Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04711/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:01/17/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. IVA. FACTURA. FACTO TRIBUTÁRIO.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. O IVA constitui um imposto que visa tributar todo o consumo de bens materiais e serviços, sendo que a dívida de cada operador económico é calculada pelo método do crédito do imposto, em que cada sujeito passivo, num dado período de imposto, aplica a taxa devida ao valor global das transacções realizadas, deduzindo depois o imposto suportado nas compras desse mesmo período, revelado nas facturas de aquisição, sendo este resultado que constitui o imposto a entregar nos cofres do Estado;
2. O CIVA qualifica como sujeito passivo do imposto a pessoa física ou colectiva que em factura ou documento equivalente, como vendedores, mencionem IVA incluído no preço final, ainda que, em substância, o tenham feito indevidamente, sendo assim tal imposto devido ao Estado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Salvo o devido respeito, andou mal o douto tribunal "ad quo” quando procedeu à errónea interpretação e aplicação do preceito legal da al. c) do n.º 1 do art.º 2 do CIVA e esteou a sua fundamentação baseada na cópia da factura sem menção de IVA, de fls. 184
II – Na sequência da venda da viatura de marca Porsche, com a matrícula VC-82-48. à firma "B...- Aluguer de Viaturas S.A", foi emitida a factura n.º 01 de 30/04/1991, tendo como valor base a importância de 10.683.761$00 e IVA a quantia de 1.816.239$00 perfazendo o total de 12.500,000$00 (62.349,73 €).
III - A referida factura foi processada nos escritórios da "B..., S.A.", na presença do Impugnante, que a completou com a sua identificação e assinou.
IV – O impugnante não era sujeito passivo de IVA nem se encontrava enquadrado na altura em qualquer regime de sujeição do mesmo, pelo que não poderia ter emitido a referida factura, com a discriminação de IVA dedutível no valor de 1.816,239$00, pela venda da viatura à "B..., S.A.",
V - Assim ao ter sido mencionado indevidamente IVA o impugnante cai nas regras de incidência do imposto como prevê o art.º 2.º n.º 1 al. c) do CIVA, nos termos do qual "... são considerados sujeitos passivos de imposto as pessoas singulares que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA", Cfr. Acórdão do STA, de 24/04/2002, Processo n.º 026636, 2.ª Secção.
VI – Ao contrário do que é dito na douta sentença de que "...a Fazenda Pública não logrou juntar aos autos elementos probatórios que permitissem a conclusão contrária, ou seja, a
de que o Impugnante tivesse mencionado indevidamente IVA no recibo de quitação da venda do automóvel em causa, sendo que o ónus da prova pertencia à Fazenda Pública", consta nos autos cópia de factura, relativa à vendada viatura por parte do impugnante à "B..., S.A.", na qual vem identificado o ora impugnante, com a respectiva assinatura, bem como o valor recebido a título de preço e a título de IVA.
VII – E se o original da factura não foi junto aos autos é porque ela consta na contabilidade da empresa B..., SA que deduziu o IVA suportado na aquisição da viatura ora em
questão.
VIII - Salvo o devido respeito, não podemos concordar com a Meritíssima Juiz a quo quando diz que dos autos consta cópia de factura relativa à venda de viatura por parte do Impugnante à “B...S.A.", na qual vem identificado o Impugnante, bem como o valor recebido a título de preço, nada constando relativamente a IVA, baseando-se meramente no documento fls. 184.
IX – Então e o documento de fls. 22 não releva? Se há uma contradição entre o documento de fls. 22 e o de fls. 184 cabe à Meritíssima Juiz a quo o dever de realizar ou ordenar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade dos factos nos termos do artº. 13°. do C.P.P.T..
X – Não se conhece através da douta sentença ora recorrida as razões/motivos pelas quais o tribunal considerou relevante o documento de fls. 184 e não o de fls. 22 sendo este que acompanha o relatório da inspecção.
XI - Como refere XAVIER DE BASTO in CTF nºs 362 pág. 44, ",.. cada factura com menção do imposto, constitui "um cheque sobre o tesouro", dado aquele direito de dedução,"
XII – Pois a não entrega do imposto em causa, pressupõe um prejuízo para o Estado, na qualidade de credor do referido imposto, o qual é compensado através de juros compensatórios que são de natureza indemnizatória pelo retardamento da entrada do imposto nos cofres do Estado (art.º 89.º do CIVA), o que releva a existência de uma liquidação oficiosa, consubstanciada num facto tributário legalmente previsto, como condição indispensável para a exigência dos juros ora postos em crise.
XIII - Nestes termos, não se vislumbra razão plausível para a procedência da Impugnação, pois, sendo o Impugnante um destinatário normal, colocado perante a situação concreta, tinha todas as condições de "saber o que estava a assinar", e em momento algum, foi dito pela funcionária, ou até mesmo pelo Impugnante, que surgiram quaisquer dúvidas, sobre o referido documento, não havendo também lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, pois não há lugar a erro imputável aos serviços.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

