa, desde já, relevar que à data da apresentação do requerimento de segunda avaliação, concretamente, 27 de setembro de 2007, ainda não estava em vigor o citado normativo 76.º, nº4, do CIMI o qual só entrou em vigor em 01 de janeiro de 2009, logo, como é bom de ver, a Recorrida não convocou, expressamente-como aduz a Recorrente- tal desfasamento e o concreto valor percentual, na medida em que ainda não existia consagração legal expressa nesse sentido. No fundo, não convocou tal normativo, nem, de resto, o podia fazer.

No entanto, à data da concretização da avaliação, concretamente, a 15 de maio de 2009, já o aludido normativo estava vigente na ordem jurídica, logo a avaliação poderia/deveria ter sido realizada de acordo com o aludido procedimento especial, em conformidade com o ajuizado pelo Tribunal a quo e que, ora, se valida.

Conforme doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 0765/09, de 18 de novembro de 2009:

“O facto de a nova redacção do artigo 76.º do Código do IMI apenas ter entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 não constitui obstáculo à sua aplicabilidade à segunda avaliação que venha a ser efectuada na sequência da anulação da sindicada nos presentes autos, pois que a norma em causa, relativa à segunda avaliação de prédios urbanos (cfr. a epígrafe do artigo 76.º do Código do IMI), é de cariz procedimental, logo é de aplicação imediata a menos que tal aplicação prejudique garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes (cfr. o n.º 3 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária), o que no caso não ocorre. (3)”

Assim, se à data da realização da segunda avaliação já estava em vigor tal normativo, e se, como visto, não constitui obstáculo a sua aplicabilidade ao caso vertente, então tendo presente que a mesma é requerida, particularmente, com fundamento de que o VPT na primeira avaliação se encontra desfasado do valor real de mercado do prédio urbano, a comissão de avaliação poderia/deveria ter realizado tal interpretação, ou no limite ter solicitado esclarecimentos quanto à sua concreta causa de pedir.

Aduza-se, em abono da verdade, que inversamente ao propugnado pela Recorrente, do teor do requerimento de segunda avaliação inferem-se alegações fáticas passíveis de enquadramento no citado normativo.

Senão vejamos.

Atentando no requerimento em apreço constata-se que a Requerente começa por descrever faticamente a situação, com expressão menção ao valor escriturado e ao valor de avaliação, relevando o seu desfasamento da realidade.

Convocando, desde logo, o erro na aplicação do coeficiente de localização fixado para a zona, sublinhando depois que “atendendo, não só à própria localização do lote como aos valores fixados para outras zonas homogéneas do município”, adensando, ainda, que “os critérios de autorização de loteamento são outros e bem diferentes dos que vigoram hoje, nomeadamente quanto ao índice de construção, à existência de zonas de equipamento e de lazer”, fazendo, depois, uma comparação com zonas específicas.

Apela, depois, à data da construção e à procura no mercado, relevando, para o efeito, que ainda existem diversas frações por vender, o que levou a uma “redução dos preços com recurso a um desconto financeiro” já implementado com as inerentes repercussões no valor atual do bem.

Concretizando, in fine, que “o prédio se insere num local onde existem no mercado centenas de apartamentos, a preços inferiores, à espera de comprador. Aliás praticados no local, foram profusamente anunciados na rádio comercial (TSF, RFM e RR), nos jornais de melhor referência (Expresso) e no local, através de outdoors e meios aéreos, nos anos de 2002 e 2003 (campanha da Ensul).”

Terminando, nessa medida, por propugnar que “tudo isto faz com que o valor patrimonial determinado se encontre desfasado da realidade, não correspondendo ao real valor do prédio em causa, que o declarado na escritura e no contrato promessa (arquivado na mesma). O que é sintomático de que o prédio em causa nunca poderia ser negociado pelo valor resultante da avaliação efectuada.”

Atribuindo, assim, como VPT reputado adequado e real o valor de €145.000,00.

Ora, face às alegações supra expendidas é possível retirar a alegação de que o VPT se encontra desfasado do valor do mercado, logo poderia/deveria a AT ter realizado uma avaliação de acordo com os aludidos pressupostos, até porque, não era exigível, à data da apresentação do requerimento de segunda avaliação uma fundamentação com outro tipo de rigor e com apelo a uma percentagem, à data, inexistente.

Note-se, ademais, que se dúvidas existissem quanto ao âmbito do aludido requerimento, as mesmas poderiam ser dissipadas mediante análise do teor do laudo do Perito da Recorrida, do qual dimana a expressa invocação de que o VPT “está desajustado ao valor do mercado” substanciando que os “preços praticados na urbanização em causa são inferiores” em percentagem que se cifra entre “os 15% e 30%”.

Pelo que, face aos considerandos expendidos anteriormente entende-se que é possível retirar a alegação do desfasamento do valor de mercado em cifra percentual superior à consignada na lei, inexistindo, assim, qualquer “substituição” por parte do Tribunal a uma “possibilidade de defesa do contribuinte”.

