Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:118/04.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/24/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:IRC
PROVISÕES
CUSTOS
VALOR PROBATÓRIO DO RIT
Sumário:I - Se a AT desconsiderou determinadas provisões, em sede inspetiva, centrada no facto de o crédito não ter sido reclamado judicialmente, nada referindo quanto ao alegado em sede de direito de audição no tocante ao facto de se tratar de crédito em mora em relação ao qual foram efetuadas diligências para o seu recebimento, mas nunca o tendo posto em causa, verifica-se que a correção padece de erro sobre os pressupostos.
II - O disposto no art.º 76.º, n.º 1, da LGT não significa que, em sede judicial, o contribuinte não possa pôr em causa a factualidade apurada em sede inspetiva, provando a ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 13.10.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por T…, Lda (doravante Recorrida ou Impugnante, entretanto fundida na sociedade H…, Lda), que teve por objeto o indeferimento das reclamações graciosas deduzidas que versaram sobre os atos de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida nos autos identificados que julga parcialmente procedente, e quanto ao segmento julgado procedente, a impugnação deduzida pelo Impugnante T…, LDA. contra o indeferimento das reclamações graciosas deduzidas contra os actos de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998, com o valor a pagar, respectivamente, de € 26.271.49 e de € 7.499.40.

B. Discorda a Fazenda Pública, com o devido respeito, do entendimento sufragado na douta sentença, e com o mesmo não se conforma, na parte julgada procedente, porquanto procede a uma errónea apreciação dos factos pertinentes para efeitos de decisão, com consequente inadequado enquadramento jurídico, na parte julgada procedente e referente à provisão para créditos em contencioso constituída pela Impugnante quanto ao cliente S… Lda. (1998), pelo montante de € 4.516,33, e aos custos não dedutíveis referentes a encargos com seguros de automóveis (1997 e 1998). no montante de € 14.588.69 e de € 11.443.94.

C. Do disposto no da alínea a) do n.° 1 do artigo 33.°, dos n.°s 1 e 2 artigo 34.° e do artigo 37.° do Código do IRC, conjugados com o n.° 1 do artigo 18.° do Código do IRC, resulta que a constituição de provisões para cobertura de créditos de cobrança duvidosa é imputável ao exercício em que se verifica o risco de incobrabilidade e não ao exercício em que os créditos entraram em mora, ou em que a mora constituída ultrapassou os seis meses.

D. Mais resultando que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado, elevando o encargo a custo dedutível, quando em causa créditos que tenham sido comprovadamente reclamados judicialmente, conforme transcrita alínea b) do n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC.

E. Do relatório de inspecção resultaram correcções à matéria colectável para o exercício de 1998 decorrentes da desconsideração como custo admissível fiscalmente de provisão constituída pela Impugnante quanto ao cliente S… LDA., no montante de € 4.516,33, a qual foi qualificada e contabilizada pela Impugnante como provisão para crédito em contencioso nos termos da alínea b) do artigo 34.° Código do IRC - cf. alínea k) do probatório da douta sentença.

F. Efectivamente, conforme consta do relatório de inspecção tributária, informou a Impugnante em sede de procedimento inspectivo que o crédito em questão se tratava de crédito em contencioso, de acordo com listagem elaborada pelo sujeito passivo, demitindo-se a Impugnante de comprovar que tinha sido o crédito em análise reclamado judicialmente, e mais invocando ter sido o crédito pago de acordo com cartas de advogado que apresentou - cf. alínea K) do probatório da douta sentença e anexo III do RIT;

G. E do anexo III do relatório, que a douta sentença parcialmente transcreve na alínea L) do probatório, decorre ter ocorrido regularização de dívida, contudo, não resulta quando tenham sido as diligências encetadas nesse sentido, bem como não resulta temporalmente situado o risco de incobrabilidade do crédito, pois que nos confrontamos tão só com missiva referente a dívida do cliente em análise datada de Março de 1999.

