Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03333/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/16/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores: ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
IRC
RETENÇÃO NA FONTE
REEMBOLSO
EXCESSO PRONÚNCIA
DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA
PRAZO
CONDENAÇÃO NO ACTO DEVIDO
Sumário:1. Não pode existir excesso de pronúncia quando o juiz na sentença conhece de vícios do acto que foram articulados pelo autor na sua petição inicial da acção, ainda que pudessem ficar prejudicados no seu conhecimento pela solução dada a outros, o que já não integraria este vício formal mas eventual erro de julgamento;
2. Quando um pedido de reembolso desde logo é indeferido por se fundamentar na sua intempestividade, sem que tenha existido qualquer instrução, não há lugar à audição prévia do requerente, o que também acontece quando o substituído do imposto não tem domicílio fiscal em Portugal e não nomeia pessoa com residência em Portugal para o representar;
3. O prazo para a dedução do pedido do reembolso do imposto pago pelo substituto obrigado à sua retenção relativos a factos tributários ocorridos em 1997, 1998 e 1999, por retenção inferior à legal, conta-se contudo, apenas desde a entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, já que antes inexistia lei que fixasse qualquer prazo para o efeito;
4. Na sentença recorrida o juiz deve condenar na prática do acto devido, desde que o mesmo tenha sido pedido, caso em que conhece do preenchimento dos respectivos pressupostos legais, ainda que a AT deles não tenha chegado a conhecer por ter indeferido a pretensão do requerente por intempestividade, a não ser que nos encontremos no âmbito de poderes discricionários em que a lei coloque à disposição da AT a escolha de um dos diversos meios aptos para esse deferimento.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Subdirector-Geral dos Impostos (SDGI), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 2.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a acção administrativa especial deduzida por A...e & Kg, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) A, aliás, douta sentença recorrida incorreu em excesso de pronúncia, o que a inquina no vício de nulidade, nos termos da al. d) do n° 1 do art. 668° do CPC, bem como, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos, não se podendo, pois, manter.
B) Na verdade, considerou o tribunal "a quo" que se verificava o vício de falta de audição prévia, pelo que, ao se ter pronunciado no sentido da anulação do acto pela verificação daquele vício, estava-lhe vedada a apreciação do vício de fundo atribuído ao mesmo acto.
C) Na verdade, sendo a falta de audição um vício formal que afecta a formação da vontade administrativa deve ser apreciado antes dos vícios que influem na formulação da própria vontade, desde que se esteja perante uma situação em que o interessado pode contrapor, perante a decisão a adoptar pela autoridade administrativa, novos elementos susceptíveis de contraditar a posição tomada e influenciar a decisão final.
D) Acresce que, também a jurisprudência tem admitido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente contencioso pode passar pelo conhecimento prioritário do vício de forma, concretamente do vício de falta de audição do contribuinte, dado que este vício leva à renovação do acto e à realização de tal audição que pode fornecer ao juiz novos elementos, quanto aos pressupostos de facto e de direito da decisão, na apreciação dos vícios de fundo do acto.
E) E daí que, no caso em concreto, se impusesse ao Tribunal "a quo" o conhecimento prévio do vício de forma imputado ao acto impugnado e procedendo o mesmo, como também foi decidido, devesse o Tribunal "a quo" abster-se de conhecer do vício de violação de lei, uma vez que, determinando a procedência do vício de forma a possibilidade de a AT renovar o acto, há que concluir que o Mmo Juiz "a quo" ainda não está de posse de todos os elementos que lhe permitam avaliar da correcção, ou não, dos pressupostos de facto e de direito do acto impugnado.
F) Pelo que, a sentença recorrida ao ter conhecido e ter decidido pela procedência do vício de forma, falta de audição dos então A.A. e ora recorridos imputado ao acto e ao ter, igualmente, conhecido e decidido, prioritariamente, o vício de violação de lei, quando não o podia fazer, por ser prioritário conhecer do vício de forma, cuja procedência esgotava o seu poder jurisdicional, incorreu em excesso de pronúncia, sendo nula nos termos da al. d) do n° 1 do art. 668° do CPC.
G) Por outro lado e, ainda que assim não se entenda, relativamente à declarada procedência do vício de falta de audição prévia, há insuficiência da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida, porquanto, embora não esteja assente na matéria de facto dada como provada, resulta, até por confissão das próprias A.A., que estas, à data dos pedidos, não tinham designado um representante com domicílio fiscal em Portugal.
