Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:41/6.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:ALEGAÇÕES INCOMPLETAS
IRC
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DOS EXERCÍCIOS
TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA
CUSTOS
INDISPENSABILIDADE
Sumário:I. O envio de alegações de recurso incompletas, contendo 2 as 51 conclusões, não se configura como um lapso manifesto de escrita nos termos do art.º 249.º do Código Civil.

II. O n.º 5 do art.º 282.º do CPPT, na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, determinava que, se as alegações não tivessem conclusões, convidar-se-ia o recorrente a apresentá-las.

III. Tendo sido suprida lacuna pela Recorrente, por ter apresentado peça contendo apenas parte das conclusões, lacuna essa que, ao tempo, sempre implicaria a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, não se justifica não considerar as alegações que vieram a ser apresentadas com a integralidade das conclusões e proferir despacho de aperfeiçoamento visando o efeito já obtido através desta junção, dado que tal seria um ato inútil, proibido por lei.

IV. A salvaguarda do interesse público, ao nível tributário, não passa ou não se reduz ao interesse na mera arrecadação de receitas, configurando-se como salvaguarda desse interesse uma atuação em respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade e em respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

V. A previsão das tributações autónomas afigura-se como disciplinadora, com vista a penalizar comportamentos potencialmente reveladores de evasão ou de uso particular de bens empresariais.

VI. Despesas de representação são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra.

VII. Nem todos os encargos, suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos, oferecidos, no País ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades, são necessariamente despesas de representação, porquanto tem de lhes estar subjacente a finalidade mencionada em VI.

VIII. Se um determinado custo, com viagens, congressos, despesas de alojamento, etc., tiver natureza promocional ou respeitar a reuniões estratégicas e de planeamento, afasta-se a sua qualificação como despesa de representação.

IX. Um gasto suportado no âmbito de um projeto de investigação, que se enquadra no objeto da sociedade, cabe no âmbito do art.º 23.º do CIRC.

X. Os custos relacionados com alimentação, alojamento e participação em eventos de caráter científico, que visem de sensibilizar os clínicos participantes para as vantagens na prescrição de um determinado medicamento produzido e/ou comercializado pela sociedade, configuram-se como custos com ações promocionais, sendo abrangidos pelo art.º 23.º do CIRC.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 16.10.2019, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada por L., S.A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2000.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que declarou totalmente procedente a Impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC nº 20048310027724 e respetivos juros compensatórios, do exercício de 2000, emitida pela Administração Fiscal tendo por base um conjunto de correções efetuadas ao L., S.A., tendo sido impugnados os segmentos relativos a custos fiscais com o aluguer de viaturas sem condutor em regime de ALD (M., S.A. - € 30.469,98); custos referentes a exercícios anteriores (violação do princípio da especialização dos exercícios – art.18º do CIRC – M., S.A. - € 31.979,27); despesas classificadas como deslocações e estadas cujo gasto foi desconsiderado por não ter sido demonstrada a sua indispensabilidade (art. 23º, CIRC) (P., Lda - € 1.811,79; E. - € 27.356,67 e L., Lda - € 8.728,96); despesas de representação (e deslocações e estadas) cujo gasto apesar de aceite foi tributado autonomamente (M., S.A. - € 233,12; M. - € 30.791,05 e € 30.557,93; L., Lda - € 25.344,74; e E., Lda - € 7.377,77); e créditos incobráveis;

B) É facto não controvertido, reconhecido pelo Tribunal a quo na fixação do probatório e na fundamentação que a atuação da Impugnante violou inapelavelmente o princípio da especialização dos exercícios que decorre do mencionado art. 18º do CIRC em virtude da errada interpretação dos documentos emitidos pelas sociedades “P.” e “M.”, reconhecida pelas testemunhas, procedente de um lapso de só ter detetado o erro inicial em 2000.

C) Existem dois erros imputáveis à conduta da Impugnante em termos contabilísticos e fiscais. O facto de só ter detetado em 2000 a incorreta inscrição de um proveito que alegadamente não existiu, e, pensar que estaria mais uma vez a agir corretamente contabilizando incorretamente no exercício de 2000 o mencionado a título de gastos operando como que uma compensação estática dos montantes.

D) A sindicância jurisdicional do ato tributário assenta, no presente segmento, em termos fiscais, e num primeiro momento - na correção por parte dos SIT relativamente a uma conduta tipificada como ilegal nos termos do art. 18º do CIRC por parte da Impugnante que é evidente, admitida pela Impugnante, confirmada pelas testemunhas e reconhecida pelo Tribunal que suportado na jurisprudência deste Venerando TCA Sul produzida em 14-03-2018 no processo 0716/2014 (a qual, seguindo a orientação do Colendo STA, tende a aceitar que o princípio da especialização dos exercícios, na sua rigidez e no efeito pernicioso desta sua característica, deve ser apesar disso flexibilizado por ação do princípio da justiça) – incorretamente interpretada entendeu anular esta correção.

E) À Fazenda Pública não lhe repugna reconhecer que na ponderação dos valores/princípios em causa, da aplicação do princípio da justiça possam resultar efeitos positivos relativamente à justiça do caso concreto não se podendo ponderar a sua utilidade desligado (apesar de assente) d(n)a violação de um normativo sobre o qual emerge um princípio específico do direito tributário que visa salvaguardar também ele um determinado interesse, público, in casu. E também pela perigosidade que o próprio princípio da justiça assume tratando-se de um processo talhado por natureza para as situações em que está em causa o exercício de poderes discricionários quando a próprio correção decorre de um poder vinculado.