H. Deste modo, contabilizada a provisão como provisão para crédito em contencioso à luz do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC, e pelo valor global do crédito, em conformidade com tal norma, verificamos que, como resulta do relatório de inspecção, não se mostravam reunidos os requisitos legalmente exigidos por não reclamado o crédito judicialmente.

I. Por outro lado, apelando ao disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC, constatamos exigir a norma que esteja demonstrado o risco da incobrabilidade, tendo por referência determinado período temporal, e que seja ademais determinado o período referente à constituição em mora do crédito em questão, de forma a determinar-se o montante anual acumulado permitido à luz do disposto em tal alínea c).

J. Estes requisitos não se mostram cumpridos no caso sub judice, nem do probatório resultam factos, que extravasem as referidas cartas de advogado, constantes da alínea L) do probatório, que permitam sustentar estarmos perante créditos em mora há mais de 24 meses, cujo risco de incobrabilidade materializado nas diligências encetadas com vista à recuperação do crédito ocorreu no exercício de 1998.

K. Deste modo, a provisão para crédito em contencioso constituída pela Impugnante em 1998 não se constitui à luz dos normativos legais aplicáveis como custo fiscalmente admissível: I) porquanto não é crédito reclamado judicialmente, e por isso não enquadrável na alínea a) do n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC, como reclamado pela Impugnante primeiramente; II) e não é igualmente crédito que se enquadre na alínea c) do n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC, por não demonstrados os pressupostos de facto em que assenta a sua consideração fiscal.

L. Ademais, se o risco de incobrabilidade tivesse decorrido em 1998, conforme alegado pela Impugnante, à Impugnante caberia demonstrar, nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 74.° da LGT, a efectividade em tal exercício do custo enquanto provisão para créditos de cobrança duvidosa, e não o tendo feito contra si terá de ser valorada a ausência de factos que permitam sustentar tal entendimento.

M. E, como referido, só são admissíveis para efeitos fiscais as provisões para créditos de cobrança duvidosa nas condições referidas no n.° 1 do artigo 33.° e n.° 1 do artigo 34.° do Código do IRC, nas percentagens previstas no n.° 2 do artigo 34.° do Código do IRC, precisamente em obediência ao princípio contabilístico da prudência conjugado com o princípio da especialização dos exercícios.

N. E é em tais termos que a alínea h) do n.° 1 do artigo 23.° do Código do IRC prevê que as provisões sejam consideradas custo do exercício: fiscalmente dedutíveis nos termos do artigo 34.° do mesmo diploma legal, e imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios previsto no aludido artigo 18.° do Código do IRC.

O. Pelo que, incorreu o Tribunal a quo, no segmento em questão, em erro de julgamento de facto, com consequente violação do disposto no n.° 1 do artigo 33.° do Código do IRC e do n.° 1 e 2 do artigo 34.° do Código do IRC, bem como do artigo 37.° do Código do IRC, conjugado com a alínea h) do n.° 1 do artigo 23.° e o n.° 1 do artigo 18.° do mesmo diploma legal.

P. Mais considerou a douta sentença com referência a encargos contabilizados pela Impugnante referentes a seguros automóveis e aos exercícios de 1997 e de 1998 a impugnação procedente, admitindo-os como custos fiscalmente admissíveis à luz do artigo 23.° do Código do IRC, com fundamento nos factos constantes das alíneas S) e T) do probatório, os quais se configuram contraditórios face aos factos que decorrem do procedimento inspectivo patentes nos relatórios de inspecção tributária e documentos anexos, os quais porque constantes de informações oficiais prestadas pela inspecção tributária e constantes do probatório, fazem fé nos termos da lei, constituindo-se como meio de prova ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 76.° da LGT e artigo 115.° do CPPT.

