Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04554/08
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:02/26/2015
Relator:CRISTINA DOS SANTOS
Descritores:MUTAÇÕES DOMINIAIS – ESTRADAS NACIONAIS/REGIONAIS – PNR/85
Sumário:1.O Plano Rodoviário Nacional instituído pelo DL 380/85 de 26.9 (PNR/85) não contém nenhuma habilitação legal legitimadora e suficientemente densificada que permita à Administração proceder a mutações dominiais do domínio público estadual rodoviário para o domínio público autárquico, concretamente no que tange às estradas que integram a rede complementar - outras estradas.

2. A fonte habilitante de actuação administrativa em matéria de mutação dominial rodoviária consta do PNR/2000, aprovado pelo DL 222/98 de 17.07 (que revogou o PNR/85).

3.Na versão dada ao artº 14º do DL 222/98 de 17.07 pela Lei 98/99 de 26.06, o PNR/2000 remete a regulação das estradas municipais para diploma próprio e regula expressamente a mutação dominial das estradas regionais do domínio público estadual para o domínio público autárquico mediante dois requisitos formais: (i) protocolo a que se refere o artº 13º nº 1 DL 222/98 para as estradas não incluídas no PNR e (ii) despacho do ministro da tutela do sector rodoviário, cfr. artº 13º nº 2 DL 222/98 na redacção da Lei 98/99.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município de Ourém, com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria dela vem recorrer, concluindo como segue:

A. Na dita sentença, o Senhor Juiz a quo cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto e erro de julgamento sobre o julgamento sobre a matéria de direito.
B. O Senhor Juiz a quo cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não dar como provados factos alegados pelo A e não impugnados pelos RR, ao pronunciar-se sobre matéria de facto não alegada pelas partes e ao errar sobre a qualificação jurídica do Acordo de Colaboração referido no ponto 1 do probatório e do auto de transferência de 1993 referido no ponto 2 do probatório, reconhecendo-lhes eficácia jurídica para operar a transferência dominial da estrada nacional ., ………………., da esfera do Estado para a esfera do Município ora Recorrente e violando, assim, os artigos 264º nº 2, e 490.º, nº 2, ambos do CPC, e o artigo 84.º, nº 2, da CRP. Com efeito,
C. Por não terem sido objecto de verdadeira e própria impugnação, dado que os RR. não tomaram posição definida perante os mesmos, devem ser dados por provados os factos alegados pelo A., ora Recorrente, nos artigos 16.º, 40.º, 54.º e 59.º a 73.º da P. I. e documentos neles referidos. Mais:
D. Por não terem sido expressamente impugnados pelos RR, ora Recorridos, e por não resultarem total ou parcialmente impugnados em face do teor das doutas Contestações oferecidas pelos RR., devem ser dados por provados todos os factos alegados pelo A., ora Recorrente, nos artigos 15.º, 17.º a 40.º, 41.º a 53º, 55.º a 58.º, 60º e 61.º da P. I. e nos documentos neles referidos.
E. Embora se diga, no artigo 83.º da douta Contestação da Ré, Estradas de Portugal, S. A., que os factos alegados naqueles artigos da PI vão expressamente impugnados, o certo é que a Ré não tomou posição definida perante os factos neles alegados, como era seu ónus, nos termos do n.º 1 do artigo 490º do CPC. Aliás,
F. Os factos alegados nos artigos 55.º a 63.º da P. I. são claramente admitidos pelo co-Réu, Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, quando, ao encerrar a sua Contestação, admitiu expressamente que, "poderá considerar-se que o lanço da ER ………. em causa se encontra sob tutela da R. (leia-se Estadas de PortugaI, S. A.) ao abrigo das normas constantes nos nºs. 2 e 3 do art. 13º do Dec.-Lei nº 222/98 na redacção conferida pela Lei nº 98/99, de 26 de Julho, em situação ainda não definida completamente, na medida em que implica um procedimento complexo que acautele todas as situações juridicas que devem ser ponderadas." Ora,
G. Por outro lado, o Senhor juiz a quo errou na qualificação jurídica do Acordo de Colaboração e do Auto de Transferência de 1993 referidos, respectivamente, nos pontos 1 e 2 do probatório da sentença recorrida, ao reconhecer-lhes eficácia jurídica para operar a transferência dominial da estrada nacional …………, ……………., da esfera do Estado para a esfera do Município ora Recorrente, violando, por isso, artigo 84º, nº 2, da Constituição.
H. Como se alegou e provou, ao assinarem o referido "Acordo de Colaboração'” as partes tinham em mente que estavam a subscrever um instrumento jurídico apto a criar as condições que permitissem ao Município de Ourém executar obras de reabilitação no lanço da estrada nacional nº ………. que vai do quilómetro 40,818 ao quilómetro 71,400, na extensão de 30,582 km, com a finalidade da sua futura integração no património viário municipal tão logo existissem os respectivos pressupostos legais nomeadamente logo que fosse publicado o decreto-regµIamentar erigido pelo n.º 2 do artigo 13.º do citado Decreto-lei n.º 380/ 85.
I. Portanto, o "Acordo de Colaboração", atentos a natureza dos sujeitos, do objecto e do fim prosseguido, reúne todos os elementos essenciais para, juridicamente, ser qualificado como um verdadeiro contrato administrativo tipico, incluído na modalidade de contrato administrativo de coordenação ou colaboração
J. Por seu turno, o Auto de Transferência do lanço da EN ……… ………….., referido no nº 2 do probatório, é um acto instrumental do citado Acordo de Colaboração...
K. efeito jurídico, tão-somente, a atribuição ao Município de Ourém da posse precária e temporária do identificado lanço da EN …… ……………, com a finalidade exclusiva de aquela autarquia poder praticar os actos de administração do mesmo, em execução das suas obrigações emergentes do já referido "Acordo de Colaboração" ou contrato administrativo de coordenação ou colaboração, exercendo, nomeadamente, as funções de dono da obra de reabilitação, esgotou-se naturalmente, não só pelo pontual e integral cumprimento como devido à caducidade do referido "Acordo". Deste modo.
L. Se e enquanto interpretado em sentido diverso, como fez o Senhor Juiz a quo, isto é, no sentido de ele (em conjunto com o "Acordo de Colaboração" e o Decreto-lei n.º 380/85) ter operado a transferência dominial da EN …….. ……….. (ora ER …….. ……….), no lanço em causa, tal interpretação versa sobre matéria de facto e é inconstitucional, por violação do principio da reserva de lei consagrado no artigo no nº 2 do 84.º da CRP, ao admitir que um acto de natureza meramente administrativa, como é o referido auto de transferência, seja idóneo para operar a transferência dominial do troço da estrada em causa, função que a Constituição atribui exclusivamente à lei (de resto ainda não existente à data do acto em causa).
M. Aliás, e com o devido respeito, tal interpretação levaria ao absurdo de ter de se admitir que a Administração, enquanto não existisse a lei a que se refere o nº 2 do artigo 84.º da Constituição (como era o caso), pudesse, por mero acto de natureza administrativa, definir quais os bens que integram o domínio público do Estado ou das autarquias locais ou definir o seu regime, condições de utilização e limites.
