Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:136/12.5BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/15/2021
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA TIPICIDADE FISCAL
IRS – CATEGORIA G
INDEMNIZAÇÃO POR REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE IMÓVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I O ganho, da pessoa singular, pela indemnização em resultado da cessação de um contrato de arrendamento é considerado um incremento patrimonial tributado em sede de IRS, categoria G. conforme decorre, hoje da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, aditada pelo artigo 2.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12.
II Até à reforma da tributação das pessoas singulares, levada a cabo pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, a indemnização pela cessação do contrato de arrendamento não estava contemplada nas normas de incidência do IRS, enquanto rendimento da categoria G, previsto no artigo 9º, nº 1, alínea b), já que se assim fosse o legislador teria atribuído à “nova norma” (alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo) carácter interpretativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A..., veio deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra o ato de indeferimento da reclamação graciosa por si deduzida contra a liquidação de IRS do exercício de 2008, no montante de € 33.778,58.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, por sentença de 05 de maio de 2014, julgou improcedente a impugnação.

Inconformada, A... veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« a) - A sentença recorrida qualifica a indemnização recebida pela recorrente como lucros cessantes, entendendo ser esta uma compensação pela perda de benefícios, designadamente, a situação da renda barata de que a recorrente beneficiava no locado e nessa conformidade, enquadrada na alínea b), do n.° 1, do artigo 9.° CIRS, que prevê que os incrementos patrimoniais decorrentes de indemnização são tributáveis se tiverem por objeto danos emergentes não comprovados e lucros cessantes.

b) - A indemnização recebida pela recorrente, no montante de 97.442,006, foi acordada com o senhorio para propiciar a resolução do contrato de arrendamento com mais de 30 anos e com vista ao pagamento das benfeitorias implantadas por aquela no locado, durante esses 30 anos, e à reparação dos danos emergentes pela cessação do seu gozo, benfeitorias essas que consistiram na realização de obras de beneficiação, designadamente, instalação elétrica, instalação de canalização para água (com distribuição de água quente/fria) e saneamento, colocação de janelas, caixilhos e persianas, construção de uma casa de banho e cozinha, colocação de chão flutuante (madeira e mosaicos), com aquisição de loiças e outros utensílios para a casa, devidamente documentadas e não impugnadas pela AT, pelo que, indevidamente desconsideradas da prova pelo Mm.° Juiz "a quo".

c) - Ainda com a indemnização recebida a recorrente adquiriu um imóvel para sua habitação própria e permanente no valor de 56.000,006 e com o remanescente do valor indemnizatório, procedeu a impugnante a obras no mesmo, de restauro e conservação.

d) - O Tribunal "a quo" cometeu dois erros de julgamento:

e) - O primeiro erro resultou de não ter sido considerado provado, pelos documentos juntos e não impugnados, que a indemnização recebida pela recorrente se destinou a ressarcir benfeitorias realizadas no locado e danos emergentes pelo gozo do imóvel, tendo sido a justificação do Mm.° juiz "a quo", para não valorar esta prova, baseada na errada convicção de que, pela sua antiguidade, os documentos em causa não deveriam ser atendidos pelo tribunal, desconsiderando a imputação do valor gasto e documentado com as benfeitorias e o facto de, no acordo celebrado com o senhorio, não constar, expressamente, referenciado, que na fixação da indemnização as mesmas tinham sido contempladas.

f) - O segundo erro resultou do facto do valor da indemnização pago pelo senhorio e recebido pela recorrente, na qualidade de arrendatária, ter sido caracterizado pelo tribunal "a quo" como um verdadeiro rendimento quando, na realidade não estamos perante qualquer incremento patrimonial, mas antes, perante danos emergentes comprovados e lucros cessantes, isto é, a indemnização recebida pela impugnante deveria ter sido excecionada de tributação pelo artigo 9.° do CIRS, que estabelece a não tributação das indemnizações por danos emergentes comprovados.

g) - Nesta conformidade, o valor recebido a título de indemnização pela reclamante não deveria ter sido caracterizado pelo tribunal "a quo" como rendimento da categoria «G» e, assim, preenchendo, como erradamente se entendeu, a norma de incidência ínsita na alínea b) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS, mas antes, ser o mesmo enquadrado na exceção do mesmo artigo 9.°, que estabelece a não tributação das indemnizações por danos emergentes comprovados.

h) - Termos em que não deve a dita compensação ser caracterizada como incremento patrimonial e nesta conformidade não ser sujeita a imposto enquanto rendimento subsumível na Categoria G do IRS, excluindo-se de tributação,

i) - Foi, assim, violada, a alínea b) do n.° 1 do artigo 9.° do CIRS, na exceção de tributação aí prevista. 

