Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:999/18.0BESNT
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:ADSE;
BENEFICIÁRIA FAMILIAR;
CÔNJUGE DE UM BENEFICIÁRIO TITULAR;
NÃO RENOVAÇÃO DO CARTÃO;
DECRETO-LEI N.º 234/2005, DE 30-12;
PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA E DA CONFIANÇA JURÍDICA;
DIREITO PRECÁRIO E RENOVÁVEL.
Sumário:I – Decorre do art.º 7.º, n.ºs 1, al. a), 2, 8.º, n.ºs 1, al. b), 3, 11.º, n.º 3, 14.º, n.º 4 e 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12, que o cônjuge de um beneficiário titular para se manter beneficiário familiar tem de provar que não está abrangido, em resultado do exercício de actividade remunerada ou tributável, por regime da segurança social de inscrição obrigatória;
II – Não é ilegal a decisão da ADSE de não renovação de um cartão a uma beneficiária familiar que não comprovou preencher os requisitos indicados no art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25-02, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12;
III - A circunstância da ADSE não ter verificado após a entrada e vigor do Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12 e até 2016 que aquela beneficiária não tinha direito a gozar do referido subsistema de saúde, não é suficiente para se julgarem violados os princípios da segurança e da confiança jurídica, pois o referido direito a usufruir da ADSE era um direito precário e renovável, que dependia da prova da manutenção de certas qualidades e não um direito atribuído a título duradouro.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

A ADSE, IP, Instituto de Protecção da Assistência na Doença, veio interpor recurso da sentença de 02-01-2019, na parte em que julgou procedente a providência cautelar requerida e determinou a concessão à A. e Recorrida da manutenção do direito a ser beneficiária familiar da ADSE.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”1. Discute-se na presente lide a suspensão da eficácia do ato que recusou a manutenção do direito da beneficiária familiar subsistema de saúde ADSE.
2. O aqui recorrente considera que se encontra extinta a providência cautelar, por o processo principal do qual depende não ter sido apresentado no prazo de três meses referido na alínea b) do n.9 2 do artigo 589 do CPTA, estando já caducado o direito de ação da ora requerente da providência, pelo que a 15.01.2019 apresentou, em requerimento autónomo, no Tribunal a quo pedido de reconhecimento da extinção da providência cautelar nos termos do n.9 3 do art.9 1239, conjugado n.9 1 do art.9 113 e al. a) n.9l do art.9 114, todos do CPTA.
3. Nestes termos, verifica-se a exceção tipificada na al. a) do n.9 1 do art.9 1239 do CPTA, circunstância que determina a extinção do presente procedimento, a qual deve ser reconhecida.
No entanto, e caso assim não se entenda, à cautela, se dirá que,
4. Mal andou a Sentença ora recorrida quando entendeu estarem preenchidos os pressupostos legais elencados no n.9 1 e 2 do art.9 1209 do CPTA.
5. O aqui recorrente entende que a requerente não tem toutcourt, nem nunca teve direito à concessão de direitos de beneficiária da ADSE, inexistindo assim fumus boni iuri que permita o decretamento da providência, o que significa que sendo os requisitos previstos no n.l do art.9 120 do CPTA cumulativos, a falta de um prejudica o conhecimento do outro.
6. Tal como foi assente nos factos provados da douta sentença ora aqui em apreço, a requerente esteve inscrita no subsistema de saúde ADSE, na qualidade de beneficiário titular, com o NUB 6……… - e sem que para tal tivesse direito, conforme se passa a demonstrar.
7. Essa situação apenas foi detetada no final de 2016, porquanto quando se procedeu a um controlo da entrega dos descontos dos beneficiários titulares nos termos do art.9 469 do Decreto Lei n.9 118/83, de 25.02, que só são efetuados na remuneração base dos beneficiários titulares, se verificou que a requerente não procedia à entrega dos descontos legalmente estabelecidos.
8. Controlo que se efetivou a partir de 2011, pois que até então a receita proveniente do desconto era objeto de liquidação pelas entidades empregadoras que depositavam o respetivo valor numa conta da DGO, recebendo a ADSE a informação dos montantes cobrados em base em mapas enviados por aquela entidade.
9. Quanto aos valores da remuneração/pensões que constituíam a base de incidência do desconto e as entidades que entregavam ou não o desconto, a ADSE não possuía qualquer informação.