F) Quando o tribunal a quo tende a menosprezar os efeitos da incorreta contabilização dos proveitos, alvitrando a ideia de estes casos serão menos lesivos no apuramento do lucro tributável do que a incorreta contabilização dos gastos por violação do mesmo princípio está, para além do erro de apreciação da prova, a cometer um erro flagrante na apreciação jurídica definindo a sua gravidade em função da natureza da inscrição contabilística pois que não desconhece que o lucro tributável decorre da diferença das variações patrimoniais positivas e negativas. Neste particular não há diferenças à luz do art. 18º do CIRC.

G) Que os gastos contabilizados em 2000 poderão ter por referência eventuais proveitos contabilizados nos exercícios anteriores é um facto que se pode aceitar. Porém, não foi junta a escrita dos exercícios de 1998 e 1999. As testemunhas em momento algum relataram concretizada e circunstanciadamente em termos contabilísticos o apuramento do lucro tributável naqueles exercícios. A fundamentação e a convicção do tribunal a quo decorre de mera presunção sem que haja suporte probatório onde essa convicção possa assentar.

H) A questão, mais uma vez, está na ótica com que os tribunais tributários não raras vezes invertem o bico ao prego em termos de ónus probatório e no modo como o tribunal a quo inverteu a natureza corretiva do princípio da justiça face ao princípio da especialização elevando aquele primeiro a único princípio a ter em consideração – raciocínio que viola o ensinamento da própria jurisprudência que cita e que, aparentemente, ou não a alcança ou simplesmente entende que o interesse que o princípio da especialização visa proteger legalmente previsto em termos tributários, afinal, não precisa de ser protegido.

I) Se a Impugnante entendia que apesar da ilegalidade que cometeu (e que o tribunal a quo reconhece ter sido cometida) tinha um motivo ponderado ou justificado à luz do princípio da justiça para o fazer – cabia-lhe fazer a prova; demonstrar materialmente esse facto.

J) Cumpria fazer correr por conta da Impugnante o ónus da prova dos factos e princípio que alega e invoca, respetivamente, fazendo cair assim os pressupostos que estão por detrás da correção realizada pelos SIT neste segmento, abrindo a porta à possibilidade de demonstrar que estava em causa uma daquelas situações excecionais que cumpre fazer valer o princípio da justiça no seio de poderes vinculados, mas que, naturalmente, não o tendo feito e assentando a correção num motivo de fundada ilegalidade por violação de outro não menos importante princípio específico do próprio direito fiscal, outra solução não haveria senão manter a presente correção porquanto legal sem que tenha sido abalada nos seus pressupostos.

L) Foi assim que se decidiu no acórdão proferido pelo Colendo STA em 19 de maio de 2010, no processo 0214/2007, quando anulou a correção a uma provisão que a AT entendeu anular por não ter sido encontradas provas de diligências efetuadas pela credora para o recebimento dos respetivos créditos, suportado no facto da Impugnante ter, mediante prova testemunhal, demonstrado que essas diligência foram realizadas.

M) Se o tribunal a quo exige que seja a AT a verificar dos pressupostos para a aplicação do próprio princípio da justiça a situações concretas, ainda que déssemos de barato a ilegalidade da sua atuação em termos de procedimento – então significa que o mesmo já não está a ser usado para corrigir a rigidez do princípio da especialização mas a ser usado a priori como um princípio geral que se sobrepõe, sem mais, a um outro específico do direito tributário.

N) Inexiste, pois, prova nos autos que suporte a legitimidade do recurso ao princípio da justiça, sendo que, em todo o caso cabia à Impugnante e não à AT o ónus da prova dos factos que estão na base da invocação do referido princípio – o que não logrou fazer pelo que se deve manter o presente segmento e os correspondentes juros compensatórios.

O) As correções à conta 62233 de cada uma das 3 sociedades operou sob a égide de dois critérios. A natureza do gasto, e, a evidência do acompanhamento dos convidados com representantes das sociedades.

P) A análise à parte introdutória da sentença recorrida permite perceber que o tribunal a quo logrou apreender que os SIT corrigiram os gastos de duas formas: Por um lado, aceitou os gastos sujeitando os mesmos a tributação autónoma, nos termos do outrora art. 81º, nº 3, do CIRC. Por outro lado, simplesmente desconsiderou as despesas, nos termos do art. 23º do CIRC.

Q) Desprezou, porém, esta diferenciação anulando ambas as correções a cada uma das sociedades alicerçando-se em semelhante fundamento atinente à indispensabilidade do gasto – na redação que decorria do art. 23º, do CIRC à data dos factos.

R) Segundo a interpretação que faz à jurisprudência deste Venerando TCA Sul de 12 de janeiro de 2017, proferida no processo 09894/2016 a qual cita e adere, estejamos na presença de gastos enquadrados no art. 23º do CIRC, considerando-se como tal, os custos ou perdas que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, ou, estejam em causa, face à sua natureza, os gastos elencados no art. 81º, nº 3, do CIRC será de exigir a estes últimos a comprovação da sua indispensabilidade.

S) Retira-se da jurisprudência ora citada, se bem a interpretámos, que a indispensabilidade do gasto no caso de despesas de representação não tem de estar necessariamente verificada para que a AT as possa legitimamente tributar autonomamente com sendo de representação, nos termos do art. 81º do CIRC.