Q. Com efeito, decorre dos relatórios de inspecção tributária, conforme alíneas G) e H), K) e L) dos factos assentes, e com referência a tais custos relativos a encargos com seguros automóveis de que eram beneficiários trabalhadores da empresa que: i) nem todos os funcionários que necessitavam de se deslocar no âmbito do exercício das suas funções, como vendedores e técnicos que efectuavam assistência, tinham direito a um benefício que se destinava a pagar parte do seguro automóvel; ii) nem foi o benefício, com referência a cada um dos trabalhadores devidamente contextualizado, tendo em conta a alegada e não demonstrada variação entre 40% e 80% do pagamento do prémio do seguro decorrente de norma desconhecida da Administração, aplicável a apenas a parte dos funcionários e não todos, com pretenso fundamento no exercício de funções que outros exerciam do mesmo modo sem que lhes fosse atribuído benefício algum.

R. E, não sendo o benefício uniforme e não existindo um critério que permita determinar os factores em que assenta a atribuição do mesmo a uns trabalhadores e a sua não atribuição a outros, sendo certo que estes outros trabalhadores, fazem igualmente com o seu veículo próprio deslocações ao serviço da empresa, não pode tal custo referente a bens que não são imobilizado da Impugnante e cuja documentação de suporte se encontra titulada por terceiros, ser considerado como custo indispensável à obtenção dos proveitos.

S. Deste modo, ao facto assente constante da alínea S) do probatório não pode ser atribuída a relevância probatória atribuída pela douta sentença, porquanto manifestamente contraditado pelos documentos constantes dos autos, apresentados pela própria Impugnante, onde se incluem os registos contabilísticos pela mesma efectuados com referência à matéria em análise.

T. Atento o exposto, é entendimento da Fazenda Pública que, não estabelecido o nexo causal entre os custos em questão e os proveitos, directos ou indirectos, mediatos ou imediatos, tendo em conta a natureza das despesas em apreço nos autos, que permita afirmar a indispensabilidade do custo, não podem ser elegíveis tais encargos como custos fiscalmente admissíveis nos termos do n.° 1 do artigo 23.° do Código do IRC, e impendendo sobre a Impugnante, duvidando a AT fundadamente, o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário, o que não sucedeu.

U. Atento o exposto, incorreu a douta sentença em errónea apreciação dos factos pertinentes, conforme exposto, com consequente erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 23.° do Código do IRC.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento improcedente da impugnação, nos segmentos referidos, com as legais consequências. Sendo que V. Exas., Decidindo, farão a Costumada Justiça.”

A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

“A. Os artigos 33.° e 34.° do CIRC fixam os contornos do regime de constituição das provisões suscetíveis de funcionarem como custos em cada exercício e de serem, por tal motivo, fiscalmente dedutíveis.

B. A alínea a) do n.° 1 do artigo 33.° considera provisões fiscalmente dedutíveis “as que tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”, o n.° 1 do artigo 34.° dá-nos uma definição de créditos de cobrança duvidosa, para cuja cobertura podem ser criadas provisões, que “são aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado”, apontando-se, de seguida, três núcleos de situações/casos em que se verifica o relevante “risco de incobrabilidade”.

C. Nos termos do disposto na alínea c), existe risco de incobrabilidade justificado, quando “os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento”.

D. É entendimento jurisprudencial pacífico no sentido de que as alíneas a), b) e c) do n.° 1 do artigo 34.° são normas alternativas e não cumulativas.

E. A constituição e tratamento de provisões para créditos de cobrança duvidosa tem, necessariamente, ainda, de conformar-se com outros princípios e regras básicas de funcionamento do quadro legal do IRC, com destaque para o princípio da especialização dos exercícios (cf. artigo 18.°, n.° 1, do CIRC) e a regra da organização da contabilidade de acordo com a normalização contabilística (cf. artigo 17.°, n.° 3, alínea a) do mesmo CIRC).

F. A forma específica e legal de tratar os custos derivados da existência de créditos de cobrança duvidosa é a criação de provisões no exercício em que esses apresentam um risco de incobrabilidade oportunamente justificado pelas coordenadas avançadas no artigo 34.° CIRC.