10. A partir de 2011, embora a receite continuasse a ser liquidada pelas entidades empregadoras, estas, em cumprimento do Despacho n.9 1452/2011 do Gabinete do Secretário de estado Adjunto do Orçamento, ficaram vinculadas a remeter à ADSE a informação por beneficiário, sobre os montantes dos descontos e da contribuição da entidade empregadora e sobre os montantes que constituem a base de incidência.
11. Por outro lado, o controlo da entrega dos descontos dos beneficiários continuava a não ser exaustivo e a não assegurar a correção dos descontos efetuados pelas entidades empregadoras, porque além de não ser recolhida informação regular sobre o valor das remunerações/pensões dobre as quais incide o desconto, até 2016 a correção dos valores entregues continuava a ser não ser validada juntos dos próprios beneficiários, conforme informação no Relatório n.9 8/2016, 29seção, proc, 25/2015- AUDIT do Tribunal de Contas, no seguimento das Recomendações formuladas no relatório de Auditoria ao Sistema de proteção social aos Trabalhadores em Funções Públicas
12. Ressalve-se ainda que as receitas da ADSE, que financiam o esquema de benefícios, baseiam-se apenas nos descontos dos beneficiários titulares, segundo a sua remuneração, sem que tenham sido estabelecidos quaisquer mecanismos de quotização para os beneficiários familiares, para fazer face à existência de um grande número de beneficiários (familiares e isentos) que não contribuem para o financiamento do sistema.
13. De acordo com os requisitos estabelecidos no art.9 7 do DL 118/83, de 25.02 para a inscrição na ADSE de beneficiários familiares e para a renovação do direito ao subsistema de saúde ADSE, a requerente tenha que apresentar declaração de segurança Social que prove não estar abrangido em resultado do exercício de atividade remunerada ou tributável, por regime de segurança social de inscrição obrigatória, e cópia da última declaração do IRS e anexos.
14. Mas, ao contrário do que sucede com os beneficiários titulares, a renovação dos cartões dos beneficiários familiares/cônjuges não é automática, visto que a manutenção do direito à inscrição no subsistema de saúde ADSE implica sempre e necessariamente a verificação das condições legais para tal, a qual é feita periódica e anualmente.
15. Procedimento, aliás, foi incentivado na recomendação n.9 38 do citado Relatório n.9 12/2015 - 2^ secção, processo n.9 11/2014 do Tribunal de Contas, relativa à revisão "dos procedimentos de renovação dos cartões dos cônjuges beneficiários familiares, tendo em conta a necessidade de verificação regular da manutenção das condições legais que são requisito para a inscrição".
16. E é aqui que a douta sentença ora apreço fez uma incorreta interpretação da matéria de facto apurada, padecendo de erro nos pressupostos, bem assim como uma incorreta aplicação do direito, porquanto a requerente não alegou que cumpria um dos requisitos legais estabelecidos no art.9 79 do Decreto Lei n.9 118/83, de 25.02, para a inscrição na ADSE de beneficiários familiares, nem o Tribunal a quo apreciou este facto.
17. Como é confirmado pelos elementos constantes no processo administrativo e documento remetido pela própria requerida, verificou-se que é pensionista do Centro Nacional de Pensões, do regime geral, encontrando-se abrangida pelo regime de segurança social de inscrição obrigatória, i.é a sua inscrição resultou do facto de ter trabalhado durante alguns anos e de ter efetuado os correspondentes descontos obrigatórios para a segurança social, circunstancia que posteriormente justificou a atribuição de uma pensão de regime geral.
18. O aqui recorrente entende que claramente estamos perante um ato vinculado, isto é, aquele em que a Administração não tem qualquer poder de escolha em relação ao seu conteúdo, chegando à única solução possível derivada da lei aplicável, tendo a administração aqui uma função meramente executiva, sem poderes discricionários sobre a matéria.
19. Aqui chegados, podemos afirmar que mal andou o Tribunal a quo quando para fundamentar a concessão da providencia, menciona que em nome dos princípios da Boa Administração, da Justiça, da Razoabilidade e da Boa fé, refere que não pode a ADSE recusar a renovação do cartão de beneficiária da Requerente, com fundamento em disposição legal.
20. E posto desta maneira, da Douta Sentença parece resultar que pode a Administração praticar atos ilegais, desde que respeite os princípios da atividade administrativa consagrados nos art.s 55, BS e 109 do CPA.