PORÉM V. EX. AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também o recorrido veio a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


1.ª Para que o Recorrido fosse sujeito passivo de IVA nos termos do art. 2º/2/c) do CIVA, era necessário que tivesse emitido uma factura ou documento equivalente que mencionasse IVA, sendo este o facto tributário normativamente previsto; tal factura ou documento equivalente não consta destes autos nem alguma vez se poderá dar como provada a sua existência, sendo que a fotocópia de fls. 22 não constitui qualquer factura, nem sequer é um documento na acepção do art. 362° do Código Civil.
2.ª A alegada factura nº 01 de 1991 nunca poderia ser considerada para quaisquer efeitos, designadamente para conferir o direito à respectiva dedução pela B..., pois, além do mais, não obedece aos requisitos do art. 35°/5 do CIVA, designadamente não mencionando a taxa de imposto aplicável, que, à data, era de 17%.
3.ª A tributação nos termos do art.º 2.º, nº 2. Alínea c) do CIVA está dependente da existência de uma factura ou documento equivalente no qual seja mencionado, ainda que indevidamente, IVA, pelo que não tendo a Administração Tributária juntado tal documento aos autos, não fez a prova dos factos conforme lhe competia - facto tributário consubstanciado na emissão de uma factura.
4.ª É à Recorrente, e não ao Recorrido, que cabe, para fundamentar a liquidação de IVA, instruir o processo com uma factura ou documento equivalente subscrita pelo Recorrido, o que não sucedeu nos autos, não tendo sido produzida qualquer prova adicional por parte da Recorrente, que também não impugnou o documento junto pelo Recorrido.
5Tendo o Recorrido vindo a juntar aos autos cópia do recibo de quitação, único e real documento que assinou no momento da venda do veículo automóvel à empresa B..., haverá que concluir pela inexistência de facto tributário, como bem decidiu o tribunal a quo.
6.ª Subsistindo dúvida sobre o facto tributário, decorrente da falta de apresentação de título bastante para a prova do mesmo, e da existência nos autos de 2 documentos semelhantes, mas contraditórios quanto à sujeição a IVA da venda, é forçoso concluir pela ilegalidade do acto de liquidação, pelo que o acto de liquidação deve ser declarado nulo ou anulado como muito bem se decidiu na sentença recorrida.

NESTES TERMOS, deve o recurso apresentado pela recorrente ser julgado não provado e improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com as legais consequências; Assim se decidindo será cumprido o DIREITO e feita JUSTIÇA.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, devendo ser oficiosamente alterado o teor do probatório quanto à sua alínea c) e perante uma situação de dúvida deve ser mantida a anulação da liquidação.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterado no sentido propugnado pelo Exmo PGA, junto deste Tribunal; E se a indevida menção de IVA em documento de venda na posse do comprador, torna o imposto devido pelo vendedor.


2. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
a) Em 10 de Março de 1992, o ora Impugnante, A..., com referência ao ano de 1991, entregou declaração de rendimentos de IRS, com base em rendimentos que auferiu como trabalhador dependente - Cfr. documento a fls. 62;
b) O ora Impugnante, em 30 de Abril de 1991, vendeu à empresa B...- Aluguer de Viaturas, S.A., a viatura automóvel de marca Porshe, com a matricula VC-82-48 - Cfr.
documento a fls. 22, acordo;
c) Consta dos autos cópia de factura onde consta o seguinte:
"A...
Av. ...
2765 Estoril
Nº C 154329495
B...Aluguer de Viaturas, S.A.
Praça ..., 1- 5
1800 Lisboa
Contribuinte nº 502358092
Factura Nº 1
Data 30/04/91
Valor
Um veícu1o automóvel com
as seguintes características:­
­Marca: Porshe
Modelo: 944 S2
Matrícula: VC-82-48
Cilindrada: 2990
Chassis: (...)
Motor: (...)
Cor: Branca
Preço base 10.683.761$00
IVA
Total 12.500.000$00
Cfr. documento junto pelo Impugnante a fls. 184, não impugnado;
d) Consta dos autos Termo de Declarações, onde consta que foi ouvida em Declarações a Srª C..., na qualidade de empregada da firma B...
Aluguer de Viaturas, SA, relativamente à compra da viatura marca Porshe, matrícula VC-82-48, tendo referido o seguinte:
“(...) 1º A factura nº1 de 30/04/91 da venda da viatura acima indicada foi processada nos escritórios da B..., SA, na presença do proprietário da citada viatura, Sr. A..., que a completou com a sua identificação e assinatura.(...)" - Cfr. documento a fls. 23;
e) Em Abril de 1991 o Impugnante não era sujeito passivo em sede de IVA nem se encontrava enquadrado em qualquer regime de sujeição ao mesmo - Cfr. documento a fls. 16, acordo;
f) Em 7 de Maio de 1996 foi elaborada Informação por técnico dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, Divisão I, relativa ao ora Impugnante, da qual se destaca o seguinte:
“(...) o sujeito passivo acima indicado, com referência ao ano de 1991, entregou a respectiva declaração modelo 1 de IRS em 10 de Março de 1992, com base nos rendimentos que auferiu como trabalhador dependente na firma D...
Turismo, Lda, com sede na Praça ..., 20 r/c 1200 Lisboa, desconhecendo-se que o mesmo tenha exercido qualquer outra actividade de natureza comercial, industrial ou de prestação de serviços. Concretamente à matéria do acto
Constante da ficha de prospecção de 25 de Fevereiro de 1996, o contribuinte em causa não poderia ter emitido a factura n° 01 de 30/04/91, pela venda à B...Aluguer de Viaturas, SA., com sede na Praça ...1-5, }800 Lisboa, de um veiculo automóvel, marca Porshe, matrícula VC-82-48, no valor de 10.683.761$00, com a discriminação do IVA dedutível no valor de 1.816.239$00, uma vez que não é sujeito passivo em sede de IVA, nem se encontrava enquadrado na altura, em qualquer regime de sujeição do mesmo, pelo que na mesma foi mencionado IVA indevidamente liquidado, caindo, assim, nas regras de incidência como prevê o artigo no seu nº1, alínea c) do CIVA, facto este que obriga a entregar na Tesouraria da Fazenda Pública de Cascais, o correspondente imposto no valor de 1.816.239$00, indevidamente mencionado, no prazo de 15 dias a contar da emissão da factura, infringindo, assim, o artigo 26° do citado Código. ( . . . )" - Cfr. documento a fls. 15 a 19, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
g) Em 6 de Agosto de 1996 foi o Impugnante notificado para efectuar o pagamento da quantia de 3.989.754$00, sendo 1.816.239$00 de IVA e 2.173.515$00 de juros compensatórios - Cfr. documento a fls. 11 e 12;

Nenhum outro facto com interesse para a decisão da causa ficou provado.


