Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:194/20.9BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/18/2023
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PRESSUPOSTOS LEGAIS
FALTA DE PAGAMENTO DA LIQUIDAÇÃO
Sumário:I-A consagração expressa do direito a juros indemnizatórios consagrada no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.
II-O pagamento do imposto anulado é um pressuposto do reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, logo não resultando demonstrado o pagamento da liquidação impugnada, não há que reconhecer o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, carecendo de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A. C. contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019 5005573709, no valor de €42.097,20, e, em consequência, anulou parcialmente a liquidação impugnada, e condenou no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT.


***

A Recorrente formulou as seguintes conclusões:

“A – O Tribunal a quo, considerou estarem reunidos os requisitos do artigo 43.º da LGT e condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios ao Impugnante.

B – Contudo o pagamento de juros indemnizatórios é estabelecida no pressuposto do contribuinte ter pago o imposto, o que não aconteceu no caso sub judice, como resulta dos autos, e

C - Do Sistema das Execuções Fiscais da AT, onde se verifica que o processo se encontra na fase F005 Mandado de Penhora, por o impugnante não ter pago a liquidação nº 20195005573709 de IRS, no valor de € 42.097,20, de que foi citado a 20-10-2019, conforme doc.1 que se junta, nos termos do art.651º do CPC, em face do objecto da condenação.

D - Ora, não tendo o impugnante procedido ao pagamento do imposto carece de justificação legal a condenação “no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43.º da LGT”.

E - Decorre dos artigos 43º da LGT e do art. 61º do CPPT que, só há direito a juros indemnizatórios se tiver havido pagamento do imposto.

F - Uma vez que não houve pagamento do imposto se conclui que o Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do Direito, por errada aplicação do disposto no art.43ºda LGT.

G – Devendo a parte da sentença que condena a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios ser revogada, improcedendo o pedido.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida na parte em que condena em juros indemnizatórios a Fazenda Pública, assim se fazendo. JUSTIÇA.”


***

O Recorrido veio contra-alegar da seguinte forma:

“1.


Tendo sido notificado pelo Serviço de Finanças de Loulé da liquidação de IRS com o nº 2019 5005573709, com o montante de 42.097,20€ (quarenta e dois mil, noventa e sete euros e vinte cêntimos) relativa ao ano de 2018, por não se conformar com a mesma, impugnou judicialmente o ato de liquidação pedindo a anulação parcial do ato tributário, a redução para metade da quantia apurada, e ainda a condenação da Fazendo Pública no pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos.

2.


Nos termos e com os fundamentos fáctico-jurídicos expostos na douta sentença proferida, o tribunal a quo decidiu julgar totalmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, anular parcialmente a liquidação impugnada e ainda julgar totalmente procedente o pedido de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto no artigo 43º da LGT.

3.


A Fazendo Pública não se conformando com tal decisão, apresentou Recurso de Impugnação segundo o qual peticiona pela revogação da doutra sentença na parte que condena ao pagamento de juros indemnizatórios.

4.


A situação dos presentes autos enquadra o previsto no artigo 100º da Lei Geral Tributária:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.” (destaques nossos)


5.


Tal preceito necessita de ser conjugado com a letra do nº1 do artigo 43º, também da LGT, o qual estipula que o pagamento de juros indemnizatórios tem lugar quando tenha havido um erro imputável aos serviços do qual resulte uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

6.


Citando Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0886/14, de 19/11/2014:

“ (…) tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei (…)”.


7.


É ainda entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que:

"havendo um erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem normas de direito comunitário, e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro".


8.


Até porque, cabe à Administração Tributária, no exercício das suas funções, o respeito pelos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, celeridade e imparcialidade.

9.


Face ao exposto, a nota de liquidação nº 2019 5005573709 emitida pela AT, que considerou ser devido a totalidade do montante apurado do rendimento de mais-valias, é ilegal por violação do exposto no artigo 43º nº2 CIRS que deve ser interpretado à luz do direito comunitário e como tal ser aplicável a residentes de outro Estado-Membro da União Europeia.

10.


E, consequentemente, atendendo que o erro aqui em causa é imputável aos serviços tributários, deverá haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 100º e 43º da LGT.

11.


Segundo o nexo de causalidade subjacente no artigo 43.º da LGT, o pagamento de juros indemnizatórios exige que haja erro imputável aos serviços aquando da emissão das notas de liquidação ou apuramento errado de quantias devidas pelo contribuinte.

12.


Pese embora não tenha havido pagamento por parte do contribuinte, existe uma ordem de penhora que tem por base uma quantia exequenda errada.

