Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:344/10.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/03/2018
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRS. CONVENÇÃO SOBRE DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:1)Quando sobre o mesmo exercício e sobre o mesmo rendimento os sujeitos passivos liquidaram imposto de rendimento na Alemanha e em Portugal origina-se a constituição de crédito de imposto a deduzir em face da Administração Fiscal portuguesa.
2)A declaração de rendimentos emitida pela Administração Fiscal do Estado da origem do rendimento, devidamente traduzida e autenticada, constitui elemento comprovativo suficiente do crédito de imposto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 136/158, que julgou procedente a impugnação deduzida por P. M. F. S. R. F. e E. A. F. contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação de IRS do exercício de 2008, proferida, em 23.09.2010, pela Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa.
Nas alegações de recurso de fls. 178/185, a recorrente formula as conclusões seguintes:
I. Está em causa a decisão que julgou procedente a presente impugnação judicial, por vício de falta de fundamentação.
II. Concluiu o tribunal a quo que "(...) A Administração Tributária apesar de deter os elementos documentais juntos pelos impugnantes, em sede de audiência prévia, não os considerou para efeitos de indeferimento da reclamação graciosa. Não tendo também explicitado as razões porque tais documentos não poderiam ser tomados em conta na decisão a proferir se, pela eventual extemporaneidade ou por não corresponderem aos necessários a comprovar a pretensão dos impugnantes. (...).
III. Acrescentando o mesmo aresto «acresce que o cumprimento do dever legal de fundamentação do acto administrativo, não pode considerar-se cumprido em data posterior à da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, aqui impugnada. Não relevando por conseguinte, nem o expendido no ofício, datado de 24-02-2010, nem em qualquer outro documento posterior ao da decisão da reclamação, como a contestação apresentada nestes autos, no que pretenda suprir o défice de fundamentação do acto impugnado»
IV. Ressalvado o devido respeito, que é muito, não concordamos com a fundamentação expendida na douta sentença, na medida em que e, ressalvada melhor opinião não faz uma interpretação e aplicação correta dos factos e das normas aplicadas à situação em apreço, porquanto,
V. Conforme resulta dos factos provados na douta sentença e brevemente sintetizados no ponto 2º das presentes alegações, os impugnantes para além de terem procedido ao exercício de audição prévia fora de prazo, uma vez que o prazo de 10 dias terminou a 27 de Dezembro de 2009, e os documentos apenas foram enviados, a 29 de Dezembro do mesmo ano, para o Serviço de Finanças de Lisboa 11, via fax.
VI. Fizeram-no para o serviço errado, quando devidamente notificados da morada para onde deveriam remeter o respetivo articulado, cfr. ponto iv. do artigo 2º, ou seja, Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por ser esta a entidade que se encontrava a analisar a Reclamação Graciosa em crise.
VII. Deste modo, andou bem a Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, quando elaborou o parecer no sentido da presente reclamação graciosa ser indeferida pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante desta decisão final, pois à data não tinha efetivamente conhecimento da entrada do requerimento e respetivos documentos que o compunham.
VIII. Mais se refira que, o teor envio do ofício enviado a 24 de Fevereiro de 2010, apenas pretendeu dar resposta, no âmbito do princípio da boa colaboração entre as partes, aos impugnantes do requerimento e documentos enviados aos autos de reclamação Graciosa
IX. Até porque, da informação elaborada pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, resulta claramente quais os motivos que levaram ao indeferimento da respetiva reclamação graciosa: «II. (...) Ora, o documento emitido pela autoridade fiscal alemã é uma fotocópia que não está autenticada. Assim, atento o disposto no Oficio-Circulado n.º 20022, de 19 de Maio de 2000, da extinta Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, mantêm-se a exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos. Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser indeferido, face ao incumprimento dos requisitos do Oficio-Circulado n.º 20124 de 09.05.2007 da Direção de Serviços de Relações Internacionais." (sublinhados [no original]…).