- A Sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por decisão que exclua de tributação a indemnização recebida pela recorrente, anulando-se a respetiva nota de liquidação de IRS emitida e identificada sob o n.° 201155…, da qual resultou imposto a pagar no montante de 33.778,58€, com o que se fará JUSTIÇA.»


»«

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

»«

Foram os autos com vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n. º1 do CPPT, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

»«

Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

»«

2 – OBJECTO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do NCPC e 282.º, do CPPT).

Termos em que a questão sob recurso que importa aqui decidir, consiste em saber se a sentença padece dos erros de julgamento que lhe veem assacados, a saber:
1. Por não ter sido considerado provado, pelos documentos juntos e não impugnados, que a indemnização recebida pela recorrente se destinou a ressarcir benfeitorias realizadas no locado e danos emergentes pelo gozo do imóvel;
2. Por ter caracterizado a indemnização recebida pela Impugnante, em 2008, como verdadeiro rendimento e, consequentemente, sujeita a IRS

3 - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«1. Em 17/04/1984 foi celebrado o contrato de arrendamento do imóvel sito na rua N..., em Lisboa, sendo estabelecida a renda mensal de 900$00 (cfr. doc. junto a fls. 18, frente e verso, dos autos);

2. Pelo menos desde Junho de 2006 a renda do imóvel identificado no ponto anterior era paga à sociedade "H... - C..., S.A." (cfr. doc. junto a fls. 19 dos autos);

3. A Impugnante realizou no imóvel arrendado diversas obras (cfr. docs. juntos a fls. 28 a 38 dos autos);

4. Por acordo celebrado em 31/01/2008 entre a impugnante, na qualidade de arrendatária, e a sociedade "H... - C..., S.A.", na qualidade de senhoria, de um imóvel sito na rua N..., em Lisboa, a primeira recebeu a titulo de compensação pela revogação do contrato de arrendamento a quantia de € 97.942,00 euros (cfr. doc. junto a fls. 11 dos autos);

5. Do acordo identificado no ponto anterior consta que a Senhoria paga à impugnante a quantia de 97.942,00 a titulo de compensação global, a qual será sujeita a retenção na fonte (cfr. doc. junto a fls. 11 dos autos)

6. Em 20/03/2008 a impugnante adquiriu, pelo preço de € 56.000,00 euros, a fracção autónoma designada pela letra "F", inscrita na freguesia do Montijo sob o artigo 5… (cfr. doc. junto a fls. 13 a 15 dos autos);

7. Em 26/09/2009 a impugnante procedeu à entrega declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2008, com o anexo "G - incrementos patrimoniais", no qual inscreveu o valor recebido como indemnização - quadro 10, campo 101 -, indicando como valor retido na fonte o montante de € 14.691,30 euros. (cfr. doc. junto a fls. 16 a 19, frente e verso, do processo instrutor junto aos autos);

8. A administração tributária emitiu a liquidação n° 2011 55… da qual resultou imposto a pagar no montante de € 33.778,58 euros. (cfr. doc. junto a fls. 38 do processo instrutor junto aos autos);

9. A Impugnante deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação (cfr. doc. junto a fls. 1 do processo instrutor junto aos autos);

10. A reclamação graciosa por si deduzida foi indeferida por despacho de 30/12/2011 (cfr. doc. junto a fls. 52 do processo instrutor junto aos autos).


***

A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.

***

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos constantes da oposição, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.»


De direito
Em sede de aplicação do direito a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por considerar que que a quantia recebida pela impugnante a título de indemnização integra-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do IRS e, por conseguinte, sujeita a IRS.

A apelante discorda do decidido e imputa à sentença erros de julgamento encetando por dizer que o primeiro resulta de não ter sido considerado provado, pelos documentos juntos e não impugnados, que a indemnização recebida pela recorrente se destinou a ressarcir benfeitorias realizadas no locado e danos emergentes pelo gozo do imóvel.


Antes de mais importa recordar que, como tem sido largamente assumido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o erro de julgamento de facto ocorre nas situações em que se verifique que o juiz decidiu mal ou contra os factos apurados, ou seja trata-se de um erro que consiste num desvio da realidade factual (vide a titulo de exemplo e neste sentido o acórdão proferido por este tribunal em 25 de junho último no processo n.º 372/10.9BELRS).