G. Em relação ao exercício de 1998, a Impugnante efetuou prova que encarregou um “gabinete de advogado” de fazer diligências no sentido de cobrar a dívida, em observância do disposto no artigo 34.°, n.° 1, alínea c) do CIRC, encontrando-se os montantes em causa devidamente evidenciados na contabilidade, o que nem sequer é posto em causa pela AT, nem, aliás, que, em 1998, o crédito estava em mora há mais de seis meses, pelo que tal diligência não podia deixar de ter sido reputada como um indício objetivo, sério, expressamente previsto na lei, de que a Impugnante havia, justificadamente, considerado o crédito como em risco de não ser cobrado, pelo que, era imperioso, em tal exercício, contabilizar a competente provisão.

H. Não é relevante para afastar a constituição da provisão o único e exclusivo argumento de que “não foi comprovado de uma forma inequívoca que este crédito tenha sido reclamado judicialmente”, por a alínea c) do n.° 1 do artigo 34.° do CIRC não exigir tal reclamação judicial, sendo apenas relevante a realização de diligências adequadas à cobrança do crédito e nada mais, de acordo com a citada norma legal.

I. O montante em causa deve constituir um custo dedutível, nos termos do artigo 33.°, n.° 1, alínea a) do CIRC.

J. Houve erro por parte da AT, na concretização da liquidação referente ao exercício de 1998, na medida em que se mostra influenciada pela não aceitação da provisão constituída para créditos de cobrança duvidosa, o que confere, à Impugnante, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.° da LGT.

K. Face ao exposto, o presente Recurso deverá ser considerado improcedente quanto a esta matéria e, consequentemente, deverá ser mantida a sentença recorrida.

L. Quanto aos encargos contabilizados referentes a seguros automóveis, entende a Fazenda Pública que o que consta do Relatório de Inspeção Tributária prevalece quanto ao que ficou provado em audiência.

M. As conclusões do Relatório de Inspeção Tributária não fazem prova nos presentes autos, tendo o tribunal, (e bem!) apurado os factos com os elementos de prova carreados ao processo. Senão vejamos.

N. Nos termos do disposto no artigo 23.° do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, seguindo-se, na previsão legal, uma enumeração exemplificativa dos mesmos.

O. Se um gasto não está comprovado ou não é indispensável, então, não integra a previsão normativa do n.° 1 do artigo 23.°, do CIRC, podendo ser, por esta via, fiscalmente desconsiderado.

P. Relativamente ao requisito da efetiva existência do gasto, para que do mesmo se possa aferir em sede de IRC é preciso que esteja suficientemente documentado/comprovado, dando-se cumprimento ao disposto no n.° 1 do artigo 23.°, do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente".

Q. O artigo 42.°, n.° 1, alínea g) do CIRC (na redação vigente à data dos factos), determinava a não consideração dos custos “não devidamente documentados”.

R. Do teor dos RIT’s, o normativo convocado para legitimar as correções foi o artigo 23.° do CIRC e o pressuposto colocado em crise para efeitos de dedutibilidade fiscal assentou na falta de prova da indispensabilidade dos aludidos custos, sendo que a questão do ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (cf. artigo 75.°, n.° 1, da LGT), pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada, mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do referido artigo 23.° do CIRC.

S. Não estando em causa as viaturas em si (nem a sua propriedade) mas as despesas de seguro a elas associadas, cuja relação com a atividade é objeto de controlo ao nível do artigo 23.° do CIRC, não podemos deixar de concluir pela improcedência do argumento a AT, vertido nos RIT’s, quanto a que as viaturas não pertencem ao imobilizado da empresa e as apólices dos seguros não se encontram em nome da empresa mas sim em nome dos funcionários.

T. Ao invés, a AT questionou validamente a indispensabilidade com base em que houve funcionários que não apresentaram quilómetros e aos quais foi pago parte do seguro automóvel e houve funcionários que apresentaram folhas de deslocação de quilómetros e aos quais não foi pago qualquer valor da apólice do seguro.