X. Por todo o exposto, entende a AT que o tribunal a quo falhou no seu julgamento quando decidiu ao julgar procedente a presente impugnação judicial por falta de fundamentação do ato impugnado.
X
A fls. 193/198, os recorridos proferiram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Formulam as conclusões seguintes:
I. Pretende a Fazenda Pública com o presente recurso obter a anulação da douta decisão que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelos ora recorridos, invertendo, outra vez, factos e responsabilidades para obnubilar a actuação e erros imputáveis à AT "in casu".
II. Os recorridos seguiram, de boa-fé, o procedimento administrativo tributário até à sua conclusão, quando a AT conclui pelo indeferimento da reclamação graciosa em 26.01.2010, não reconhecendo nem duplicação de colecta, nem dupla tributação internacional na esfera dos então reclamantes e referente a IRS do ano de 2008.
III. Àquela data, a AT já estava na posse da certidão dos rendimentos, taxas sociais e tributação liquidados e pagos na Alemanha, emitida pela Autoridade Tributária Alemã para o ano de 2008, bem como da necessária tradução autenticada, desde 29.12.2009.
IV. A impugnação judicial foi apresentada em 12.02.2010 e, por motivos não apurados, a AT/Serviço de Finanças de Lisboa-11 falhou a remessa dos originais da p.i. e documentos anexos ao Tribunal Tributário e, quando instada a proceder, realizou uma duplicação dos autos de impugnação na distribuição que foi resolvida por acto dos recorridos junto do Tribunal.
V. A actuação "minime" errática da AT contra os legítimos direitos e interesses dos aqui recorridos pode espelhar-se na seguinte sucessão de actos e datas, com a devida vénia:
V-1. Em 04-06-2010, mediante informação e competente despacho do Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa-11 concedeu na procedência do pedido referente a duplicação de colecta.
V-2. Em 24-09-2010, a Senhora Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa na Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho mantendo o acto tributário de liquidação já impugnado desde o mês de Fevereiro desse ano.
V-3. Pelo oficio n.º 21 303, de 09.11.2010, a Direcção de Serviços das Relações Internacionais notificou os então impugnantes e ora recorridos para apresentação dos documentos emitidos pela autoridade fiscal do Estado da fonte dos rendimentos (Alemanha), mais nele constando "(…) tendo em consequência beneficiado de um crédito de imposto por dupla tributação internacional (...)".
VI. Com todo o devido respeito, permita-se frisar que os documentos, notificações e despachos antecedentes constam dos autos, são do conhecimento oficioso da AT e tratam da mesma questão: IRS do ano de 2008, duplicação de colecta, dupla tributação internacional.
VII. Os recorridos não ocultaram e não omitiram os rendimentos auferidos e tributados em 2008, em Portugal e na Alemanha, como está provado nos autos de impugnação.
VIII. Não violaram nenhuma norma tributária, nem perante a AT Portuguesa nem perante a AT Alemã.
IX. AT poderia sempre ter verificado com a Autoridade Tributária Alemã a fiabilidade e veracidade da tributação aplicada aos aqui recorridos naquele Estado-Membro da U.E., ao abrigo da legislação-comunitária e nacional-sobre assistência e cooperação mútua em matéria tributária.
X. A AT está sujeita ao princípio da legalidade tributária "ex vi" do Art. 8.º da LGT, aos princípios do procedimento tributário (Art. 55.º da LGT) e ao princípio do inquisitório (Art. 58.º da mesma Lei).
XI. No caso "sub judice" e ora recorrido, a matéria do ónus da prova deverá regular-se pelo Art. 74.º, n.º 2 da LGT, salvo outro melhor entendimento.
XII. A AT, com a sua actuação neste caso concreto, gerou uma situação de dupla tributação sobre os rendimentos de trabalho auferidos no ano de 2008 pelos ora recorridos.