21. Evidentemente que não se pode concordar com este entendimento, nem mesmo admitir, pois que antes de mais a Administração está sempre sujeita ao cumprimento do princípio da legalidade, devendo atuar em obediência à lei e ao direito.
22. Acresce que no caso da atuação da ADSE, os critérios sempre foram exatamente os mesmos para todos beneficiários, familiares ou titulares, nenhum tendo sido privilegiado, beneficiado, prejudicado, ou privado de qualquer direito, em razão dos direitos adquiridos, ainda que indevidamente atribuídos.
23. Nessa conformidade, quando constatou a ilegalidade da inscrição, o aqui recorrente não podia permitir a manutenção da inscrição de um beneficiário no subsistema de saúde da ADSE que não reúne os requisitos legais para esse efeito, proceder que, alias, adota para todos os outros beneficiários que nas mesmas condições se encontrem.
24. Assim a douta decisão recorrida violou o disposto n^l e 2 do artigo 120- do CPTA, disposições legais que devem ser aplicadas e interpretadas com o sentido e alcance das precedentes conclusões.”

A Recorrido nas contra-alegações não formulou conclusões.
O DMMP não apresentou pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Na 1.ª instância foram fixados os seguintes factos, que não vêm impugnados, que se mantêm:
1. A Requerente, desde 3.NOV/1949 a 5.OUT/1975, foi casada com J......., ex-agente da Polícia de Segurança Pública.
2. O seu marido faleceu em 5 OUT/1975 – cfr. doc. 1 que se dá por reproduzido.
3. A Requerente ingressou no sistema de saúde da ADSE em 10/01/1985, e teve, desde a data da sua inscrição, dois números de beneficiário: 6…… e 2……. – confissão, fls. 101 dos autos
4. Antigamente os cônjuges sobrevivos - como era a requerente, eram inscritos como titulares e, por isso, foi-lhe atribuído o número ADSE 6315712 – idem
5. Actualmente, a requerente é uma beneficiária familiar, com o número de beneficiária 024156400 – cfr. doc. 2 e fls. 65 e 101 dos autos.
6. Só é possível verificar a emissão dos cartões a partir de 2006, uma vez que a ADSE não possui o registo de cartões anteriormente emitidos – fls. 101.
7. Com o nº 6……. foram emitidos os seguintes cartões em suporte de papel:

- confissão, fls. 101
8. A Requerente trabalhou como costureira em Luanda – Angola, na “B……, Ldª”, em data que não se pode precisar – cfr. doc. 3.
9. Foi-lhe diagnosticado, entre outras, as seguintes doenças: Fibrilhação auricular; HTA, Dislipidemia; Asma; Anemia crónica, Litíase vesicular, Hipoacúsia - cfr. doc. 4.
10. Era seguida no Hospital da Luz, entre outros, pela especialista M……., que a seguiam, continuadamente, no tratamento das doenças mencionadas no artigo anterior - cfr. doc. 4.
11. O único rendimento da Requerente é, aproximadamente, de € 381,25, ao qual acresce um valor de € 101,68 a título de complemento por dependência e uma pensão de sobrevivência, por óbito de J....... – cfr. doc. 5.
12. A requerente tem 91 anos de idade – doc. nº 6
13. A ADSE recusou-lhe a renovação do seu cartão de beneficiária familiar da ADSE, com efeitos a partir da data do términus do cartão que se encontrava em seu poder (21/11/2017), com o fundamento no disposto no artº 7º do DL nº 118/83, 25 Fevereiro, na redacção dada pelo DL nº 234/2005, de 30/12 – docs. 8,9 e 10.
14. Em 16/10/2018 a Entidade Demandada veio juntar aos autos Resolução Fundamentada, tomada por Deliberação de 10/10/2018, nos termos seguintes:
“(texto integral no original; imagem)”







“(texto integral no original; imagem)”

(…)” - fls. 85 als.85 a 87 dos autos.

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil – CPC, acrescentam-se os seguintes factos, por indiciariamente provados:
15. Consta do doc. n.º 5, indicado no facto 11., que é relativo à declaração de IRS do ano de 2017, da A. e Recorrida, que a mesma auferiu naquele ano duas pensões, uma no total de €6.451,20 e outra de €5.124,00 – cf. o referido doc. nos autos.