N. Ora, como é bom de ver, um qualquer acto com tal natureza e finalidade seria sempre inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes enfermando de vício de usurpação de poder, e, em consequência, seria nulo por força do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 133º do Código do Procedimento Administrativo.
O. Por isso, os tribunais, quaisquer que eles sejam, nos feitos submetidos ao seu julgamento, qualquer que seja o processo, nunca devem obediência a um tal acto de natureza administrativa nem podem reconhecer-lhe aptidão para a produção de quaisquer efeitos jurídicos, muito menos os efeitos de transferência dominial.
P. E, se podem conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um qualquer acto administrativo que já não possa ser impugnado, por maioria de razão poderão e devem os tribunais conhecer incidentalmente da nulidade de um acto administrativo, mesmo que ainda não impugnado (cfr. artigo 38º do CPTA).
Q. Por isso, e ao contrário do douto entendimento do Senhor Juiz a quo, o "Acordo de Colaboração' e o "Auto de Transferência" referidos, sejam eles considerados isoladamente ou em conjunto, não são instrumentos jurídicos idóneos para operar a mutação ou transferência dominial da EN ….. da esfera do domínio público do Estado (e afecta à então JAE, ora Estradas de Portugal S. A.) para a esfera do domínio público do Município de Ourém.
R. Tanto mais que, posteriormente, como se sabe, o Decreto-Lei n.º 222/98, de 17 de Julho (com as alterações introduzidas nos artigos 12.º a 14º pela Lei n.º 98/99, de 26 de Julho) veio proceder à redefinição do plano rodoviário nacional (PRN2000).
S. estabelecendo uma nova classificação de estradas, as designadas Estradas Regionais (ER) (cf. nº 1do artº 12º).
T. e integrando expressamente nesta classificação a anterior estrada nacional …..………… que passou agora a designar se ER …… …… (cf. nº 3 do artº 12.º e lista anexa, que dele é parte integrante). Ora,
U. Se aquela Estrada Nacional …. já tivesse sido desclassificada em estrada municipal e integrada no domínio público municipal, obviamente, não faria sentido que o legislador do Decreto-Lei n.º 222/98 a tivesse considerado (como considerou) como Estrada Nacional (EN) para a reclassificar (como reclassificou) como Estrada regional (ER,).
V. A norma jurídica contida no nº 3 do artigo 12º do citado Decreto-Lei 22/98 reveste-se, indubitavelmente, de carácter directamente operativo, dado que a reclassificação da EN… em ER……… não fica dependente da produção de qualquer acto de execução da mesma pela Administração Pública: trata-se de uma verdadeira reclassificação ope legis.
W. Do artigo 13.º do citado Decreto-Lei n.º 222/98 resulta claramente que o legislador teve em mente a definição do destino a dar a dois tipos de estradas: (i) as estradas não incluídas no plano rodoviário nacional (PRN) e (ii) as Estradas Regionais (ER).
X. Atendendo ao tempo verbal utilizado - poderão -, o destino das Estradas Regionais (ER), poderá ser, ou não, o da sua integração nas redes municipais, conforme venha a ser decidido por despacho do ministro da tutela do sector rodoviário (cfr. n.º 2). Mas a optar-se pela sua integração nessas redes, tal integração deve, ainda, obedecer às mesmas condições previstas para a integração das estradas não incluídas no PRN (que são as referidas no n.º 1do citado artigo 13º), isto é...
Y. ...para além de despacho ministerial prévio, a integração das ER nas redes municipais só poderá concretizar-se mediante a celebração casuística de protocolos (que são actos bilaterais de natureza contratual) entre a JAE (ora Estadas de Portugal, S.A.) e os municípios abrangidos e de prévias intervenções e conservação que as reponham em bom estado de utilização ou, em alternativa, mediante acordo equitativo com a respectiva autarquia (cfr. n.º 2). Ora,
Z. O que fica bem claro é que, seja num caso, seja no outro, a integração das estradas nas redes municipais só poderá efectivar-se mediante contratualização e desde que as mesmas se encontrem em bom estado de utilização, de modo a impedir que o Estado, furtando-se à assumpção das suas responsabilidades, "empurre" para as autarquias locais estradas em mau estado de utilização com a consequente degradação das já de si tão débeis finanças locais e pondo verdadeiramente em risco o próprio princípio da descentralização autárquica. Aliás,
AA. Se assim não fosse, resultariam violados não só os princípios constitucionais da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática (artigos 6º nº 1 e 237º ambos da CRP) como os princípios legais consignados no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro e no n.º 3 do artigo 6º daquela mesma Lei.
BB. Portanto, andou bem o legislador do Decreto-Lei n.º 222/98 e da Lei n.º 98/99, ao alinhar a transferência de estradas para as autarquias locais com os referidos princípios constitucionais e legais, indo ao ponto de determinar que "As estradas classificadas para integração nas redes municipais, até à recepção pelas respectivas autarquias, ficarão sob tutela da Junta Autónoma de Estradas (actual Estradas de Portugal, S.A.), que, entretanto, lhes assegurará padrões mínimos de conservação" (cfr. nº 3 do artigo 13.º do referido Decreto-Lei n.º 222/98), ora;
CC. É à luz destes princípios que, se dúvidas houver, devem ser interpretadas as regras contidas no artigo 13.º do Decreto-Lei nº 222/98.
DD. A verdade, porém, é que, na sequência do Decreto-Lei n.º 228/98, o ministro da tutela do sector rodoviário não proferiu qualquer despacho determinando a opção pela integração da ER……na rede municipal de Ourém nem tal integração foi objecto de qualquer contratualização com o Município de Ourém, pelo que, atento o disposto no n.º 3 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.0 222/88, por maioria de razão, a ER-……… encontra­se sob a tutela da Estradas de Portugal, SA Porém,
EE. A douta sentença objecto do presente recurso jurisdicional interpretou erroneamente as disposições do dito Decreto-Lei nº 222/98. Com efeito,
FF. Depois de transcrever o artigo 13.º deste diploma legal, ao concluir que "Nos termos da transcrita norma, não é o facto de a estrada em questão ter sido reclassificada por força da redefinição do Plano Rodoviário Nacional, em Estrada Regional, que impede a sua integração ou permanência do domínio público municipal ainda que sujeitas ao mesmo regime jurídico das entradas da rede rodoviária nacional, não se revelando obviamente exigível para o efeito, a outorga de novo documento de transmissão" (sic), a sentença objecto do presente, com a interpretação que faz do artigo 12.º, n.º 3, e do artigo 13º ambos do Decreto-lei nº 222/98, com a redacção introduzida pela Lei nº 98/ 99, não só viola directamente estas disposições legais como adaptou uma interpretação desconforme com a Constituição ao ignorou os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática (artigos 6.º, n.º 1, e 237.º, ambos da CRP).
Nestes temos, nos de mais direito e com o douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se em conformidade a douta sentença recorrida e declarando-se que a Estrada regional nº … ………..., no troço compreendido entre o quilómetro 40,818 e o quilómetro 59,338 (anteriormente classificada como estrada nacional n.º …… ………), está submetida à tutela ou administração da ora Recorrida Estradas de Portugal, S. A.