T) Se não há um fim estritamente empresarial podemos em abstrato questionar a própria indispensabilidade do gasto. Todavia, tratando-se, sobretudo e por natureza, de despesas de representação o que se impunha fosse demonstrado era o fim publicitário da despesa pois só assim nos afastamos da zona particular da despesa e nos aproximamos da zona empresarial.

U) Não é a materialização da promoção da venda (indispensabilidade do gasto) que relativamente a este segmento se impunha apreciar nem a anulação das correções se pode fundamentar na indispensabilidade do gasto. Pelo menos, à luz da orientação jurisprudencial que citámos.

V) Entende-se, pois, que para lá da incorreta apreciação jurídica que fez depender da procedência da presente correção relativa a despesas de representação a inexigível indispensabilidade do gasto que, em termos probatórios, nenhum facto se mostra assente seja em prova testemunhal com conhecimento de causa seja em documentos alusivos aos respetivos congressos permitindo dar por provado que os Congressos se destinavam à promoção dos medicamentos por si produzidos.

X) Deve, pois, improceder, o presente segmento da correção por má apreciação jurídica e suprimidos para este efeito os factos levados ao probatório K a O – porquanto testemunhos prestados sem conhecimento direto dos factos que importava apurar, num discurso integralmente geral e abstrato e de documentos sem qualquer relevo ou virtude probatória relativamente aos factos que importava em concreto fazer prova da publicitação dos produtos que produziam e comercializavam.

Z) Relativamente às correções abordadas em 1.2 o gasto foi desconsiderado pois que, tratando-se de despesas referentes a viagens, alojamento/estadia, alimentação, cursos e inscrições… e como tal também elas previstas no art. 81º, nº 7, do CIRC e comungando também elas de uma dimensão iminentemente pessoal verificou-se que se desconhece quem participou nos eventos, não existindo sequer evidência do acompanhamento por parte de um representante da empresa a esses eventos e também não podem ser considerados custos com publicidade, uma vez que de acordo com a nova redação dada pelo artº 1º do DL nº48/99, de 16/02 que veio adaptar o Decreto-Lei nº 100/94, de 19/04 ao espirito da Diretiva Comunitária 92/28/CEB, de 31 de Março, o médico não poderá ser influenciado, por via do comportamento de uma determinada indústria farmacêutica, na escolha do receituário, não estando portanto subjacente o incremento das vendas.

AA) Até à apresentação da presente Impugnação Judicial em momento algum a defesa da Impugnante passou por alegar e fazer crer que estas despesas, como as demais já abordadas tinham por objeto o incremento da venda, a sua indispensabilidade.

AB) Sabia que se tratavam de despesas localizadas na mencionada “zona de fronteira” que as mesmas se posicionam (pessoal e empresarial), compreende os fundamentos dos RITs aqui em apreciação, e mesmo quando os SIT lhe solicitam que apresente documentação alusiva à promoção desses produtos nos mencionados eventos (Congressos) até ao momento nada disso foi apresentado.

AC) O Tribunal a quo, estranhamente também não deu relevância a este facto nem se questionou do motivo pelo qual se o que estava em causa era o incremento da venda; no fundo de despesas que supostamente deveriam ser indispensáveis à realização dos proveitos - porque é que a Impugnante ao longo do procedimento inspetivo e do procedimento administrativo (Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico) insistiu sempre, enfim, em destacar a promoção não do produto ou da sua atividade económica mas da valorização do clínico – em detrimento, cá está, do seu próprio objeto social.

AD) Desconhecem-se até ao momento os participantes dessas reuniões, desconhecem-se as datas em que essas reuniões ocorreram; nenhuma das testemunhas concretiza uma dessas datas sequer; nenhuma das testemunhas concretiza ou circunstancia um tema ou questão que tivesse sido tratada nessas reuniões.

AE) não há prova documental do alegado projeto I. que, ainda para mais se alegadamente financiado pela EU seguramente exigiria este tipo de elementos formais e que não foram apresentados; as testemunhas desconhecem que fundos europeus em concreto lograram co-financiar o alegado projeto; as testemunhas em momento algum referem terem participado nesses eventos.

AF) Quando o tribunal não se questiona nem exige, em concreto, informação sobre os factos. E aceita ou convence-se erroneamente da indispensabilidade dos mesmos através de testemunhos sem conhecimento direto e naturalmente sem um mínimo de concretização que nos permita apurar pertinência do gasto à luz do art. 23º do CIRC – está obviamente a cometer um erro de julgamento.

AG) Quando os SIT afirmam que estando o médico legalmente impedido de ser influenciado pelo receituário não há como demonstrar a promoção da venda o tribunal a quo há nesse partilhar um juízo objetivo desprovido de considerações de oportunidade, mérito ou sobre o que são as decisões do contribuinte

AH) Contrariamente ao que parece entender o tribunal a quo a defesa ao disposto no art. 9º, nº 1, do DL 100/94 de 19 de abril na redação conferida pelo DL 48/1999 de 16 de fevereiro esgrimido pelos SIT o qual impede à empresa promotora do medicamento a entrega de prémios, vantagens ou ofertas, direta ou indiretamente, a pessoas habilitadas em troca da prescrição ou dispensa de medicamento – não está no disposto no seu nº 2 ainda que conjugado com o art. 10º e 9º A aditado pelo DL 48/99 de 16/02.