XIII. Por tudo quanto antecede, entendem os recorridos que o Tribunal "a quo" decidiu bem ao julgar procedente a impugnação judicial.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 154/158), no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação
2.1.De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 01-06-2009, a empresa F., Lda., emitiu declaração dos rendimentos auferidos em Portugal e na Alemanha, pelos seus trabalhadores P. M. F. S. R. F., contribuinte n.º 2..., e E. A. F., contribuinte n.º 1… - cfr. documento de fls. 21 e 22 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
B. Na sequência do envio pelos impugnantes, via internet, da declaração de rendimentos de IRS de 2008, em 23-07-2009 foi efectuada a liquidação n.º 2009 5……, de que resultou imposto a pagar no montante de €21.154,64 - cfr. documento de fls. 11 a 20 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
C. Em 21-09-2009, a empresa F., Lda. requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 8, para proceder à correcção oficiosa da importância declarada na Declaração de Rendimentos e Retensões-IRS/Modelo 10, submetida relativamente aos seus trabalhadores P. M. F. S. R. F., contribuinte n.º 2…… e E. A. F., contribuinte n.º 182689280 - cfr. documento de fls. 23 a 25 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
D. Em 23-09-2009, P. M. F. S. R. F. e E. A. F. remeteram ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 11 comprovativos da liquidação final do imposto pago no estrangeiro, a fim de dar cumprimento às obrigações previstas nas instruções de preenchimento, anexo J - cfr. documento de fls. 33 a 37 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
E. Em 12-10-2009, P. M. F. S. R. F. e E. A. F., apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS de 2008, nº2009 5….- cfr. documento de fls. 2 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
F. Em 02-12-2009, o Técnico da Direcção de Finanças de Lisboa prestou a Informação n.º REC1773/2009, relativa ao projecto de decisão da reclamação graciosa n.º 3…… com o seguinte teor: «(...) verifica-se que as alegações do reclamante, não têm fundamento, dado que: Após análise aos autos tem-se que a requerente é residente no território nacional (...) Tendo obtido rendimentos na Alemanha, é obrigada a declarar a totalidade dos rendimentos obtidos nesse país no Anexo "J", sendo os rendimentos obtidos em Portugal declarados no Anexo "A". Para beneficiar do crédito de imposto por dupla tributação internacional tem de apresentar documento original ou autenticado. Ora, o documento emitido pela autoridade fiscal alemã é uma fotocópia que não está autenticada. Assim, atento o disposto no Ofício-Circulado n.º 20022, de 19 de Maio de 2000, da extinta Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, mantêm-se a exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos. Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser indeferido, face ao incumprimento dos requisitos do Ofício-Circulado n.º 20124 de 09.05.2007 da Direcção de Serviços de Relações Internacionais. Ill - Parecer / Projecto de Decisão. Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correcção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja indeferida, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, consignado na participação da formação da decisão, a que se refere a alínea b) do n.º 1 do a/f. 60º da Lei Geral Tributária (...)» - cfr. documento de fls. 41 a 43 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
G. Em 10-12-2009, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho, aposto na Informação prestada a 02-12-2009, com o seguinte teor: «Concordo, pelo que, de acordo com a informação prestada e parecer que antecede, é o pedido do reclamante de indeferir nos termos e com os fundamentos expostos. Notifique-se para o exercício do direito de audição prévia» - cfr. documento de fls. 41 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
H. Em 14-12-2009, foi aposto carimbo de recepção nos CTT, da carta remetida pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, a P. M. F. S. R. e a M. T. P., na qualidade de representante daquela, concedendo o prazo de 10 dias, para o exercício do direito de audição prévia - cfr. documento de fls. 44 a 47 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
I. A 28-12-2009, pelo Cartório Notarial de A. J. A. S. foi emitido certificado de tradução da declaração de rendimentos, tributação e segurança social emitida pela Administração Tributária Alemã, referente aos impugnantes e ao exercício de 2008,do qual consta o seguinte: «(...) a qual, para certificação, me apresentou a apresente tradução, para a língua portuguesa, do documento original, escrito na língua alemã, tendo-me declarado sob compromisso de honra que a mesma foi por si feita e é tradução fiel e exacta do referido documento.» - cfr. documento n.º4 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido.