Assim, e como em geral sucede, o julgamento da matéria de facto, constitui uma tarefa norteada por critérios de probabilidade lógica, prevalecendo na análise os contributos que se mostrem corroborados por outro tipo de provas, ou pelo menos, os que melhor se conjuguem entre si e/ou com as regras de experiência comum.

Tudo de acordo com o principio da livre apreciação da prova, que enuncia que o tribunal, timonado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indireta.

Porém, com já temos vindo a dizer, no que diz respeito ao julgamento da matéria de facto em 1ª. Instância, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa.

Com efeito, a lei processual impõe ao apelante o dever de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão, diferente da adotada na decisão recorrida, coisa que a recorrente não faz.


Dito isto, regressando ao caso em apreço e damos conta que o acordo de revogação do contrato de arrendamento assinado pela senhoria e arrendatária em que foi estipulada a indemnização não caracteriza aquilo que em concreto a mesma visava reparar, limitando-se a enunciar que a arrendatária (aqui recorrente) “… recebeu a titulo de compensação pela revogação do contrato de arrendamento a quantia de € 97.942,00 euros (ponto 4. do probatório).

Sendo certo que a prova apresentada pela impugnante quanto à realização dessas pretensas benfeitorias a fim de caraterizar o recebimento da referida importância como sendo uma indemnização que “… se destinou a ressarcir benfeitorias realizadas no locado e danos emergentes pelo gozo do imóvel,” é escassa, já que se queda pela apresentação de conjunto de documentos alguns sem qualquer tipo de identificação da pessoa do fornecedor dos bens e/ou prestador de serviços, outros sem a identificação do destinatário desses serviços, outros ainda não passam de simples orçamentos, sem qualquer garantia de que o trabalho ali orçamentado tenha sido concretizado.

Assim e embora se compreenda que, atento a que os documentos apresentados se reportam ao início dos anos 80, seja difícil agora fazer a prova documental da realização de tais benfeitorias, a verdade é que esta prova poderia sempre assentar em prova testemunhal, coisa que a impugnante não logrou apresentar.

Termos em que improcede o argumento deduzido, sendo forçoso concluir que a sentença recorrida não padece, nesta parte, do erro de julgamento de facto que lhe vem assacado.

Vejamos agora o que se nos oferece dizer quanto à caracterizado da indemnização recebida pela Impugnante, em 2008, e ao seu enquadramento em sede de tributação.

No texto decisório a Mma. Juíza a quo caracteriza a indemnização objeto do litigio como “compensação pela perda dos benefícios que a situação da renda barata lhe proporcionava, que pela sua natureza reúne mais características próprias dos lucros cessantes.

Por seu lado a recorrente, como vimos, pretende que a respetiva caraterização tenha em conta que o valor recebido teve por fim o ressarcimento de benfeitorias realizadas no imóvel locado e danos emergentes

Chegamos assim ao objeto substancial do objeto do litigio, mas antes que se passe à sua apreciação deixamos presente que o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à matéria da interpretação dos negócios jurídicos, devendo neste contexto, os referidos negócios ou contratos ser percebidos de acordo com as regras da interpretação da declaração negocial das partes, para o que regulam os artigos 236° a 239° do Código Civil (CC).

Vale isto por dizer que, independentemente da qualificação que as partes deram a determinado contrato ou acordo, com força de contrato, o que importa é apurar o que as partes quiseram, qual o sentido que as declarações abarcam.

A este respeito, transcrevemos, com a devida vénia, o que se disse no acórdão proferido pelo STA, em 29/01/2020 no processo nº 03104/11.0BEPRT 0772/18, quanto aos princípios de legalidade e tipicidade que balizam o nosso direito fiscal e que é o seguinte “… vigora, no Direito Fiscal, o princípio da legalidade que se traduz no brocardo nullum tributum sine lege e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes carácter preceptivo (cfr. artº 18º da C.R.P.).
Donde que, de acordo com o princípio da legalidade do imposto, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal devendo o intérprete cuidar de a conceber em termos restritos, aplicável, consequentemente, apenas aos casos e situações inequivocamente nela previstos.
Por outro lado, também é sabido que no Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade, que se traduz no brocardo latino nullum tributum sine lege, ou nullum vectigal sine lege, paralelo àquele outro, vigente no Direito Penal, nullum crimen sine lege. Assim como não há crime que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal, também não haverá imposto, nem isenção, que não corresponda a uma definição legal, a um tipo legal.
Nisto consiste a tipicidade do imposto.
A tributação só pode resultar da verificação concreta de todos os pressupostos tributários, como tais previstos e descritos, abstractamente, na lei de imposto. Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência a este princípio da tipicidade do imposto - cf. Soares Martinez, Manual de Direito Fiscal, 1987, p. 105 e 106.” – fim de citação.

