Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:539/12.5BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:03/09/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:MERCADORIA COMUNITÁRIA
IVA
ESTATUTO COMUNITÁRIO
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I – As embarcações de recreio, ainda que fabricadas e adquiridas no território aduaneiro da comunidade (TAC), não têm um título de transporte único, navegam pelos seus próprios meios e de acordo com a vontade da pessoa que a utiliza, sem itinerário pré-determinado e não estão sujeitas ao regime de trânsito que permite às mercadorias comunitárias, apesar de saírem do TCA, não perderem o estatuto de mercadoria comunitária.
II – O TAC, no que se refere a águas marítimas, abrange apenas o limite das águas territoriais dos diversos Estados Membros da Comunidade, transponíveis pelas embarcações de recreio no seu percurso marítimo, o que se assemelha a um serviço de transporte de linha não regular.
III – A utilização desse serviço de linha não regular determina a perda do Estatuto Comunitário, passando a presumir-se essa mercadoria como não comunitária, o que significa que, salvo se aquele Estatuto for devidamente comprovado, é devido IVA pela respectiva introdução em livre prática e consumo, nos termos do disposto nos artigos 201.º e 202.º do CAC.
IV – Na especifica situação definida em III, é à parte interessada na manutenção desse Estatuto que incumbe o ónus de provar o preenchimento dos pressupostos de que está dependente, o que só pode fazer através dos concretos documentos referidos nos artigos 314.º e seguintes das DACAC.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I – Relatório

A..., inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação oficiosa de IVA, no montante de €280.600,00, proferido em 17.04.2012, pelo Director da Alfândega de ... e relativo à regularização aduaneira e fiscal da embarcação de recreio designada por «B...», dela recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo.

Nas alegações de recurso apresentadas formulou, a final, as seguintes conclusões:

«1ª. A douta sentença deu como provado, nas alíneas H e I do n°1 da parte III, relativa à fundamentação, que, em 6 de dezembro de 2007, foi emitido o Certificado de Registo Britânico n°..., relativo à embarcação B..., em nome de Banque Populaire ..., sociedade de direito francês com sede secundária em Itália;

2ª. A Recorrente utiliza a embarcação referida ao abrigo de um contrato de locação financeira datado de 28 de junho de 2007, cujo teor foi dado como reproduzido;

3ª. Ao dar como provados os factos supra anteriormente descritos, não pode o Tribunal a quo sustentar o indeferimento da impugnação no facto de não terem sido juntos os documentos solicitados pela Alfândega de ..., já que fazem efetiva prova do estatuto comunitário da embarcação;

4ª. A embarcação em causa, para além de ter sido construída em Itália, foi adquirida por uma sociedade de direito francês, com sede secundária em Itália, tendo sido posteriormente objeto de locação financeira a favor do Recorrente, pessoa singular residente em Portugal;

5ª. Desde a data da respetiva construção até ao presente momento, a embarcação B... sempre permaneceu dentro do espaço da União Europeia, gozando, por essa razão, do estatuto aduaneiro comunitário;

6ª. Consideram-se mercadorias comunitárias as inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade, as importadas de países ou territórios que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade, mas que tiverem sido introduzidas em livre prática e as obtidas ou produzidas na Comunidade a partir das mercadorias comunitárias ou não comunitárias;

7ª. A embarcação goza do estatuto aduaneiro comunitário, pelo que a prova pode ser efetuada através das chapas de matrícula e dos documentos de registo emitidos por um Estado membro;

8ª. A prova referida na conclusão anterior pode igualmente ser efetuada através da fatura ou de outro documento que demonstre a legitimidade da utilização, como é o caso do contrato de locação financeira;

9ª. O Tribunal a quo não podia considerar que a embarcação foi objeto de uma importação, já que foi produzida no espaço da União Europeia, foi adquirida por uma sociedade de direito francês, com sede secundária em Itália, tendo sido posteriormente objeto de locação financeira a favor de uma pessoa singular residente em Portugal;

10ª. A embarcação nunca saiu do território aduaneiro da Comunidade, pelo que não pode ter ocorrido nenhuma importação, razão pela qual a eventual sujeição a imposto fica dependente da localização ou não em Portugal da prestação de serviços de locação de que ela foi objeto;

11ª. A prestação de serviços de locação financeira, cujo contrato foi celebrado entre o banco francês, com sede em Itália, e o ora Recorrente, foi sujeito a IVA à taxa legal vigente em Itália, sendo a respetiva cobrança efetuada em função do pagamento de cada uma das oitenta e quatro (84) rendas;

12ª. A liquidação oficiosa efetuada pela Alfândega de ... é ilegal porque a embarcação não foi importada, uma vez que nunca esteve fora do território aduaneiro comunitário, foi fabricada na União Europeia, mais concretamente em Itália, e foi objeto de um contrato de locação financeira, sujeito a IVA;

13ª. A embarcação não saiu do território aduaneiro comunitário durante o trajeto que necessariamente teve que ser efetuado desde o local da respetiva construção e locação financeira até ao território nacional;

14ª. A liquidação oficiosa em causa é ilegal, tendo em conta que a locação financeira efetuada a favor do Recorrente, em conformidade com os códigos do IVA italiano e português, se considera localizada em território italiano e nesse país tem vindo a ser efetuado o pagamento do IVA, em conformidade com o disposto no n°12 do artigo 6° do Código do IVA;

15ª. A locação é efetuada a uma pessoa que não é sujeito passivo do IVA e a embarcação é efetivamente utilizada em território nacional, sendo certo, porém, que o locador tem a sede da sua atividade estabelecida em dois países, França e Itália, ambos pertencentes à União Europeia;