J. Em 29-12-2009, M. T. P., na qualidade de advogada dos Impugnantes remeteu por carta regista ao Serviço de Finanças de Lisboa- 11, o certificado de tradução da declaração de rendimentos emitida pela Autoridade Fiscal do Estado Alemão, referente ao ano de 2008 - cfr. documento n.º 3 e 4 junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por reproduzido.
K. Em 07-01-2010, o Chefe de Finanças, em substituição, do Serviço de Finanças de Lisboa - 11 remeteu à Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, o ofício n.º 107, datado de 06-01-2010, juntando o certificado de tradução da declaração de rendimentos emitida pela Autoridade Fiscal do Estado Alemão, referente ao ano de 2008, apresentado, em 29-12-2009, pela mandatária M. T. P., no âmbito da reclamação graciosa n.º 3…… - cfr. documento de fls. 53 a 66 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
L. Em 13-01-2010, o Técnico da Direcção de Finanças de Lisboa prestou a Informação n.º REC 1773/2009, no âmbito do processo de reclamação n.º 3……. com o seguinte teor: «(...) Ora, o documento emitido pela autoridade fiscal alemã é uma fotocópia que não está autenticada. Assim, atento o disposto no Ofício-Circulado n.º 20022, de 19 de Maio de 2000, da extinta Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais, mantêm-se a exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos. Nestes termos, sou de parecer que deve o pedido ser indeferido, face ao incumprimento dos requisitos do Ofício-Circulado n.º 20124 de 09.05.2007 da Direcção de Serviços de Relações Internacionais. III - Exercício do direito de audição. Assim sendo, e porque se propôs que a presente reclamação graciosa não fosse deferida na totalidade, houve lugar a audição prévia nos termos do n.º 2 do art. 60º da Lei Geral Tributária, não se tendo no entanto obtido qualquer reacção do reclamante, sendo assim de manterá decisão previamente notificada. IV-Conclusão. Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correcção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja indeferida, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante desta decisão final (...)» - cfr. documento de fls. 48 a 50 do processo de relação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
M. Em 28-01-2010, o Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho, aposto na Informação prestada a 13-01-2010, com o seguinte teor: «Concordo, pelo que, com os fundamentos constantes da presente informação e respectivo parecer, indefiro o pedido do reclamante nos termos em que vem proposto. Notifique-se (...)» - cfr. documento de fls. 48 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
N. Em 01-02-2010, através do ofício nº 008245, da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, M. T. P., representante de P. M. F. S. R. F., foi notificada de que a reclamação n.º 3…… foi indeferida por despacho datado de 28-01-2010 - cfr. documento de fls. 51 e 52 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
O. Através do ofício nº 015521 da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 24-02-2010, M. T. P. foi notificada de que: «No âmbito dos procedimentos tidos no processo de reclamação graciosa n.º 3…… cumpre informar que o certificado de tradução da declaração de rendimentos emitida pelas autoridades fiscais do estado alemão referente à reclamante P. M. F. S. R. F., NIF 2……, relativa a IRS do ano de 2008, entregue a título do exercício do direito de audição deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - 11 em 29.12.2009, depois do terminus do prazo do direito de audição. Verifica-se contudo que os documentos apresentados são iguais a outros, que já constavam dentro do processo e que tinha sido alvo de análise, motivo pelo qual não são apreciados novamente» - cfr. documento de fls. 67 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