16. Consta do doc. de fls. 74 dos autos em suporte de papel, que é relativo a uma declaração do Centro Nacional de Pensões (CNP) que foi enviada pela A. e Recorrida à ADSE, que no ao e 2017 a A. e Recorrida auferiu uma pensão de velhice paga por aquele Centro no valor mensal de €372,59 e uma pensão de sobrevivência no valor mensal de €103,51– cf. o referido doc. nos autos.

II.2 - O DIREITO
Antes de mais, cumpre referir a peculiar tramitação que seguiu o presente processo e que vai condicionar o conhecimento deste recurso.
Assim, nos presentes autos verifica-se que após a apresentação da PI e da oposição, em 02-01-2019, foi proferida sentença pela 1.ª instância, que julgou procedente a providência cautelar requerida. Considerando-se estarem preenchidos os critérios exigidos no art.º 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, foi determinada a providência cautelar antecipatória de concessão à A. da manutenção do direito a ser beneficiária familiar da ADSE.
Em 17-01-2019, foi interposto recurso dessa decisão pela ADSE.
Posteriormente, a ADSE veio requerer a extinção da providência decretada.
O pedido de extinção da providência decretada foi conhecido por despacho de 30-01-2019 e julgado improcedente.
A ADSE interpôs recurso do indicado despacho de 30-01-2019.
Por decisão proferida em singular, pelo Juiz Desembargador Relator neste TCAS, de 26-07-2019, foi anulado o julgamento de improcedência do pedido de extinção da instância e ordenada a baixa dos autos para que se ampliasse a matéria de facto à apreciação da efectiva apresentação da acção principal, após o que deveria ser proferida nova decisão. Por se entender que tal questão era prévia ao julgamento do mérito do pedido cautelar, julgou-se prejudicado o conhecimento do respectivo recurso.
Em 16-09-2019 foi proferida pela 1ª instância nova decisão, que julgou não verificada a extinção da providência cautelar.
Nessa mesma decisão determinou-se a notificação à ADSE para “informar se mantém o Recurso caso em que os autos deverão ser, oportunamente, devolvidos ao TCA Sul”.
Em 17-09-2019, a ADSE veio informar que mantinha o recurso apresentado contra a decisão de 02-01-2019, que julgou procedente a providência cautelar requerida, mantendo o “requerimento de Recurso, e respectivas alegações”.
Subiram, de imediato, os autos ao TCAS.
Por despacho de 11-11-2019 foi determinada pelo TCAS a baixa dos autos para que se cumprissem os art.ºs 145.º e 146.º do CPTA e se prolatasse o despacho de admissão ou de indeferimento do novo recurso interposto, ainda que por renovação do requerimento e alegações já apresentadas.
Foi admitido o recurso por despacho do Tribunal ad quo de 21-11-2019.
Foram apresentadas contra-alegações pela A. e Recorrida.
Frente a esta tramitação processual há, pois, que admitir o requerimento apresentado pela ADSE em 17-09-2019, entendendo-o como um verdadeiro requerimento de recurso, porquanto a sua forma anómala radicou no despacho judicial antecedente. Nesse seguimento, há também que admitir a remissão para as alegações e conclusões do recurso apresentado em 17-01-2019, ainda que o mesmo tenha já sido parcialmente conhecido pela decisão do Juiz Relator deste TCAS de 26-07-2019. Ou seja, teremos de admitir como válido o requerimento de recurso apresentado pela ADSE em 17-09-2019 e entender que as alegações e conclusões para as quais remete são as constantes do recurso já apresentado em 17-09-2019. Porém, na parte em que esse recurso foi conhecido, a saber, na parte relativa ao julgamento de improcedência do pedido de extinção da instância, já não nos cumpre agora reapreciar tal questão, sob pena de se duplicar julgamentos sobre um mesmo recurso. Ou seja, só pode aproveitar-se tal recurso na parte relativa à decisão de procedência da providência cautelar requerida.
Mais se indique, no que se refere à apreciação da questão da extinção da instância cautelar, que na sequência da decisão de recurso proferida pelo TCAS em 16-09-2019, foi feito um novo julgamento pela 1.ª instância, que decidiu pela improcedência da alegada caducidade da providência cautelar. Este novo julgamento não vem recorrido, pois a ADSE no requerimento de 17-09-2019 circunscreveu a renovação do recurso à “Sentença proferida a 02.01.2019”.