*
A EP – Estradas de Portugal SA contra-alegou, concluindo como segue:

1. O argumento de que a decisão tomada pelo tribunal a quo violou os artigos 264º, n.º 2 e 490°, n.0 1 e 2 do CPC e o artigo 84°, n.º 2 da CRP, por cometer um erro de julgamento sobre a matéria de facto, bem como os artigos 12°, nº 3 e 13° do Decreto­ Lei nº 222/98, de 17 de Julho, com a redacção dada pela Lei nº 98/99, de 26 de Julho e os princípios constitucionais da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática, cometendo um erro de julgamento sobre a matéria de direito é destituído de fundamento.
2. Com efeito, a Recorrida não poderia ter sido mais clara no artigo 84º da sua contestação quando afirma que "vão assim expressamente impugnados os artigos 16º, 40º, 54º e 59º a 73º da douta p.i., sem prejuízo dos demais que resultarem total ou parcialmente impugnados em face do teor da presente contestação", pelo que esses artigos encontram-se, para todos os efeitos legais, impugnados.
3. Ainda que não tivessem sido expressamente impugnados, a Recorrente confunde, no seu douto, mas distraído recurso, o que são factos por ela alegados, com ilações tiradas a partir desses factos, não podendo a ora Recorrida aceitar que as opiniões da Recorrente emitidas, nomeadamente, nos artigos 54°, 59° e 63° da sua p.i. sejam consideradas como factos e muito menos como factos provados.
4. A Recorrida sempre afirmou, na sequência da desclassificação da via pelo PRN85, aprovado pelo Decreto-Lei nº 380/85, de 26 de Setembro, da publicação do Despacho Conjunto em 9 de Maio de 1991, bem como da assinatura do Acordo de Colaboração em 2 de Dezembro de 1992 e do Auto de Transferência da via para a Câmara Municipal de Ourém em 15 de Março de 1993, que a jurisdição sobre a EN……… pertencia à Recorrente, tendo vindo novamente, na sua contestação, reiterar tal posição.
5. Razão pela qual, esses factos, caso não tivessem sido expressamente impugnados, estariam assim tacitamente impugnados, não podendo a Recorrida aceitar a afirmação da Recorrente segundo a qual não teria tomado posição sobre factos (e alegados factos) que foram expressamente impugnados, não existindo qualquer violação do artigo 490º do CPC, estando, por isso, isenta de censura a douta sentença recorrida no que diz respeito aos factos provados.
6. Por outro lado, o Tribunal a quo não errou na qualificação jurídica dos factos dados como provados nos pontos 1 e 2 da matéria de facto provada na douta sentença.
7. Numa empreitada de obras públicas não existe "um mero papel de dono de obra" e um "verdadeiro dono de obra", existindo apenas um dono de obra, resultando claro da leitura do Despacho Conjunto, e mais especificamente do seu ponto 8 que, no âmbito das obras realizadas ao abrigo desse Despacho, a Recorrente é o dono de obra na empreitada de reabilitação da EN…., agora ER…..
8. Aliás, só essa qualidade justifica que a Recorrente tenha lançado o concurso para a execução da empreitada e procedido aos autos de recepção provisória e definitiva da citada empreitada.
9. Face ao PRN85, ao Despacho Conjunto de 9 de Maio de 1991, ao Acordo de Colaboração de 2 de Dezembro de 1992 e ao Auto de Transferência de 15 de Março de 1993 é inequívoco que a jurisdição sobre a agora EN… pertence à Recorrente.
10. O PRN85, no seu artigo 1°, prevê que a rede rodoviária nacional é constituída pela rede nacional fundamental (ai. a)) e pela rede nacional complementar (ai. b)), sendo que, a rede nacional fundamental é constituída pelos itinerários principais (IP) que constam da relação anexa ao diploma, que dele faz parte integrante e que se integram na rede nacional complementar os itinerários complementares (IC) e outras estradas, hoje estradas nacionais, que constam igualmente da relação anexa ao diploma, que dele faz parte.
11. A então EN…. não consta da relação anexa ao Decreto-Lei nº 380/85, de 26 de Setembro, não integrando a rede rodoviária nacional, por ter sido entendido pelo Estado, no âmbito dos poderes relativos à definição da política rodoviária nacional, que a mesma deveria integrar a rede viária municipal, operando-se assim uma transferência de domínio ou uma mutação dominial.
12. Consciente do encargo que representa a conservação e manutenção de uma intra-estrutura rodoviária, o Estado através da então Junta Autónoma de Estradas considerou dever proceder à reabilitação de um conjunto de vias a transferir para as câmaras municipais territorialmente competentes, com vista a colocá-la em condições operacionais adequadas ao serviço que prestam antes de as integrar no respectivo património autárquico.
13. Razão pela qual foi elaborado o Despacho Conjunto de 5 de Maio de 1991 da leitura do qual resulta claro que a EN….. foi desclassificada pelo PRN85.
14. Somente se podem transferir para o património autárquico estradas anteriormente desclassificadas, sendo que apenas as estradas constantes das tabelas anexas ao PRN integram a rede rodoviária nacional.
15. O referido Despacho tinha por objectivo permitir a realização de obras de reabilitação em estradas desclassificadas, antes das mesmas integrarem o património das câmaras municipais territorialmente competentes, tendo as obras de reabilitação da EN…. sido executadas ao abrigo do mesmo.
16. É, pois, de concluir que a EN…. é uma estrada desclassificada, na qual deviam ser executadas obras de reabilitação, com vista à sua transferência para o património autárquico.
17. A transferência da estrada nacional nº ….., entre os kms 40,818 e 59,338 da Junta Autónoma das Estradas para a Câmara Municipal de Ourém, ocorreu aquando da assinatura do Auto de Transferência em 15 de Março de 1993., expressamente aceite pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourém e incluiu "...a plataforma da estrada e seus taludes, as obras de arte integradas neste troço, todos os elementos de sinalização e demarcação existentes ao longo do traçado e, bem assim, as árvores e arbustos radicados na zona da estrada e suas parcelas sobrantes."
18. Com a transferência da estrada para o seu património, a Autarquia passou a ser responsável pela conservação e fiscalização da mesma, passou a receber os frutos resultantes da administração /exploração da via (taxas de autorizações e licenças, rendimentos das concessões, etc);
19. Desde 1993 que a Recorrente pratica actos que demonstram ter efectivamente assumido os poderes inerentes à sua jurisdição sobre a estrada, tendo instruído e decidido processos de licenciamento, realizado obras na estrada e reconhecido a necessidade de as fazer, como se verificou em 2003, tendo os serviços camarários passado a tratar a EN….. como qualquer outra estrada municipal.
20. A pretensa inconstitucionalidade que a Recorrente anseia encontrar no Decreto­ Lei n.º 380/85, não se verifica, uma vez que as estradas, tanto as nacionais como as municipais, estão integradas no domínio público, sendo da competência da Assembleia da República estabelecer o regime dos bens que integram esse domínio público. Logo, o seu estatuto dominial não é alterado pela integração numa rede municipal, com a consequente desintegração da rede nacional.
21. Há que esclarecer que não é necessário proceder a mutações dominiais ou transferências de domínio através de lei da Assembleia da República, sendo que, além do processo expropriativo, pode haver mutações dominiais através da celebração de um contrato administrativo entre as pessoas colectivas públicas envolvidas.
22. Segundo Ana …………………………, quando a atribuição/transferência dominial implique o acréscimo de responsabilidades financeiras do ente que recebe, o acto administrativo que procede à transferência não deve assumir simplesmente carácter receptício, carecendo para a produção de efeitos jurídicos da aceitação da pessoa colectiva pública para qual é transferido o bem dominial.
23. Ao assinar o Auto de Transferência o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourém manifestou expressamente a sua aceitação, razão pela qual, o auto de transferência é válido e eficaz, bem como tem como consequência integrar a EN….. no património da Câmara Municipal de Ourém.
24. O Senhor Juiz a quo não adoptou matéria de facto não alegada, nem refutou qualquer qualificação jurídica ao Acordo de Colaboração, somente exerceu os poderes que lhe são conferidos por lei, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer.
25. As estradas regionais são uma inovação introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo PRN 2000, aprovado pelo Decreto-Lei nº 222/98, de 17 de Julho, tendo o legislador previsto que as estradas regionais se mantivessem sob responsabilidade da Administração Central.
26. Porém, a EN…., de que se cuida na presente acção, não se podia manter nessa situação uma vez que era, ã data da entrada em vigor do PRN2000, uma estrada municipal, já transferida para o Município de Ourém, pelo que, mutatis mutandis as estradas municipais que estivessem sob responsabilidade da administração local autárquica também devem manter-se assim até estarem criadas as condições para se alterar tal situação.
27. Esta solução é efectivamente a única possível, sob pena de se verificarem vazios de poder e se instalar o caos, com prejuízo para o exercício do direito de circular com segurança e comodidade, sendo a posição sucessivamente sustentada pela ora Recorrida e pelas entidades que a antecederam.
28. Sem embargo, pelo artigo 1° da Lei nº 98/99, de 26 de Julho, o legislador alterou a redacção do artigo 12° do PRN e do preceito alterado do n.º 4 do artigo 12º passou a resultar que as estradas regionais estão subordinadas ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional, isto é, quem quer que exerça jurisdição sob uma estrada regional aplica-lhe o Estatuto das Estradas Nacionais e a legislação avulsa posterior.
29. Está especialmente previsto que as estradas classificadas para integração nas redes municipais ficam sob a tutela da Estradas de Portugal, SA até à recepção pelas respectivas autarquias, pelo que, as estradas que deixem de ser municipais não podem deixar de ficar sob a responsabilidade das autarquias até serem efectivamente recebidas por outras entidades.
30. Por outro lado, o procedimento por meio do qual a estrada passa da responsabilidade de uma entidade para outra tem previsão expressa na lei actualmente vigente. É que, dada a complexa teia de interesses juridicamente protegidos, de direitos e de obrigações que se materializam numa estrada e nas áreas limítrofes, nunca se poderá transferir a jurisdição ipso jure.
31. O planeamento, a gestão, a exploração e a conservação de uma estrada são actividades importantes e complexas, no exercício das quais a Administração - central ou local - actua com poderes de autoridade, procedendo à liquidação e cobrança de taxas, que constituem receitas próprias das entidades que, em cada momento, exercem jurisdição sobre a estrada.
32. E, se a Administração não "servir" bem os utentes da estrada, está sujeita ao pagamento de indemnizações nos termos do regime da responsabilidade civil extra­ contratual do Estado.
33. Por isso, a integração das estradas na rede municipal é feita mediante protocolo a celebrar entre a Administração Local e a Estradas de Portugal, SA (primeira parte do n.º 1 do artigo 13º do PRN) que deve ser precedida de vistoria a fim de se registar o estado da estrada e seus pertences.
34. Ademais, tendo esta estrada sido integrada na rede municipal mediante a celebração de um protocolo e de auto de transferência, não se vê como é que agora, em presença de idêntica situação de facto a Recorrente pretende que se proceda de forma diferente.
35. Importa, ainda, ter em atenção que as estradas regionais podem ser integradas nas redes municipais (cfr. o n.º 2 do artigo 13° do PRN na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 98/99, de 26 de Julho), o que significa que a presente situação não é de todo estranha às possibilidades pensadas pelo legislador.
36. O PRN2000 pretende proceder à transferência dominial de estradas municipais para a rede rodoviária nacional, como designadamente o Eixo Norte/Sul, estrada municipal sob jurisdição da Câmara Municipal de Lisboa, que foi integrado no IP7, com a última alteração ao PRN2000, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 182/2003, de 16 de Agosto.
37. Uma estrada municipal pode ser classificada, com vista à sua integração na rede rodoviária nacional, após assinatura dos respectivos protocolo e auto de transferência, não podendo a Recorrida aceitar que a transferência dominial de uma estrada possa conduzir a uma transferência de atribuições e competências para a câmara municipal territorialmente competente.
38. Com efeito, as atribuições são os interesses públicos cuja realização cabe à pessoa colectiva com vista à prossecução dos seus específicos fins, enquanto as competências são um conjunto de poderes funcionais conferidos por lei para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva.
39. Qualquer câmara municipal tem, nas suas atribuições, a gestão da rede viária municipal, bem como dispõe, sobre essa rede, dos poderes necessários para a boa sua gestão/exploração, ou seja, dispõe dos poderes de fiscalização, dos poderes para licenciar, instruir os competentes processos de contra-ordenação, etc.
40. Assim, não houve qualquer transferência de atribuições e competências para a Câmara Municipal de Ourém quando, em 1993, esta celebrou o Auto de Transferência da EN…., entre os kms. 40,818 e 59,338,
41. Muito menos houve violação dos princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática.
42. Face ao exposto, conclui-se pela manutenção da douta sentença recorrida com as legais consequências, tendo o Tribunal a quo apreciado e ponderado toda a prova produzida pelas partes, concluindo de forma fundamentada que a jurisdição sobre a EN…., agora ER…., pertencia à Recorrente.
43. Também não se alcança qualquer oposição entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nem a falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito e muito menos de qualquer erro de julgamento sobre a matéria de facto ou de direito.
44. Mais, resulta dos autos, como ficou amplamente provado pela Recorrida, que é inequívoco que a EN…., agora ER……, se encontra sob jurisdição da Recorrente, competindo a esta o dever de zelar pela conservação e manutenção da estrada.
45. Razão pela qual, a decisão sub judice não pode ser colocada em crise, devendo manter-se nos seus precisos termos.