16ª. A locação financeira apenas seria tributada em território nacional se o locador teria que ter a sede da atividade, o estabelecimento ou a residência fora da União Europeia, situação que não se verifica no caso concreto em apreço;

17ª. A tributação de uma importação, que nunca ocorreu, conduziria a uma dupla tributação, já que, estando a ser pagas, pontual e integralmente, as rendas devidas pelo contrato de locação financeira, o Recorrente seria novamente tributado em relação ao mesmo bem;

18ª. Os factos provados demonstram que a embarcação nunca esteve fora do território aduaneiro da Comunidade e a Alfândega de ... não logrou demonstrar o inverso, tendo em conta que, desde a data da respetiva construção até ao presente momento, esteve sempre e continua a estar dentro do território aduaneiro da comunidade.

Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, procedendo-se à revogação da sentença e, por via disso, à anulação da liquidação oficiosa no montante de € 280 600,00 (duzentos e oitenta mil e seiscentos euros), tendo em conta que a embarcação esteve e continua a estar dentro do território aduaneiro da Comunidade, como parece ser de justiça.»

Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a Recorrida contra-alegou, aí concluindo nos seguintes termos:

«1- Não estão reunidos os pressupostos legais, impostos pelo n°1 do artigo 280° do CPPT para a admissibilidade do presente recurso.

2- Com efeito, segundo o disposto no n°1 do artigo 280° do CPPT "Das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso, no prazo de 10 dias, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo."

3- No caso sub judice, o recorrente, contrariamente ao referido na sentença, considera provado o estatuto comunitário da embarcação de recreio denominada "B...", uma vez que esta desde a sua construção sempre permaneceu no espaço da União Europeia, que se encontra registada em Inglaterra, em nome de "Banque Populaire ...", sociedade de direito francês e com sede secundária em Itália, tendo o IVA vindo a ser pago em Itália, no âmbito do contraio de locação financeira.

4- Assim, e segundo alega o recorrente o título de registo da embarcação de recreio denominada "B...", e o contrato da locação financeira provam o estatuto comunitário daquela.

5- Em rigor, o recorrente pretende transformar esse Venerando Tribunal numa nova instância de recurso, no que â apreciação da matéria de facto concerne, ao questionar a matéria de facto e a interpretação e valoração dada pelo tribunal recorrido.

6- Nestes termos, não deve ser admitido o presente recurso.

7- No entanto, ainda que se considerasse admissível o recurso, o que se coloca por mera necessidade de raciocínio, o mesmo nunca poderia proceder, porquanto a douta sentença recorrida não apresenta qualquer mácula que a inquine, pois fez um correio juízo do enquadramento factual provado e do regime legal aplicável ao caso.

8- O recorrente não apresentou prova do estatuto comunitário da embarcação de recreio denominada "B...".

9- O contrato de Locação não serve como prova do estatuto comunitário da mesma.

10- O registo da embarcação de recreio, denominada "B...", apresentado não faz prova do estatuto comunitário, contrariamente ao aos veículos automóveis (cfr. artº320° das DACAC).

11- o serviço de linha regular constitui uma derrogação às regras estabelecidas para a prova do estatuto aduaneiro das mercadorias, conforme é mencionado no n°7 da anotação ao art°91º do CAC anotado e comentado por Nuno Aleixo, Pedro Rocha e Ricardo de Deus, editada em 2007-Editora Reis dos Livros, pág.

12- Consideram-se mercadorias comunitárias, quando, em caso de transporte por via marítima, forem transportadas entre portos situados no TAC no âmbito de serviços de linhas regulares autorizadas, em conformidade com o disposto nos artigos 313°A e 313°B das DACAC.

13- Nessas situações, presume-se que as mercadorias introduzidas no TAC têm estatuto comunitário, salvo se se comprovar o contrário, conforme dispõe a alínea a), do n°2, do artigo 313º das DACAC.

14- Se no transporte por via marítima não for utilizada uma linha regular, significa que com a sua saída do TAC há a perda imediata do estatuto comunitário salvo se for comprovado nos termos legalmente estabelecidos.

15- Nesse sentido, temos as embarcações de recreio, que nos termos da regulamentação aduaneira, são barcos privados destinados a viagens cujo itinerário é fixado a bel-prazer dos utilizadores, verificando-se, por isso, e ainda que fabricadas e adquiridas no TAC, o seguinte

: -Inexistência de um título de transporte único;

-navegam pelos seus próprios meios, de acordo com a vontade da pessoa que a utiliza, sem um itinerário pré-determinado;

-não estão sujeitas ao regime de trânsito, que permite às mercadorias comunitárias, apesar de saírem do TAC, não perderam esse estatuto.

16- As deslocações efectuadas por embarcações de recreio, via marítima, equiparam-se ao serviço de linha não regular, presumindo-se não comunitárias, salvo se o estatuto comunitário for devidamente comprovado nos termos dos artigos 314° a 323° das DACAC.

17- Assim sendo como é, a deslocação efectuada pela embarcação de recreio denominada "B..." via marítima é equiparada a um serviço de linha não regular, pelo que só pode considerar-se como mercadoria não comunitária, sem prejuízo, porém, de o estatuto comunitário ser devidamente comprovado, prova nunca efectuada pelo, ora, recorrente, como bem se decidiu na douta sentença recorrida.

18 - Em conclusão, a embarcação de recreio é equiparada a serviços de linha não regular, e portanto é necessária a prova de estatuto comunitário, a qual o, ora, recorrente, nunca a fez.