AI) O que acontece é muito objetivo. Se o clínico não pode estar sujeito à influencia do receituário, em termos fiscais (que é o que nos interessa), não é possível objetivamente, direta ou indiretamente, afirmar que o suportar destes custos possam ter contribuído para a realização ainda que potencial dos ganhos da empresa – à luz do art. 23º do CIRC. Falhando o nexo causal ainda que potencial do incremento da venda.

AL) O que, aliás, é compatível com as alegações da Impugnante que durante este tempo todo afirmou sempre que o ganho era dirigido não ao objeto social mas à valorização profissional do médico. E isto nada tem de subjetivo.

AM) O tribunal a quo logrou concluir que relativamente aos elementos indiciadores a AT logrou cumprir com ónus que sobre si recai relativamente aos pressupostos da correção. Resta, pois, saber se, da parte da Impugnante a prova dos pressupostos da correção foi colocada em crise.

AN). Já aqui o dissemos que os Congressos, em si, não se destinavam nem se destinam necessariamente a promover produtos farmacêuticos tanto mais que os eventos não eram organizados pela Impugnante. Incidiam tão só sobre a vertente médica, na sua tecnicidade, no diagnóstico e não na vertente farmacológica e que até podem referir o princípio ativo mas, ao fazerem-no dessa forma, não estando provado que tenham publicitado nenhum fármaco em particular.

AO) Com efeito, relativamente aos gastos contabilizados com a comparticipação em congressos e jornadas médicas, pois que, como foi levado ao probatório, para além de não haver documentação dos participantes a Impugnante não dá uma resposta satisfatória ao motivo pelo qual entende que a comparticipação naqueles eventos incrementa a venda do produto, se, do outro lado, até pode estar um doente que não aceita que determinado fármaco lhe seja receitado. Tudo falha neste nexo causal. O tribunal, porém, entende que sim, porque sim…

AP) Nunca esteve em causa a indispensabilidade do gasto que a Impugnante sabia inexistir. A própria assumiu-o no procedimento administrativo

AQ) Significa, pois, que se até à apresentação da presente Impugnação Judicial nenhum motivo foi sequer alegado pela contribuinte sobre o interesse da realização deste gasto que suportasse a indispensabilidade, e, se afirma agora a Impugnante que esses eventos eram locais próprios para fazer o lançamento de novos produtos, forçosamente se reforçam as razões não só que legitimaram a correção por parte da AT mas também as razões pelas quais recaía sobre a Impugnante o ónus de provar a indispensabilidade do gasto.

AR) A Impugnante propala a relevância do gasto como contributo para a melhoria da saúde dos portugueses mas revela-se incapaz de juntar um mero relatório técnico do evento que confirme o seu relevo, sequer, um flyer dos eventos.

AS) Esperava-se, pois, que a prova, concreta e direta, pudesse ser trazida pela mão da Impugnante - através dos testemunhos que arrolou. Já que a prova documental apresentada o não é.

AT) A Impugnante no lugar de trazer aos autos os colaboradores e profissionais de saúde que concretamente marcaram presença nos eventos, podendo atestar sobre o efeito publicitário do evento relativamente ao medicamento que comercializa, entenderam que para efeitos do ónus que lhe incumbe bastava a vinda de:

- J. R. que, sem neles ter participado, alega de forma insipiente (sem conhecimento direto dos factos) que aqueles eventos são o local de apresentação científica dos medicamentos produzidos pela Impugnante. Não sabemos se efetivamente o foi. Se se lembra disso.

- De M. M. M., diretor médico da Impugnante, que tinha a seu cargo a seleção dos congressos e de médicos a patrocinar (mas que sobre datas e intervenientes nada relatou em concreto naquele ano). Esta alega de forma insipiente (sem conhecimento direto dos factos) que aqueles eventos são o local de apresentação científica dos medicamentos produzidos pela Impugnante desconhecendo se naqueles congressos em concreto foram apresentados medicamentos produzidos pela Impugnante pois que não há registo sequer que tenha lá estado nessas ações de formação ou nos congressos.

AU) O mesmo se diga sobre os stands de publicidade, pois que não houve um único elemento testemunhal que fosse que, com conhecimento direto lograsse confirmar que naquele certame X se recorda de ver lá o colaborador Y a promover produtos Z. Era habitual, supõe-se, pois que era assim.

AU) A razão de ciência que está por detrás de um depoimento manifesta-se no teor deste – nomeadamente, na convicção de que aquilo que a testemunha relata decorre de algo que viu ou experienciou, daí resultando, com naturalidade, uma descrição circunstanciada, concreta e direta dos factos que estão, in casu, na base da publicitação do produto, e não da situação que presume ou supõe ter acontecido porque assim era habitual.

AV) Relativamente ao facto K a O, o que se prova é que: Os congressos, seminários e demais eventos médicos em que a Impugnante e demais sociedades do Grupo escolhiam participar tinham por objeto assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados.

AX) Já vimos, pois, que os Congressos, em si, não se destinavam nem se destinam necessariamente a promover produtos farmacêuticos tanto mais que os eventos não eram organizados pela Impugnante. Incidiam tão só sobre a vertente médica, na sua tecnicidade, no diagnóstico e não na vertente farmacológica e que até podem referir o princípio ativo mas, ao fazerem-no dessa forma, não publicitam nenhum fármaco em particular.