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O Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações contra-alegou, concluindo como segue:

1. Na sentença de que se recorre não cometeu, o Juiz a quo, erro de julgamento sobre a matéria de facto e erro de julgamento sobre a matéria de direito.
2. O Juiz a quo não cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não dar como provados factos alegados pelo A., relativamente aos quais o R. ou impugnou especificamente ou genericamente, na medida em que apresentou uma contra­ versão dos factos, incompatível com a do A.
3. O Juiz a quo não cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto ao pronunciar-se sobre matéria de facto não alegada pelas partes e ao errar sobre a qualificação jurídica do Acordo de colaboração referido o ponto 1 e 2 do probatório, reconhecendo-lhes eficácia jurídica para operar a transferência dominial da estrada nacional …, …………, da esfera do Estado para a esfera do município, porquanto o R Estradas de Portugal, invocou o referido "Acordo" com o sentido e alcance utilizados pelo Senhor Juiz a quo, (cf. artigos 37.º a 45.º da Contestação). E, porque os factos dados como provados e constantes dos documentos juntos aos autos, nos quais se fundamentou a transferência da estrada para o município de outrem, contrariamente ao alegado pelo A. não se cingem apenas do citado "Acordo" (junto como Doe. 1), mas sim este e outros documentos (Doe. 9 - Auto de transferência, Doe. 11 - "Auto de recepção Definitiva", Doe. 18- of. Nº 105, de 09-01.2004), despacho conjunto, de 19-04-1991 do Secretario de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, publicado no DR, li Série, n.º 106, de 9-5-1991. Sendo que, da sequência e do conjunto de todos estes documentos que se conclui pela transferência da estrada em causa para o município de Ourém.
4. O Juiz a quo, ao proferir esta sentença não violou, assim, os artigos 264º nº 2 e 490 nº 2 do CPC e o artigo 84º n.º 2 da CRP.
5. Também, não tem razão o Recorrente ao considerar que a interpretação do Juiz a quo no sentido de que nos termos do regime jurídico do Decreto-Lei n.º 380/85 e do Acordo de colaboração a transferência do troço de estrada para o domínio municipal é inconstitucional, porquanto, a inconstitucionalidade do citado diploma não foi suscitada junto das entidades competentes, e no âmbito dos mecanismos constitucionais legalmente previstos também o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre a invocada inconstitucionalidade. E, não cabe à Administração a apreciação da constitucionalidade das normas. E, nestes termos, bem julgou o Juiz a quo o ao considerar o Decreto-Lei n.º 380/85 como norma habilitante para, que do despacho conjunto, de 19-04-91, das Secretarias de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, publicado no DR, li Série, n.º 106, de 9-5-1991, do Acordo de Colaboração e do Auto de Transferência se tenha transferido definitivamente a estrada em causa para o domínio municipal.
6. A alteração/ratificação do Decreto-Lei n.º 222/98, pela Lei n.º 98/99, afasta qualquer pretensão de inconstitucionalidade.
7. Nos termos do artigo 13.º deste Decreto-Lei, o facto de a estrada em questão ter sido reclassificada em estrada regional não impede a sua integração ou permanência no domínio público municipal. No entanto, e uma vez que o processo de transmissão da estrada para o domínio municipal se encontrava efectuado, com todas as exigências legalmente previstas cumpridas, não se revelava necessário a outorga de novo documento de transmissão e a repetição do procedimento de integração no domínio municipal.

*
O Ministro das Finanças e da Administração Pública contra-alegou, louvando-se nas alegações apresentadas pelo Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

*
Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.

*
Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 2 de Dezembro de 1992, foi subscrito pelos legais representantes da Câmara Municipal de Ourém, da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo, e da Junta Autónoma de Estradas, um “Acordo de Colaboração”, “… tendo em vista a execução de obras de reabilitação no lanço da actual estrada nacional n.º ……desde o quilómetro 40818 ao quilómetro 71,400, na extensão de 30,582 Km, e a sua sequente integração no património viário daquela autarquia e da autarquia de Alvaiázere” (doc. n.º 1 anexo à p.i.);
2. Em 15 de Março de 1993, foi subscrito pelo Director de Estradas de Santarém, em representação da Junta Autónoma de Estradas, e pelo Presidente da Câmara Municipal de Ourém, o “Auto de transferência para a Câmara Municipal de Ourém, do troço da estrada nacional …., entre os Kms: 40,818 (……….) e 59,338 (Limite com o concelho de ……….. – Distrito de Leiria)” (doc. nº 9 anexo à p.i.);
3. Em 23 de Março de 1998, foi outorgado o “Auto de Recepção Definitiva” das obras de reabilitação da EN ……. entre os representantes da Câmara Municipal e da empreiteira (doc.nº 11 anexo à p.i.)
4. Consta do of.º n.º105, datado de 9 de Jan. de 2004, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de ….., subscrito pelo Director de Estradas de Santarém: “(..) o troço da EN……., entre o Km 40,818 (Ourém) e o KM 59,338 (limite do Concelho de ………. - Distrito de Leiria), foi transferido para a jurisdição dessa Câmara Municipal por Autor de Transferência, homologado pelo Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas em 1993/04/27.”(..) - (doc. n.º 18, anexo à p.i.).