Em suma, cumpre agora apenas conhecer do erro decisório constante da “Sentença proferida a 02.01.2019”, por ter julgado procedente a providência requerida. Por conseguinte, irrelevam para o presente julgamento as alegações e conclusões relativas ao erro da decisão de 02-01-2019, na pare em que julgou não verificada a questão prévia da extinção da providência cautelar, por caducidade do direito de acção.

Com o enquadramento acima indicado, a questão a decidir neste recurso é:
- aferir do erro decisório e da inexistência de fumus boni iuris, por a A. e Recorrida não ter direito a ser beneficiária da ADSE, por não preencher os requisitos exigidos no art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25-02, porque efectuou descontos para o regime da segurança social, está a beneficiar de pensão de reforma pelo Centro Nacional de Pensões (CNP), por direito próprio e beneficia do regime de segurança social de inscrição obrigatória.

Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devam verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antevir que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do indicado preceito.
Conforme resulta indiciariamente provado nos autos, a A. e Recorrida goza da ADSE desde 1975, com o estatuto de beneficiária familiar, por o seu marido ter sido polícia em Angola. Após o falecimento do marido, a Recorrida ficou inscrita na ADSE como titular, com o n.º 6315712, enquanto cônjuge sobrevivo.
Nas alegações de recurso a ADSE invoca que só após 2016 - na sequência do Relatório n.º 8/2016, da 2.º Secção, proc. 25/2015 do Tribunal de Contas e das Recomendações aí feitas, para que se procedesse à validação junto dos próprios beneficiários das remunerações e pensões que constituíam a base de incidência do desconto entregue - conseguiu verificar a legalidade da atribuição do estatuto de beneficiário aos familiares de beneficiários titulares. Mais diz a ADSE, que aquele controlo começou a efectuar-se de forma não exaustiva a partir do Despacho n.º 1452/2011, do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Orçamento, que obrigou as entidades empregadoras a remeter à ADSE a informação discriminada por beneficiário das remunerações e pensões. Contudo, relativamente aos beneficiários da ADSE que não descontavam para o sistema - que nos finais de 2016 eram cerca de 392 mil - aquela transmissão inexistia e a respectiva verificação da legalidade da atribuição da condição de beneficiário ficou dependente das informações que viessem a ser prestadas pelos próprios.
Assim, após 2016, a ADSE verificou que a A. e Recorrida estava registada como beneficiária familiar, sem que tivesse direito, pelo que cancelou a sua inscrição no termo de validade do seu cartão, isto é, em 21-11-2017. Mais alega a ADSE, que sendo a A. e Recorrida uma beneficiária familiar, a renovação do seu cartão não era automática, mas dependia da verificação da manutenção das condições legais para o efeito, condições essas que inexistiam após a data do termo de validade do seu último cartão.
Na decisão recorrida entendeu-se que tal verificação, ocorrida mais de uma década depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 234/2005, de 31-12, ofendia os princípios da boa administração, da justiça, da razoabilidade e da boa-fé, pelo que se julgou verificado o requisito fumus boni iuris.
Não podemos acompanhar a decisão recorrida.
O art.º 7.º, n.º, 2, do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25-02, sob a epígrafe “Familiares ou equiparados”, estipulava o seguinte: “A inscrição na ADSE destes familiares só será viável desde que provem não beneficiar de qualquer outro regime de protecção social e enquanto se mantiver esta situação. A prova far-se-á mediante a apresentação de declaração passada nomeadamente pela entidade patronal, autoridade administrativa competente e caixas de reforma, pensão ou previdência, conforme as respectivas situações.”
Este art.º 7.º, n.º 2, foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12, que passou a estipular o seguinte: “A inscrição dos familiares só é possível desde que provem não estar abrangidos, em resultado do exercício de actividade remunerada ou tributável, por regime de segurança social de inscrição obrigatória, enquanto se mantiver essa situação.”
A referida alteração entrou em vigor em 14-07-2006 – cf. art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12 e Portaria n.º 701/2006, de 13-07-2006.
Por conseguinte, decorre do art.º 7.º, n.ºs 1, al. a), 2, 8.º, n.ºs 1, al. b), 3, 11.º, n.º 3, 14.º, n.º 4 e 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12, que o cônjuge de um beneficiário titular para se manter beneficiário familiar tem de provar que não está abrangido, em resultado do exercício de actividade remunerada ou tributável, por regime da segurança social de inscrição obrigatória.