De relevar, outrossim, que do teor da presente petição inicial –e já ciente da exigência legal neste concreto particular-existe uma densificação pormenorizada de toda essa realidade fática, bastando, para o efeito, atentar nos artigos 18.º e 21.º nos quais se apela a uma errada uniformidade do valor unitário (m2), nos artigos 23.º e 24.º é, outrossim, materializada a distorção dos VPT face aos valores de mercado, com a inerente densificação nos artigos 25.º e 26.º da valorização do imóvel mais novo face ao mais antigo, concluindo, depois, nos artigos 37.º e seguintes, mediante convocação do Valor de Construção, que “deverão ser anulados os actos de fixação de valores patrimoniais impugnados, por resultarem superiores aos valores reais de mercado e desconformes com os normativos do CIMI e os constitucionais, já que os justos Vts a fixar nessa conformidade são os seguidamente calculados e concluídos (…) 111.810,00.”

Mais importa ter presente que, a prova pericial (4) dos autos foi consentânea com essa mesma desproporção, permitindo inferir esse mesmo desfasamento com o valor do mercado, tendo sido apurado um valor de €143.082,00, logo superior a 15% do VPT fixado, a saber, €169.410,00.

Com efeito do aludido relatório, e conforme ajuizado pelo Tribunal a quo, o apuramento foi fixado tendo em consideração o seguinte:
“- Fracção T:
1 . Custo do terreno e construção
Terreno: 125m2 x 300, 00€/m2 = 37.500, 00€
Área Coberta: 125m2 x 400, 00€/m2 = 50.000, 00€
Varandas: 32,2m2 x 200, 00€/m2 = 6.440, 00€ Estacionamento: 30m2 x 225,
00€/m2 =6.750, 00€
Fundações e cobertura: 7,5% x 50.000, 00€ = 3.750, 00€
Total - 104.440, 00€
2. Encargos técnicos, financeiros e comerciais (12%) - 12.532, 00€
3. Administração e lucros (25%) - 26.110, 00€
Valor Venal Total - 143.082,00€”.

Ademais, importa ter presente que a invocada distorção entre o VPT e o valor de mercado haveria já de relevar mesmo antes da consagração legal-a que vimos fazendo alusão- mediante manifestação e convocação do princípio da proporcionalidade, realidade, de resto, também convocada pela Recorrida.

Neste particular, chama-se à colação o doutrinado no Aresto do STA, prolatado no âmbito do processo nº 1131/11, de 02 de maio de 2012, no qual se sumariou que:

“I-Antes da nova redacção dada ao art. 76º, nº 4, do CIMI, pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, o desvalor entre o valor patrimonial tributário e o valor de mercado podia servir de fundamento à anulação da segunda avaliação, enquanto manifestação ou refracção do princípio da proporcionalidade, em especial, nas suas dimensão da adequação e da proibição do excesso;

II - O princípio da proporcionalidade funcionaria como válvula de escape de modo a permitir fundamentar a ilegalidade da actuação da Administração fiscal na determinação do valor patrimonial, colmatando de alguma forma a injustiça resultante da aplicação exclusiva e isolada dos critérios fixados no art. 45º do CIMI, devendo para o efeito este preceito ser interpretado em conjugação com o disposto nos arts. 266º, nº 2, da CRP e 55º da LGT.”

De relevar, in fine, que não se perceciona o alcance do aduzido em i), porquanto o objeto imediato da presente impugnação judicial é o resultado da segunda avaliação, donde, a concreta ilegalidade da sua fixação, inexistindo, assim, qualquer apreciação da legalidade de atos de liquidação, mormente, de IMI. Com efeito, o que a Recorrida pretendia era a anulação das referidas avaliações-aliás único pedido compaginável num processo de impugnação judicial-desiderato que conseguiu, razão pela qual não se alcança a aludida alegação.

O mesmo se diga quanto ao propugnado relativamente ao método apresentado pelo relatório pericial, desde logo, porque o método do custo é o consignado na letra da lei para este efeito, conforme resulta da expressa remissão plasmada no artigo 76.º, nº3 do CIMI, para as regras constantes no artigo 46.º, nº2 do CIMI. Logo, em nada pode relevar, neste e para este efeito, a aduzida falta de comparabilidade, e o facto de inclusive não ser, perfeitamente, consentâneo com o valor da escritura, quando, de resto, até nos encontramos perante um diferencial de tão diminuta expressão. Ademais, in casu, importava, tão-só, demonstrar a ilegalidade do método de cálculo do valor patrimonial por forma a concluir pela ilegalidade do ato de fixação do VPT, cominando-o de anulabilidade, o que, como visto, sucedeu (5).

Ora, face ao supra expendido, ter-se-á de concluir que contrariamente ao advogado pela Recorrente na segunda avaliação, impugnada, era de aplicar o regime consignado no artigo 76.º, nº4, do CIMI, logo o VPT apurado pela AT enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo, nessa medida, ser anulado conforme peticionado pela Recorrida e decretado pelo Tribunal a quo, com todas as legais consequências.



***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 10 de março de 2022

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Luísa Soares)


____________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
(2) Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2016, página 186.
(3) No mesmo sentido vide, designadamente, Aresto do STA, prolatado no processo nº 0301/12, de 23.05.2012.
(4) No atinente à relevância da prova pericial neste concreto particular, vide Aresto do TCA Norte, proferido no processo nº 00118/09.4BEVIS, de 29.03.2012 e também o doutrinado por Jorge Lopes de Sousa, CPPT, Vol. II, 6ª ed., pág. 267 e 268 em anotação ao artigo 116.º
(5) Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01461/17, de 31.01.2018.