19- Resulta, do n°2 do art°313 ° das DACAC que o ónus da prova do estatuto comunitário da embarcação recai, aqui, sobre o ora recorrente

20- Não sendo apresentada prova do estatuto aduaneiro comunitário, a embarcação de recreio denominada "B...", " considera-se precedente de país terceiro, configurando em sede de IVA, uma importação, sujeita a imposto (cfr. al. b) do n°1, do art°1° do CIVA), sendo de aplicar as correspondentes regras específicas previstas na regulamentação aduaneira e fiscal.

21- O recorrente na dualidade de particular é devedor do IVA, a título de importação, por:

22 -Ter introduzido, materialmente e sob o seu comando a embarcação de recreio denominada "B..." no território nacional (al. b) do n°1 do art.1°; al. a) do n°1 do art.5° e al. c) do n°1 do art.7°, todos do CIVA).

23- Ser o importador residente em território nacional (al. b) do n°1 do art°2° do CIVA).

Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de V Exas, não deverá o presente recurso ser admitido, ou, caso assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente e, consequentemente, manter-se na ordem jurídica a douta sentença recorrida como é de DIREITO e de JUSTIÇA

Por decisão da Juíza Conselheira Relatora, de 29-09-2016, o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito este Tribunal Central Administrativo, ao qual o processo foi remetido, a pedido do recorrente.

O Exmo. Procurador - Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os «Vistos» das Exmas. Juízas Desembargadoras Adjuntas, cumpre, agora, decidir.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

É precisamente esta delimitação, na vertente ora indica, que legitima que este Tribunal rejeite o recurso na parte em que se funda numa eventual dupla tributação, a qual, não tendo sido suscitada na impugnação judicial, nem consequentemente, apreciada e decidida pelo Tribunal a quo, também nesta instância o não pode ser.

E, sendo assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa apenas decidir se a sentença ao julgar que a embarcação que determinou a liquidação impugnada não detém estatuto comunitário errou na valoração dos factos apurados e, consequentemente, na aplicação do direito.

III - Fundamentação de Facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

A) Em 07.03.2008 o ora Impugnante foi notificado pela Alfândega de ... do ofício n°1014 de 29.02.2008, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para no prazo de 10 dias apresentar os documentos comerciais de aquisição e ou entrega material da embarcação marca Ferreti 690, com o n° de registo ..., com a advertência de instauração de procedimento tendente à liquidação oficiosa das "imposições fiscais devidas" -cfr. fls. 2 a 4 do processo instrutor apenso.

B) Em 26.03.2008 deu entrada nos serviços da Alfândega de ... carta do ora Impugnante datada de 19.03.2008, cujo teor aqui se dá por reproduzido, onde afirma, além do mais, "que não é possível proceder à entrega dos documentos de aquisição" por não ser o proprietário da embarcação mas mero possuidor precário da mesma - cfr. fls. 5 do processo instrutor apenso.

C) Em 19.01.2012 o ora Impugnante foi notificado pela Alfândega de ... do ofício n°160 de 18.01.2012, de cujo teor aqui se dá por reproduzido e de que se retira, nomeadamente, o seguinte:

Tendo sido reapreciada a situação do processo iniciado nesta Alfândega em 2008, relativo à averiguação da situação aduaneira e fiscal da embarcação de recreio B..., constata-se que se mantém por comprovar o estatuto comunitário da mesma.

O facto de por um lado se terem detectado movimentos da embarcação em apreço posteriores a 2008, dês iradamente "Notícias de chegada" a marinas algarvias, onde consta o Sr. A... como principal responsável pela mesma e por outro, a informação obtida na Marina de Vilamoura indicar a mesma pessoa como responsável pela referida embarcação, faz presumir que será (ou terá sido) proprietário ou locatário da mesma.

Considerando que se mantém por comprovar o estatuto comunitário da mesma e em consonância com o previsto no disposto no s artigo s 58" e 59° da Lei Geral Tributária (aprovada pelo Decreto Lei nº398/98 de 17 de Dezembro), conjugado com o artigo 57° do mesmo diploma e ainda dos artigos 39° e 48° do Código de Procedimento e Processo Tributário (aprovado pelo Decreto Lei n°433/99 de 26 de Outubro), notifica-se Vossa Exa para que proceda no sentido da apresentação a esta Alfândega no prazo de 10 dias, dos documentos abaixo designados no sentido de serem confrontados alguns dos elementos inerentes ao processo:

- Cópia do Certificado de registo da embarcação em causa;

- Cópia da factura de aquisição ou do contrato de locação financeira relativo à aquisição ou locação da embarcação em causa;

- Original ou cópia autenticada do CMR ou T2L, conforme a embarcação tenha sido introduzida em Portugal por terra ou por mar (Cfr. art.317° das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, aprovadas pelo Regulamento (CE) nº2454/93 de 2 de Julho).

[...]» - cfr. fls. 19 a 21 do processo instrutor apenso.

D) Em 14.03.2012 foi o ora Impugnante notificado do ofício n°680 de 12.03.2012, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para exercer o direito de audição sobre o projeto de liquidação de IVA no valor de €280.600,00, relativa à regularização fiscal da embarcação - cfr. fls. 42 a 46 do processo instrutor apenso.

E) Ato impugnado: Em 17.04.2012 foi emitida pela Alfândega de ... a liquidação oficiosa de IVA n°4/2012 no valor de € 280.600,00 relativa à regularização fiscal da embarcação B..., considerando o valor estimado de aquisição de € 1.220.000,00, excluído o IVA, com data limite de pagamento voluntário no prazo de 10 dias contados da notificação - cfr. fls. 53/54 do processo instrutor apenso.