AZ) Não se dá por provado sequer, nem podia, pois que não há prova documental ou testemunhal que o afiram, que os produtos tenham sido publicitados ou promovidos. Os clínicos iam e vão aos eventos em virtude não do medicamento da Impugnante mas da terapia. E nessa altura até já sabiam e sabem que aquele Laboratório tem determinado medicamento para determinada enfermidade. Ou seja, o congresso ou o evento, em si, não publicitam nada que já não saibam.

BA) Relativamente aos factos dados por provado em K a O) não se extrai que os produtos produzidos pela Impugnante tenham sido promovidos ou publicitados naqueles Congressos em concreto.

BB) A defesa empreendida pela Impugnante e a fundamentação produzida pelo Tribunal a quo relativamente a este segmento da correção mostram-se, assim, insustentáveis.

BC) Perante declarações de parte e testemunhos que não tem conhecimento direto dos factos, essencialmente caracterizado pela abstração e falta de concretização impõe-se também aqui manter os presentes segmentos da correção identificados no início do presente capítulo suprimindo-se os factos H, I, e J levados ao probatório.

BD) Estamos, pois, no que concerne a este segmento julgado procedente pela decisão recorrida, perante os seguintes erros de julgamento manifestos:

1 – Incorreta apreciação da prova produzida e apreciação jurídica sobre o recurso ao princípio da justiça na parte julgada procedente relativamente à correção aos gastos por violação do princípio da especialização.

2 - Por um lado incorreta apreciação jurídica porquanto relativamente às despesas de representação sobre elas não que apreciar a eventual indispensabilidade do gasto à luz da jurisprudência e doutrina citada supra pelo que não podia aquele segmento da correção ser julgado procedente com aquele fundamento devendo manter-se a tributação autónoma apurada em cada uma das sociedades.

3 - Má apreciação do facto dado por provado em H; I, e J), pois que os factos não podiam figurar no probatório nos termos em que o foram, suportados em prova testemunhal e declarações de parte cuja razão de ciência decorre de meras presunções não tendo as mesmas assegurado, com conhecimento direto, que os congressos tenham efetivamente proporcionado a promoção e publicitação dos medicamentos – facto que onerava, nos termos do art. 74º da LGT, a ora Impugnante.

4 - Má apreciação dos factos dados por provados em H) a J) que também não podiam figurar no probatório nos termos em que o foram, pois que os mesmos suportaram-se também aqui em prova testemunhal e declarações de parte cuja razão de ciência decorre de meras presunções não tendo as mesmas assegurado com conhecimento direto e desprovido de circunstancialismo e concretização bastante donde possa resultar um facto dado por provado. – ficando por provar a indispensabilidade do gasto, que onerava, nos termos do art. 74º da LGT, a Impugnante.

BE) A douta sentença ao considerar desconforme à legalidade tributária as correções levada a efeito no RIT nos três segmentos que enunciámos violou frontalmente o disposto, nos arts. 74.º da LGT, 23º; 18º, 81º, nº 3 e 7, todos do CIRC; pelo que não pode a sentença deixar de ser revogada e substituída por acórdão que nestes segmentos reconheça a legalidade dos segmentos da correção de que recorremos julgando procedente a presente impugnação judicial, nos termos das conclusões que seguem. Com a reposição dos respetivos juros compensatórios.

Termos em que, deverá ser considerado totalmente procedente o recurso e revogada a douta sentença na parte em que se recorre, julgando totalmente improcedente a presente Impugnação Judicial. V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual e sã justiça”.

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“A. Em violação do ónus que sobre a Recorrente impedia de apresentar, de forma completa e tempestiva, as conclusões das alegações, nos termos conjugados dos art.os 635.º, n.º 3 a 5 e 639.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil e 282.º, n.º 3 do CPPT, a mesma formulou apenas duas conclusões nas alegações de recurso apresentadas originalmente, tendo” apresentado, a 18 de Dezembro de 2019, isto é, já depois de ultrapassado o prazo previsto no art.º 282.º, n.º 3 do CPPT, requerimento nos termos do qual requereu ao Tribunal a quo a junção aos autos de nova peça processual, alegando que o "lapso na anexação do ficheiro" corresponde a um mero lapso de escrita, rectificável nos termos do art.º 249.º do Código Civil. Ora, o "lapso na anexação do ficheiro" não representa um "mero lapso de escrita", nos termos do disposto no art.º 249.º do Código Civil, e, por outro lado, a substituição das alegações de recurso originalmente apresentadas, dentro do prazo legal, por outras, com um aditamento de 49 conclusões e já depois de ultrapassado o prazo preclusivo de apresentação das mesmas, não representa "a correcção de pontuais erros em que seja manifesta ou ostensiva a divergência entre a vontade expressa e a que se quis declarar",

B. Assim, não deve o Tribunal a quo admitir a junção aos autos da peça processual apresentada a 18 de Dezembro de 2019, devendo a mesma ser desentranhada dos presentes autos,