Ao abrigo do artº 662º nº 1 CPC ex vi artº 140º CPTA, adita-se ao probatório, itens 5 e 6, a transcrição integral dos documentos referidos nos itens 1 e 2 com fundamento nos respectivos documentos juntos aos autos:


5. O “Acordo de Colaboração” mencionado supra em 1. tem o seguinte teor integral:
“(..) ACORDO DE COLABORAÇÃO
Considerando o disposto no Decreto-Lei nº 380/85, de 26-9;
Tendo presente o estabelecido no Despacho Conjunto de Suas Exas. os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas (DR.II série, nº106, de 9.05.91);
Encontrando-se reunidas condições de financiamento especificas por aplicação de fundos que a Comunidade Económica Europeia pôs à disposição do Governo Português no âmbito do PRODAC;
É celebrado o presente acordo entre a Câmara Municipal de Ourém, a Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo e a Junta Autónoma de Estradas, tendo em vista a execução de obras de reabilitação no lanço da actual estrada nacional nº. ……….. desde o quilómetro 40,818 ao quilómetro 71,400 na extensão de 30,582 Km, e a sua sequente integração no património viário daquela autarquia e da autarquia de Alvaiázere.
1. Dado o sistema de financiamento que está associado ao PRODAC, o FEDER contribuirá com participação global de valor correspondente à aplicação da percentagem de 50% sobre o custo da obra realizada de acordo com o projecto aprovado.
A Junta Autónoma de Estradas, com recurso a verbas inscritas no seu orçamento, contribuirá no domínio financeiro com a contrapartida nacional, de valor igual à aplicação da percentagem de 50% sobre o custo da obra realizada de acordo com o projecto aprovado.
2. O custo total da obra e as verbas previstas para as participações do FEDER e da JAE neste empreendimento são as seguintes:
Custo global (estimativa) ................... 283 868 c.
Parte a suportar pelo FEDER. ................ 141 934 c.
Parte a suportar pela JAE ................... 141 934 c.
3. A autarquia assumirá os encargos da elaboração do projecto e de expropriações porventura necessárias à realização das obras de reabilitação.
4. No custo da obra não são consideradas, em nenhum caso, as componentes do empreendimento não subsumíveis as Normas Técnicas de Reabilitação que constituem o anexo A do Despacho Conjunto de Suas Excelências os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas (D.R. II Série, n2 106, de 9.05.91)
5. A entrega à autarquia da participação do FEDER faz-se de acordo com as regras de funcionamento previstas para o PRODAC.
6. A entrega à autarquia da participação financeira da Junta Autónoma de Estradas faz-se de acordo com cronograma financeiro superiormente aprovado, de uma só vez, ou parcelarmente, mediante a apresentação dos autos de medição dos trabalhos.
7. A participação financeira da Junta Autónoma de Estradas e do FEDER podem ser canceladas se a execução das obras­ se afastar, sem motivo justificado, do caderno de encargos ou do programa de trabalhos.
8. A Junta Autónoma de Estradas, ao dar o seu acordo à proposta de adjudicação assinará os autos de transferência da rede nacional para a rede municipal do lanço de estrada objecto do concurso, que a autarquia lhe enviou assinados, juntamente com o respectivo processo, nos termos do nº 8 do Despacho Conjunto de Suas Excelências os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas (D.R. II Série, n2 106, de 9.05.91).
9. O presente acordo de colaboração entra em vigor a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra.
10.Todas as situações omissas são resolvidas por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1992.
Pela Câmara Municipal de Ourém
Pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo
Pela Junta Autónoma de Estradas “(..)
6. O “Auto de transferência” mencionado supra em 2., tem o seguinte teor integral:
“(..) MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES
JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS
DIRECÇÃO DE ESTRADAS DO DISTRITO DE SANTARÉM
AUTO DE TRANSFERÊNCIA PARA A CAMARA MUNICIPAL DE OUREM DO TROÇO DA ESTRADA NACIONAL…….., ENTRE OS KMS: 40,818 (OUREM) E 59,338 (LIMITE COM O CONCELHO DE ALVAIÁZERE - DISTRITO DE LEIRIA).
- Aos quinze dias do mês de Março de mil novecentos e noventa e três, reuniram-se o Senhor Director de Estradas do Distrito de Santarém, Engenheiro JOSE EMIDIO MODESTO DE OLIVEIRA, em representação da Junta Autónoma de Estradas, e o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourem, Professor MÁRIO DA SILVA COUTINHO ALBUQUERQUE, em representação desta Autarquia, para procederem à entrega pelo primeiro e recebimento pelo segundo, do troço da Estrada Nacional número trezentos e cinquenta e seis, entre os quilómetros quarenta vírgula oitocentos e dezoito e cinquenta e nove vírgula trezentos e trinta e oito (Limite com o concelho de Alvaiázere -.Distrito de Leiria), de harmonia com o despacho de homolo­gação de vinte e sete de Janeiro de mil novecentos e noventa e três de Sua Ex­celência o Secretário de Estado das Obras Públicas, exarado no Acordo de Colaboração assinado em dois de Dezembro de mil novecentos e noventa e dois entre a Câmara Municipal de Odorem a Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo e a Junta Autónoma de Estradas.
Esta transferência é feita nos termos do Decreto-Lei número trezentos e oitenta barra oitenta e cinco, de vinte e seis de Setembro (Plano Rodoviário), e do número doze do despacho Conjunto dos Ministérios do Planeamento e Administração do Território, e das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado na Segunda Série do Diário da República número, cento e seis, de nove de Maio de mil novecentos e noventa e um, uma vez que esta estrada foi desclassificada como nacional, havendo interesse em que seja mantida como via de comunicação ordinária.
Esta transferência inclui a plataforma de estrada e seus taludes, as obras de arte integradas neste troço todo os elementos de sinalização e demarcação existentes ao longo do traçado e, bem assim, as árvores e arbustos radicados na zona da estrada e suas parcelas sobrantes.
Pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourem foi declarado que. Recebia o troço da estrada acima indicada nos termos descritos, pelo que o representante da Junta Autónoma de Estradas declarou, que lhe f azia a entrega do mesmo.
O presente auto, depois de lido e achado conforme, vai ser assinado pelos intervenientes e por mim Bacharel CARLOS…………………, Chefe da Secção Administrativa da Direcção de Estradas, do Distrito de Santarém, que, servindo de oficial público o redigi e fiz dactilografar. (..)”.



DO DIREITO


Vem a sentença assacada de incorrer em,
a. violação primária de direito adjectivo por não se ter considerado provada a matéria de facto alegada na petição e não devidamente impugnada pelos RR, a saber, a constante dos artigos 16.º, 40.º, 54.º e 59.º a 73.º e 15.º, 17.º a 40.º, 41.º a 53º, 55.º a 58.º, 60º e 61.º da P. I. tendo como meio probatório os documentos neles referidos – itens A a F das conclusões de recurso.
b. violação primária de direito substantivo por erro sobre a qualificação jurídica do “Acordo de Colaboração” e “Auto de Transferência”, considerados idóneos à transferência do domínio estadual para o domínio autárquico, no tocante ao lanço de estrada neles referido – itens G a FF das conclusões.


1. efeito cominatório – artº 490º nº 2 CPC (actual 570º nº 2);

O ónus de impugnação dos factos articulados pela parte contrária sob cominação de serem admitidos qua tale para o processo impõe que se tenha em conta o conceito adjectivo de questão de facto.
Diz-nos a doutrina que “(..) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior (..) Há matéria de direito sempre que, para se chegar a uma solução, se torna necessário recorrer a uma disposição legal, ainda que se trate únicamente de fixar a interpretação duma simples palavra da lei; há matéria de facto quando o apuramento das realidades se faz todo à margem da aplicação directa da lei, isto é, quando se trata de averiguar factos cuja existência ou não existência não dependa da interpretação a dar a nenhuma norma jurídica. (..)” (1)
De acordo com este enquadramento conceptual, conclui-se que a alegação constante dos artigos 16.º, 40.º, 54.º e 59.º a 73.º e 15.º, 17.º a 40.º, 41.º a 53º, 55.º a 58.º, 60º e 61.º da petição inicial não permite a sua subsunção no conceito adjectivo de questões de facto, na medida em que os respectivos conteúdos configuram, ou referências concretas a conteúdos normativos de lei formal, ou a explanação de entendimentos jurídicos no tocante ao conteúdo do “Acordo de Colaboração” e “Auto de transferência” levados ao probatório por transcrição integral nos itens 5 e 6 supra.
De modo que, nos termos expostos, não se verifica a insuficiência de probatório por desrespeito do efeito cominatório consagrado no artº 490º nº 2 CPC (actual 570º nº 2) pelo improcedem as questões trazidas a recurso nos itens A a F das conclusões

*
O Município ora Recorrente peticionou que seja declarada a dominialidade da ora Recorrida Estradas de Portugal, SA sobre o troço de estrada identificado, na medida em que a estrada em causa “mantém a classificação originária de estrada nacional”, “é um bem do domínio público do Estado”, “submetido à tutela ou administração da Ré”.
Subsidiariamente, peticiona a declaração de que o troço de estrada em causa “não é um bem do domínio público municipal” do ora Recorrente, “é um bem do domínio público do Estado afecto à Ré”, ora Recorrida Estradas de Portugal EPE e “submetido à tutela ou administração da Ré”.
O que nos leva a apreciar a matéria trazida a recurso nos itens G a FF das conclusões segundo dois blocos de questões,
(i) o regime jurídico das estradas nacionais/regionais e
(ii) o regime das mutações dominiais.