4. Na matéria do seu parecer, pronuncia-se o Exmo PGA, junto deste Tribunal no seu parecer, que a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida deve ser alterado (bem como a recorrente), de acordo com a prova documental junta aos autos e a questão sobre que versa a liquidação impugnada, no sentido de trazer ao mesmo a contradição existente entre a cópia da “factura” que o ora recorrido diz por si ter emitido e aquela que foi encontrada na contabilidade da referida B..., e sobre que incidiu a referida liquidação.

Prescrutando a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, depois de, perspectivar as várias soluções plausíveis quanto ao direito a aplicar, na realidade, do probatório fixado na mesma sentença, a fixação de tal matéria quanto à “outra factura” que terá sido emitida pelo mesmo ora recorrido e cuja cópia consta de fls 184 dos autos, quanto aos seus dizeres, não a reproduz fielmente pelo que ora se completa, e a de cuja cópia consta de fls 22 (repetida a fls 25), nem sequer se mostra descrita, como da matéria da sua alínea b) se pode colher, faltando-lhe naquela a coluna de IVA e respectivo valor, a tal título, de 1.816.239$00, onde reside, a final, a dissensão entre a AT e o ora recorrido.

Assim, acrescentam-se ao probatório mais duas alíneas em ordem a dele constar tal materialidade, a fim de estabilizar o julgamento de tal matéria, para que depois se possa aplicar o direito que seja entendido como o devido:
h) A factura referida em b) supra, tem os dizeres constantes de fls 22 (repetida a fls 25), apresenta, para além do mais, duas colunas, uma encimada de Valor e outra de IVA, sendo que naquela primeira, em frente de Preço base, tem inscrito o montante de 10.683.761$00 e nesta segunda, à frente de IVA, o montante de 1.816.239$00;
i) Aquando da inquirição de testemunhas ocorrida em 13-7-2010, o ora recorrido veio juntar aos autos o doc. de fls 184, invocando que apenas nesta data ter o mesmo sido localizado, cuja junção a M. Juiz do Tribunal “a quo”, deferiu, o qual apresenta características semelhantes com o de fls 22, com excepção da coluna relativa ao IVA e as referências ao preço base e ao mesmo imposto, cujo valor igualmente dele não consta.


4.1. Para julgar procedente a impugnação judicial deduzida considerou a M. Juiz do tribunal “a quo”, em síntese, que não se verificou a indevida menção de IVA pelo ora recorrido em tal factura, pelo que não se encontravam reunidos os pressupostos da tributação, sendo que a AT não logrou provar tais pressupostos da tributação, cujo ónus lhe cabia, bem como condenou esta no pagamento de juros indemnizatórios, e não tendo conhecido do outro fundamento, por prejudicado.

Para a recorrente Fazenda Pública, é contra o assim decidido que se vem a insurgir (para a além invocada alteração da matéria de facto, supra conhecida), por o mesmo ao ter emitido e assinado a factura cuja cópia consta de fls 22 dos autos, com a menção de IVA nessa venda, ainda que de menção indevida se trate, o imposto nela mencionado é devido, já que tal factura serviu para a dita B...exercer o respectivo direito à dedução desse imposto, sendo que, se dúvidas houvesse face à incongruência entre os dois documentos, cabia à M. Juiz do Tribunal “a quo” tê-las removido, em ordem a apurar a realidade dos factos, para além de, sempre inexistir o direito a juros indemnizatórios.

Vejamos então.
A questão a dirimir no presente recurso jurisdicional passa por responder se no caso houve indevida menção de IVA em factura ou documento equivalente, já que a ter existido, a mesma constitui para o respectivo emitente, a obrigação de o entregar nos cofres do Estado (e sobre que as partes nem dissentem), nos termos do disposto no art.º 2.º, n.º1, alínea c) do CIVA, questão aliás que, a jurisprudência também tem, sem rebuços, respondido afirmativamente(1), tendo em conta o mecanismo de funcionamento do próprio imposto, como desde logo do ponto 4. do seu preâmbulo se pode colher.