Dos autos resulta indiciariamente provado que a A. e Recorrida é pensionista do CNP, por ter estado abrangida pelo regime de segurança social de inscrição obrigatória e por ter descontado pelo exercício de actividade remunerada ou tributável. Ou seja, resulta indiciariamente provado nos autos que após ter sido requerido pela ADSE para que a A. e Recorrida comprovasse a manutenção das condições exigidas pelo art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25-02, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12, esta veio a provar que era pensionista da CNP, porquanto tinha tido uma actividade profissional remunerada, que ficou abrangida pelo regime de segurança social obrigatória. A A. e Recorrida não comprovou, pois, as condições exigidas pelo art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02, mas comprovou o seu contrário.
Como decorre do art.º 7.º, do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25-02, a extensão dos benefícios da ADSE a familiares e equiparados – que nada descontam para o respectivo sistema – tem subjacente uma lógica de dependência económica daqueles em relação ao beneficiário titular. Ficam abrangidos pela norma apenas o cônjuge ou a pessoa que viva com o beneficiário titular em união de facto, os descendentes, os ascendentes e os equiparados, que estejam a cargo do beneficiário titular – cf. também art.ºs 9.º e 10.º do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02.
No caso, a A. e Recorrida aufere uma pensão de reforma paga pelo CNP, que a exclui do âmbito de protecção do art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02.
Assim sendo, estando verificado pela ADSE que a A. e Recorrida não tem o direito a manter-se como beneficiária familiar, não poderia este organismo continuar a aceitá-la nessa qualidade e, consequentemente, não poderia renovar-lhe o cartão.
É certo que a A. e Recorrida goza há mais de uma década de um direito que não têm, por falha de verificação da ADSE. Na verdade, como decorre da matéria de facto indiciariamente provada, após 14-07-2006 - a data da entrada em vigor do art.º 7.º, n.º 2, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 234/2005, de 30-12 – a ADSE não procedeu à confirmação da manutenção das condições para o benefício do respectivo direito por banda da A. e Recorrente e foi-lhe emitindo sucessivamente 5 novos cartões - cf. facto indiciariamente provado em 7. Porém, essa circunstância não é razão suficiente para se julgarem violados os princípios da segurança e da confiança jurídica, pois o referido direito a usufruir da ADSE era um direito precário e renovável, que dependia da prova da manutenção de certas qualidades e não um direito atribuído a título duradouro.
Na realidade, caducado o anterior cartão da A. e Recorrida, por ter terminado o período durante o qual a ADSE a considerou beneficiária familiar, não há que falar na revogação de um acto constitutivo de direitos, pois o direito que tinha sido concedido à A. e Recorrida esgotou-se com o passar do tempo ou pelo decurso do prazo que lhe foi previamente indicado. Ou seja, a A. e Recorrida não adquiriu nenhum direito por mero decurso do tempo, pois a manutenção da qualidade de beneficiária familiar dependia da verificação de certos requisitos, a aferir periodicamente.
Mais se note, que mesmo que entendêssemos o acto de atribuição da qualidade de beneficiário familiar à A. e Recorrida como constitutivo de direitos, a ADSE sempre o poderia revogar com fundamento na respectiva ilegalidade, nos termos do art.º 167.º, n.º 2, al. d) e 4, do CPA, pois a sua precaridade decorre do respectivo regime legal, a saber, dos art.ºs art.º 7.º, n.ºs 1, al. a), 2, 8.º, n.ºs 1, al. b), 3, 11.º, n.º 3, 14.º, n.º 4 e 19.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 118/83, de 25-02.
Em suma, no caso em apreço não se verifica existir o requisito fumus boni iuris. Consequentemente, não sendo provável a procedência da pretensão invocada na acção principal, claudica de imediato o presente pedido, não havendo que conceder-se à A. e Recorrida, antecipadamente, o direito a manter-se como beneficiária familiar no regime de protecção da ADSE.
Por essa mesma razão fica prejudicado o conhecimento dos demais requisitos indicados no art.º 120.º do CPTA.
Há, pois, que revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o presente pedido cautelar.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente o presente pedido cautelar.
- custas pelo Recorrente, na 1.º instância e no recurso (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 16 de Janeiro de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Pedro Nuno Figueiredo)