H) Tal facto, conjuntamente com o de as A.A serem sociedades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal, é fundamental e deveria ter sido tomado em consideração pela sentença recorrida, obstando, na subsunção dos mesmos factos ao direito, à consideração da procedência do vício de forma, por preterição de audição prévia.
I) É que, da designação de um representante legal, depende o exercício dos direitos perante a administração fiscal portuguesa, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação, cfr. se estabelece nos n° 4 e 5 do art. 19° da LGT.
J) Assim, sendo inquestionável que as então A.A. e ora recorridas não possuíam sede ou direcção efectiva em Portugal, não tinham aqui qualquer estabelecimento estável e nem sequer tinham, à data dos pedidos de reembolso, indicado um representante com residência em território nacional, devia a, aliás, douta sentença recorrida, ter considerado que faltava um pressuposto processual para que as A.A. pudessem ser notificadas para o exercício do direito de audição, uma vez que este é exercido em Portugal, através de sujeito passivo residente em Portugal, ou não o sendo, por via do seu representante legal.
K) Ao não o ter feito, a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação do art. 60° da LGT.
L) Mesmo que assim também não se entenda, sem conceder, quanto à declarada procedência do vício de violação de lei, embora tenha sido invocado pelo ora recorrente e até conste dos documentos juntos pela A. não consta, como devia, da matéria de facto dada como provada pela, aliás, douta sentença recorrida, que as A.A. nos próprios impressos Mod. 15-RFI, juntos à p.i., indicam como data da colocação do rendimento à disposição as datas de 28/04/97 (doc. 14), 26/02/98, (doc.15), 24/04/98 (doc. 19) e 01/07/99 (doc.20) e como datas do apuramento do respectivo quantitativo, no caso de royalties, as de 16/09/97 (doc. 16), 24/09/98 (doc.17) e 27/09/99 (doc. 18).
M) Assim, tendo em conta aquelas datas, que fundamentam os pedidos e que as A.A. admitem como tendo sido as datas da colocação do rendimento à sua disposição e, atendendo a que as retenções na fonte efectuadas pela Degussa-Hulls e B...entraram nos cofres do Estado nos anos de 97, 98 e 99, a, aliás, douta sentença recorrida só poderia ter concluído pela extemporaneidade do pedido de reembolso apresentado pelas então A.A.
N) E, se as então A.A. pretendiam pedir o reembolso na sequência de um procedimento de liquidação adicional do imposto por parte da AT, por os substitutos tributários não terem cumprido com os requisitos para a aplicação da Directiva n° 90/435/CEE, podiam ter efectuado uma reclamação graciosa nos termos e prazos estabelecidos no art. 132° do CPPT, ou, podiam efectuar um pedido de reembolso, atendendo ao prazo constante do n° 6 do art. 90° do CIRC, na redacção introduzida pela Lei 32­-B/2002, que estabelece um prazo de dois anos, contado da verificação do facto gerador do imposto.
O) Contudo, a aplicação do novo prazo constante do n° 6 do art. 90° do CIRC, na redacção introduzida pela Lei 32-B/2002, só se pode efectivar perante situações não consolidadas na ordem jurídica.
P) Por outro lado, uma coisa é a liquidação adicional de imposto que levou à aplicação da taxa normal em detrimento da taxa reduzida e que podia ter sido atacada por via de impugnação judicial, outra coisa é um pedido de reembolso feito em virtude dessa liquidação adicional, que não foi, em tempo, posta em causa.
Q) Assim, tendo essa liquidação adicional por causa o não cumprimento de determinados pressupostos formais, as então A.A. só podiam solicitar o reembolso do imposto se viessem, posteriormente e, tendo em conta que não atacaram por via de impugnação judicial a legalidade de aplicação de tais pressupostos, efectuar a prova de que preenchiam tais pressupostos, sendo também nesta base que poderia ter lugar a aplicação do n° 6 do 90° do CIRC, em conjugação com o n° 3 desse mesmo artigo, ambos introduzidos pela Lei 30-B/2002.
R) Deste modo, ao ter determinado o direito ao reembolso, sem ter remetido para a AT a apreciação dos pressupostos dos quais depende o direito ao reembolso do imposto, por parte das A.A., a aliás, douta sentença recorrida fez uma incorrecta apreciação dos artigos 95° n° 3 do CPTA e 90° nos 3 e 6 do CIRC, na redacção que foi introduzida pela Lei 32-B/2002.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exa., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo ser declarada nula a sentença, por excesso de pronúncia, ou, caso assim não se entenda, ser a mesma revogada, por ter feito uma insuficiente consideração da matéria de facto dada como provada e uma incorrecta apreciação e aplicação dos factos ao direito.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito suspensivo.