F) A liquidação que antecede foi efetuada com os fundamentos constantes da Informação subjacente ao exercício do direito de audição prévia, de fls. 42 a 44 do processo instrutor apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida e de que se retira, em síntese, o seguinte:

«[...]

- As embarcações assumem simultaneamente para efeitos aduaneiros, o conceito de mercadoria (bem móvel) e meio de transporte, deslocando-se como tal pelos próprios meios;

- O n°8 do art. 4° do Código Aduaneiro Comunitário (CAC - aprovado pelo Regulamento (CEE) nº2913/92 do Conselho), estipula que as mercadorias comunitárias perdem o estatuto de mercadoria comunitária quando são efectivamente retiradas do TAC, sem prejuízo dos arre 163° e 164° (do CAC);

- No que se refere às águas marítimas, o TAC abrange apenas o limite das águas territoriais dos diversos estados membros da Comunidade, transponível pelas embarcações no seu percurso marítimo;

- A alínea a) do nº2 do art.313° das Disposições de Aplicação do CAC (DACAC -aprovadas pelo Regulamento nº2454/93 (CEE) da Comissão), em linhas gerais considera que não são comunitárias as mercadorias introduzidas no TAC, em conformidade como art.º37° do CAC, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado (nos termos dos artigos 313° a 317°-B das DACAC);

- Ao deslocarem-se pelos próprios meios, o percurso efectuado pelas embarcações de recreio, abrange obviamente águas que não se consideram parte do TAC, o que se assemelha a um serviço de transporte de linha não regular, implicando nesse caso a perda do estatuto comunitário face ao disposto no art.313°-A das DACAC;

-Ao contrário do que sucede com os veículos automóveis (art. 320° das DACAC), o Certificado de registo de uma embarcação de recreio num porto comunitário não faz prova do estatuto comunitário, de facto não existe nenhuma disposição na legislação comunitária que o estabeleça.» - cfr. fls. 42 a 44 do processo instrutor apenso.

G) Em 19.04.2012 o Impugnante foi notificado da liquidação identificada em E) - cfr. fls. 51 a 55 do processo instrutor apenso.

H) Em 06.12.2007 foi emitido o "Certificado de Registo Britânico" n°... relativo à embarcação B..., em nome de "Banque Populaire ...", sociedade de direito francês com sede secundária em Itália, onde foi construída a embarcação - cfr. doc. de fls. 28 a 31 dos autos e por acordo.

I) O Impugnante utiliza a embarcação B... ao abrigo de um contrato de locação financeira datado de 28.06.2007, cujo teor aqui se dá por reproduzido, pelo período de 84 meses - cfr. doc. de fls. 32 a 66 e 76 a 87 dos autos.

J) Do contrato que antecede realçam- se, com relevo para o caso, as seguintes disposições:

[...]

6. O BANCO, no âmbito da sua actividade, tema intenção de colocar à disposição do UTILIZADOR a embarcação indicada nas Condições Particulares, adquirida pelo BANCO com base na livre escolha e indicação do UTILIZADOR.

[...]

8. O UTILIZADOR, por iniciativa própria e segundo as suas necessidades, identificou o Construtor e/ou Fornecedor, e procurou acordar, directa e livremente com este, a identificação da embarcação, as suas características, a tipologia, o preço, os prazos e as condições de entrega, declarando para esse efeito que conhece e aprova as características técnicas da mesma.

[...]

12. O BANCO intervém na operação referida no presente contrato meramente na sua qualidade de intermediário no sentido de conseguir, para o UTILIZADOR, a disponibilidade da embarcação.

13. O UTILIZADOR reconhece que lhe compete a exclusiva obrigação de procurar satisfazer, na data da entrega da embarcação, todos os requisitos administrativos, fiscais e de seguros relativos à mesma embarcação e que estejam previstos no contrato ou na legislação.

[...]- cfr. doc. de fls. 32 a 66 e 76 a 87 dos autos.

K) Das "Condições Particulares do contrato" identificado em I) resulta, designadamente, o seguinte:

1. O montante das rendas será regularmente sujeito a IVA e acrescido de todos os impostos e encargos fiscais devidos nos termos da Lei [...]. Por isso, o montante das rendas de locação, bem como o montante da opção de aquisição, foram definidos em função do preço de aquisição da embarcação, em conformidade com o que consta da factura pró-forma do Construtor ou do Fornecedor. [...]

4. Opção de aquisição. No fim do período de locação, o UTILIZADOR terá a possibilidade de adquirira embarcação pelo preço correspondente ao montante líquido da opção de aquisição acima referido, acrescido dos impostos aplicáveis na data de venda e acrescido do valor do IVA.

L) Das "Condições Gerais" identificado em I) resulta, designadamente, o seguinte:

[...]

ARTIGO 4° - ENTREGA

A entrega da embarcação será efectuada ao UTILIZADOR directamente pelo Construtor ou pelo Fornecedor, de acordo com prazos e condições que serão acordados entre ambos, salvo acordo escrito em contrário.

[...]

ARTIGO 8° - ESCOLHA DA EMBARCAÇÃO E GARANTIA DO CONSTRUTOR

O UTILIZADOR declara conhecer perfeitamente a embarcação descrita nas Condições Particulares, tendo em conta que a mesma foi adquirida a seu pedido e com o seu consentimento, também no que respeita às características, marca, modelo, dimensões, motor, instrumentação, equipamentos de bordo, condições de utilização, bem como prazos e condições de entrega.

[...] - cfr. doc. de fls. 32 a 66 e 76 a 87 dos autos.