P. Em 04-06-2010, o Técnico da Administração Tributária Adjunto, estagiário, prestou informação no processo n.° 3……, referente ao IRS do ano de 2008, de P. M. F. e E. A. F., propugnando o deferimento da impugnação e da qual consta o seguinte: «(...) o pedido a final é a rectificação dos montantes, para os valores que indicam ser os realmente auferidos. Subsidiariamente procuram ainda a obtenção de um crédito de imposto sobre o montante de imposto pago no estrangeiro, que indicam nas declarações. Sobre este processo, remetido para decisão do órgão periférico regional, foi emitida uma decisão de indeferimento do peticionado, concluindo-se que as alegações dos reclamantes não tinham fundamento, pois estes eram considerados como residentes e, nestes termos, caso procurassem alcançar da imputação do imposto pago no estrangeiro, teriam de fazer prova deste facto, pela apresentação de documento original ou autenticado, nos termos dos entendimentos já expressos sobre a temática da comprovação destes elementos declarados pela Administração nos ofícios - circulados n.°20724, de 9.05.2007, da DSRI e 20002, de 19.05.2000, da extinta DSDF. Contudo, salvo melhor entendimento, os ora impugnantes não colocam em questão o crédito do imposto. De facto, consultado o valor que foi considerado como dedução à colecta verificamos que este (€43.401,86), após o apuramento das restantes deduções /benefícios fiscais considerou a totalidade do imposto pago no Estado Alemão, por este ser inferior à fracção da colecta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas. O que vem controvertido neste processo é a alegada duplicação de colecta, resultante da duplicação dos valores auferidos, que se procurou sustentar, juntando aos autos um requerimento da entidade empregadora, apresentado na DGCI, onde se demonstram os valores que se pretendem ver considerados na liquidação, suscitando-se, para tanto, a rectificação do modelo 10. E sobre este ponto, a informação prestada na reclamação graciosa é omissa. Termos em que se considera ser de conceder procedência ao pedido dos impugnantes, determinando-se nova instrução do processo de contencioso administrativo (...) - cfr. documento de fls. 30 a 35 do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
Q. Em 04-06-2010, sobre a referida Informação, datada de 04-06-2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa - 11 (em substituição), proferiu o seguinte despacho «Concordo com a presente informação. Remetam-se os autos à Direcção de Finanças de Lisboa, para os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 112° do CPPT» - cfr. documento de fls. 30 do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
R. Em 23-09-2010, o funcionário da Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa prestou informação, do qual consta o seguinte: «(...) 12. Os ora Impugnantes deduziram reclamação graciosa sobre o acto tributário de liquidação aqui impugnado, foram devidamente notificados do projecto de decisão para exercício do respectivo direito de audição e apresentação da documentação em falta, não tendo no entanto exercido esse direito em tempo útil, conforme notificação, p.p. em fls 67 dos autos. 13. Em data posterior, os Impugnantes apresentaram documentação que se verificou ser repetitiva da inicialmente entregue, razão pela qual não foi objecto de qualquer apreciação, não revestindo ainda aquela qualquer meio de prova idóneo/obrigatório, nomeadamente comprovativo final do imposto pago no estrangeiro. (...) Concluímos assim: Que não se verificam vícios ou ilegalidades a nível da liquidação operada pelos serviços, e que esta ocorreu de acordo com os valores apresentados pelos ora impugnantes. Que não são conhecidos, nem estão determinados os montantes efectivamente auferido ou postos à disposição dos ora Impugnantes, porquanto se apresentam divergências em termos declarativos, de alegação, de entrega e de prova. Que estamos perante uma impossibilidade técnica de considerar qualquer crédito de imposto, porquanto desconhecemos, não só os montantes que foram efectivamente auferidos, como o valor do imposto suportado na Alemanha. Que não foi provado nem identificado qualquer crédito de imposto. Que não foram apresentados documentos de suporte probatório do alegado. Em face do exposto somos de parecer em que se deve negar provimento ao pedido mantendo o acto impugnado, e remeter-se os autos ao Representante da Fazenda Pública (...)» - cfr. documento de fls. 98 a 106 do processo administrativo junto aos autos, que aqui se dá por reproduzido.