C. A Sentença recorrida considerou ilegais as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, no exercício de 2000, na esfera individual da Recorrida e às sociedades que compõe o respectivo grupo de sociedades, que se prendem, no essencial, com a qualificação de despesas suportadas pela Recorrida, no montante de € 477.467,64 e € 3.642,52, respectivamente registadas como "Publicidade e Propaganda" e "Deslocações e Estadas", das despesas suportadas pela sociedade L., Lda., no montante de € 25.344,74, registadas como "Publicidade e Propaganda" e sobre as despesas suportadas pela sociedade E. no montante de € 7.377,77 registadas como "Deslocações ao Estrangeiro", como despesas de representação e a consequente sujeição das mesmas a tributação autónoma, por um lado, e a desconsideração, enquanto custo fiscal, por outro, dos custos de exercícios anteriores, no montante de € 30.023,68, das despesas suportadas pelas sociedades L., Lda. e G., Lda., respectivamente nos montantes de €8.728,96 e € 1.811,79, registadas como "Deslocações ao Estrangeiro", bem como das despesas suportadas pela sociedade E., no montante de € 27.356,67 registadas como "Publicidade e Propaganda";

D. Tendo a Recorrente, não obstante a abrangência da Conclusão A) das suas alegações, limitado as suas alegações de recurso aos segmentos da Sentença recorrida supra referidos;

E. Na medida em que a Recorrente não indicou o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas, não indicou o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico, nem tão-pouco complementou tais indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso, a mesma não cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens de gravação tidas por relevantes, nos precisos termos da alínea a), do n.º 2, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, devendo, por isso, ser o presente recurso rejeitado na parte respectiva;

F. Adicionalmente, a conclusão da Recorrente, de que devem, simplesmente, ser suprimidos os factos H, I, J, K, L, M, N e 0 levados ao probatório, é manifestamente insuficiente para cumprir o ónus legal que sobre ela impende, de especificar, no seu entender, qual a decisão alternativa que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 640.º do Código de Processo Civil, pelo que, também por este motivo, deverá o presente recurso ser rejeitado na parte na parte respetiva;

G. Relativamente ao segmento da Sentença recorrida que julgou ilegal a desconsideração, enquanto custo fiscal, do montante de € 30.023,68, não obstante a Administração Fiscal ter baseado a correcção na violação do princípio da especialização dos exercícios, tem vindo a Recorrida a demonstrar, ao longo de todo o procedimento administrativo e consequente processo judicial tributário, que o montante em causa não se reporta a custos de exercícios anteriores, mas apenas a correcções de erros contabilisticamente cometidos em anos anteriores, pelo que, não terá sequer a aplicação, in casu, do princípio da especialização dos exercícios. Essa demonstração foi cabalmente corroborada pelo depoimento das testemunhas S. L. L. C. (a partir do minuto 2 3:14 do ficheiro que contém a gravação do respetivo depoimento) e J. M. S. B. M. (a partir do minuto 22:00 que contém a gravação do respetivo depoimento);

H. Ainda que se considere que os referidos montantes têm a natureza de custos de exercícios anteriores, os mesmos devem ser aceites como custos, para efeitos fiscais, à luz do princípio da justiça. A Recorrida é a única prejudicada pelo seu próprio erro, na medida em que, tendo o seu erro dado origem, nos exercícios de 1998 e 1999 a apuramento de imposto em montante superior ao devido, o Estado não teve qualquer prejuízo na sua esfera. Paralelamente, a Recorrida não obteve qualquer vantagem para si, na medida em que os erros cometidos nos exercícios 1998 e 1999 implicaram, naturalmente, um efectivo pagamento de IRC indevido, o qual veio apenas a ser recuperado no exercício de 2000, sem direito a qualquer tipo de juros. Assim, a sua desconsideração, para efeitos fiscais, à luz do princípio da especialização dos exercícios, é ilegal, tal como, de resto, foi considerado pelo Tribunal a quo;

I. Assim, bem andou a Sentença recorrida ao decidir que "aplicando ao caso os ensinamentos colhidos na jurisprudência trazida à colação, o circunstancialismo de facto que aqui temos impõe que a rigidez do princípio da especialização dos exercícios tenha de ser colmatada com a invocação do princípio da justiça, designadamente por não haver, no caso, não prejuízo para o Estado, sendo que, solução inversa se revelaria materialmente injusta do ponto de vista do administrado, resultando numa violação do princípio da justiça previsto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, sendo, por isso, de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela Impugnante já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação";

J. A impugnação da decisão da matéria de facto pela Recorrente [alíneas K) a O) dos Factos Provados] não procede, por um lado, porque todas as testemunhas prestaram depoimentos isentos e objectivos, revelando um conhecimento direto dos factos e mostrando-se substancialmente relevantes para criar no Tribunal a convicção sobre a ocorrência dos mesmos (cfr. motivação de facto da Sentença recorrida) e, por outro lado, logrou a Recorrida demonstrar que apresentou abundante documentação, a qual referia expressamente todos os eventos científicos realizados ou patrocinados, bem como os seus produtos objecto de promoção, tendo sido ainda plenamente confirmado pela testemunha S. L. L. C. que, no âmbito da acção de inspeção que originou a liquidação impugnada, todos estes elementos foram disponibilizados e facultados aos serviços de inspecção tributária (cfr. depoimento prestado a minutos 08:31 do ficheiro que contém a gravação do seu depoimento);

K. Já no que diz respeito à impugnação da matéria de Direito, a argumentação deduzida pela Recorrente, de que a indispensabilidade do gasto como critério para afastar a qualificação da despesa de representação é um erro, também não procede, pois a Recorrida demonstrou a empresarialidade integral da despesa, isto é, a sua indispensabilidade com vista à realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora e, assim, afastar a qualificação da despesa como despesa de representação, e, consequentemente evitar a sua tributação autónoma;