Também as recorridas vieram a apresentar as suas alegações e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


A) O Tribunal a quo considerou que as decisões de indeferimento dos pedidos de reembolso de retenções na fonte de IRC formulados pelas Recorridas eram passíveis de ser anuladas, uma vez que as mesmas (i) padeciam de vício formal consubstanciado na preterição do direito de audição prévia previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária ("LGT”) e (ii) vício de lei, porquanto os pedidos de reembolso foram tempestivos face ao disposto no artigo 90º, n.º 6 do CIRC, sendo, pois, inoponível a Circular n.º 18/99 face ao disposto nos artigos 10º e 12º do ADT celebrado entre Portugal e a Alemanha;
B) As questões que cumpre analisar no presente recurso consistem na apreciação (i) do alegado excesso de pronúncia por parte do douto Tribunal a quo, (ii) da violação do direito de audição prévia antes da prolação da decisão de indeferimento dos pedidos de reembolso formulados pelas Recorridas e, bem assim, (iii) da tempestividade dos referidos pedidos de reembolso;
C) Quanto ao excesso de pronúncia, uma tal asserção viola de forma frontal o disposto no artigo 95°, n.º 2 do CPTA, estando em evidente contradição com as demais alegações da Recorrente, desde logo porquanto esta entende que (i) não há lugar ao direito de audição prévia que agora pretende promover e (ii) de um ponto de vista material, os pedidos de reembolso são intempestivos, pelo que a pretensão das Recorridas é insusceptível de ser obtida pela via procedimental e administrativa;
D) Tendo sido invocados pelas ora Recorridas vício de forma e vício de lei, cabia ao Tribunal a quo pronunciar-se sobre ambas as questões, sob pena de incorrer em omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 668.º, n.º 1, do CPC, e 125.º, n.º 1, do CPPT
E) Trata-se, aliás, de um dos traços caracterizadores do novo regime de contencioso administrativo pelo que a invocação do referido vício só pode ser entendido por distracção ou litigância no limiar da má-fé por parte da Recorrente;
F) O princípio pro actione ou anti-formalista impõe ao julgador dar prioridade à decisão de mérito da causa, por forma a conferir uma maior eficácia e estabilidade à tutela jurisdicional dos interesses do ofendido;
G) Na óptica da Recorrente, (i) a Lei Geral Tributária aplica-se às relações jurídicas que decorrem do direito interno, o que não é o caso em apreço pois as Recorrentes são sujeitos passivos não residentes, sem estabelecimento estável em Portugal, (ii) as Recorridas deveriam ter nomeado representante fiscal nos termos do n.º 4 e 5 do artigo 19º da LGT (iii) não tendo nomeado representante, a Administração Tributária estava legalmente desvinculada do dever de notificação;
H) A falta de nomeação do representante fiscal não inibiu a Administração Tributária de notificar as Recorrentes no seu domicílio no estrangeiro da decisão final do procedimento, bem como do prazo para exercício dos seus direitos procedimentais;
I) Se a Administração estava legalmente desonerada do dever de notificação, por que não se desonerou do dever de comunicação da decisão final do procedimento? E já agora, por que motivo não alegou a ilegitimidade activa das Recorridas por via da restrição operada no n.º 4 do artigo 19º da LGT que determina “que o exercício dos direitos de reclamação, recurso ou impugnação dependem de nomeação de representante”;
J) A posição sustentada pela Recorrida - desoneração legal do dever de notificação - não encontra apoio legal no artigo 19º, n.º 4 da LGT, que nada diz sobre esta matéria, nem encontra suporte no artigo 60º da LGT, não constituindo uma causa legal de dispensa do direito de audição;
K) Não obstante a inexistência de qualquer exclusão do direito de audição prévia na falta de nomeação de representante fiscal, importa salientar que a referida falta não poderia implicar qualquer restrição nos direitos das ora Recorridas, sob pena de manifesta inconstitucionalidade e violação do princípio da liberdade de circulação de pessoas e capitais, constante dos artigos 18.º e 56.º do Tratado da Comunidade Europeia;
L) A Comissão Europeia intentou contra Portugal uma acção junto do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (Processo IP/09/288), relativamente à obrigatoriedade de os contribuintes não residentes nomearem um representante fiscal perante a administração tributária portuguesa por forma a garantir o cumprimento das suas obrigações e o exercício dos seus direitos;
M) Inexiste qualquer insuficiência na matéria de facto, pois a falta de designação de representante fiscal não constitui um facto relevante para a boa apreciação dos presentes autos, nem a mesma constitui, repete-se, uma causa legal de dispensa da participação dos sujeitos passivos;
N) Na ausência de qualquer norma que suprimisse o direito de audição prévia, a Administração Tributária encontrava-se vinculada a ouvir as Autoras antes de tomar a decisão definitiva sobre os pedidos de reembolso;
O) Está assente e não constitui matéria controvertida que as AA. (i) são sujeitos passivos residentes na Alemanha (ii) que os rendimentos por si obtidos dizem respeito a dividendos e royalties para os efeitos consignados no ADT entre Portugal e a Alemanha (iii) que as ora Recorridas apresentaram pedidos de reembolso do imposto suportado em excesso mediante formulário próprio e devidamente certificado pelas autoridades fiscais alemãs (ver alíneas A) C, E, H, Q do probatório assente em primeira instância;
P) A questão material controvertida prende-se, em exclusivo, com a tempestividade dos pedidos de reembolso formulados pelas Recorridas, pois que é esta a fundamentação exclusiva para o indeferimento dos pedidos das AA., conforme despachos de indeferimento anexos aos presentes autos;
Q) Neste ponto, diga-se que a conclusão do ponto N), 0), P) e O) das alegações consubstancia uma nova e distinta fundamentação, a qual não poderá ser atendida por este Venerando Tribunal;
R) A fundamentação dos actos tem de ser contemporânea dos mesmos, não sendo de admitir a fundamentação a posteriori, já em sede judicial ou de alegações de recurso, o que se invoca para os devidos efeitos legais;
S) A data relevante de apreciação dos pedidos de reembolso é a data em que se procedeu à repercussão do imposto liquidado ao substituto tributário às ora Recorridas;
T) Como bem notou o Tribunal a quo, a contagem do prazo de 4 anos não poderia nunca iniciar-se a partir da colocação do rendimento à disposição, uma vez que nesse momento não havia qualquer imposto cobrado em excesso;
U) Apenas se verificou a cobrança de imposto em excesso com o pagamento das liquidações adicionais de imposto - que ocorreu em Dezembro de 2002 - pois só com o respectivo pagamento se verificou um excesso passível de reembolso à luz das normas convencionais;
V) O entendimento das Recorridas encontra expresso acolhimento na Circular 20110/2005, de 17 de Fevereiro, que determina que o prazo para o pedido de reembolso segue os termos do art.º 90.º, n.º 6, do CPPT, em caso de liquidação efectuada pela Administração Tributária que determine o pagamento de imposto em excesso face às taxas da CDT;
W) A admitir o entendimento da Recorrente poderia cair-se na situação absurda de, no momento em que é cobrado imposto em montante superior aos limites máximos estabelecidos na norma convencional, já não ser possível ao contribuinte solicitar o imposto cobrado em excesso por decurso do prazo de dois anos previsto no artigo 90º do CIRC;
X) No que concerne a reclamação graciosa prevista no art.º 132.º do CPPT, as Recorridas careceriam de base legal para exercer o referido meio processual, porquanto não teriam legitimidade activa para interporem o referido meio processual;
Y) Do ofício circulado n.º 20110 ressalta com clareza que a repercussão do imposto é assimilada a uma retenção na fonte, sendo pois, a partir daquela o dies a quo do prazo de dois anos previsto no n.º 6 do artigo 90º do CIRC;
Z) No que diz respeito ao prazo constante do art.º 90.º, n.º 6 do CIRC, o qual entrou em vigor em Janeiro de 2003, sempre se diga que o mesmo não prejudica a tempestividade do pedido formlado pelas Recorridas, pois contando-se o prazo a partir da repercussão do imposto, sempre seria o mesmo tempestivo;
AA) Parece, assim, inequívoco que, quer face à Circular n.º 18/99, quer face ao n.º 9 do artigo 90º do CIRC os pedidos de reembolso formulados pelas Recorridas foram apresentados tempestivamente porquanto (i) foram deduzidos antes de decorridos 4 anos após a emissão das liquidações adicionais (ii) foram deduzidos antes de decorridos dois anos a contar do termo do ano que o imposto foi liquidado em excesso; (iii) foram deduzidos antes de decorridos dois anos após a entrada em vigor do n.º 6 do artigo 90º do CIRC.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a sentença recorrida no sentido da anulação das decisões de indeferimento que recaíram sobre os pedidos de reembolso referentes a IRC dos anos de 1997, 1998 e 1999,
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS,
a costumada Justiça!