Tendo presente estes considerandos e, bem assim, a materialidade dada por provada nos autos, ou seja, que a impugnante era titular de um contrato de arrendamento do imóvel sito em rua N..., em Lisboa, desde 17/04/1984, no qual detinha a posição de arrendatária e que por acordo celebrado entre esta e a senhoria, em 31/01/2008, recebeu a titulo de compensação pela revogação do contrato de arrendamento a quantia de € 97.942,00 euros (pontos 1., 4., do probatório), é para nós, obvio que a indemnização visa apenas compensar a arrendatária pela revogação do contrato de arrendamento de que vinha fruindo.

Ora o ganho da pessoa singular pela indemnização em resultado da cessação de um contrato de arrendamento é considerado um incremento patrimonial tributado em sede de IRS, categoria G. conforme decorre, hoje da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS, porém esta alínea só foi ali aditada pelo artigo 2.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12 que procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares, e consequentemente provocou alteração em diversos códigos fiscais.

No que se refere a este tipo de indemnizações, conforme também refere o acórdão do STA, de 29/01/2020, supracitado, o Manual de IRS de Paula Rosado Pereira, expende, na pág. 276 que:

“As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias (artigo 9º, nº 1, alínea e) do CIRS).

Esta norma de incidência foi introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro (Lei da Reforma do IRS). Anteriormente, as indemnizações por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis não se encontravam sujeitas a tributação em sede de IRS, em virtude da inexistência de norma de incidência específica que as previsse”.

Dito isto, continua o douto acórdão, citando jurisprudência deste TCA Sul, que também acompanhamos e que é o seguinte:

“Na jurisprudência, o Acórdão do TCAS de 13/12/2019, processo n.º 628/09.3BELRS (da Dr.ª Catarina Almeida e Sousa), versando uma situação em que a AT configurou, tal como no caso dos presentes autos a liquidação no âmbito da categoria G, tal como o sujeito passivo, pelo que não cabe indagar se a mesma estaria, ou não, incluída noutra categoria de rendimentos de IRS.

Como já antedito, o artigo 9.º, nº 1, alínea b) do CIRS, na redacção em vigor em 2007, previa, sob a epígrafe “Rendimentos da categoria G”, o seguinte:

“1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

b) As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de transacção, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão;”

Releva ainda para o caso o que o artigo 12.º, nº 1, do CIRS, sob a epígrafe “Delimitação negativa de incidência”, dispunha:

1 - O IRS não incide sobre as indemnizações recebidas ao abrigo de contrato de seguro ou devidas a outro título, salvo quando:

a) As indemnizações devam ser consideradas como proveitos para efeitos de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais;

b) Se trate das indemnizações referidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º;

c) Se trate das indemnizações relativas a bens sinistrados, de harmonia com o artigo 43.º do Código do IRC;

d) Neste Código se disponha diferentemente.

Como se expende no citado acórdão do TCAS “Temos, pois, que nos termos da apontada alínea b) do nº 1 do artigo 9º, incluíam-se, então, no âmbito de tributação as indemnizações por:

a) danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente,

b) danos emergentes não comprovados,

c) lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão.

Esta previsão legal foi alterada, concretamente com a reforma do CIRS de 2014, em termos que assumem uma especial importância para o caso que nos ocupa, ou seja, para as situações de indemnização do arrendatário por abdicar do imóvel que habita e pelas benfeitorias nele realizadas na pendência do arrendamento.

Com efeito, importa ter presente que a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, aditou ao nº 1 do artigo 9.º do Código do IRS uma nova norma de incidência, a alínea e), passando aí a ler-se:

“Artigo 9.º

Rendimentos da categoria G

1 – Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) As indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.”

A este propósito, e como meio auxiliar incontornável na interpretação, chama-se à colação o Anteprojecto da Reforma do IRS, de Julho de 2104, concretamente o seu ponto 4.1.12.10, no qual se pode ler o seguinte:

“A par com o que, como já referimos, acontece no âmbito das mais-valias de partes sociais e de outros valores mobiliários, também no caso das mais-valias imobiliárias se regista um regime injustificadamente restritivo ao nível das despesas elegíveis para efeitos da determinação destas mais-valias, pois a lei excluiu a dedutibilidade de gastos efetiva e necessariamente suportados para a respetiva obtenção.

