Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2883/12.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
EXECUÇÃO FISCAL;
GERÊNCIA EFECTIVA;
PROVA.
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes, por dívidas da executada originária, tem por pressuposto o exercício efectivo do cargo de gerente.
II - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

M..., veio deduzir oposição à execução fiscal n° 3... e aps., originariamente instaurada contra a sociedade "M... - Artes Gráficas, S.A.", para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IMI, juros e Coimas Fiscais dos anos 2007 a 2009.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 31 de Janeiro de 2020, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A. Entendeu-se na douta sentença que a AT não logrou provar a gerência de facto da Oponente na sociedade “M... - Artes Gráficas, SA” e por outro lado no regime de responsabilidade civil das coimas e nos termos do 8.° do RGIT, não demonstrou a presunção da culpa pela insuficiência do património da sociedade.

B. Determinando o Tribunal, com este fundamento, ser a oponente parte ilegítima na execução. Não concorda, contudo, a Fazenda Pública com o assim decidido pelas razões que de seguida se explanam.

C. As dívidas em causa nos autos de execução dizem respeito IRS, IMI, Juros e Coimas fiscais, referentes aos períodos de 2007 a 2009.

D. Deu, ainda, o tribunal como provado que foram praticados pela Oponente diversos atos de evidenciam o exercício de funções de administradora, a saber, as alíneas do probatório E), F), G).

E. Além do mais denota-se que ao aceitar o cargo de administradora da sociedade a ora Oponente que auferia um rendimento bruto anual de €21.653,94, passou a obter um rendimento anual de €47.924,61, conforme demonstrado na contestação.

F. Perante isto, entende a Fazenda Pública que erra a douta sentença ao considerar que não se encontra comprovado o exercício de facto de funções de gerência da sociedade executada, por parte da oponente.

G. Isto porque, ao assinar, na qualidade de gerente/representante da sociedade exteriorizou, face a terceiros, a vontade da sociedade e viabilizara, a atividade da sociedade que se obrigava com a assinatura.

H. Assim sendo, resulta provado nos autos o exercício de poderes de gerência de facto pela Oponente, cumprindo a Autoridade Tributária, o ónus da prova que sobre si impendia.

I. A lei não define, de forma exata e perentória, os poderes de administração ou gerência. No entanto, da leitura das normas do Código das Sociedades Comerciais (CSC) nomeadamente os artigos 259° e 260° facilmente se afere que esses poderes se traduzem na representação da empresa face a terceiros (ex: credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias, etc.) de acordo com o objeto social e mediante os quais o ente coletivo fique vinculado.

J. Isto é, um administrador/gerente, uma vez nomeado e iniciado o exercício das suas funções passa a ter direitos e obrigações para com a sociedade e para com terceiros.

K. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o preceituado nos art. 24°, n° 1, al. b) da LGT, art. 153° do CPPT.

L. Mais, tendo-se constatado que a sociedade efetivamente foi declarada insolvente por sentença de 23/02/2012, proferida no processo 1420/10.8TYLSB, que corre termos no 4.° juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (conforme doc. n.° 3 junto com a petição inicial), alguma ilação relativamente a presunção de culpa por parte da Oponente deve ser retirada, isto é, ação ou omissão.

M. Assim, dizendo as dívidas tributárias respeito a factos praticados no período do exercício do seu cargo, a Oponente é por elas responsável subsidiário, nos termos do disposto no artigo 8.° n.° 1 alínea a) do RGIT.

N. Com efeito, é à gerência (enquanto órgão cujas funções são definidas por lei que força criá-lo para permitir à sociedade atuar no comércio jurídico) que incumbe (pode e deve) praticar todos os atos necessários para o cumprimento dos deveres impostos por lei à sociedade e os necessários ou convenientes para realizar o seu objeto social (artigo 259.° do CSC).

O. Sendo a vontade da sociedade sempre formada e declarada pelos gerentes, quer tenha ou não havido prévia deliberação dos sócios.

P. Assim sendo, e salvo o devido respeito verifica-se culpa ativa, responsabilidade, e gestão danosa por parte da Oponente, decorrente da prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra a responsável subsidiária, devendo ser considerada legitima a reversão contra o recorrida.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.»