Pelo despacho de fls 468 dos autos, veio a M. Juiz do Tribunal “a quo” a sustentar a decisão do agravo imputado quanto ao excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade, que entende não existir, por lhe caber conhecer de todas a causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, e que as ora recorridas haviam articulado.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, dizendo aderir às alegações do Ministério Público formuladas na 1.ª Instância e às contra-alegações das recorridas, ora formuladas.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir. Se a sentença recorrida padece do vício formal de excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se no caso ocorreu o vício formal de falta de audição prévia antes do indeferimento das decisões por intempestividade; Se os pedidos de reembolso do imposto foram efectuados dentro do prazo que a lei prevê para o efeito; E se, em todo o caso, sempre o tribunal não deveria ter condenado na prática do acto devido por a AT não ter chegado a apreciar os pressupostos para a concessão dos pedidos de reembolso.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) As AA. são sociedades residentes para efeitos fiscais na Alemanha, não dispondo de estabelecimento estável em Portugal.
B) A Autora A...detinha, nos exercícios de 1997 e 1998, uma participação de 99,9% no capital da sociedade Portuguesa A...Hulls, Lda. (A...Portugal).
C) Nos anos de 1997 e 1996 a A...Portugal pagou à Autora A...dividendos no montante de EUR 448.783,43 (EUR 99.729165, referente a 1997 e EUR 349.053,78 referentes a 1998).
D) Sobre os referidos montantes a A...Portugal efectuou retenção na fonte de IRC à taxa de 10% ao abrigo da directiva 90/435/CEE, no montante de EUR 9.972,97, relativamente a 1997 e EUR 34.905,38 no ano de 1998.
E) Nos anos de 1997, 1998 e 1999, a A...Portugal pegou royalties à Autora A...no montante total de EUR 431.460,62 (EUR 131.682,64 em 1997; EUR 154.696,73 em 1998 e EUR 145.081,25 do ano de 1999).
F) Sobre os royalties pagos, a A...Portugal efectuou retenção na fonte à taxa de 10% ao abrigo do ADT celebrado entre Portugal e a Alemanha, nos montantes de: EUR 13.168,26 em 1997; EUR 15.469,67 em 1998; e EUR 14.508,12 relativamente a 1999.
G) A Autora A...detinha, nos exercícios de 1998 e 1999, uma participação de 70% no capital social da sociedade Portuguesa B...- Sociedade de Acrílicos, Lda. (B...).
H) Nos anos de 1998 e 1999, a B...pagou dividendos à Autora A...nos montantes de EUR 600.552,67 (1998), e EUR 481.838,77 em 1999.
I) Sobre os dividendos pagos, a B...efectuou retenção na fonte de IRC à taxa de 10% ao abrigo da Directiva 90/435/CEE, nos montantes de EUR 60.055,27 (1998), e EUR 48.183,88 (1999).
J) Na sequência de acção de fiscalização efectuada em 2002, a Administração procedeu a correcções nos montantes de imposto retidos na fonte em Portugal pelas sociedades A...Portugal e B..., por entender que não se mostravam preenchidos os requisitos formais para a aplicação das taxas reduzidas.
K) Na sequência das referidas correcções, a administração tributária procedeu à liquidação adicional de IRC nos exercícios de 1997, 1998 e 1999 pela diferença entre as taxas internas de tributação de dividendos e royalties, e as taxas reduzidas aplicadas pela A...Portugal e pela B....
L) No que diz respeito à A...Portugal, foram emitidas as seguintes notas de liquidação adicional:
i. 1997 - Liquidação n.º 6420000733, no valor de EUR 32.499,34;
ii. 1998 - Liquidação n.º 64200003066, no valor de EUR 86.831,17;
iii. 1999 - Liquidação n.º 64200003067, no valor de EUR 8.756,54.
M) No que diz respeito à B..., foram emitidas a seguintes notas de liquidação adicional:
i. 1998 - Liquidação n.º 6420000706, no valor de EUR 128,689,86;
ii. 1999 - Liquidação no valor de EUR 103.251,16.
N) Todas as liquidações foram emitidas no ano de 2002.
O) Todas as quantias liquidadas pela administração tributária foram pagas a 5/12/2002.
P) A A...Portugal e a B...repercutiram sobre as AA. o imposto liquidado adicionalmente, mediante a emissão das seguintes notas de débito:
a. A...Portugal: nota de débito n.º 85, de 17 de Março de 2004, no valor de EUR 88.890,55, emitida à A...AG;
b. B...: nota de débito n.º 131 de 17 de Março de 2004, no valor de EUR 162358,72, emitida a & CO.KG.
Q) Em 10/09/2004 e 21/10/2004 as AA. apresentaram pedidos de reembolso do imposto português sobre os dividendos e royalties na parte excedente ao limite devido nos termos da Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre Portugal e a Alemanha.
R) Em 02/02/2006, por despacho do subdirector geral da Direcção de Serviços das Relações Internacionais foi indeferido o pedido de reembolso referente a dividendos do ano de 1998 e 1999 peticionados pela Roehm GmbH, com fundamento na intempestividade do pedido de reembolso, considerando que as retenções na fonte foram efectuadas em 1997, 1998 e 1999, e por conseguinte encontra-se ultrapassado o prazo de quatro anos previsto na circular 18/99.
S) Em 02/02/2006, por despacho do subdirector geral da Direcção de Serviços das Relações Internacionais foi indeferido o pedido de reembolso referente a dividendos e royalties do ano de 1997, 1998 e 1999 peticionados pela A. Degussa, com fundamento na intempestividade do pedido de reembolso, considerando que as retenções na fonte foram efectuadas em 1997, 1998 e 1999, e por conseguinte encontra-se ultrapassado o prazo de quatro anos previsto na circular 18/99.
T) As AA. não foram notificadas antes da decisão de indeferimento para exercerem o direito de audição prévia.

Quanto aos factos provados a convicção do tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, no processo instrutor em apenso.

Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.


4. Tendo sido imputada à sentença recorrida o vício de excesso de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade - cfr. matéria das suas seis primeiras conclusões do recurso – e respectivo pedido formulado a final de nulidade da sentença - porque a mesma a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta que não só a sua anulação, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC) e 95.º, n.º1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), importa por isso conhecer em primeiro lugar desta invocada nulidade.