Com o objetivo de assegurar uma tributação mais justa, que atenda à real capacidade contributiva, entende-se que deve ser alargado o leque de despesas a considerar na determinação de mais e menos-valias, passando a incluir as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis.

Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários” (negrito nosso).

A introdução desta previsão expressa na lei afigura-se relacionada com “com o cômputo do ganho passível de tributação em IRS enquanto mais valia, pela transmissão de bens imóveis, destinado à agilização do mercado de arrendamento imobiliário, tendo previsto a sua simétrica tributação” (cfr. CAAD, processo nº 67/2016-T do CAAD, de 05/08/16).

Realce-se, aliás, que o emprego da palavra “expressamente” – lê-se, “Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários” – no Anteprojecto de Reforma, a par da circunstância de o legislador não ter atribuído carácter interpretativo à alínea e) do nº 1 do artigo 9º do CIRS, levam-nos a concluir, com firmeza, que tal preceito se apresenta com carácter inovador.

Dito de outro modo, até à Reforma de 2014, levada a cabo pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a indemnização pela cessação do contrato de arrendamento e benfeitorias realizadas não estava contemplada nas normas de incidência do IRS, concretamente enquanto rendimento da categoria G, previsto no artigo 9º, nº 1, alínea b), como a Fazenda Pública aqui defende.

“Na verdade, se a primitiva redação já pretendesse abranger estes ganhos, seria natural que se atribuísse à nova redação natureza interpretativa, à semelhança do que é usual fazer-se nas leis orçamentais, quando se pretende que as novas redações (clarificadoras) se apliquem às situações potencialmente abrangidas pelas anteriores redações. Por isso, o facto de não se ter atribuída natureza interpretativa à nova alínea no sentido de que se ter pretendido ampliar o âmbito de incidência da referida norma e não mantê-lo, esclarecendo-o” - cfr. processo nº 67/2016-T já citado.

Temos, pois, que, a partir da Reforma do IRS de 2014, há uma nova despesa relevante para efeitos de cálculo das mais-valias imobiliárias e, em compensação (como o texto do Anteprojecto esclarece), uma ampliação simétrica, inovadora, da norma de incidência tributária, a que corresponde a supra transcrita alínea e) do nº 1 do artigo 9.º do Código do IRS – Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias, as indemnizações devidas por renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a bens imóveis.

Com efeito, foi, com novidade, incluída na norma de incidência uma nova realidade, não abrangida na redacção anterior do preceito, concretamente na formulação vigente em 2007, data a que se reportam os factos aqui em apreciação.

Portanto, tem razão o sujeito passivo, Impugnante, aqui Recorrido (corrigido – recorrente), quando defende que a alínea b) do nº 1 do artigo 9° do CIRS, na redacção vigente no ano 2007, não contempla a indemnização recebida.”- fim de citação

Retomando, novamente, a situação que nos ocupa atentamos que não obstante, esta seja reportada ao ano de 2008, em cujo ano a redação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do CIRS se bastou com a alteração de indemnizações resultantes de “transação” para as que advém de “acordo judicialmente homologado” (1), trata-se, como é obvio, de uma alteração, que em nada vem beliscar as considerações citadas, já que se reporta a data anterior ao aditamento da alínea e) do artigo 9.º do CIRS, concluímos assim, como o faz a jurisprudência citada que a indemnização aqui em apreciação, não se enquadra na norma legal vigente em 2008.

Aqui chegados arqueamos, no esteio da fundamentação citada, em conceder provimento ao recurso, julgar procedente a impugnação e determinar a anulação do ato impugnado, ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.

3 - DECISÃO
Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, julgar procedente a impugnação e anular o ato impugnado, com as demais consequências legais.

Sem custas.

Lisboa, 15 de abril de 2021.

[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Ana Cristina Carvalho e Ana Pinhol]


Hélia Gameiro Silva
(com assinatura eletrónica)

-----------------------------------------------------------------------------------------
(1) Artigo 9.º CIRS al. b) na redação que lhe foi dada pelo artigo n.º 43 da Lei 67-A72007 de 31/12 OE para 2008 – O negrito é nosso.
“As indemnizações que visem a reparação de danos não patrimoniais, exceptuadas as fixadas por decisão judicial ou arbitral ou resultantes de acordo homologado judicialmente, de danos emergentes não comprovados e de lucros cessantes, considerando-se neste último caso como tais apenas as que se destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão;”