L. De facto, a Recorrida logrou demonstrar, cabalmente, que as despesas suportadas, durante o exercício de 2000, por si e pelas sociedades L., Lda. e E., com deslocações, estadas e alojamento, respectivamente nos montantes de €477.467,64, € 25.344,74 e €7.377,77, registados como "Publicidade e Propaganda" e "Deslocações ao Estrangeiro", dizem respeito a encargos com eventos científicos nos quais foram promovidos produtos produzidos e/ou comercializados pela Recorrida, sendo despesas de cariz estritamente empresarial, incorporadas no próprio circuito económico directo da atividade das referidas sociedades. Nesta medida, a sua qualificação como despesas de representação e, consequentemente, a sua sujeição a tributação autónoma, é ilegal, por violação do disposto no art.º 23.º do Código do IRC com a redação em vigor à data dos factos;

M. A Recorrida também demonstrou a ilegalidade da actuação da Administração Fiscal ao sujeitar a tributação autónoma, no montante de 1 233,12, despesas com refeições da responsabilidade do Presidente do Conselho de Administração da Recorrida, o Dr. A. L., no montante de 13.642,5 2, por violação do art.º 23.º do Código do IRC, porquanto foi cabalmente demonstrado pelo depoimento das testemunhas S. L. L. C. (a partir do minuto 2 5:15 do ficheiro que contém a gravação do seu depoimento) e J. M. S. B. M. (a partir do minuto 25:30 do ficheiro que contém a gravação do seu depoimento) que os custos em causa correspondem a custos operacionais, incorridos no âmbito do desenvolvimento da actividade económica da Recorrida, sendo as mesmas necessárias ao seu correcto funcionamento e à manutenção da actividade geradora de rendimentos sujeitos a imposto, faltando-lhes qualquer natureza de oferta ou de representação;

N. Relativamente ao segmento da Sentença recorrida que determinou que as despesas suportadas pelas sociedades L., Lda., G., Lda. e E., respectivamente nos montantes de €8.728,96, € 1.811,79 e € 27.356,67, registados como "Deslocações ao Estrangeiro" e "Publicidade e Propaganda", deveriam ser aceites como custos fiscais nos termos do art.º 23.º do Código do IRC, alegou a Recorrente, que até à Impugnação Judicial, a Recorrida não tinha defendido que estas despesas tinham por objeto o incremento das vendas (a sua indispensabilidade), por um lado, e que não tinha, até ao presente, disponibilizado todos elementos documentais relativos à promoção do medicamento, por outro;

O. Conforme resulta de uma análise detalhada e cuidada da Reclamação Graciosa apresentada, a Recorrida defendeu e demonstrou a indispensabilidade dos gastos para a obtenção dos proveitos. E, ainda que tal não tivesse sucedido, ou seja, ainda que apenas agora, em sede de Impugnação Judicial, viesse a Recorrida defender a indispensabilidade dos custos, não haveria nisso qualquer impedimento legal, na medida em que apenas à Administração Fiscal está vedada a possibilidade de fundamentação a posteriori.

P. Acresce que, a Recorrida apresentou abundante documentação, a qual referia expressamente todos os eventos científicos realizados ou patrocinados, bem como os seus produtos objecto de promoção, como aliás, foi plenamente confirmado pela testemunha S. L. L. C. (a minutos 06:03 do ficheiro que contém a gravação do respetivo depoimento), a quem, conforme referido, incumbia organizar e manter os dossiers e a documentação necessários, relativos aos eventos em causa. Mais se diga que, da análise ao Relatório de Inspecção Tributária não resulta que a Recorrida não tenha disponibilizado e apresentado a documentação exigida aos serviços de inspeção tributária;

Q. Também não procede o argumento da Recorrente, de que a Recorrida insistiu sempre em destacar a valorização do clínico em detrimento do seu próprio objeto social, na medida em que, não obstante a participação em congressos ser importantíssima para a formação pós-graduada do médico, e nessa medida, existir uma valorização do clínico, a verdade é que, em última análise, o médico cuja formação pós-graduada foi patrocinada/financiada pela Recorrida, irá, potencialmente, prescrever o seu medicamento, nem que seja inconscientemente. Pelo que, pese embora a Recorrida tenha destacado, efectivamente, a valorização do clínico, tal situação, por si, não implicou um detrimento do seu próprio objecto social, nem a admissão da dispensabilidade dos custos. Pelo contrário, a Recorrida ao destacar que a valorização do clínico resulta numa potencial prescrição do medicamento por si produzido e/ou comercializado, apenas veio demonstrar a indispensabilidade dos custos para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora;

R. Assim, resulta cabalmente demonstrado, quer pela prova testemunhal produzida, quer pela prova documental junta aos autos, que as despesas suportadas pelas sociedades L., Lda., G., Lda. e E., respectivamente nos montantes de € 8.728,96, € 1.811,79 e € 27.356,67, registados como "Deslocações ao Estrangeiro" e "Publicidade e Propaganda", devem ser aceites e dedutíveis para efeitos fiscais na sua totalidade, nos termos do disposto no art.º 23.º do Código do IRC, com a redação em vigor à data dos factos;