13.

Citando o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 1770/12.9BELRS, de 05/22/2019: (1)

5. A obrigação de pagamento de juros indemnizatórios tem o seu fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado (...) Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando- se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária (cfr. artº.24, nº.1, do anterior C.P.Tributário; artº.43, da L.G.T.)


14.


Nos presentes autos, não foi necessário haver pagamento para que houvesse prejuízo, pois existindo uma ordem de penhora de uma quantia tão avultada como a peticionada pela AT, é prejuízo bastante.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso improceder e, em consequência, manter-se a decisão da douta sentença na íntegra, mantendo-se assim a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios vencidos e vincendos.”


***

A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A) O ora Impugnante A. C. reside na Irlanda – facto não controvertido; cfr. fls. 22 a 32 do registo do sitaf n.º 004581391;

B) Em 30-06-2019, o ora Impugnante apresentou a “Declaração Modelo 3 de IRS”, respeitante ao ano de 2018, tendo declarado o estado civil de solteiro, não residente e rendimentos da Categoria G – “Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, provenientes da alienação, em maio de 2018, de prédio urbano, sito na freguesia de Almancil, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… – cfr. fls. 9 a 14 do registo do sitaf n.º 004581391;

C) O Impugnante declarou, no Anexo G da Declaração Modelo 3 mencionada na alínea antecedente, o “valor de realização” no montante de € 275.000,00, o “valor de aquisição” no montante de € 74.819,68 e “despesas e encargos” no montante de € 16.912,50 - cfr. fls. 12 do registo do sitaf n.º 004581391;

D) Em 26-07-2019, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019 5005573709, referente ao ano de 2018, no montante de € 42.097,20 – cfr. documento junto à petição inicial (fls. 17 do sitaf);

E) A mencionada liquidação considerou como “rendimento coletável” e como “total do rendimento para determinação da taxa” o valor de € 150.347,16 – cfr. documento junto à petição inicial (fls. 17 do sitaf);

F) Em 04-09-2019, o Impugnante reclamou graciosamente da liquidação mencionada na alínea antecedente, essencialmente com os mesmos fundamentos que servem de base à presente ação – cfr. fls. 1 a 8 do registo do sitaf n.º 004581391;

G) Em 18-12-2019, a reclamação graciosa apresentada foi indeferida por despacho do Diretor da Direção de Finanças – cfr. fls. 60 a 66 do registo do sitaf n.º 004581391. “


***

Ficou consignado como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.”


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A decisão da matéria de facto consignou como motivação o seguinte:

“A convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, decorreu da análise crítica dos documentos juntos aos autos, tal como se fez referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório e cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.”


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Previamente ao aditamento da matéria de facto, no âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal, e por a mesma contender com a documentação junta com as alegações de recurso cumpre aferir da admissibilidade dos aludidos documentos.

A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC);

O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (2) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar facto posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”.
Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários. (3)

In casu, o documento constante de fls. 198 da plataforma SITAF, cumpre os aludidos requisitos, sendo o mesmo objetivamente superveniente à prolação da decisão recorrida, revelando-se a sua apresentação e junção necessária devido ao julgamento proferido em primeira instância, sendo certo que a realidade de facto neles retratada é não controvertida. Note-se, outrossim, que a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, reputando-se o mesmo com relevo para o mérito do presente recurso.

Em face de todo o exposto admite-se o aludido documento.


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Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada e não controvertida adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

H) A liquidação de IRS melhor evidenciada em D), não foi objeto de pagamento por parte do sujeito passivo A. C. (facto expressamente reconhecido pelo Recorrido, e corroborado pelo teor do documento com a referência 004687258 a fls. 198 da plataforma SITAF);

I) A 05 de outubro de 2019, e face ao descrito em H), foi instaurado o processo de execução fiscal nº …403, no valor de €47.888,14, encontrando-se na fase denominada de “Mandado Penhora” (facto alegado pela Recorrente, confirmado pelo Recorrido, e corroborado pelo teor do documento com a referência 004687258 a fls. 198 da plataforma SITAF);


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de IRS, no valor de €42.097,20, no segmento atinente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito, porquanto não estão reunidos os requisitos legais para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, previstos no artigo 43.º da LGT, concretamente o pagamento da prestação tributária liquidada.

Vejamos, então.