U. O que se afigura decisivo e resulta das últimas duas letras do probatório, é que os trabalhadores que tinham carro próprio ao serviço da empresa e que necessitavam de se deslocar no âmbito do exercício das suas funções, como vendedores e técnicos que efetuavam assistência, tinham direito a um benefício que se destinava a pagar parte do seguro automóvel, que variava entre 40% a 80%, segundo norma emanada pela Administração e, bem assim, que houve trabalhadores que, no período em causa, deixaram de exercer esse tipo de funções.

V. O que releva, para o direito fiscal, é o apuramento da efetiva realidade, relevante para efeitos de tributação.

W. A AT só deve desconsiderar como custos fiscais os que, claramente, não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo intrometer-se na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa.

X. Não tendo sido colocada em causa a efetividade das aludidas despesas, baseando-se as mesmas em documentos internos, tendo o procedimento sido confirmado por prova testemunhal produzida nos autos e assumindo, como resulta óbvio, um propósito empresarial, restou concluir que as mesmas são indispensáveis para a obtenção de proveitos.

Y. As liquidações impugnadas padecem, pois, de ilegalidade por errada desqualificação de tais custos como dedutíveis, nos termos do artigo 23.° do CIRC.

Z. Não padecendo a sentença recorrida de qualquer vício ou erro de julgamento, deve o presente Recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.

Nestes termos e nos demais de Direito, requer a V. Exa. que as presentes alegações sejam admitidas e dadas como provadas, considerando improcedente o Recurso apresentado pela Fazenda Pública, mantendo assim a douta sentença recorrida.”

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de não ter ficado provado nem o momento do risco de incobrabilidade nem o momento de entrada em mora do crédito em causa?

b) Verifica-se erro de julgamento, quanto aos custos com seguros automóveis, dado a factualidade assente contrariar o que resultou da inspeção tributária e os mesmos não se revelarem indispensáveis?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. A Impugnante adquiriu em 14 de Abril de 1989, pelo preço de 42.000.000$00, o prédio urbano sito na Rua de …………, n.° ……., Freguesia da ……., em Lisboa, descrito na Quarta Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ….. do Livro ….., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S… sob o art.° 7…., com o valor patrimonial de Esc. 1.158.840$00 (cf. doc. 16, junto com a p. i., a fls. 128 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Em 30 de Abril de 1992, foi emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a “Licença de Obras para Demolição do Núcleo Anterior” n.° 1……, referente ao imóvel em causa (cf. doc. 8, junto com a p. i., a fls. 136 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. A licença de obras referida na letra anterior foi prorrogada, nos termos da licença n.° 1…., até 3 de Agosto de 1992 (cf. doc. 9 junto com a p. i., a fls. 139 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 10 de Maio de 1994, a Câmara Municipal de Lisboa remeteu à Impugnante Ofício, no qual consta que o requerimento relativo ao pedido de renovação da licença de reconstrução iria ser indeferido “em virtude de ter caducado a licença inicial - dado que as obras de remodelação não foram iniciadas após a realização da demolição -, tendo ficado paradas por um período superior a 15 meses” (cf. doc. 11 junto com a p. i., a fls. 144 e 145, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 16 de Dezembro de 1994, a Impugnante alienou o imóvel referido, pelo preço de 35.000.000$00 (cf. doc. 12, junto com a p. i., a fls. 146 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. A Impugnante apresentou junto deste Tribunal impugnação judicial da liquidação do IRC de 1994, que correu termos sob o n.° 8……/2000, tendo na mesma sido proferido acórdão pelo TCA Sul de 11 de Julho de 2006 que não conheceu do mérito do recurso, declarou prescrita a dívida e julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (cf. p. i. a fls. 217 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. junto a fls. 252 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna da declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 1997, conforme Relatório de Inspecção Tributária (RIT) elaborado em 8 de Março de 2001, com o seguinte teor essencial (cf. doc. 4, junto com a p. i. a fls. 43 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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H. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos Anexos I a VIII ao RIT referido na letra anterior, constantes de fls. 56 e segs., a saber:

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I.Em 4 de Abril de 2002, foi, sobre o RIT e parecer dos serviços, proferido despacho, ambos com o seguinte teor essencial (cf. doc. 4, junto com a p. i. a fls.43 e segs.):

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J. A Impugnante foi notificada da liquidação n.º 83…………, respeitante a IRC relativo ao ano de 1997, efectuada a 7 de Junho de 2002, no valor de € 26.271,49 (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fl. 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. A Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção interna da declaração de rendimentos modelo 22 relativa ao exercício de 1998, conforme RIT elaborado em 8 de Março de 2002, com o seguinte teor essencial (cf. doc. 13, junto com a p.i. a fls. 151 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

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L. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos Anexos I a VI ao RIT referido na letra anterior, constantes de fls. 164 e segs., a saber:

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M. Em 4 de Abril de 2002, foi, sobre o RIT e parecer dos serviços, proferido despacho, ambos com o seguinte teor essencial (cf. doc. 13, junto com a p. i. a fls. 151 e segs.):

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N. A Impugnante foi notificada da liquidação n.° 83…….., respeitante a IRC relativo ao ano de 1998, efectuada a 7 de Junho de 2002, no valor de € 7.499,40 (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fl. 31, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

O. Em 31 de Julho de 2002, a Impugnante efectuou o pagamento da quantia de € 33.770,89, respeitante às liquidações referidas nas letras J e N supra (cf. doc. 5, junto com a p. i., a fl. 127, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

P. Em 29 de Outubro de 2002, a Impugnante apresentou reclamações graciosas contra as mesmas liquidações (cf. fls. 4 e segs. e 125 e segs. do procedimento de reclamação graciosa constante do PAT apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. 3, junto com a p. i. a fls. 32 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Q. As reclamações graciosas referidas na letra anterior foram indeferidas por despacho de 10 de Fevereiro de 2003 do Director de Finanças Adjunto, com o seguinte teor essencial (doc. 3, junto com a p. i. a fls. 32 e segs.):

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R. Em 29 de Junho de 2004, a Impugnante enviou a juízo a p. i. da presente impugnação judicial (cf. carimbo aposto a fl. 198, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

S. Os trabalhadores que tinham carro próprio ao serviço da empresa e que necessitavam de se deslocar no âmbito do exercício das suas funções, como vendedores e técnicos que efectuavam assistência, tinham direito a um benefício que se destinava a pagar parte do seguro automóvel, que variava entre 40% a 80%, segundo norma emanada pela Administração (cf. depoimento da testemunha inquirida, que depôs com isenção e credibilidade e revelando ter conhecimento directo dos factos, atentas as funções que desempenhava à data);

T. Houve trabalhadores que, no período em causa, deixaram de exercer esse tipo de funções (Idem)”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção do tribunal nos documentos constantes dos autos e PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e no depoimento da testemunha inquirida, Contabilista da Impugnante, que confirmou, sem hesitações, o invocado pela Impugnante na p. i. no que respeita ao benefício atribuído como “Seguro automóvel”, tal como referido em cada letra do probatório (cf. ainda acta referida no ponto I supra)”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento, quanto às provisões por créditos de cobrança duvidosa

Considera a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante à correção relativa à provisão atinente à sociedade S…, Lda, na medida em que não ficou provado nem o momento do risco de incobrabilidade nem o momento de entrada em mora do crédito em causa.

Vejamos então.

Para cabal apreciação do vício alegado, cumpre, antes de mais, fazer um breve enquadramento atinentes às provisões.

As provisões “… são registos contabilísticos de verbas destinadas a fazer face a um encargo imputável ao exercício, mas de comprovação futura, ou já comprovado mas de montante incerto”(1), refletindo o respeito por dois princípios caraterizadores das normas contabilísticas: o princípio da prudência e o princípio da especialização dos exercícios.

O princípio da prudência determina que sejam acauteladas consequências futuras decorrentes de determinados eventos, através de estimativas exigidas em condições de incerteza.