2. estradas nacionais/regionais;

No que respeita ao território do continente, o Plano Rodoviário Nacional (PNR/85) instituído pelo DL 380/85 de 26.9 estabeleceu duas tipologias de redes, a rede nacional fundamental (composta por itinerário principais – IP) e a rede complementar (composta por itinerários complementares – IC e outras estradas) – vd. artºs. 1º, 2º nº 1 e 3º nºs 2 e 4 do PNR/85 – DL 380/85.
O elenco das estradas da rede nacional complementar - outras estradas consta da relação anexa III ao DL 380/85, nela mencionada a EN-….. a que se referem os documentos designados por Acordo de colaboração e Auto de transferência, transcritos na íntegra nos itens 5 e 6 do probatório, datados de 2 de Dezembro de 1992 e 15 de Março de 1993, respectivamente, conforme itens 1 e 2 do probatório.
O conteúdo de tais documentos tem de ser analisado em conjunto, na medida em que o Acordo de colaboração tem em vista a execução de obras de reabilitação num determinado troço da EN-….. e a “sequente integração no património viário da autarquia nele participante (Câmara Municipal de Ourém) e da autarquia de Alvaiázere, reabilitação rodoviária aproveitando os fundos comunitários do PRODAC.
Mais se declara no Acordo de colaboração que entrará em vigor “a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra”, de modo que, textualmente, estão apostos os termos a quo e ad quem do citado Acordo de colaboração ou seja, entre o despacho do Secretário de Estado datado de 27.JAN 1993 e a data do auto de recepção provisória da obra, em sede de contrato de empreitada de obras públicas, à data regulamentado no artº 217º nº 1 RJEOP, DL 59/99 de 02.03: - “Logo que a obra esteja concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para o efeito de recepção provisória”.
A “sequente integração”, na terminologia do Acordo, teve lugar com o Auto de transferência de 15.03.1993, nele se referindo que é feita nos termos do PNR/85 “uma vez que esta estrada foi desclassificada como nacional, havendo interesse em que seja mantida como via de comunicação ordinária.”.

*
Todavia, tendo em conta o item 6 do probatório que transcreve na íntegra o “Auto de transferência”, verifica-se que este documento se refere expressamente ao “troço da Estrada Nacional número trezentos e cinquenta e seis, entre os quilómetros quarenta vírgula oitocentos e dezoito e cinquenta e nove vírgula trezentos e trinta e oito (Limite com o concelho de Alvaiázere -.Distrito de Leiria).
Donde se conclui que naquela data o troço entre o km 48,818 e o km 59,338 fazia parte da EN……….
E nos exactos termos do PNR/85, dado que a EN-….. integra a tipologia da rede nacional complementar – outras estradas do PNR/85 (vd. artº 3º nº 3) constante da respectiva lista anexa (vd. artº 3º nº 4), concretamente em III – Rede complementar (outras estradas).
Efectivamente, do PNR/85 consta a designação de EN-.. Batalha/…………, e não a designação de EN-……… …………. correspondente ao troço entre os km 48,818 e o km 59,338 a que se refere o litígio presente nos autos, sendo certo que ambos os documentos situam os ditos km 48,818 e o km 59,338 na EN-……,
O que significa que nos autos, esta quilometragem se reporta ao mesmo território estradal e não de lanços de estradas diferentes.
Temos, pois, assente este ponto da matéria de facto, de que
§ à data dos citados Acordo de colaboração, 02.12.1992 e Auto de transferência, 15.03.1993, o lanço de estrada dos mencionados km 48,818 e o km 59,338 situa-se na então classificada EN-………. pelo PNR/85.
Sendo certo que a EN-……… integra o domínio público rodoviário estadual, de acordo com a definição constitucional do artº 84º nº 1 d) da CRP e a qualificação material constante do artº 4º alínea h) do DL 477/80 de 15.1, sob a epígrafe “Domínio público” e cujos termos sãos seguintes:
§ Para efeitos do presente diploma, integram o domínio público do Estado: (..)
§ h) – As linhas férreas de interesse público, as auto-estradas e as estradas nacionais com os seus acessórios, obras de arte, etc..
E no que respeita ao domínio público rodoviário municipal - a que se refere o Regulamento Geral da Estradas e Caminhos Municipais aprovado pela Lei 2110 de 19.08.1961 – temos que o articulado do PNR/85 do DL 380/85 apenas estabelece que no prazo de 6 mesesaprovará diploma regulamentar da rede municipal” e que desse diploma “constarão as estradas nacionais a desclassificar, que se integrarão na rede municipal” – vd. artº 13º nºs. 1 e 2.
Diploma regulamentar que não chegou a ser publicado.
Neste sentido, a afirmação reportada à EN-. e constante do texto do Auto de transferência de 15.03.1993 de que “esta estrada foi desclassificada como nacional” (vd. item 6 do probatório), não tem sustentação jurídica, continuando no quadro do domínio público rodoviário estadual.

*
O que a nosso ver ocorre, é que no quadro tipológico do PNR/85 o troço entre os km 48,818 e o km 59,338 faz parte da EN-……. mas sofre alteração no quadro tipológico do PNR/2000 (que criou o novo tipo das estradas regionais) mostrando-se o troço em causa integrado na ER-……… constante da Lista V das estradas regionais do DL 222/98.
Neste sentido, o troço entre os km 48,818 e o km 59,338 permanece no elenco do domínio público rodoviário estadual de acordo com o PNR/2000, DL 222/98 de 17.07 (que revogou o PNR/85), na medida em que a ER-….., no trajecto designado por Pelma-Alvaiázere, consta da lista V em anexo a este diploma, referente às estradas regionais, como referido.
Sendo certo, ainda, que de acordo com o citado Diploma, as estradas regionais se mantêm “sob responsabilidade da administração central” e “subordinadas ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional” cfr. artº 12º nº 4 PNR/2000.
Efectivamente, quanto à nova tipologia das estradas regionais criada pelo PNR/2000 o artº 12º nº 4 do DL 222/98 na versão original estatuía que:
§ “Enquanto se mantiverem sob responsabilidade da administração central, as estradas regionais estão subordinadas ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional, incluindo o disposto no DL nº 105/98, de 24 de Abril”
Pela alteração introduzida no DL 222/98 pela Lei 98/99 de 26.06 o artº 12º nº 4 passou a ter a seguinte redacção:
§ “As estradas regionais estão subordinadas ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional, incluindo o disposto no DL nº 105/98, de 24 de Abril”
Como nos diz a doutrina, “(..) Com a alteração (do PNR/2000) pela Lei nº 98/99, o nº 4 do artº 12º deixa de fazer referência ao período transitório em que as estradas regionais estariam “sob responsabilidade da administração central”, abandonando, por outro lado, a previsão de um enquadramento normativo diferenciado das mesmas (à semelhança do que sucede com as estradas municipais – artº 14º), e passando a ser possível a sua integração nas redes municipais (artº 13º nº 2). (..)”(2)