Tal nulidade só ocorre, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz se pronuncie sobre questão que não deva conhecer, que por isso não tenha sido submetida à sua apreciação por nenhuma das partes, ou que o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante(1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 143 e segs - «O juiz conheceu, na sentença, de questão der que não podia tomar conhecimento. Quando isso suceder, a sentença é nula.
É evidente que esta nulidade está em correlação com o 2.º período da 2.ª alínea do art. 660.º. Proíbe-se aqui ao juiz que se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso. Portanto a nulidade prevista na 2.ª parte do n.º4 do art. 668.º desenha-se assim: A sentença conheceu de questão que nenhuma das partes submeteu à apreciação do juiz.
Mas não existe nulidade, se por lei o juiz tinha o poder ou dever de conhecer ex officio da questão respectiva.
...
Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão.
...
Mais uma vez se acentua que uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer de questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já observámos, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.
...»
No caso, invoca o recorrente, na matéria daquelas primeiras seis conclusões do seu recurso, que o Tribunal “a quo”, conheceu da questão de falta de audição prévia que julgou verificar-se e contudo, avançou e conheceu também do vício de fundo de violação de lei, quando apenas deveria ter anulado o acto por tal vício formal, de molde a permitir à AT renovar o acto com possível expurgo desse vício e que a tutela mais eficaz para o administrado pode passar por conhecer primeiro desse vício de forma de molde a permitir que sejam carreados novos elementos para sustentar tal acto renovado, pelo que a sentença recorrida ao assim ter procedido é nula.

Desde logo, é patente, que a M. Juiz do Tribunal “a quo” não se pronunciou ou conheceu de questão que as partes não tenham submetido à sua apreciação.

Na verdade, como se pode verificar da respectiva petição da presente acção administrativa especial, as ora recorridas, ao longo do seu articulado, não só invocaram tais questões como fundamentos conducentes à procedência das respectivas pretensões, como a final, lhe deram correspondência nos respectivos pedidos, como dos mesmos se pode ver, quer por vício de fundo (de violação de lei), quer por vício de forma (falta de audição prévia), pelo que a sentença recorrida que dessas questões conheceu nunca pode enfermar desse vício de excesso de pronúncia, porque ambas as questões foram colocadas pelas ora recorridas na mesma petição inicial da acção.

O indevido conhecimento do vício de fundo nessa mesma sentença, quando havia dado como verificado o vício de forma, já não integra tal vício formal mas sim eventual erro de julgamento, por não obstante ter julgado verificado tal vício formal, ainda assim, conhecer desse vício de fundo, que também julgou verificado, ou seja a decisão recorrida passou a encontrar-se suportada por dois pilares argumentativos qualquer um deles de per si, susceptível de suportar de decisão tomada de procedência da acção.

Sempre se dirá contudo, que mesmo este conhecimento pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, do conjunto desses dois pilares argumentativos, em si, também não constitui qualquer erro de julgamento, já que a novo regime do conhecimento dos vícios do acto no âmbito da acção administrativa especial na norma do art.º 95.º, n.º2 do CPTA, em que nos encontramos, impõe ao juiz o conhecimento de todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado e deve mesmo pronunciar-se e decidir sobre outras causas de invalidade não alegadas, que entenda existir, tendo em vista conferir uma maior estabilidade à situação jurídica dos particulares face à Administração no âmbito da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art.º 268.º, n.º4 da CRP, que foi um dos fins pretendidos alcançar com tal disciplina.

Como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernando Cadilha(2), “à face deste art.º 95.º, n.º2, pode, pois, dizer-se que o objecto do processo é a pretensão anulatória, a qual se reporta ao acto impugnado na globalidade das suas causas de invalidade, de tal modo que a identificação em juízo de um novo vício não implica uma ampliação da causa de pedir. Dito de outro modo, o objecto do processo impugnatório centra-se, não nas concretas ilegalidades que são imputadas ao acto, mas no próprio acto, em termos tais que a pronúncia do tribunal deve envolver, não apenas a eliminação do acto impugnado da ordem jurídica, mas a definição, em maior ou menor medida, do poder de conformação, por parte da Administração, da situação jurídica em causa.”.

Defensável seria sim, ao contrário do pretendido pelo ora recorrente, que a sentença recorrida não tivesse conhecido do invocado vício formal de falta audição prévia e apenas do vício de violação de lei, por aplicação da disciplina do n.º1 do art.º 95.º do mesmo CPTA, por o conhecimento daquele ficar prejudicado pelo conhecimento deste, já que o conhecimento de tal vício formal nada veio contribuir para uma mais ampla tutela dos direitos e interesses legítimos do contribuinte(3) e tal vício de falta de audição prévia apenas a título subsidiário ter sido invocado pelas ora recorridas na sua petição inicia da acção, como da mesma se pode ver, pelo que procedendo a acção pelo vício de violação de lei, ficava este prejudicado no seu conhecimento.


Assim, não pode a sentença recorrida ter incorrido no invocado vício formal de excesso de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade (art.º 668.º n.º1, alínea d) do CPC ex vi do art.º 1.º do CPTA), por a sentença recorrida não ter emitido pronúncia sobre questões de que não podia conhecer, nos termos supra.


Improcede assim a matéria das citadas conclusões das alegações do recurso, não sendo de declarar nula a sentença recorrida.


4.1. Para julgar procedente a presente acção administrativa especial considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os pedidos de reembolso do imposto efectuados pelas ora recorridas, foram deduzidos em tempo e que os mesmos indeferidos que foram, por intempestivos, não houve lugar ao direito de audição das requerentes, pelo que igualmente padecem deste vício formal consistente na sua falta e que as recorridas preenchem todos os pressupostos para a concessão dos pedidos de reembolso.

Para o recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra estas duas questões que igualmente se vem insurgir, para além de uma outra, por as mesmas ora recorridas, como entidades sem estabelecimento estável em Portugal, então não terem um representante legal (SIC) por si nomeado para as representar em Portugal, pelo que não havia lugar a tal audição – conclusões G) a K) – e que os pedidos de reembolso não podem deixar de ser extemporâneos por os rendimentos terem sido colocados à ordem das mesmas em 1997, 1998 e 1999, e que poderiam ter deduzido tal pedido através da reclamação prevista no art.º 132.º do CPPT a contar da data da liquidação adicional, o que não fizeram, pelo que deixaram precludir o respectivo direito, para além de que sempre o tribunal deveria ter deixado à AT a verificação dos pressupostos legais da concessão dos requeridos reembolsos.