Como referido por Rui Duarte Morais(2), “[t]al como uma pessoa cautelosa (…) põe antecipadamente de lado dinheiro necessário para (…) satisfazer [a despesa previsível], também uma empresa previdente deve preservar certa fracção dos seus resultados para se precaver contra perdas que reputa de prováveis”.

Já o princípio da especialização dos exercícios determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

Significa a consideração de tal princípio, no caso da constituição de provisões por créditos de cobrança duvidosa, que estas só podem ser consideradas como custo fiscal do exercício no qual os créditos em causa foram considerados como sendo de cobrança duvidosa e como tal contabilizados(3), não sendo, pois, relevante ou decisivo, a este propósito, o momento em que o crédito entre em mora(4).

Assim, as provisões, aliando o princípio da prudência com o da especialização dos exercícios, visam acautelar eventos futuros de ocorrência provável.

Nos termos do art.º 23.º, n.º 1, al. h), do Código do IRC (CIRC – redação vigente à época), as provisões poderiam ser consideradas como custos fiscais, nos termos ali consignados.

O regime das provisões encontrava maior desenvolvimento nos art.ºs 33.º e ss. do mesmo código.

Assim, desde logo, o art.º 33.º do CIRC enunciava, taxativamente, o elenco de provisões fiscalmente dedutíveis, constando, desde logo, da al. a) do seu n.º 1 a possibilidade de dedução de provisões que “… tiverem por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade”.

É ainda de chamar à colação o disposto no art.º 34.º do CIRC, no qual se definiam os termos em que deveriam ser constituídas as provisões para créditos de cobrança duvidosa, ou seja, as situações em que o risco de incobrabilidade se considera devidamente justificado.

Assim, nos termos da mencionada disposição legal:

“1 - Para efeitos da constituição da provisão prevista na alínea a) do nº 1 do artigo anterior, são créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verificará nos seguintes casos:

a) O devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa e proteção de credores ou processo de execução, falência ou insolvência;

b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente;

c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

2 - O montante anual acumulado da provisão para cobertura dos créditos referidos na alínea c) do número anterior não poderá ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25% para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50% para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75% para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100% para créditos em mora há mais de 24 meses”.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, apresenta-se como relevante atentar na fundamentação subjacente à correção. Com efeito, compulsado o relatório de inspeção tributária (RIT), respeitante ao exercício de 1998, verifica-se que a administração tributária (AT) se centrou, exclusivamente, no facto de o crédito em causa não ter sido reclamado judicialmente. Aliás, em sede de audição prévia, a Impugnante refere a data de entrada em mora do crédito em causa e, bem assim, a existência das diligências com vista à respetiva cobrança (que, aliás, se revelaram frutíferas), explicando, pois, que não chegou a ser reclamado judicialmente o crédito em causa. Face a esta alegação, que a AT nunca põe em causa, é apenas reiterado o argumento de que o crédito não foi reclamado judicialmente.

Ora, como resulta do n.º 1 do art.º 34.º do CIRC, a circunstância de um determinado crédito não ter sido reclamado judicialmente não é impeditiva da sua consideração como crédito de cobrança duvidosa, dado que tal disposição legal consagra duas outras situações passíveis de fundar tal consideração.

Portanto, em sede de RIT, onde reside a fundamentação do ato impugnado, a AT incorreu em erro nos pressupostos, ao insistir no facto de o crédito não ter sido reclamado judicialmente, mesmo depois de a Impugnante ter explicado que o crédito entrou em mora a 06.08.1996 e que houve diligências feitas pelo advogado, que vieram a surtir efeito em 1999 e tendo juntado elementos documentais a esse propósito.

Tal erro sobre os pressupostos é suficiente para se considerar não assistir razão à Recorrente, que vem agora apelar a pressupostos que não foram postos em causa em momento oportuno, ou seja, em sede de inspeção tributária, não obstante terem sido nesse mesmo procedimento trazidos à colação pela Impugnante.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, no que respeita aos custos com seguros automóveis

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante às correções atinentes aos custos suportados com seguros automóveis, nos exercícios de 1997 e 1998, entendendo, por um lado, que os factos S) e T) contrariam o que resulta dos RIT (que, por seu turno, fazem fé), e que, por outro, os custos em causa não se revelaram indispensáveis, atento o disposto no art.º 23.º do CIRC.