M) O Impugnante tem domicílio fiscal em Portugal - cfr. fls. 13 do processo instrutor apenso e por acordo.

N) Em 2008 e anos posteriores foram detetados movimentos da embarcação, designadamente "Notícias de chegada" nas marinas algarvias, onde consta o Impugnante como principal responsável pela mesma – por acordo.

O) Em 03.09.2012 a presente Impugnação foi dirigida a este TAF por correio registado - cfr. fls. 7 dos autos.

Consta ainda da decisão recorrida que «Não existem outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa que importe dar como provados ou não provados.» e que «A decisão da matéria de facto provada efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos e do processo instrutor apenso, referenciados em cada uma das alíneas do probatório, e relativamente aos quais não existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, e ainda com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados.»

IV – Fundamentação de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial à liquidação oficiosa de IVA, no valor de € 280.600,00, relativo à regularização aduaneira e fiscal da embarcação de recreio designada “B...”.

Como fundamento do recurso invoca o Recorrente, se bem interpretamos, o erro de julgamento por não ter sido anulada a liquidação, uma vez que, em seu entender, e resumo nosso, dos factos provados resultar (i) que a embarcação goza de estatuto aduaneiro comunitário: foi produzida no Espaço da União Europeia, adquirida por uma sociedade de direito francês, com sede secundária em Itália, tendo sido, posteriormente, objecto de um contrato de locação financeira a favor de uma pessoa singular residente em Portugal; (ii) que nunca perdeu esse estatuto comunitário porque a embarcação nunca saiu do território aduaneiro comunitário durante o trajecto que necessariamente teve que fazer desde o local da respectiva construção e locação financeira até ao território nacional.

Porém, e salvo o devido respeito, sem razão.

Como de forma linear se deixou firmado na sentença recorrida, o que importava era apurar - para efeitos de se aferir, como pretendia o recorrente, da legalidade da liquidação-, era se a embarcação utilizada pelo Impugnante detém, ou não, estatuto comunitário, qualificação de que está depende a não incidência do imposto que lhe está a ser exigido.

Foi precisamente para efeitos de ser efectuada essa prova [mediante a apresentação de cópia do certificado de registo da embarcação em causa, da factura de aquisição ou do contrato de locação financeira relativo à aquisição ou locação da embarcação em causa e o original ou cópia autenticada do CMR ou T2L, conforme a embarcação tenha sido introduzida em Portugal por terra ou por mar, em conformidade com o art.317º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), aprovadas pelo Regulamento (CE) n° 2454/93 de 2 de Julho], que o Recorrente foi, por duas vezes, notificado no âmbito do procedimento administrativo, limitando-se, como a factualidade revelae que o recorrente não discute, já que não impugnou a matéria de facto mas tão só as ilações ou conclusões dela extraídas – a comunicar que “era um mero possuidor precário” da embarcação em causa [cfr. factualidade apurada sob as alíneas A) e B) do ponto III supra].

É, aliás, neste contexto, que deve (e só pode), ser interpretada a afirmação, vertida na sentença, e contra a qual o recorrente se insurge, de que «No entanto, o Impugnante não apresentou nenhum dos documentos solicitados». E não, como depreendeu, mal, o recorrente, que a Meritíssima Juiz estivesse a desconsiderar a factualidade também apurada, no que se reporta, designadamente, ao registo e ao contrato de locação financeira a que, de resto, faz várias referências na sua fundamentação de direito.

É certo que durante a instrução da presente impugnação judicial o Recorrente veio juntar aos autos o «Certificado de Registo Britânico», datado de 6-12-2017, relativo à embarcação em questão, em nome de “ Banque Populaire …”, sociedade de direito francês com sede secundária em Itália, onde foi construída a embarcação, e cópia certificada do contrato de locação financeira, datado de 28-6-2007 [cfr. factualidade apurada sob as alíneas H), I), J) e L), do mesmo ponto III deste acórdão].

Porém, o que o Recorrente nunca juntou, nem em sede de procedimento, nem no âmbito desta impugnação, foi o original ou cópia autenticada do T2L, que lhe havia sido exigida por a embarcação ter sido introduzida em Portugal por via marítima, nos termos por força do preceituado no art.317º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC), aprovadas pelo Regulamento (CE) n° 2454/93 de 2 de Julho

Ora, é nesta omissão, mais concretamente na relevância dessa não junção que assenta o dissidio do Recorrente com o decidido, uma vez que, para a Administração e, posteriormente para o Tribunal a quo, esse documento, atento o circunstancialismo apurado, em especial a forma como a embarcação tinha sido introduzida em território português e face à legislação aplicável, é imprescindível para prova do estatuto comunitário. Para o Recorrente não o é, uma vez que essa prova, em seu entender, pode ser feita por outra forma, designadamente pela consideração isolada ou conjugada de diversos outros documentos ou informações, como sejam, a matrícula, registo, proprietário, local de construção do barco, domicilio dos locatário e locador e contrato de locação financeira e porque a embarcação em causa nunca saiu do território aduaneiro comunitário.

Tendo nós já deixado expressa a nossa posição – traduzida na resposta negativa que ab initio adiantámos – importa agora explicitar porque entendemos que o julgado é de confirmar, convocando, como a Meritíssima Juiz fez, a legislação aplicável ao litígio nos exactos termos em que surge explanada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18-2-2010, proferido no processo n.º 1158/09 (e não 1152/09 como, certamente por lapso, vem referido na sentença):

«Os arts. 4º e sgts. do Código Aduaneiro Comunitário (CAC) e os arts. 313º e sgts. das respectivas Disposições de Aplicação estabelecem as regras para a determinação do estatuto das mercadorias que circulam ou pretendem circular na União Europeia, sendo que esse estatuto é que releva na determinação do regime de trânsito que será aplicável a tais mercadorias.