Vejamos.
Nos termos do disposto no art.º 60.º da LGT, a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) ...
d) ...
e) ...
2 - ...
...
Antes da vigência da LGT, existia já no âmbito do direito administrativo, uma norma de idêntico conteúdo e que parte da jurisprudência veio a reconhecer ser de aplicação subsidiária no âmbito tributário(4), constante no art.º 100.º do CPA, e que rezava assim:
1 – Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2 - ...
...
Defende o recorrente que no caso não havia lugar ao exercício de tal direito, por as ora recorridas serem entidades sem estabelecimento estável em Portugal e não tendo nomeado um representante com residência em território nacional, não havia lugar à notificação para tal audição ao abrigo do disposto no art.º 19.º, n.º4 e 5 da LGT.

Dispunham tais números:
4(5) – Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional.
5 – Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

E, na realidade, as duas normas destes dois números do art.º 19.º da LGT, conferem razão à tese do recorrente, já que as ora recorridas não tinham estabelecimento estável em Portugal e nem nomearam um seu representante com residência em Portugal (como estas nem colocam em causa na matéria das alíneas G) e segs das suas contra-alegações), para as representar perante a AT, pelo que, ao abrigo de tais normas, não havia lugar a tal notificação para elas exercerem o direito de audição prévia, sendo irrelevante que, não obstante, tenham sido notificadas no estrangeiro para exercerem outros direitos processuais igualmente no âmbito tributário, os quais aqui se não encontram em causa.

E também não se vê que esta interpretação das normas dos n.ºs 4 e 5 do art.º 19.º da LGT, enferme de qualquer inconstitucionalidade ou de violação de norma comunitária atinente à liberdade de circulação de pessoas e capitais, como as mesmas invocam na matéria da sua conclusão J), mas que nem substanciam.

Por outro lado, no caso, nem havia lugar ao direito de audição prévia antes da decisão de indeferimento dos pedidos de reembolso por intempestividade, por os mesmos o terem sido apenas face aos respectivos termos dies a quo ou dies ex quo para o efeito, sem qualquer instrução, não tendo desta forma chegado a formar-se o procedimento e só no âmbito deste é que tal direito pode ser exercido(6).

Nos termos do disposto nos art.ºs 54.º e segs da LGT e 44.º e segs do CPPT, o procedimento tributário segue o princípio do contraditório e o contribuinte nele participará, nos termos da lei, na formação da decisão.
E nos termos do disposto no art.º 54.º e segs do Código de Procedimento Administrativo (CPA), o procedimento administrativo inicia-se oficiosamente ou a requerimento dos interessados, deve em princípio, ser escrito quando por iniciativa destes, sendo liminarmente indeferidos os requerimentos não identificados e aqueles cujo pedido seja ininteligível (n.º 3 do seu art.º 76.º), só tendo direito a ser ouvidos depois de concluída a instrução e que, mesmo assim, neste âmbito, ainda pode ser dispensada – cfr. seus art.ºs 100.º e 103.º.

Ou seja, quer no âmbito de aplicação da LGT e do CPPT, quer do CPA, o direito de audição só tem lugar nos casos previstos na lei, onde nenhuma norma a impõe, no caso de apresentação de requerimento pelo interessado, que desde logo, deva ser liminarmente indeferido.

E nem as normas do art.º 60.º, n.º1 b) e n.º4 da LGT (redacção de então), que impõe tal direito de audição antes do indeferimento dos pedidos formulados pelo interessado, podem ser interpretadas no sentido de que tal audição também tem lugar antes de proferido um despacho de indeferimento liminar, por tal norma surgir inserida sistematicamente já no desenrolar da marcha processual, na sua fase de instrução do mesmo procedimento, portanto, já ultrapassada a fase do seu indeferimento liminar, que não perante a decisão a proferir perante um requerimento apresentado pelo interessado que deva desde logo ser indeferido liminarmente por afectado de vício que não tem, sequer, virtualidade, para dar início a esse procedimento tributário, no caso.
Nestes casos, bem se poderá dizer que o procedimento, enquanto forma processual para declarar certo acto, nem sequer se chegou a iniciar.

Aliás, nem se compreenderia que assim não fosse, quando perante uma petição inicial de um processo judicial a mesma pudesse ser desde logo indeferida liminarmente quando afectada de um qualquer vício inultrapassável - cfr. art.ºs 112.º n.º1 e 209.º n.º1 do CPPT – e no procedimento tributário se impusesse a audição prévia do interessado e a sua notificação do projecto de decisão, como pretendem as ora recorridas, quando nenhuma instrução houve e é perante apenas a própria pretensão formulada que se formula o juízo da sua não viabilidade, certa, segura, e que legitima a formulação de tal despacho de indeferimento liminar.

Neste mesmo sentido se pronuncia, António Lima Guerreiro(7), ao escrever: “O direito de audição depende de um procedimento dirigido à declaração dos direitos tributários.
Não se aplica, pois, quando o pedido ou reclamação não tiverem aptidão para iniciarem um procedimento por, por exemplo, o seu objecto consistir na emissão de um mero acto interno da Administração Tributária. Não depende de prévia audição do contribuinte a resposta às petições, representações, reclamações ou queixas previstas no art.º 56.º, n.º2 alínea b), mesmo quando desfavoráveis.
O direito de audição depende igualmente do que a doutrina chama de uma ”prévia instrução procedimental ...”, ou seja, de um conjunto de formalidades, informações, pareceres, apresentação ou produção de prova, realização de diligências, vistorias exames necessários à prolação do acto.
Sem instrução nesse sentido amplo, não há dever de audição procedimental, que incide, assim, apenas sobre a matéria de facto e não sobre as normas de direito aplicáveis.
Essa doutrina infere-se do art.º 100.º, número 1, do CPA, que dispõe que, concluída a instrução, os interessados têm direito a ser ouvidos no procedimento antes da decisão final, de que, “a contrario”, resulta que, não havendo instrução, não há decisão.
...
Em suma, no caso, não havia lugar ao direito de audição prévia que assim não pode ter sido preterido.


Passamos agora a conhecer da terceira e última questão colocada no presente recurso, ou seja se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao ter entendido e decidido que os pedidos de reembolso das ora recorridas haviam sido formulados dentro do prazo que a lei prevê para o efeito e que as mesmas reúnem todos os requisitos legais para o seu deferimento, tendo em conta o objecto possível da presente acção administrativa especial – cfr. art.ºs 46.º, n.º2, alínea b) e 95.º, n.º3, do CPTA.