S. Em 24-09-2010, a chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa proferiu despacho concordando com os fundamentos constantes da informação datada de 23-09-2010 e do parecer da mesma data, mantendo o acto impugnado - cfr. documento de fls. 107 do processo administrativo junto aos autos que aqui se dá por reproduzido.
X
Em sede de fundamentação da matéria de facto consignou-se o seguinte:
«a. Factos não provados: inexistem, com relevância para a decisão da causa.
b. Motivação de Facto: A matéria de facto julgada provada foi a considerada relevante para a decisão da causa, assentando a convicção deste Tribunal no teor dos documentos integrantes do processo judicial e do processo administrativo, que se dão aqui como integralmente reproduzidos».
X
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
T. A entidade empregadora dos impugnantes, F., Lda., declarou, através do modelo 10/IRS, do exercício de 2008, que pagou, a título de rendimentos (auferidos e obtidos no território nacional), a P. M. F. S. R. F., a quantia de €72.555,00, sobre os quais fez incidir imposto no montante de €19.217,00 – fls. 95 do p.a.
U. A entidade empregadora dos impugnantes, F., Lda. declarou, através do modelo 10/IRS, do exercício de 2008, que pagou, a título de rendimentos (auferidos e obtidos no território nacional), a E. A. F., a quantia de €50.650,00, sobre os quais fez incidir IRS no montante de €12.004,00 – fls. 96 do p.a.
V. Na declaração de rendimentos emitida pela AF Alemã, exercício de 2008, constam, em relação ao agregado composto pelos impugnantes, os elementos seguintes:
«Total do rendimento tributável - €126.104,00; total do imposto sobre o rendimento - €39.814,00» – declaração de rendimentos/tributação IRS e Segurança Social, emitida pela Autoridade de Finanças do Länder de Saarbrücken, exercício de 2008 - fls. 55/60, do p.a.
A declaração referida encontra-se junta aos autos em língua alemã, traduzida em língua portuguesa, devidamente autenticada.
X
2.2. De Direito
2.2.1. Nos presentes autos, vem sindicada a sentença proferida a fls. 136/158, que julgou procedente a impugnação deduzida por P. M. F. S. R. F. e E. A. F. contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação de IRS do exercício de 2008, proferida, em 24.09.2010, pela Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa.
2.2.2. Para julgar improcedente a presente impugnação, a sentença considerou, em síntese, o seguinte:
«Resulta do probatório que a reclamação graciosa em causa nestes autos foi indeferida em 28-01-2010, pelo Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, em concordância com os fundamentos constantes da informação prestada a 13-01-2010, segundo a qual o documento que foi entregue com a reclamação graciosa por ser uma fotocópia não autenticada, não cumpre os requisitos constantes de instruções administrativas da Administração Tributária, o que não foi sanado pelos Impugnantes em sede de audiência prévia. // (…) // Tendo-se provado ainda que, em 07-01-2010, o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa -11, remeteu à Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, o ofício n.° 107, datado de 06-01-2010, juntando o certificado de tradução da declaração de rendimentos emitida pela Autoridade Fiscal do Estado Alemão, referente ao ano de 2008, apresentado, em 29-12-2009, pela mandatária M. T. P., no âmbito da reclamação graciosa n.° 3……. // (…) // Ocorre que independentemente do cumprimento do prazo de 10 dias pelos Impugnantes, a Administração Tributária, em 29-12-2009, detinha os documentos com os quais os Impugnantes pretendiam influenciar a decisão da reclamação graciosa, tendo só proferido a decisão de indeferimento em 28-01-2010, com os fundamentos expendidos na informação de 13-01-2010. // Todavia, tais documentos não foram devidamente ponderados em sede de audiência prévia, não tendo sido tomados em consideração na decisão de indeferimento da reclamação graciosa. // (…) // Conclui-se, portanto, que a Administração Tributária apesar de deter os elementos documentais juntos pelos Impugnantes, em sede de audiência prévia, não os considerou para efeitos da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Não tendo também explicitado as razões porque tais documentos não poderiam ser tomados em conta na decisão a proferir se, pela eventual extemporaneidade ou por não corresponderem aos necessários a comprovar a pretensão dos Impugnantes».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, por alegado erro de julgamento. Afirma, em síntese, que os documentos juntos aos autos pelos impugnantes não podem ser considerados. É que «o documento emitido pela autoridade fiscal alemã é uma fotocópia que não está autenticada. Assim, atento o disposto no Oficio-Circulado n.º 20022, de 19 de Maio de 2000, da extinta Direção de Serviços de Benefícios Fiscais, mantêm-se a exigência da apresentação pelo contribuinte dos originais ou fotocópias autenticadas dos documentos, os quais serão apresentados devidamente traduzidos». Pelo que o acto tributário em liça não enferma do alegado vício de falta de fundamentação.