*

A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«1. Vem a Ilustre Representante da Fazenda Pública interpor recurso da douta sentença que julgou a presente ação de oposição judicial totalmente procedente, com a consequente extinção da instância fiscal executiva.
2. A sentença recorrida decidiu, e bem, pela procedência da oposição, com fundamento no não exercício da administração/gerência de facto, requisito fundamental para operar a reversão pretendida pela Fazenda Pública e que a Administração Fiscal não logrou provar, assim como não o fez relativamente ao regime da responsabilidade civil das coimas, onde também não demonstrou a culpa da Oponente, pela insuficiência ou inexistência do património da executada, nos termos do art.° 8.° n° 1 do RGIT.
3. Entende a Fazenda Pública que a Oponente não deveria ter sido considerada parte ilegítima na execução, pois a mesma teria praticado atos que evidenciavam o exercício de funções da administração, pelo que se deveria de entender que a Autoridade Tributária teria cumprido o ónus da prova que sobre si impendia.
4. Ora, na senda do preceituado na douta sentença, considera-se, ao contrário do defendido pela Fazenda Pública, que foi considerado provado pelo Meritíssimo Juiz a quo que, “da apreciação feita da petição inicial ” assim como “do exame crítico dos documentos e informações oficiais, não impugnados que dos autos constam”, a Oponente não exerceu de facto, a administração da Sociedade M..., S.A., devedora originária.
5. Invoca a Fazenda Pública que o tribunal a quo deu como provado terem sido praticados pela oponente “diversos actos que evidenciam o exercício de funções de administradora por parte da oponente, a saber, assinatura de requerimento a pedir levantamento da penhora (...) assinatura de declaração de reserva de propriedade (...) ”, e assinatura em avisos de citação/recepção, errando por isso ao considerar que “não se encontra comprovado o exercício de facto de funções de gerência da sociedade executada, por parte da oponente”.
6. Porém, a douta sentença fundamentou devidamente o porquê de não considerar a assinatura desses documentos prova suficiente para comprovar o exercício de poderes de administração de facto pela Oponente.
7. A douta sentença é perentória em afirmar que: “No caso dos autos, não são invocados (nem por consequência provados) factos concretos que demonstrem que a Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade, para além dos que a Fazenda Pública indica no artigo 12.° da sua contestação”.
8. Na mesma orientação, também o Digno Procurador da República emitiu parecer no sentido da procedência da oposição, por entender que: “IV. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados praticados pelo Oponente. Ac. do TCANde 2/2/2012, proc. n° 00273/09.
Ora, a gerência efetiva de uma sociedade pressupõe um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do objeto social da sociedade. Assim, a prática de um ou dois atos isolados sem conexão entre si e sem conexão com qualquer prática sucessiva, não preenche o conceito de gerência de facto ”.
9. Estaremos, portanto, no caso em apreço, perante dois actos, isolados, pontuais, insuficientes, de acordo com as regras de experiência comum, para aferir do exercício da gerência de facto.
10. Vem ainda a Ilustre Representante da Fazenda Pública invocar que a Oponente obteve um acréscimo na sua remuneração/vencimento, passando a auferir um rendimento anual muito superior ao que auferia anteriormente, tendo tal acontecido a partir do momento em que passou a fazer parte da administração.
11. Tal presunção, salvo o devido respeito, “cai completamente por terra”, porquanto a Oponente viu alteradas as suas funções, tendo transitado da Direção de Crédito para a Direção de Recursos Humanos da devedora originária, motivo que justificou a alteração da remuneração.
12. De todo o modo, ainda que assim não fosse e a oponente tivesse sido remunerada enquanto membro da Administração, o que não aconteceu, refere a este propósito o acórdão do TCA Norte de 10.11.2016 (processo n° 00313/11.6BEBRG) que “não é suficiente para aferir dessa gerência efectiva a circunstância de a oponente ter sido remunerada como “membro de órgão estatutário ” (...) porque isso não resulta incompatível com uma gerência nominal’.
13. Relativamente ao regime da responsabilidade civil pelas multas e coimas, e atendendo ao art° 8° do RGIT, é a douta sentença perentória em afirmar que “(...) compete à Fazenda Pública provar que a insuficiência ou inexistência do património da executada para solver as dívidas de coimas foi causada culposamente pelo gerente”.
14. Refere ainda que: “não existindo qualquer presunção de culpa, nesta matéria e não logrando a Administração Fiscal fazer prova de tal facto verifica-se a ilegitimidade da revertida para efectivação da responsabilidade pelas coimas”. E acrescenta: “Uma vez que a AT nada alegou (nem provou) a esse propósito, a oposição, no que a essa dívida respeita, procede com fundamento na falta de culpa da Oponente”.
Face ao exposto, e contrariamente ao defendido pela Ilustre Representante da Fazenda Pública, entende-se que a douta sentença não violou o preceituado nos art.24 ° n.° 1 al. b) da LGT e 153.° do CPPT, pelo que deve a mesma ser mantida nos seus precisos termos.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, entende-se não dever ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, para que se faça a costumada Justiça.»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A Administração Fiscal instaurou contra a sociedade, "M... - Artes Gráficas, S.A.", o processo de execução fiscal n.° 3... e aps., para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IMI, juros e Coimas Fiscais, referentes aos anos 2007 a 2009;