Para o recorrente de acordo com a matéria das suas conclusões K) e segs, o termo inicial ou termo a quo para a dedução de tais pedidos, era contado da data da colocação de tais quantias ao dispor das ora recorridas (1997, 1998 e 1999), ou então, a contar da liquidação adicional, no prazo de dois anos, pela reclamação prevista no art.º 132.º do CPPT, ao que as recorridas contrapõem que tal prazo se deve iniciar a contar da data em que os substitutos tributários procederam à repercussão do imposto às mesmas, abrigando-se para tanto na Circular n.º 20110/2005 e que careciam de legitimidade para reclamar tal reembolso ao abrigo do citado art.º 132.º.

Nesta matéria, a sentença recorrida considerou deduzida em tempo tais pedidos de reembolso do imposto por ter entendido e decidido, que à data dos factos tributários não havia norma que regulasse os prazos para requerer os reembolsos da retenção na fonte ao abrigo das CDT, o que apenas veio a acontecer com a Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, que introduziu o n.º6(8) no art.º 90.º do CIRC, e actualmente constante no n.º7 do mesmo artigo, e que é de dois anos a contar do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, sendo que as circulares não são lei mas apenas constituem orientações vinculativas no seio da administração tributária, não podendo projectar os seus efeitos nas relações com os particulares, sendo que, em todo o caso, mesmo por aplicação de tal circular, o prazo de 4 anos só se iniciaria a contar da data da cobrança do imposto (5.12.2002), em aplicação da taxa de retenção superior de 15%, o que mesmo a assim se não entender, então o prazo de 2 anos só se iniciaria a contar de 1.1.2003, data da entrada em vigor desta Lei que pela primeira vez veio a fixar tal prazo, que assim sempre estariam em tempo.

Como bem se fundamenta na sentença recorrida, até à publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), não vislumbrámos que existisse lei a fixar o prazo para peticionar tal reembolso do imposto proveniente de retenção inferior à considerada legal, não tendo também o recorrente vindo a invocar que a mesma existisse.

Mas por aplicação da citada Circular da AT, n.º 18/99, que é vinculante no âmbito da mesma AT, como bem se fundamenta na sentença recorrida, o prazo para tal pedido podia ser efectuado dentro dos 4 anos seguintes à cobrança do imposto, cujo termo inicial deve ser entendido como na sentença recorrida, a contar da data em que houve a liquidação adicional e cobrança do imposto respectivo por diferença entre a retenção à taxa reduzida e à taxa normal – no caso, em 5.12.2002 – que não desde a data em que tal imposto foi entregue nos cofres do Estado, à taxa reduzida, como defende o recorrente, já que nessa altura ainda não existia nenhuma diferença de imposto entre as retenções efectivamente efectuadas e as que depois a AT considerou como certas, o que tal liquidação adicional veio dar expressão na esfera da entidade obrigada à retenção (substituta tributária), pelo que neste circunspecto tendo os pedidos sido deduzidos em 10.9.2004 e 21.10.2004, estão contidos dentro daquele prazo de 4 anos, não podendo à sua luz serem considerados intempestivos.

Também o ora recorrente labora em erro ao invocar a norma do n.º6 do art.º 90.º do CIRS, na redacção da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, como regulando tal pedido de reembolso, quando a norma é a do seu n.º5, introduzida pelo art.º 27.º da mesma Lei (lapso que sentença recorrida, também labora, como acima se disse), já que por tal redacção, aquele artigo ficou apenas a conter cinco números que não seis.

E dispunha a norma do n.º5 deste art.º 90.º, nesta redacção:
O sujeito passivo não residente, quando não tenha efectuado a prova no prazo referido no número anterior, pode requerer à Direcção-Geral dos Impostos o reconhecimento dos benefícios resultantes de convenção destinada a eliminar a dupla tributação e solicitar o reembolso do imposto retido na fonte, no prazo de dois anos a contar da data da verificação do facto gerador do imposto, mediante apresentação de formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças.

Tendo tal Lei entrado em vigor em 1.1.2003, como dispôs a norma do seu art.º 76.º, tal prazo só poderia ser contado a partir da entrada em vigor dessa mesma Lei, como bem se fundamentou na sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art.º 297.º do Código Civil, convocando doutrina que no mesmo sentido entendeu(9), pelo que também ao arrimo desta Lei os pedidos de reembolso foram deduzidos dentro dos dois anos seguintes, ou seja no caso, dentro do prazo que a lei prevê para o efeito, pelo que também por aqui a sentença é de confirmar quanto à dedução em tempo dos referidos pedidos de reembolso.

Invoca ainda o recorrente que as ora recorridas poderiam ter utilizado a reclamação prevista no art.º 132.º do CPPT para valer os seus direitos ao reembolso (certamente, antes quereria referir-se à norma do seu art.º 131.º do mesmo Código, que esta sim se reporta à reclamação necessária em sede de autoliquidação), quando a do seu 132.º antes se reporta à impugnação judicial em caso de retenção na fonte, sendo que tal reclamação graciosa apenas a lei a institui para o substituto que não para o substituído, como eram as ora recorridas face a tal retenção por aquele, já que estas não procederam e nem tinham que proceder a qualquer liquidação de imposto pelos dividendos e royalties pelas substitutas atribuídos, pelo que careciam de legitimidade para o efeito como as mesmas bem se pronunciam na matéria da sua alínea X) das conclusões da sua alegação.


Na matéria das suas conclusões Q) e R) invoca ainda o recorrente, que em todo o caso, a sentença recorrida não deveria ter condenado na prática do acto devido ou seja no reconhecimento do direito aos citados reembolsos às ora recorridas, por os mesmos dependerem de pressupostos que não foram apreciados pela AT que assim não reconheceu que se encontrassem preenchidos, no que quedariam violadas as normas dos n.º3 do art.º 95.º do CPTA e 90.º, n.ºs 3 e 6 do CIRC.