No caso, a AT, ao ter encontrado na contabilidade da referida B...– Aluguer de Viaturas, SA, o escrito com as características descritas em b) do probatório [ora completadas na matéria da alínea h)], onde além do mais aparece discriminado o preço base do veículo vendido, o IVA que seria devido e que completariam o preço total a pagar por esta empresa, e com base no qual a mesma terá, então, exercido o correspondente direito à dedução do IVA a entregar nos cofres do Estado – cfr. art.º 19.º do CIVA – dele constando como tendo sido emitido pelo ora recorrido, logo fez dirigir contra o mesmo a acção de inspecção cuja cópia consta de fls 14 e segs dos autos, onde apurou que o mesmo não era sujeito passivo de IVA e nem se encontrava enquadrado, na altura, em qualquer regime de sujeição ao mesmo, onde inquirido declarou que a viatura teria sido vendida a um particular (o que não corresponde à realidade, como é manifesto, já que a mesma foi passada à referida B..., como compradora(2)), que nela não liquidou IVA, em virtude de o não poder fazer, tendo assinado o documento no momento da transmissão, pelo montante total de Esc. 12.500.000$00, ou seja sem desdobramento ou referência ao IVA – cfr. declarações de fls 20 e 21 dos autos – pelo que tal escrito, não pode deixar de ser da sua autoria, logo um documento (particular) verdadeiro, nos termos dos art.ºs 362.º, 373.º e 374.º do Código Civil.

Perante o conteúdo de tal documento e não tendo o mesmo, então, apresentado ou sequer referido, nessas declarações, que possuía a cópia ou duplicado do mesmo escrito onde se poderia colher o conteúdo acima referido de não ter sido liquidado e pago pela B...o referido imposto (para além do preço base do veículo), a AT fez-lhe estruturar uma liquidação oficiosa nos termos do disposto nos art.ºs 82.º e 83.º-A do CIVA, face à falta da sua oportuna entrega nos cofres do Estado por parte do mesmo, como se não coloca em causa.

E tendo por suporte tal escrito e bem assim a análise das declarações do ora recorrido, onde apenas veio invocar não ter então, sido no mesmo liquidado e discriminado qualquer IVA, sem qualquer prova, mas sem colocar em causa que o tenha assinado, assinatura que aliás confirma, não pode deixar de constituir factualidade suficiente para estear tal liquidação oficiosa, já que esses fortes indícios e a falta de entrega do imposto se afiguravam, com um alto grau de probabilidade, como aderentes com a realidade, o mesmo sendo de dizer que a AT não deixou de cumprir com o ónus probatório que sobre si impendia em ordem à prática desse acto, então com carácter genérico na norma do art.º 342.º do Código Civil e hoje, com expresso comando na norma do art.º 74.º, n.º1, da LGT.

A posterior actuação do ora recorrido, também não veio infirmar esses fortes indícios em que se fundou tal liquidação oficiosa colhidos pela AT.
Senão vejamos.
Na sua petição inicial de impugnação judicial, embora continue a articular que assinou tal escrito sem a menção de qualquer IVA, que igualmente o mesmo não discriminava – cfr. seus art.ºs 14.º e segs – veio confirmar que recebeu a totalidade dessa importância (12.500.000$00) – jamais tendo referido sequer, que em seu poder ficara com cópia ou duplicado do mesmo, onde tal não discriminação se verificava (como o que ora veio juntar), perante o teor da 1.ª sentença nestes autos proferida e em que foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida – cfr. fls 92 e segs dos autos – no seu recurso então interposto, igualmente nas suas conclusões, jamais veio invocar ser possuidor de alguma cópia ou duplicado no mesmo sentido – cfr. fls 138 a 142 dos autos – só, depois de os autos terem baixado, face ao provimento daquele recurso, por défice instrutório, e aquando da inquirição das testemunhas, é que o mesmo veio então, requerer a junção aos autos do citado do documento de fls 184, onde, efectivamente, nele não consta a citada coluna relativa ao IVA e nem os dizeres sobre, quer o preço base, quer a própria menção IVA, cujo valor, consequentemente, não menciona, apenas tendo invocado como fundamento para a sua junção tardia, então, apenas nesta data ter sido mesmo localizado.