A Recorrente advoga que o pagamento de juros indemnizatórios é estabelecido no pressuposto do contribuinte ter pago o imposto, o que não aconteceu no caso sub judice, encontrando-se, desde logo, o processo executivo na fase F005 Mandado de Penhora, justamente por o Impugnante, ora Recorrido, não ter pago a liquidação nº 20195005573709 de IRS, no valor de €42.097,20, de que foi citado a 20 de outubro de 2019.

Assim, não tendo o Recorrido procedido ao pagamento do imposto carece de justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

Dissente o Recorrido, propugnando, desde logo, que o erro aqui em causa é imputável aos serviços tributários, razão pela qual deve haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos dos artigos 100.º e 43.º da LGT, a isso não obstando a inexistência de pagamento do imposto por parte do contribuinte, na medida em que existe uma ordem de penhora que tem por base uma quantia exequenda errada, acarretando, assim, prejuízo.

O Tribunal a quo esteou a condenação no pagamento de juros indemnizatórios relevando apenas o seguinte: “[p]rocede, igualmente, o pedido de condenação da Fazenda Públia no pagamento de juros indemnizatórios, por se mostrarem reunidos os requisitos constantes do artigo 43.º da LGT-erro imputável aos serviços.”

Apreciando.

Comecemos por convocar o regime jurídico e tecer os considerandos de direito que se afiguram relevantes neste e para este efeito.


A reposição da situação ex ante, passa pela reconstituição da situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado, realizando todos os atos materiais de execução que se revelem necessários para o efeito.

Conforme dimana do artigo 100.º da LGT, a reconstituição da situação que hipoteticamente existiria na ausência da prática de ato ilegal ter-se-á de coadunar e pressupor a reparação de todos os efeitos dos atos consequentes do ato declarado ilegal, donde com o reembolso das quantias indevidamente pagas.

Daí que, o direito a juros indemnizatórios seja entendido como um dos mais importantes direitos dos contribuintes no seio da relação jurídica tributária. A consagração expressa deste direito no artigo 43.º da LGT reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação, sendo devidos juros indemnizatórios sempre que os contribuintes sejam privados, de forma indevida, de meios financeiros por razões imputáveis à AT.


Este tipo de juros tem natureza indemnizatória, sendo que o dever do seu pagamento radica da responsabilidade civil da Administração pela prática de atos ilícitos –artigo 483.º do CC-, designadamente da privação indevida de capital por período ou o atraso na restituição de reembolsos. E, constitucionalmente consagrada no artigo 22.º da CRP.


Dispõe, neste âmbito, o artigo 43.º da LGT, com a redação à data aplicável, que:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

Mais preceituando o artigo 61.º do CPPT, que:

1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:

a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;

b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição;

c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento;

d) Pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do ato tributário.

2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

3 - Os juros indemnizatórios serão liquidados e pagos no prazo de 90 dias contados a partir da decisão que reconheceu o respetivo direito ou do dia seguinte ao termo do prazo legal de restituição oficiosa do tributo.

4 - Se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.

5 - Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

6 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, pode o interessado reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios nos termos previstos no n.º 1, no prazo de 120 dias contados da data do conhecimento da nota de crédito ou, na sua falta, do termo do prazo para a sua emissão.

7 - O interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito.

8 - O pagamento de juros indemnizatórios não está sujeito a impulso processual da iniciativa do contribuinte.

Como refere Jorge Lopes de Sousa: A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito". (4)
A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT, (5)
dimanando, assim, que para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu. (6)

In casu, não obstante o Recorrido convoque a questão atinente ao erro imputável aos serviços, a verdade é que a mesma, no caso sub judice, é não controvertida, porquanto o Tribunal a quo qualificou o aludido erro enquanto tal, não tendo o mesmo sido objeto de qualquer sindicância pela Recorrente.

Com efeito, o único pressuposto legal em que existe interpretação dissonante pelas partes nos autos, coaduna-se com o pagamento, propugnando a Recorrente que o pagamento da quantia liquidada é condição sine qua non para a procedência o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, defendendo o Recorrido tese oposta, reclamando, para o efeito, que basta, per se, a existência de um mandado de penhora.

Vejamos, então, a quem assiste a razão, adiantando, desde já, que a mesma se encontra na esfera da Recorrente.