Aquele art. 4º dispõe:

«Na acepção do presente código, entende-se por:

1 (…)

6. Estatuto aduaneiro: o estatuto de uma mercadoria enquanto mercadoria comunitária ou não comunitária.

7. Mercadorias comunitárias: as mercadorias:

- inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade nas condições referidas no artigo 23º, sem incorporação de mercadorias importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade. Nos casos de especial importância económica determinados de acordo com o procedimento do comité, as mercadorias obtidas a partir de mercadorias sujeitas a um regime suspensivo não são consideradas como tendo carácter comunitário,

- importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade e introduzidas em livre prática,

- obtidas no território aduaneiro da Comunidade, quer exclusivamente a partir das mercadorias referidas no segundo travessão quer a partir das mercadorias referidas no primeiro e no segundo travessões.

8. Mercadorias não comunitárias: as mercadorias não abrangidas pelo nº 7.

Sem prejuízo dos artigos 163º e 164º, as mercadorias comunitárias perdem esse estatuto aduaneiro quando são efectivamente retiradas do território aduaneiro da Comunidade.

9. Dívida aduaneira: a obrigação de uma pessoa pagar os direitos de importação (dívida aduaneira na importação) ou os direitos de exportação (dívida aduaneira na exportação) que se aplicam a uma determinada mercadoria ao abrigo das disposições comunitárias em vigor.

10. Direitos de importação:

- os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na importação de mercadorias,

- as imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas.

11. Direitos de exportação:

- os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na exportação de mercadorias,

- as imposições à exportação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes de transformação de produtos agrícolas.

(…)»

Por sua vez, os arts. 313º e 313º-A das Disposições de Aplicação estatuem:

Artigo 313º

1. Sem prejuízo do disposto no art. 180º do Código e das excepções referidas no nº 2 do presente artigo, todas as mercadorias que se encontrem no território aduaneiro da Comunidade são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se se comprovar que não têm estatuto comunitário.

2. Não são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado, nos termos dos artigos 314º a 323º:

a) As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em conformidade com o art. 37º do Código.

Todavia, em conformidade com o nº 5 do art. 38º do Código, consideram-se mercadorias comunitárias as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade, salvo se se comprovar que não tem o estatuto comunitário:

- quando, em caso de transporte por via aérea, tenham sido embarcadas ou transbordadas num aeroporto situado no território aduaneiro da Comunidade com destino a um aeroporto situado nesse território, contanto que o transporte se efectue ao abrigo de um título de transporte único emitido num Estado-membro ou

- quando, em caso de transporte por via marítima, forem transportados entre portos situados no território aduaneiro da Comunidade no âmbito de serviços de linha regulares autorizados, em conformidade com os arts. 313º-A e 313º-B;

(…)

Artigo 313º-A

1. Entende-se por serviço de transporte regular, o serviço regular de transporte de mercadorias em navios que operem exclusivamente entre portos situados no território aduaneiro da Comunidade e que não possam ter proveniência de, destino a, ou fazer escala, em nenhum ponto fora desse território nem numa zona franca, sujeita às regras de controlo do tipo I, nos termos do art. 799º, de um porto nesse território.

2. As autoridades aduaneiras podem exigir prova do respeito das disposições relativas aos serviços de linha regulares autorizados.

Quando as autoridades aduaneiras verificarem que as disposições relativas aos serviços de linha regulares autorizados não foram respeitadas, informarão imediatamente de facto todas as autoridades aduaneiras envolvidas.

E os arts. 23º e 79º, ambos do CAC, estatuem:

Artigo 23º

1. São originárias de um país as mercadorias inteiramente obtidas nesse país.

2. Consideram-se mercadorias inteiramente obtidas num país:

a) Os produtos minerais extraídos nesse país;

(...)

3. Para efeitos de aplicação do nº 1, a noção de país abrange igualmente as águas territoriais desse país.

Artigo 79º

A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária.

A introdução em livre prática implica a aplicação das medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos.

E o art. 163º, também do CAC, sob a epígrafe, «Trânsito interno», dispõe:

«1. O regime de trânsito interno permite, nas condições previstas nos nºs. 2 a 4, que as mercadorias comunitárias circulem de um ponto para outro do território aduaneiro comunitário, passando pelo território de um país terceiro, sem alteração do seu estatuto aduaneiro. Esta disposição não prejudica a aplicação do nº 1, alínea b), do art. 91º.

2. A circulação referida no nº 1 pode-se efectuar:

a) Ao abrigo do regime de trânsito comunitário interno, desde que tal possibilidade esteja prevista num acordo internacional;

b) A coberto de uma caderneta TIR (Convenção TIR);

c) A coberto de um livrete ATA 75 utilizado como documento de trânsito; ou

d) Ao abrigo do “Manifesto renano” (artigo 9° da Convenção Revista para a Navegação do Reno);

e) Ao abrigo do formulário 302 previsto no âmbito da convenção entre os estados que são partes no Tratado do Atlântico Norte sobre o estatuto das suas forças, assinado em Londres em 19 de Junho de 1951; ou

f) Por remessas por via postal (incluindo as encomendas postais).

3. No caso referido na alínea a) do nº 2, aplicam-se, com as necessárias adaptações, os artigos 92°, 94°, 95°, 96° e 97°.