Vejamos.
A este propósito, de referir que o que seja fundamentação adequada do acto tributário decorre da lei. (1) A fundamentação do acto tributário deve dar a conhecer ao seu destinatário o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer outro. «A declaração do autor do acto deveria, pois, conter os elementos suficientes para que uma pessoa normal, perante a situação concreta, ficasse em condições de perceber quais as razões de facto e de direito que tinham determinado o mesmo autor a agir ou a escolher aquele conteúdo». (2)

«Diz-se suficiente a fundamentação que exterioriza todos os elementos com base nos quais a Administração fez uso do seu poder discricionário, de forma a poder reconstituir-se o «iter» lógico e jurídico do procedimento que culminou na decisão final; a fundamentação é clara se for perceptível, inteligível, sem ambiguidades ou obscuridades; e a fundamentação é congruente se se verificar existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos do acto (de facto e de direito) e os motivos do mesmo» (3) «Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto» (4) A fundamentação deve, pois, ser explícita, incisiva e precisa, deve ser congruente (e não ambígua ou contraditória) e deve ser suficiente, no sentido que deve dar conta da análise factual e do quadro legal em que se baseou[aram] o[s] critério[s] de decisão ínsito[s] ao acto tributário. (5)

O acto questionado corresponde à decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa à liquidação adicional de IRS do exercício de 2008, proferida, em 28.01.2010, pela Chefe de Divisão de Justiça Contenciosa da Direcção de Finanças de Lisboa (alínea M) do probatório).

A fundamentação do acto tributário em apreço resulta do enunciado na alínea L) do probatório. De onde resulta que o acto em apreço contem motivação acessível ao destinatário médio colocado na posição dos impugnantes/recorrentes.
A sentença ao julgar procedente a presente impugnação com base no vício de falta de fundamentação incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que não julgue procedente a mesma com base no mencionado vício formal.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
Havendo elementos nos autos e, uma vez observado o contraditório prévio, cumpre conhecer em substituição dos demais fundamentos da impugnação.
Notificadas as partes nos termos do disposto no artigo 665.º/3, do CPC, apenas os recorridos ofereceram alegações, reiterando a posição já vertida nos autos.
Concretamente, afirmam que a AT, com a sua actuação, gerou uma situação de dupla tributação sobre os rendimentos de trabalho auferidos no ano de 2008, na Alemanha e em Portugal, pelos ora recorridos; com tal procedimento, a AT agiu em violação dos arts. 8.º, 55.º e 74.º/2, da LGT e 24.º/1, da CDT Portugal-Alemanha, com erro imputável aos serviços.
2.2.4. Tendo em vista aferir do bem fundado da presente intenção impugnatória, cumpre ter presente que o pedido de anulação da liquidação de IRS de 2008 in judicio assenta, em síntese, na argumentação seguinte:
«A entidade empregadora dos "sujeitos passivos A e B / impugnantes", K. de P. – S. de E., Lda. (…) ao longo do ano de 2008 entregou erradamente nos cofres do Estado Fiscal Português:
Por retenções na fonte efectuadas ao "sujeito passivo A / impugnante", a importância de €19.217,00, valor resultante da incidência sobre remunerações, de importância €72.554,55 (setenta e dois mil quinhentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos).