Em nosso entender, no âmbito da livre apreciação da prova em que nos encontramos – cfr. art.ºs 376.º do Código Civil e 659.º, n.º3 do CPC – pela junção do citado escrito bem como das demais provas constantes dos autos, tendo em conta, designadamente que o ora recorrido jamais fez, nos autos, até então, menção sequer à existência do mesmo, desde logo na sua petição inicial de impugnação, que então cerca de 5 anos distavam da ocorrência dessa compra e venda, sendo natural que, se o mesmo existisse, ainda que não o soubesse localizar, tivesse referido a sua existência, sendo no mínimo duvidoso que, já aquando da inquirição das testemunhas em 13-7-2010 – volvidos que foram cerca de 19 anos, tivesse então, tão convenientemente, descoberto o mesmo, ou seja, a existência dessa real cópia ou duplicado do então escrito passado em 1991, dessa compra e venda, é algo que, por pouco verosímil, manifestamente, não se pode dar como provado e nem sequer como constituindo dúvida séria, fundada, sobre a existência do facto tributário em ordem à sua anulação nos termos do então art.º 121.º CPT (aqui divergindo, do aliás, douto parecer do Exmo PGA, junto deste Tribunal, que por tal dúvida pugnava).

E nem mesmo na matéria das conclusões das suas contra-alegações, veio agora o recorrido a esgrimir sequer em que circunstâncias localizou tal escrito, a fim de se tentar perceber da veracidade da real existência deste como uma cópia ou duplicado do que então o mesmo propugna que assinou no ano de 1991, aquando dessa venda, sendo certo também que nenhuma prova veio fazer em tal sentido, quer que agora é que tenha localizado a cópia ou duplicado do original então assinado, quer que nesse original, não tivesse já, então, discriminado e liquidado o IVA em causa (aliás, não se percebe mesmo como pode vir a afirmar que o escrito de fls 22 não constitui sequer um documento(3) – cfr. matéria da sua 1.ª - tendo em conta o disposto no art.º 362.º do Código Civil, que aliás até cita, quando no citado termo de declarações cuja cópia consta a fls 20 dos autos, expressamente confessa que o assinou aquando do momento da transmissão), sendo também irrelevante que tal escrito possa não reunir todos os requisitos para com base nele ser exercido o direito à dedução, já que face ao disposto no n.º2 do art.º 19.º do CIVA(4), apenas para este efeito, tais facturas têm de conter todos esses requisitos, questão que, de resto, é alheia a esta impugnação e a não tem por objecto.


Procede assim o recurso, sendo de lhe conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu.


4.2. Revogada a sentença recorrida, cabia a este Tribunal, em substituição, conhecer do outro fundamento da impugnação, ao abrigo do disposto no art.º 715.º, n.º2 do CPC, que, face à procedência da impugnação por aquele fundamento, ficara prejudicada no seu conhecimento, qual seja a de os juros compensatórios liquidados carecerem de fundamentação formal – cfr. art.ºs 38.º e 39.º da P.I. de impugnação – se para tanto os autos fornecessem os necessários elementos probatórios, mas não fornecem, já que dos mesmos apenas constam a cópia da certidão de dívida de fls 10 dos autos e a cópia da notificação de fls 11, para pagamento, não tendo os autos sido informados e nem instruídos nesse aspecto, desta forma nada constando dos mesmos como foi atingido o referido montante a tal título de Esc. 2.173.515$00.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa dos autos para ser conhecido do outro fundamento, após a devida aquisição probatória.


Custas pelo recorrido, em ambas as instâncias, na medida do decaimento.


Lisboa, 17/01/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO


1- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 24-4-2002, recurso n.º 26636.
2- Erro que continua a repetir na matéria do artigo 26.º da sua petição, indicando mesmo uma pessoa física como tendo sido a compradora.
3- Questão que tenta contornar na matéria da sua conclusão 5.ª, ao qualificar o documento que ora juntou como de quitação, quando de quitação nada tem – cfr. art.º 787.º do Código Civil.
4- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 15-4-2009, recurso n.º 951/08-30.