4. Nos casos referidos nas alíneas b) a f) do nº 2, as mercadorias só conservam o estatuto aduaneiro se o referido estatuto for estabelecido nas condições e na forma previstas pelas disposições adoptadas de acordo com o procedimento do comité.»

Finalmente, o nº 1 do art. 201° e o nº 1 do art. 204º do mesmo Código, dispõem:

Artigo 201ª

É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a) A introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação ou

b) A sujeição de tal mercadoria a um regime de importação temporária com isenção.

Artigo 204º

1. É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

a) O incumprimento de uma das obrigações que, para uma mercadoria sujeita a direitos de importação, derivam da sua permanência em depósito temporário ou da utilização do regime aduaneiro ao qual foi submetida ou

b) A não observância de uma das condições fixadas para a sujeição de uma mercadoria a esse regime ou para a concessão de um direito de importação reduzido ou nulo, em função da utilização da mercadoria para fins especiais.

4.2.2. Da conjugação de todas estas normas resulta, portanto, que, em termos do seu estatuto, as mercadorias se dividem em duas categorias: mercadorias comunitárias e mercadorias não comunitárias; e que, de uma forma geral, podemos dizer que as mercadorias comunitárias são as inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade; as importadas de países ou territórios que não fazem parte do território aduaneiro da Comunidade mas que tiverem sido introduzidas em livre prática; e as obtidas ou produzidas na Comunidade a partir das mercadorias comunitárias e/ou não comunitárias. As mercadorias não comunitárias são todas as outras mercadorias, incluindo as mercadorias comunitárias que tenham perdido este estatuto.

E as mercadorias comunitárias cujo estatuto comunitário não possa ser provado, quando exigido, são também consideradas mercadorias não comunitárias.

Assim, as circunstâncias em que pode ser estabelecido o estatuto comunitário das mercadorias (se for caso disso) são as seguintes: (1) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro e não atravessaram o território de um país terceiro; ou (2) as mercadorias procedem de outro Estado-Membro, tendo atravessado o território de um país terceiro e sido transportadas a coberto de um documento de transporte único emitido num Estado-Membro; ou (3) as mercadorias são objecto de transbordo num país terceiro para um meio de transporte distinto do de carregamento inicial e a coberto de um novo documento de transporte. O novo documento de transporte deve ser acompanhado de cópia do documento original referente ao transporte entre o Estado-Membro de partida e o Estado-Membro de destino.

E não se aplicando o atrás exposto, considera-se que as mercadorias têm estatuto não comunitário.

4.2.3. Já no que respeita à prova do estatuto comunitário da mercadoria (cfr. arts. 314º e sgts. das Disposições de Aplicação), pode a mesma ser feita:

- através de um documento T2L (exemplar 4 do Documento Administrativo Único - DAU);

- através de um documento T2LF (exemplar 4 do DAU, para as mercadorias transportadas de, para ou entre partes do território aduaneiro da Comunidade em que não são aplicáveis as disposições da Directiva 77/388/CEE (IVA) - Ilhas Anglo-Normandas, Ilhas Canárias, Departamentos Ultramarinos Franceses: Guadalupe, Martinica, Guiana e Reunião, Monte Athos, Ilhas Aland.

- através de uma factura ou documento de transporte devidamente preenchido, relativo exclusivamente às mercadorias comunitárias, com a indicação da sigla T2L/T2LF consoante o caso;

- através de um manifesto da companhia de navegação, completado e visado pela estância competente, com a indicação “C” para as mercadorias comunitárias, “F” para as mercadorias expedidas de, para ou entre territórios não-fiscais, e “N” para as outras mercadorias (num “outro” serviço de transporte marítimo);

- através do manifesto da companhia de navegação, quando se utilizem os procedimentos simplificados de trânsito (nível 2), com a indicação do código “C” para as mercadorias comunitárias;

- através de um talão de caderneta TIR ou livrete ATA (documento aduaneiro internacional utilizado para a importação temporária de mercadorias destinadas a fins específicos, por exemplo apresentações, exposições e feiras, como material profissional e amostras comerciais) exibindo a sigla T2L e visado pela Alfândega;

- através do Documento Administrativo de Acompanhamento (DAA), previsto no Regulamento (CEE) nº 2719/92, para mercadorias em livre prática sujeitas a impostos especiais de consumo;

- através das chapas de matrícula e os documentos de registo dos veículos a motor matriculados num Estado-Membro, se estes estabelecerem claramente o estatuto comunitário dos veículos;

- bem como através de outras formas que, no caso que nos ocupa, não são aplicáveis (são formas aplicáveis a embalagens, bagagens, produtos de pesca, embalagens postais, mercadorias em zonas francas ou entrepostos fiscais, mercadorias de exportação proibida).». (o negrito é de nossa autoria)

No caso concreto, a questão que se colocava ao Tribunal a quo não era já – face ao direito aplicável, à prova produzida e aos factos dados como provados – saber onde é que a embarcação tinha sido construída, quem é o seu dono, quem a detinha e ao abrigo de que título a utilizava. A questão era e continua a ser, pese embora as alegações de recurso, salvo o devido respeito, a terem desvirtuado, a de saber se é suficiente para que se reconheça o estatuto comunitário à embarcação a prova de que a mesma foi construída em Itália, de que é sua dona uma sociedade de direito francês com sede em Itália e que é utilizada regularmente por um cidadão português. E, não sendo, porque se deva entender que perdeu esse estatuto à luz do preceituado no artigo 4.º, n.º 8 do CAC (então vigente), que factos devem nesta situação ser provados e com que meios probatórios. A que acresce, agora, a questão implicitamente suscitada pelo Recorrente em recurso e relativa à identificação da parte sobre quem recai o ónus probatório.