Por retenções na fonte efectuadas ao "sujeito passivo B/ impugnante", a importância de €12.004,00 (doze mil e quatro euros), valor resultante da incidência sobre remunerações, de importância €50.650,00 (cinquenta mil seiscentos e cinquenta euros).
(…) no ano de 2008 os "sujeitos passivos A e B / impugnantes" estiveram ambos ao serviço da K. de P., 48 (quarenta e oito) dias em Portugal e 182 (cento e oitenta e dois) dias na Alemanha, num total de 230 (duzentos e trinta) dias úteis.
Pelo que, só deveria ter sido declarado em Portugal e retido em conformidade, o equivalente a 48 / 230 (quarenta e oito, duzentos e trinta avos) de: €72.554.55 e de €50.650,00.
Devendo ser declarado na Alemanha os restantes 182 / 230 (cento e oitenta e dois, duzentos e trinta avos) de: €72.554.55 e de €50.650,00. (6)

Por seu turno, a posição da recorrente é a de que os elementos coligidos nos autos não permitem ter a certeza sobre o montante e o local dos rendimentos auferidos pelos impugnantes, pelo que a liquidação deve manter-se, nos seus precisos termos.
Vejamos.
A este propósito estatui o artigo 24.º, n.º 1, al. a), da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha com vista a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital (7) [CDT] que «[q]uando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, podem ser tributados na República Federal da Alemanha, Portugal deduzirá do imposto sobre os rendimentos desse residente uma importância igual ao imposto sobre o rendimento pago na República Federal da Alemanha». Mais refere que a importância deduzida não poderá «exceder a fracção do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na República Federal da Alemanha».

Determina, por seu turno, o artigo 27.º/1, da CDT, que as autoridades competentes dos dois Estados devem trocar «entre si as informações necessárias para aplicar esta Convenção e as leis internas dos Estados contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista for conforme com esta Convenção».
No caso em exame, a pretensão impugnatória da liquidação em apreço assenta na existência na esfera jurídica dos impugnantes de crédito de imposto liquidado na Alemanha, por existência de dupla tributação, dado que sobre o mesmo exercício e sobre o mesmo rendimento, os sujeitos passivos em causa liquidam imposto de rendimento na Alemanha e imposto sobre o mesmo rendimento em Portugal. (8)

Factualidade que se mostra devidamente comprovada nos autos, mas que em caso de dúvida, cabia à AT apurar (artigo 27.º/1, da CDT). Tal circunstância origina a constituição de crédito de imposto a deduzir em face da AT portuguesa.

A desconsideração do crédito de imposto e do regime de evitação da dupla tributação que o sustenta, acima mencionado - independentemente dos valores concretos que lhe são de imputar, os quais, de resto, cabe à AT, apurar -, torna a liquidação impugnada inválida por vício de violação de lei, por ofensa ao crédito de imposto dos impugnantes em virtude da dupla tributação ocorrida.
Em face do exposto, impõe-se julgar procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação contestada.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e, em substituição, julgar a impugnação procedente, com a consequente anulação da liquidação contestada.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)


(2º. Adjunto)


1) Artigo 125.º/1 e 2, do CPA e artigo 77.º/2, da LGT.
2) José Carlos Vieira de Andrade, O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, Coimbra, 1991, p. 24.
3) Bernardo Diniz de Ayala, O (Défice de) controlo judicial da margem de livre decisão administrativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 219.
4) Artigo 125.º/2, do CPA.
5) Neste sentido, V. Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 70/74. V. também Acórdão do TCAS, de 14.04.2015, P. 06984/13.
6) Petição de reclamação graciosa, constante de fls. 2/9, do p.a., reiterada na petição inicial de impugnação.

7) Aprovada pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho.

8) Alíneas T. a V. do probatório.