Vejamos então.

In casu, as correções a apreciar centraram-se, exclusivamente, na violação do disposto no art.º 23.º do CIRC.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º, n.º 1, do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Decorre, pois, que entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.

No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente”(5).

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal(6).

Como referido por António Moura Portugal(7), “… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);

¾ No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”(8).

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.

A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal)(9), abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.

Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade(10), sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição(11).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

In casu, como referido pelo Tribunal a quo, nunca foi posta em causa a efetiva existência dos custos e, bem assim, o seu suporte documental interno. Refira-se que o facto de os automóveis não serem do imobilizado da Impugnante e, consequentemente, de os seguros estarem em nome dos trabalhadores, per se, não é suscetível de afastar um custo ao abrigo do art.º 23.º do CIRC [cfr. neste sentido o Acórdão deste TCAS, de 26.01.2017 (Processo: 20006/16.7BCLSB)], desde logo porque nunca foi de modo algum posto em causa que o mesmo custo foi suportado. Aliás, a efetiva existência de um custo pode ser comprovada por qualquer documento e até por meios complementares de prova documental e testemunhal(12).

A correção centrou-se no facto de, por um lado, os automóveis em relação aos quais foi suportado o seguro não fazerem parte do imobilizado da Impugnante, argumento esse a que já nos referimos, e, por outro, da circunstância de o benefício concedido aos trabalhadores não ser uniforme e não existir um critério uniforme em que assenta a sua atribuição.

Antes de apreciarmos o alegado pela Recorrente, cumpre sublinhar que o disposto no art.º 76.º da Lei Geral Tributária (LGT) não tem o alcance que lhe retira a FP.

Concretizando.

Nos termos do art.º 76.º, n.º 1, da LGT, “[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”.

Este regime abrange os factos apurados pela AT, desde que devidamente fundamentados.

Tal regime não significa, porém que, em sede judicial, o contribuinte não possa pôr em causa tal factualidade, provando a ocorrência de erro sobre os pressupostos de facto.

Como tal, o alegado pela Recorrente não tem o alcance pela mesma extraído.

Posto isto, resultou provado (e não foi impugnado pela Recorrente) que a Administração da Impugnante emanou uma diretriz, no sentido de que os trabalhadores com funções de vendedores e de técnicos assistentes e que, por força dessas funções, tinham de utilizar o seu próprio carro ao serviço da empresa, tinham direito a parte do pagamento do seguro automóvel. A circunstância de nem todos os trabalhadores usufruírem deste benefício está justificada pela circunstância de estar associado a trabalhadores que tinham específicas funções, que implicavam a utilização de automóvel. A circunstância de haver trabalhadores que apresentaram quilómetros e a quem não foi pago o seguro ficou explanada, pelo facto de ter havido trabalhadores que, nos exercícios em causa, deixaram de exercer as funções já mencionadas. Aliás, tal foi alegado e documentalmente sustentado em sede de exercício do direito de audição, nada tendo a AT dito a esse propósito, limitando-se a reiterar o que já dissera.

Assim sendo, considera-se cabalmente demonstrada a indispensabilidade dos gastos em causa, motivo pelo qual não assiste razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 24 de março de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


_____________________________
(1) Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 119. V. igualmente o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 04.09.2013 (Processo: 0164/12) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.07.2006 (Processo: 01095/06). Cfr. ainda J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 402.
(2) Ob. cit., p. 119.
(3) V., a este propósito, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 29.10.2014 (Processo: 0666/13) e de 30.04.2003 (Processo: 0101/03) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25.04.2004 (Processo: 04778/01).
(4) Cfr. Rui Duarte Morais, ob. cit., pp. 125 e 126.
(5) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
(6) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
(7) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
(8) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
(9) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
(10) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
(11) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).
(12) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.