Começando pela primeira questão – suficiência dos factos apurados – a nossa resposta é inequivocamente negativa.

É que, relativamente às embarcações de recreio - que nos termos da regulamentação aduaneira são barcos privados destinados a viagens cujo itinerário é fixado a bel-prazer dos utilizadores - verifica-se que, ainda que fabricadas e adquiridas no TAC, não tem um título de transporte único; navegam pelos seus próprios meios, de acordo com a vontade da pessoa que a utiliza, sem um itinerário pré-determinado e não estão sujeitas ao regime de trânsito, que permite às mercadorias comunitárias, apesar de saírem do TAC, não perderem esse estatuto.

Como se deixou consignado na sentença recorrida, que aqui subscrevemos, «no que se refere às águas marítimas, o TAC abrange apenas o limite das águas territoriais dos diversos estados membros da Comunidade, transponível pelas embarcações no seu percurso marítimo, o que se assemelha a um serviço de transporte de linha não regular, implicando nesse caso a perda do estatuto comunitário face ao disposto no art.313º-A das DACAC., além do que, ao contrário do que sucede com os veículos automóveis (art. 320° das DACAC), o Certificado de registo de uma embarcação de recreio num porto comunitário não faz prova do estatuto comunitário, o que também já se concluiu acima.».

Assim, porque as deslocações efectuadas por embarcações recreio, via marítima, equiparam-se ao serviço de linha não regular, presumem-se, por essa razão, mercadorias não comunitárias, o que significa que, salvo se o estatuto comunitário for devidamente comprovado, é devido IVA pela respectiva introdução em livre prática e no consumo, nos termos do disposto nos artigos 201.º e 202.º do CAC.

E o afastamento dessa presunção de “mercadoria não comunitária” é e só pode ser comprovado mediante a apresentação do documento T2L ou um documento comercial (factura comercial, documento de transporte ou manifesto) desde que devidamente certificado pelas autoridades aduaneiras do país de expedição, tiver o estatuto de expedidor autorizado para efeitos de emissão do documento comprovativo do estatuto comunitário das mercadorias (cfr. artigos 314.° ao 317.° B das DACAC).

Ora, no caso concreto, como dissemos já e a factualidade não infirma, essa prova não foi feita, limitando-se o recorrente a alegar que a embarcação não havia saído do território comunitário aduaneiro. O que, faço ao que expusemos é manifestamente inócuo atenta as exigências de prova (meio e forma) a que a prova do referido estatuto comunitário está sujeita.

Em suma, o Recorrente não fez prova porque, insiste-se, nem em procedimento, nem nesta instância judicial, apresentou o documento que lhe foi exigido – T2L – o qual constituía, à luz do preceituado nos artigos 314.º e seguintes das DACAC, o único meio idóneo à “recuperação” do estatuto comunitário perdido.

E não se diga, como parece estar implícito na argumentação aduzida pelo recorrente, que não era sobre si que recaia o ónus de efectuar a prova do estatuto comunitário mas à Administração Tributária realizá-la, isto é, que é a Administração Fiscal que tem que provar a perda do estatuto comprovando que efectivamente a embarcação saiu do território comunitário, desde logo porque da presunção legal de que, nas circunstâncias de facto apurada, a embarcação não deve ser havida como “mercadoria comunitária” decorre, inevitavelmente, que é à parte interessada no reconhecimento do estatuto comunitário que cabe a prova necessária a esse reconhecimento.

Aliás, como está bem de ver, no quadro legal definidor das obrigações legais dos adquirentes/utilizadores e dos serviços aduaneiros, a tese de que o ónus da prova é da Administração Tributária conduziria inevitavelmente à falência de qualquer pretensão de exigência de pagamento de impostos em situações como a presente por tal tese conduziria à imposição de uma prova impossível de realizar. E embora não se desconheça que, por vezes, o legislador faz recair o ónus sobre a parte que mais dificuldades tem em a concretizar ou impõe o ónus de provar um determinado facto à parte que mais dificuldades tem em a fazer, designadamente atenta a natureza do facto a provar – como ocorre em situações de exigência de prova de factos negativos - situações em que a jurisprudência, não raras vezes, assume uma menor exigência a esse nível ou se empenha oficiosamente na obtenção dessa prova – legitimada pelos deveres de inquisitório, de busca da verdade material e de realização de justiça que sobre si recaem – no caso concreto a situação é exactamente o oposto (não só por causa da inversão legal do ónus da prova nos termos supra referidos) por ser o interessado na obtenção do estatuto quem melhor está colocado para obter a prova do facto já que é quem pode requerer a emissão do documento (TL”) e o utilizar, designadamente, para comprovar o estatuto comunitário, in casu, da embarcação.

Temos, pois, face ao exposto, que concluir, tal como, de resto, vêm fazendo os Tribunais Superiores, em idênticas circunstâncias de facto e direito dos nossos autos, que a sentença recorrida - ao decidir que a mercadoria (embarcação) em causa não pode ser havida como tendo estatuto aduaneiro comunitário, impondo-se, por essa razão, a liquidação do IVA em Portugal com fundamento na importação de mercadoria procedente de território terceiro, nos termos do disposto nos arts.1°, n.1, al. b); 5.° nº1, al a), e 7°, n°1, al. c), todos do CIVA –, fez acertado julgamento dos factos e aplicou correctamente o direito, razão pela qual deve ser integralmente mantida na ordem jurídica.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto por A....

Custas pelo Recorrente.

Registe e notifique.

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Lisboa, 9 de Março de 2017

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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]