B) Não foram pela Administração Fiscal encontrados outros bens susceptíveis de penhora em nome da executada originária, para além dos que já se encontravam penhorados à ordem de outros processos de execução fiscal;

C) Por despacho de 09/05/2012, a execução fiscal reverteu contra a ora Oponente para cobrança coerciva de dívidas de IRS, IMI, juros e Coimas Fiscais, referentes aos anos 2007 a 2009, no montante de € 30.682,79;

D) É o seguinte o teor do Despacho de Reversão:


«Imagem no original»


E) Em 13/04/2007 a Oponente assinou um contrato/declaração de reserva de propriedade com a empresa "T..., Ltd (TKS);

F) Em 20/09/2007 a Oponente assinou um requerimento a pedir o levantamento de penhora;

G) Em 08/10/2009 a Oponente assinou avisos de citação/avisos de recepção, em correspondência que lhe era dirigida, com indicação de «na qualidade de administrador de "M... Artes Gráficas SA";

H) Em apreciação da petição inicial foi elaborada a informação que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os legais efeitos.


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FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão não se provaram factos.


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A decisão da matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam.»



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela ilegitimidade da Oponente, ora Recorrida, por ter entendido que a AT não logrou provar, como lhe competia, que a Oponente, para além da qualidade de gerente de direito, exerceu efectivamente tais funções no período de tempo que releva nos autos. Importa, ainda, apreciar se a circunstância de ter sido declarada a insolvência da devedora originária é bastante para se considerar verificada a culpa da Recorrida, no que se refere às dívidas por coimas, como pretende a Recorrente.

Vejamos, então.

A sentença recorrida julgou procedente a Oposição e, consequentemente, declarou a Recorrida parte ilegítima na instância executiva.

Para assim decidir, o Meritíssimo juíz a quo, depois de delimitar o quadro jurídico aplicável entendeu, em síntese, que não obstante a gerência nominal, os actos isolados apurados respeitantes à alegada gerência de facto não são suficientes para concluir pelo exercício da mesma pela Recorrida.

Recuperemos o segmento da sentença que assim concluiu:

“(…) No caso dos autos, não são invocados (nem por consequência provados) factos concretos que demonstrem que a Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade, para além dos que a Fazenda Pública indica no artigo 12.° da sua contestação; a saber:

a) Em 13/04/2007, assinou um contrato/declaração de reserva de propriedade com a empresa "T..., Ltd (TKS)";

b) Em 20/09/2007, assinou um requerimento a pedir o levantamento de penhora;

c) Em 08/10/2009 assinou avisos de citação/avisos de recepção.

Quanto a este último ponto diga-se, de resto, que a correspondência era pessoalmente dirigida à ora Oponente, não sendo de estranhar, por isso, que a tenha recebido.