Ainda que a norma do citado n.º3 do art.º 95.º do CPTA pareça querer reportar-se apenas aos casos em que a conduta da AT é discricionária e não vinculada, como no caso acontece, em que perante o preenchimento dos pressupostos legais contidos nas normas dos n.ºs 2 a 5 do art.º 90.º do CIRC de que depende o reconhecimento do direito ao reembolso, a única conduta legal da mesma consiste em deferir tal pedido, sem que lhe seja permitido, dentro de várias opções optar por aquela que melhor satisfaça o fim em vista, a mesma também deve ser aplicada naqueles casos como no presente em que o acto devido comporta a apreciação de vários pressupostos legais para a concessão do benefício que a AT não apreciou face à considerada intempestividade dos pedidos, desde que a posterior sentença também o não faça, o que não aconteceu no caso, em que a sentença recorrida o não deixou de fazer, como consta do seguinte trecho da mesma, sem que quanto ao mesmo o recorrente tenha manifestado na matéria das suas conclusões, qualquer reparo ou inconformismo:
«E, assim sendo, as AA têm direito aos reembolsos peticionados, considerando que o pedido é tempestivo, as AA têm residência fiscal na Alemanha, e o imposto cujo reembolso foi peticionado foi pago pelo substituto tributário e posteriormente repercutido nas AA, tal imposto incidiu sobre juros e royalties, ou seja, as AA reúnem todas as condições para beneficiarem do reembolso das quantia em causa, nos termos do disposto nos art.ºs 10.º e 12.º do CDT celebrado entre Portugal e a Alemanha, enfermando os despachos reclamados de vício de violação de lei».

Neste caso houve uma substituição da AT pelo Tribunal, na apreciação desses pressupostos, como a lei hoje lhe permite/impõe [art.º 46.º, n.º2 alínea b) do CPTA], não sendo por isso caso de aplicação da norma do citado art.º 95.º, n.º3 do CPTA, com a devolução do conhecimento desses pressupostos para a AT e consequenciando a não condenação na prática do acto devido, a não ser que o Tribunal “a quo” se tivesse limitado a condenar na prática do acto devido pela simples circunstância de ter considerado deduzidos em tempo esses pedidos de reembolso, sem que tivesse curado de conhecer do preenchimento dos positivos pressupostos para a sua concessão, ou que dos autos não constassem os elementos indispensáveis para o efeito, o que como vimos, não aconteceu.

Aliás, pela matéria constante nas diversas alíneas do probatório fixado na sentença recorrida se pode colher que nele foi feito constar a base instrutória suficiente e necessária para aquilatar do preenchimento dos pressupostos legais enformadores do direito ao reembolso das ora recorridas por aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e a Alemanha, tendo em vista evitar a dupla tributação, que o recorrente nas conclusões das suas alegações recursivas não veio colocar em causa, como a lei lhe permitia, nos termos do disposto nos art.ºs 146.º, n.º4 do CPTA e 690.º-A do CPC.


Improcedem assim as conclusões do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, ainda que em parte por diversa fundamentação.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida com a presente fundamentação.


Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UCs (art.º 73.º-D, n.º3 do CCJ).


Lisboa, 16/03/2010

EUGÉNIO SEQUEIRA

ROGÉRIOS MARTINS, acompanhando no entanto a declaração de voto do Exmo Adjunto Dr. Lucas Martins e acrescentando que dado a decisão administrativa ter sido antecedida de uma informação, houve “informação” e também por aí se imporia sempre o exercício do direito de audiência.

LUCAS MARTINS - Declaração de voto; Voto a decisão, ainda que não acompanhe a fundamentação do acórdão no que concerne ao direito de audição, na medida em que propendo no sentido de que, apear do teor dos n.°s 4 e 5, do art.° 19.° da LGT, a falta de designação de representante, no nosso País, por parte das impugnantes, não pode ter o efeito de lhes limitar o exercício dos seus direitos de defesa, e à respectiva tutela judicial efectiva, designadamente os de reclamação, recurso e impugnação e, nessa medida, de audiência prévia, quando tal se imponha, nos termos do art.° 60.° da LGT, sob pena, desde logo e em última instância, de afronta ao estatuído pelo art.° 20.°, da CRPorruguesa.
- Por outro lado, [e independentemente quer das consequências de tal vício, quer da sua relevância, tudo por referência ao caso debatido nos autos], também se não acompanha a fundamentação, a propósito desta mesma matéria, com suporte na natureza da decisão da administração, isto é, uma decisão adjectiva e liminar, de indeferimento, por intempestividade, com ancoragem no entendimento de que, por assim ter sido, não se chegou a iniciar qualquer procedimento, necessário ao facultar de tal direito.
- É que, a nosso ver e à luz do estatuído, conjuntamente, nos art.°s 54.° e 69.°, da LGT e 44.°, do CPPT, com os pedidos referidos na alínea Q) do probatório, deu-se início ao procedimento tributário, pelo que, nos termos do art.° 60.°, da LGT, particularmente do seu n.° l /b, se impunha, por princípio, o facultar às impugnantes o exercício dos seus direitos de audiência prévia.





1- Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
2- In Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2,ª Edição revista, 2007, Almedina, pág. 569 e segs.
3- Caso contrário, sempre o mesmo deveria ser conhecido, ainda que invocado a título subsidiário, por aplicação da disciplina do n.º2 do mesmo art.º 95.º.
4- Cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 30.11..2005 e de 29.11.2000, recursos n.ºs 622/05 e 25214, respectivamente.
5- Este número veio a ter nova redacção introduzida pelo art.º 40.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2005), mas que não é aplicável ao caso.
6- Como constitui jurisprudência corrente deste TCAS – cfr. entre muitos a acção administrativa especial n.º 823/05, que teve por Relator o do presente.
7- In Lei Geral Tributária, anotada, Editora Rei dos Livros, pág. 277, notas 8 e 9.
8- Trata-se de manifesto lapso no número já que tal artigo, nessa redacção apenas era composto por cinco números, só podendo por isso a referência ser ao seu n.º5 que não ao n.º6.
9- Cfr. igualmente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, em anotação ao artigo 297.º, onde refere: Deve entender-se, para aplicação da regra do n.º1deste artigo, que se trata de um prazo mais curto, quando a lei antiga não estabelecia qualquer prazo para o exercício do direito e ele veio a ser estabelecido pela lei nova....É um caso implicitamente compreendido naquela regra.