Como visto, os pressupostos do direito a juros indemnizatórios encontram-se plasmados no citado normativo 43.º LGT, sendo os mesmos distintos consoante o seu enquadramento legal, podendo sintetizar-se os requisitos contemplados no seu nº1, da seguinte forma:

- Existência de um erro num ato de liquidação de um tributo;

- Esse erro seja imputável aos serviços;

- Definido em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial;

- Que determine o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ora, do supra expendido dimana perentório, inversamente ao propugnado pelo Recorrido, que é pressuposto basilar da condenação no pagamento dos juros indemnizatórios o pagamento indevido da correspondente prestação tributária. Como é bom de ver, só pode ordenar-se a restituição do que foi, efetivamente, pago e naturalmente incidem juros para locupletar essa privação de capital. (7)
Como doutrinado por José Maria Fernandes Pires e outros, (8) “[q]uando ocorre atraso na percepção do valor a pagar pelos contribuintes, o prejuízo correspondente do credor tributário é reparado com o pagamento de juros compensatórios e juros de mora. Quando o sujeito passivo do tributo efectua um pagamento indevido ou a administração tributária procede tardiamente à sua restituição, o prejuízo do sujeito passivo é reparado com o pagamento de juros indemnizatórios.” (destaques e sublinhados nossos).

Note-se, ademais, que carece de qualquer justificação legal a condenação no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional.

Como doutrinado no Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 1027/08, de 14 de janeiro de 2020, e demais jurisprudência nele convocada:

“Com efeito, e conforme é pacífico, só há direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT e do artigo 61º do CPPT, se tiver havido pagamento do tributo. Na verdade, a par de outros requisitos, o pagamento do imposto anulado é um pressuposto do reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

No caso, o que é facto é que não se prova que a impugnante, ora Recorrida, haja procedido ao pagamento da liquidação de IRS impugnada, o que expressamente resulta do número 1 dos factos não provados (e não impugnado).

Assim sendo, não há, para já, nenhum prejuízo de que deva ser indemnizada a impugnante, carecendo de justificação legal a condenação “no pagamento de juros indemnizatórios de forma condicional” – cfr. acordão do STA 18/10/06, processo 497/06-03.

Concluímos, deste modo, que não é caso de reconhecer à impugnante, ora Recorrida, o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.” (destaques e sublinhados nossos).

Ora, transpondo o supra expendido para o caso vertente, e resultando dos autos, e expressamente assumido e reconhecido pelo Recorrido, que inexistiu pagamento da liquidação impugnada, não há que reconhecer o direito a juros indemnizatórios.

De relevar, in fine, que contrariamente ao advogado pelo Recorrente a existência de mandado de penhora não pode lograr o alcance da condenação no pagamento de juros indemnizatórios, porquanto, como é bom de ver, um mandado de penhora em nada pode ser equiparado a um pagamento, sendo certo que, como evidenciado anteriormente, a letra da lei é clara reportando-se, inequivocamente, a pagamento.

A ordem de penhora mais não representa que um ato materialmente administrativo particado pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo executivo a que respeita visando, justamente, a cobrança atenta a falta de pagamento. Logo, insuscetível, per se, de determinar o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.

De resto, o pedido de juros indemnizatórios pela ilegalidade de um ato de penhora-aqui, naturalmente, não sindicado- não está contemplado em qualquer das normas do artigo 43.º da LGT, o que não significa que o lesado não possa valer o direito através de outros meios, caso demonstre ter sofrido prejuízos. (9)

Uma nota final para relevar que, in casu, não resulta, de todo, alegado e por consequência demonstrado, que tenham sido, efetivamente, penhoradas e arrecadadas quaisquer quantias e aplicadas no âmbito do visado processo executivo.

Destarte, a sentença que assim o não decidiu deve ser revogada, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica, relativamente ao segmento impugnado.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, e REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA, JULGANDO IMPROCEDENTE o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, com todas as legais consequências.
Custas pelo Recorrido.

Registe. Notifique.


Lisboa, 18 de maio de 2023

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Luísa Soares)













1) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de dezembro de 2001 - Processo nº 026233
2) Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.
3) Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.
4) Em anotação ao artigo 61º do CPPT, in Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado, I vol., Áreas Editora, Lisboa, 5ª edição, 206, p. 472.
5) Vide, acórdão do STA processo nº 01610/13, de 12.02.2015.
6) Vide Acórdãos proferidos nos processos: 1529/14, de 26.2.2014; 0481/13, de 12.3.2014; 01916/13; de 21.01.2015, 0843/14, de 21.01.2015; 0703/14, de 11.05.2016, 704/14 de 01.06. 2016.
7) Vide, Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 1616/11, de 02.03.2023.
8) Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal, Maria João Menezes, LGT comentada e anotada, 2015, Almedina. página 357.
9) vide, neste particular, o Acórdão do STA, proferido no processo nº 0745/12, de 09.01.2013.