A Fazenda Pública se pretende efectivar a responsabilidade subsidiária do gerente, exigindo o cumprimento coercivo da obrigação na execução fiscal inicialmente instaurada contra a originária devedora, deve, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, provar os factos que legitimam tal exigência.

Porém, ao contrário do que lhe competia, a Fazenda Pública, não apresentou neste tribunal qualquer prova do exercício efectivo da gerência de facto, para além do que antes se deixou referido.(…)

É à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam a reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à existência da gestão de facto.

IV. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolado praticados pelo Oponente. Ac. do TCAN de 2/2/2012, proc. n° 00273/09.

Ora, a gerência efetiva de uma sociedade pressupõe um conjunto de atos ordenados para um certo fim, de prosseguimento do objeto social da sociedade.

Assim, a prática de um ou dois atos isolados sem conexão entre si e sem conexão com qualquer prática sucessiva, não preenche o conceito de gerência de facto.

Tal como se refere no Ac. TCAS de 16-11-2012, P. n° 05666/12 «2. Tendo o gerente nomeado e por conta do exercício das mesmas funções, apenas intervindo numa escritura de compra e venda de um prédio, por continuar a figurar como gerente nomeado, mas não se inserindo tal acto numa actividade continuada, antes se tratando de um acto isolado, onde se prova que o mesmo se mantinha apartado da actividade que normalmente é praticada pelos gerentes na prossecução do objecto social e das deliberações dos sócios, é de não caracterizar o mesmo como gerente efectivo ou de facto.»’’.

Termos em que a presente oposição, nesta parte, tem que proceder.(…)”

É contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública, alinhando os seguintes argumentos:

· As alíneas e), f) e g) do probatório provam o exercício da gerência efectiva por parte da Recorrida;

· A Recorrida apresentou um aumento nos rendimentos auferidos, pagos pela devedora originária;

· A Recorrida assinou documentos representando a sociedade perante terceiros;

Não vindo questionado o regime de responsabilidade aplicado na sentença recorrida (o previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária), vejamos então se assiste razão à Recorrente, analisando o regime de responsabilidade subsidiária aí instituído.

O regime legal da responsabilidade subsidiária aplicável é, pois, o que decorre do artigo 24.º da LGT, nos termos do qual os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si :

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

À luz do regime da responsabilidade subsidiária descrito, em qualquer uma das suas alíneas, a possibilidade de reversão não se basta com a gerência de direito, exigindo-se o exercício de facto da gerência - neste sentido, entre muitos outros, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.03.2011, proferido no processo n.º 944/10.

No que diz respeito ao ónus da prova, como bem salienta a sentença recorrida, é ao exequente, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, que compete fazer a prova da gerência efectiva como pressuposto da responsabilidade subsidiária.

Relativamente a esta matéria afirmou-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28.2.2007, proferido no âmbito do processo n.º 1132/06, que a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova, sob pena de contra si ser valorada a falta sobre o efectivo exercício da gerência.

É sabido que são os gerentes de facto quem exterioriza a vontade da sociedade nos respectivos negócios jurídicos, que são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, quem toma decisões sobre o destino das suas receitas e quem dá ordens de pagamento em nome e no interesse dela, exteriorizando, por essa via, a vontade da sociedade e vinculando-a com a sua assinatura perante terceiros (conforme estipula o artigo 260.º nº 4 do Código das Sociedades Comerciais -CSC-).

Não oferece dúvida que gerência nominal (de direito) da Oponente não vem questionada, contudo, como já afirmamos, inexiste disposição legal que estabeleça que a titularidade da qualidade de gerente faz presumir o exercício efectivo do respectivo cargo.

Regressando ao caso dos autos, e considerando a matéria de facto provada, não se pode concluir que assista razão à Fazenda Pública, já que concordamos com a apreciação efectuada na sentença recorrida relativamente aos concretos pontos de facto a que a Recorrente pretende atribuir força suficiente para se considerar verificado o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida.