*
Comparativamente com o regime do PNR/85, no PNR/2000 são definidas três tipologias, a saber, duas redes, a rede nacional fundamental (composta por itinerário principais – IP), a rede complementar (composta por itinerários complementares – IC e pela estradas nacionais - EN) acrescidas de outra tipologia, as estradas regionais – vd. artºs. 1º, 2º nº 1, 4º nº 1 e 12º nº 1.
Como nos diz a doutrina que vimos citando, “(..) Para uma distinção entre domínio público estadual e autárquico no continente, assume importância não despicienda nesta matéria o Plano Rodoviário Nacional (PRN) definido pelo DL nº 222/98, de 17 de Julho (com as alterações constantes da Lei nº 98/99, de 26 de Julho, e do DL nº 182/2003, de 16 de Agosto) que denota uma terminologia diferente da utilizada pelo DL nº 477/89.
De acordo com o PRN, deve distinguir-se entre rede rodoviária nacional (do continente) – “que desempenha funções de interesse nacional ou internacional” (artº 1º nº 1) – e as estradas regionais (do continente) – “comunicações públicas rodoviárias do continente com interesse supramunicipal e complementar à rede rodoviária nacional” (artº 12º nº 1).
Em qualquer destas hipóteses, parece encontrarmo-nos diante do domínio público estadual.
Se a questão da dominialidade estadual das estradas integrantes da rede rodoviária nacional deve considerar-se mais ou menos pacífica, atentos os interesses (de nível nacional) servidos pelas mesmas, o problema poderia revestir contornos mais complexos no que tange às designadas “estradas regionais” (do continente).
Todavia, não existindo entre nós a figura das regiões administrativas, em virtude das funções (de carácter supramunicipal) pelas mesmas desempenhadas e do regime jurídico que as disciplina (idêntico ao das estradas da rede rodoviária nacional – artº 12º nº 4) parece ser legítima a conclusão de que as mesmas integram o domínio público estadual, e não o domínio público autárquico. Por sua vez, esta solução tem a seu favor a vantagem resultante de uma gestão unificada das “estradas regionais”, cujo traçado, em algumas situações, atravessa municípios diferenciado (ver Lista V anexa ao PRN).
Integrarão o domínio público de cada município (a rede viária municipal – se quisermos utilizar a terminologia constante da alínea a) do nº 1 do artº 18º da Lei nº 159/99, de 18 de Setembro [quadro de atribuições das autarquias locais] as redes municipais de estradas, as quais abrangem, dentro do condicionalismo previsto pelo artº 13º, as estradas não incluídas no PNR; além disso, nos termos do mesmo preceito e segundo os mesmos pressupostos, também as estradas regionais podem vir a integrar as redes municipais mediante despacho do ministro da tutela do sector rodoviário. (..)” (3)

*
Exactamente porque a regionalização do território nacional não vingou ao nível da criação legislativa ordinária, em 1999 foi expressamente estabelecido na letra da lei o que já por via interpretativa era consequente, isto é, que as estradas regionais criadas em 1998 pelo PNR/2000 pertencem ao domínio público estadual segundo o regime da rede rodoviária nacional (artº 12º nº 4 do PNR/2000 na versão dada pela Lei 98/99).
E por isso, a versão original em 1998 do artº 14º do PNR/2000 que previa a regulação das estradas regionais e municipais por diplomas próprios foi alterada na versão dada ao artº 14º pela Lei 98/99, em que apenas a regulação das estradas municipais é remetida para diploma próprio e regula-se expressamente a mutação dominial das estradas regionais do domínio público estadual para o domínio público autárquico mediante dois requisitos formais,
§ protocolo a que se refere o artº 13º nº 1 DL 222/98 para as estradas não incluídas no PNR e,
§ despacho do ministro da tutela do sector rodoviário, cfr. artº 13º nº 2 DL 222/98 na redacção da Lei 98/99.

*
Pelo que vem dito temos o seguinte enquadramento: a EN-…….. é classificada no PNR/85 como estrada nacional; o diploma regulamentar da rede municipal com o elenco das estradas nacionais a desclassificar e integrar na rede municipal não chegou a ser publicado; o troço entre os km 48,818 e o km 59,338 faz parte da EN-…; no PNR/2000 o troço entre os km 48,818 e o km 59,338 passou a integrar a nova tipologia das estradas regionais, sob a designação de ER-……, incluída no elenco da Lista V anexa ao DL 222/98; as estradas regionais integram o domínio público rodoviário estadual, sendo passíveis de integração nas redes municipais ex vi artº 13º nº 2 PNR/2000 introduzido pela Lei 98/99.


3. mutações dominiais - transferência da propriedade - alteração na afectação;

Como vem sendo dito, a questão trazida a recurso centra-se em determinar se os instrumentos documentados denominados de Acordo de colaboração de 02.12.1992 e Auto de transferência de 15 de Março de 1993 são, no seu conjunto, idóneos à produção do efeito jurídico de transferência de domínio público do sector estadual para o autárquico no que respeita ao lanço de estrada entre os km 48,818 e o km 59,338 à data integrado na EN-…….
No caso dos autos está em causa a alteração de dominialidade no que tange à alteração da titularidade da propriedade pública estadual (rodoviária) para o domínio público municipal (rodoviário) integrando o âmbito de atribuições do ente autárquico no respeito pelo carácter funcional subjacente ao estatuto da dominialidade, pelo que não se trata de uma mera modificação de afectação,
De modo que, do ponto de vista jurídico, importa saber se do conteúdo tais documentos decorre a constituição de efeitos jurídicos num quadro de mutação dominial em sentido lato, que traduza a transferência para o Município ora Recorrente da titularidade do bem dominial estadual (rodoviário) constituído pelo troço entre os km 48,818 e o km 59,338 da EN-……, isto é, implica a transferência do direito de propriedade pública, para a prossecução pelo Município dos fins que se encontram a seu cargo em sede de rede viária municipal, de acordo com o elenco de atribuições das autarquias locais definido no artº 18º nº 1 a) Lei 159/99, 18.09, diploma que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais.

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Salienta a doutrina que as transferências de domínio, nomeadamente as que operam ao nível da titularidade e da função pública a que o bem estava e/ou vai passar a estar, podem assumir a forma de acto administrativo, contrato administrativo na veste de contrato de coordenação ou colaboração, e acto legislativo. (4)
No caso dos autos, à data dos citados documentos o troço entre os km 48,818 e o km 59,338 estava integrado na EN-…., segundo o PNR/85 instituído pelo DL 380/85 de 26.9, ou seja, sob a alçada do regime dominial estadual rodoviário, regime em que se manteve no PNR/2000 do DL 222/98 de 17.07 (que revogou o PNR/85), classificada como estrada regional, ER-…., no trajecto designado por …….., constante da lista V em anexo a este diploma, referente às estradas regionais;
E, como dito, manteve-se na dominialidade estadual rodoviária por disposição expressa de lei nos termos do artº 12º nº 4 do DL 222/98 na redacção introduzida pela Lei 98/99 de 26.06 - “As estradas regionais estão subordinadas ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional, incluindo o disposto no DL nº 105/98, de 24 de Abril”.
Portanto no PNR/2000 não se deu uma desclassificação dominial em favor das autarquias locais no tocante às estradas regionais, houve simplesmente uma reclassificação de tipologias, com a criação do novo tipo das estradas regionais tendo em vista a sua afectação como “comunicações públicas rodoviárias do continente com interesse supramunicipal e complementar à rede rodoviária nacional” (artº12º nº 1) pressupondo a regionalização territorial, que não chegou a ver a luz do dia.
Do complexo normativo conclui-se no sentido de um continuum de estatuto dominial estadual rodoviário no que respeita ao troço entre os km 48,818 e o km 59,338, integrado segundo o PNR/85 na EN-…. que passou a ER-… segundo o PNR/2000.


4. princípio da legalidade: preferência de lei; reserva de lei;