Por um lado, a circunstância da Recorrida ter assinado em 13.04.2007 um contrato/reserva de propriedade, e um requerimento pedindo o levantamento de uma penhora, em 20.09.2007 não é suficiente para que se possa inferir que tenha efectivamente exercido a gerência da sociedade devedora originária, já que se trata, claramente, da prática de actos isolados. Como, aliás, bem considerou a sentença recorrida.

Por outro lado, a mera assinatura de avisos de recepção de correspondência em seu nome (como vem referido na sentença), em nada faz supor o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida.

Ou seja, a prática de dois actos isolados pela Recorrida em que terá agido em representação da executada originária nesses concretos momentos, não é susceptível, à luz das regras de experiência comum, de levar à conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da devedora originária, já que o exercício da gerência constitui uma actividade continuada.

Acresce que o invocado aumento de rendimentos por parte da Recorrida em nada altera o que supra se disse, já que, por si só, e mesmo em conjugação com os actos isolados supra referidos, não tem a virtualidade de demonstrar o exercício efectivo da gerência pela Recorrida.

Dito isto, perante o circunstancialismo fáctico provado (e não impugnado), temos assim que concluir não ter a Fazenda Pública produzido prova demonstrativa de que a Recorrida tenha exercido a gerência de facto, sendo que, como antes já dissemos, era sobre a Fazenda Pública que recaía o ónus de provar o exercício da mesma.

Em face de tudo o que se deixou exposto, não se provando o exercício efectivo da gerência, o qual é pressuposto da responsabilidade subsidiária que se pretende efectivar através da reversão, improcede o recurso, nesta parte.

Vejamos, agora, a questão da culpa da Recorrida, no que se refere às dívidas por coimas, a qual a Recorrente entende verificar-se pelo facto de ter sido declarada a insolvência da devedora originária.

Mais uma vez, não pode proceder a alegação de recurso.

Efectivamente, apoiando-se em jurisprudência do STA, que identifica, a sentença recorrida concluiu que o ónus da prova relativamente à culpa do gerente, quanto às coimas fiscais, recai sobre a Fazenda Pública, sendo que refere nada ter sido alegado nem provado no que à culpa da Recorrida respeita, para efeitos do preceituado no artigo 8º do RGIT.

Entendemos que a sentença decidiu com acerto, sendo certo que não logrou a recorrente fazer prova da gerência efectiva da Recorrida, pelo que dificilmente se poderia concluir pela sua culpa relativamente às dívidas de coimas fiscais.

Estão em causa dívidas de coimas respeitantes aos anos de 2007 a 2009, como resulta do probatório.

Como tem sido reiteradamente afirmado pelo STA, o ónus da prova da culpa recai sobre a Fazenda Pública, de que é exemplo o Acórdão do STA de 27/09/2017, proferido no âmbito do processo nº 377/17, do qual se retira o seguinte:

“(…) analisado o teor do artigo 8.º do RGIT, verifica-se que este, ao contrário do artigo 24º, nº 1, alínea b), da LGT, não prevê qualquer presunção de culpa no que concerne à insuficiência do património da originária devedora de que possa prevalecer-se a administração fiscal, pelo que cabia a esta alegar e demonstrar a culpa do respectivo gerente por essa insuficiência, como pressuposto necessário da efectivação da sua responsabilidade subsidiária.

Em suma, o art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do despacho de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social e, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No caso vertente, compulsado o despacho de reversão, verifica-se, desde logo, que nada foi alegado quanto à culpa do revertido, ora recorrido, na insuficiência do património da sociedade originária devedora ou na falta de pagamento da coima.

O que, desde logo, provoca a ilegitimidade do oponente para a execução.
E, de todo o modo, à luz da factualidade provada na sentença, verifica-se que nada ficou demonstrado quanto a essa eventual culpa do oponente, pelo que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos para essa responsabilização subsidiária, deve tal falta de prova ser valorada contra si.(…)”

Ora, e porque assim é, não tendo a Fazenda Pública demonstrado a culpa do Recorrido pela insuficiência do património societário no que diz respeito às dívidas de coimas, é de manter o decidido pelo tribunal “a quo”, neste segmento, o que significa que improcede o recurso, também neste aspecto.

Conclui-se, assim pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença recorrida que julgou procedente a oposição.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, assim se mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)