Relativamente a este troço entre os km 48,818 e o km 59,338 sustentam as Recorridas, com acolhimento na sentença do Tribunal a quo, que a transferência para o domínio municipal rodoviário em benefício do Município Recorrente se dou por força dos citados documentos, maxime pelo Auto de Transferência de 15 de Março de 1993 que materializa a integração no património viário da Recorrente do dito lanço conforme clausulado no Acordo de colaboração de 02.12.1992, ou seja, uma transferência de domínio via contratual, na tipologia do contrato de colaboração.
Um primeiro obstáculo a este entendimento radica nos textos legais citados, que apontam em sentido contrário, v.g. no citado artº12º nº 1 do PNR/2000 que manteve na dominialidade estadual as estradas regionais desta nova tipologia elencada na Lista V, anteriormente integradas no elenco das estradas nacionais segundo o PNR/85.
Sustentam as Recorridas que a transferência de dominialidade em favor da Município Recorrente é anterior à entrada em vigor do PNR/2000 pelo DL 222/98 de 17.07, por via do Auto de Transferência de 15 de Março de 1993 nos termos expressos do Acordo de colaboração de 02.12.1992.
Mas este entendimento também se defronta com um obstáculo, precisamente porque na circunstância a dominialidade rodoviária estadual assenta em acto legislativo ordinário (artº 112º nº 1 CRP) e o acto de transferência de domínio que as Recorridas sufragam assenta em acto não normativo, no caso, em contrato administrativo que é uma forma de agir própria das entidades administrativas e jurídicamente subordinada, como é sabido, ao princípio da legalidade, consagrado nos artºs. 2º e 266º nº 2 CRP e 3º CPA, tendo em vista garantir a conformidade da actividade administrativa com o direito e, consequentemente, com implicações directas no domínio interno da Administração pública.
O mesmo é dizer, o modo de agir administrativo não pode assumir um conteúdo contra-legem (preferência ou prevalência de lei) e, mesmo que não seja contrário ao bloco de legalidade, o agir administrativo em qualquer esfera da sua actividade há-de conformar-se com a definição primária contida em norma jurídica (reserva de lei). (5)
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Ora, no caso concreto, esse parâmetro normativo, tanto de preferência como de reserva de lei, existe, na medida em que a conformação rodoviária continental constante do PNR/85 aprovado pelo DL 380/85 de 26.9 estabeleceu duas tipologias de redes estradais e o PNR/2000 aprovado pelo DL 222/98 de 17.07 (que revogou o PNR/85) e estabeleceu na matéria das rodovias três tipologias.
A Administração tem de conformar-se com a definição primária contida no PNR/85 no que tange à classificação de estrada em que se integra o lanço entre os km 48,818 e o km 59,338 como estrada nacional, designada concretamente como EN-……..
O que significa que a Administração, exactamente por causa do princípio da legalidade na vertente de reserva de lei, não pode lançar mão de um acto não normativo (no caso, um contrato de colaboração) e desconsiderar as disposições constantes de fonte legal regulatória e tipicizada das situações estradais do continente segundo os parâmetros expressos quer de classificação quer de expressa especificação do PNR/85, traduzidos na rede nacional fundamental (composta por itinerário principais – IP) e na rede complementar (composta por itinerários complementares – IC e outras estradas), concretizadas nos artºs. 1º, 2º nº 1 e 3º nºs 2 e 4 do PNR/85 – DL 380/85.

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Em matéria de princípio da legalidade na dimensão de reserva de lei na perspectiva da anterioridade de fundamento jurídico-normativo da actuação administrativa, diz-nos a doutrina especializada que vimos citando “(..)o fundamento democrático da reserva de lei mantém a sua actualidade na medida em que não é idêntica, nem de idêntica intensidade, a legitimidade democrática de que são dotados os vários actos jurídicos emanados dos vários órgão do Estado.
No direito público português actual, a reserva de lei exprime uma preferência pela decisão normativa dotada de legitimidade democrática representativa directa ou imediata, que se encontra precisamente apenas nos actos formalmente legislativo (..)
O fundamento garantístico [da reserva de lei] fornece critérios de graduação da densidade da lei habilitante da actuação administrativa, pelo que assume importância fundamental em sede de reserva de densificação normativa . (..)
O princípio democrático permite explicar não apenas a sujeição da administração prestacional à reserva de lei, mas igualmente a extensão desta a todas as restantes esferas da administração. Defende-se, portanto, a existência de uma precedência total de lei, no sentido da precedência de uma norma democrático-representativamente legitimada e suficientemente densificada. (..)” (6)
Concretizando por reporte à Lei Fundamental e continuando a seguir a doutrina, “(..) Pela alínea v) do nº 1 do artº 165º da Constituição, está relativamente reservado à competência legislativa da Assembleia da República “a definição e o regime dos bens de domino público”. Salvo autorização ao Governo …, a identificação e o regime do domínio público são, pois, matérias reservadas ao parlamento (..)
Além da definição dos bens do domínio público, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, relativamente ao domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais, nos termos conjugados dos artºs. 84º nº 1 alínea f), nº 2, e 165º nº 1 alínea v), a definição (1) dos limites do domínio público, (2) do regime jurídico propriamente dito do domínio público (incluindo as regras sobre a aquisição, modificação e cessação da dominialidade) e (3) da utilização das coisas do domínio público.
A lei geral prevista no nº 2 do artº 84º da Constituição ainda não existe. Esta matéria fulcral continua, pois, a reger-se por um vasto e desconexo conjunto de diplomas legais, que seria fastidioso enumerar aqui. (..)” (7)
Com respaldo no enquadramento jurídico sustentado pela doutrina citada, voltemos ao caso dos autos.
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Ao contrário do que expressamente se verifica no PNR/2000, o PNR/85 não contém nenhuma habilitação legal legitimadora e suficientemente densificada que permita à Administração proceder a mutações dominiais do domínio público estadual rodoviário para o domínio público autárquico, concretamente no que tange às estradas que integram a rede complementar - outras estradas, em que se insere a EN-….
Mas essa fonte habilitante de actuação administrativa já existe no PNR/2000, aprovado pelo DL 222/98.
Efectivamente, em sede de DL 222/98 na versão dada ao artº 14º pela Lei 98/99 de 26.06, não só a regulação das estradas municipais é remetida para diploma próprio como se regula expressamente a mutação dominial das estradas regionais do domínio público estadual para o domínio público autárquico mediante dois requisitos formais,
§ protocolo a que se refere o artº 13º nº 1 DL 222/98 para as estradas não incluídas no PNR e,
§ despacho do ministro da tutela do sector rodoviário, cfr. artº 13º nº 2 DL 222/98 na redacção da Lei 98/99.
O PNR/2000 retira o lanço em causa da EN-…….. das estradas nacionais integrando-o na classificação das estradas regionais, no caso ER-.. e confere base legal legitimadora ao acto não normativo que determine a mutação do domínio público estadual para o domínio público autárquico, como não podia deixar de ser atendendo a que a forma escolhida é o acto administrativo ministerial.

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Tendo em conta o enquadramento normativo citado, não se pode ver no Auto de Transferência de 15 de Março de 1993 por reporte ao clausulado no Acordo de colaboração de 02.12.1992 um efeito jurídico de mutação dominial que ele não tem nem minimamente decorre do seu teor textual.
Efectivamente, no Acordo de colaboração expressamente se declara a sua finalidade de reabilitação rodoviária aproveitando os fundos comunitários do PRODAC mediante a execução de obras de reabilitação num determinado troço da EN-….. e a sequente integração no património viário da autarquia nele participante (Câmara Municipal de Ourém) e da autarquia de Alvaiázere.
E mais se declara no Acordo de colaboração que entrará em vigor “a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra”, de modo que são declarados os termos a quo e ad quem de vigência do citado Acordo de colaboração por referência ao despacho do Secretário de Estado datado de 27.JAN 1993 e a data do auto de recepção provisória da obra, em sede de contrato de empreitada de obras públicas, à data regulamentado no artº 217º nº 1 RJEOP, DL 59/99 de 02.03: - “Logo que a obra esteja concluída, proceder-se-á, a pedido do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, à sua vistoria para o efeito de recepção provisória”.
Em suma, o lanço de estrada entre os km 48,818 e o km 59,338 da EN-…. segundo a classificação tipológica do PNR/85, DL 380/85 de 26.9, a que se referem os documentos denominados Acordo de colaboração de 02.12.1992 e o Auto de Transferência de 15 de Março de 1993 integra o domínio público rodoviário estadual, não tendo sido objecto de mutação dominial em benefício do domínio público viário do Município de Ourém, ora Recorrente.

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Pelo exposto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens G a FF das conclusões.



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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e revogar a sentença proferida.
Custas a cargo dos Recorridos.

Lisboa, 26.FEV.2015

(Cristina dos Santos) ……………………………………………………………….

(Paulo Gouveia) ……………………………………………………………………

(Nuno Coutinho) …………………………………………………………………..





(1)Alberto dos Reis, CPC – Anotado, Vol. III, Coimbra Editora/1981, págs.206/207.
(2) Ana Raquel Moniz, O domínio público – o critério e o regime jurídico da dominialidade, Almedina/2006, pág. 233, nota 332.
(3)Ana Raquel Moniz, O domínio…, págs. 233/234.
(4) Ana Raquel Moniz, O domínio…, págs. 490 e 499/505.
(5) Marcelo Rebelo de Sousa/José Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, 3ª ed. D.Quixote /2010, págs. 159/160, 163, 167/169
(6) Marcelo Rebelo de Sousa/José Salgado de Matos, Direito administrativo… págs. 168/169, 174.
(7) Jorge Mirando/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora72006, págs. 84/85.