S. Relativamente à temática dos custos suportados pelas empresas do sector farmacêutico com as participações de médicos em congressos, é entendimento da jurisprudência que "nos encontramos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua actividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objecto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta. Por outras palavras, não nos encontramos perante despesas de representação, mas antes perante custos inerentes ao normal desenvolvimento da actividade principal da sociedade impugnante/recorrida, de acordo com a definição do mesmo constante do n.º 1 do probatório (comércio por grosso de produtos farmacêuticos), assim devendo enquadrar-se no art.º 23.º, n.º 1, al. b) do C.I.R.C., enquanto despesas de publicidade" (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 1 2 de Janeiro de 2017, no processo n.º 09894/16 e Acórdão proferido em 11 de Abril de 2019, no processo n.º 9659/16.6BCLSB);

T. Pelo que, bem andou a Sentença recorrida ao decidir que «relativamente às despesas contabilizadas pela Impugnante e demais sociedades do grupo como custos relativos a "Publicidade e Propaganda" e "deslocações e estadas", com influência na determinação do lucro consolidado do grupo, conclui-se pela ilegalidade das correcções efetuadas pela administração tributária e, nessa medida pela ilegalidade da respetiva liquidação adicional de IRC»;

U. A Sentença recorrida faz uma correcta apreciação da matéria de facto e, bem assim, de aplicação do Direito ao caso sub judice, pelo que não merece reforma nem censura.

Termos em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul, deverá o presente recurso jurisdicional ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida in totum a Sentença Recorrida,

Assim se fazendo JUSTIÇA!”

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

Questão prévia suscitada pela Recorrida:

a) Devem ser desconsideradas as alegações apresentadas pela Recorrente a 18.12.2019?

Questões suscitadas pela Recorrente:

b) Há erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Há erro de julgamento, em virtude de ter sido violado o princípio da especialização dos exercícios e de o princípio da justiça não ter o alcance conferido pelo Tribunal a quo?

d) Verifica-se erro de julgamento, no tocante às correções relativas a tributações autónomas, porque respeitantes a despesas de representação?

e) Há erro de julgamento, no que respeita aos custos não considerados indispensáveis nos termos do art.º 23.º do Código do IRC (CIRC), dado que, além de se tratarem de custos não admitidos legalmente, não foi demonstrada tal indispensabilidade?

II. Da questão prévia suscitada pela Recorrida

Considera, desde logo, a Recorrida que o documento apresentado pela Recorrente a 18.12.2019 (consubstanciado nas alegações de recurso completas) deve ser desentranhado.

A Recorrente, notificada para se pronunciar sobre esta questão, nada disse.

Vejamos então.

In casu, a Recorrente apresentou, via SITAF, a 10.12.2019, alegações, contendo 48 das 56 páginas que compunham o documento (como se depreende da numeração do mesmo, na qual é indicada, a par do número de página, o número total de páginas), abrangendo a totalidade das alegações (168) e duas das conclusões.

Entretanto, a 18.12.2019 (momento ulterior ao fim do prazo para apresentação das alegações de recurso), a Recorrente juntou novamente as alegações de recurso, desta feita contendo as 56 páginas que as compõem na totalidade. Sustentou a admissibilidade do articulado, considerando o ocorrido como “mero lapso de escrita”, retificável a todo o tempo.

A questão aqui a apreciar prende-se com a (não) consideração da apresentação, em singelo, das alegações a 10.12.2019 (dentro do prazo previsto no art.º 282.º, n.º 3, do CPPT), com a consequente deserção do recurso, em virtude de as alegações completas terem sido apresentadas depois de decorrido tal prazo e de estas deverem ser desentranhadas.

Vejamos então.

In casu, a sentença foi proferida a 16.10.2019, pelo que é aplicável o regime do CPPT, em termos de recursos, anterior à redação que foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro [cfr. o seu art.º 13.º, n.º 1, al. c), ii)].

Assim, nos termos do art.º 282.º do CPPT (redação à época em vigor):

“1 - A interposição do recurso faz-se por meio de requerimento em que se declare a intenção de recorrer.

2 - O despacho que admitir o recurso será notificado ao recorrente, ao recorrido, não sendo revel, e ao Ministério Público.

3 - O prazo para alegações a efetuar no tribunal recorrido é de 15 dias contados, para o recorrente, a partir da notificação referida no número anterior e, para o recorrido, a partir do termo do prazo para as alegações do recorrente.

4 - Na falta de alegações, nos termos do n.º 3, o recurso será julgado logo deserto no tribunal recorrido.

5 - Se as alegações não tiverem conclusões, convidar-se-á o recorrente a apresentá-las.

6 - Se as conclusões apresentadas pelo recorrente não refletirem os fundamentos descritos nas alegações, deverá o recorrente ser convidado para apresentar novas conclusões.

7 - O disposto nos números anteriores aplica-se às conclusões deficientes, obscuras ou complexas ou que não obedeçam aos requisitos aplicáveis na legislação processual ou quando o recurso versar sobre matéria de direito”.

Nos termos do regime que vigorou até novembro de 2019, a interposição de recursos relativos a sentenças de impugnação judicial, como in casu, implica dois momentos: um primeiro, no qual a parte que pretende recorrer apresenta requerimento justamente a declarar tal intenção, requerimento esse sobre o qual deve recair despacho de admissão ou não admissão do recurso; um segundo, após ser proferido despacho de admissão do recurso, consubstanciado na apresentação das respetivas alegações.

Esta apresentação deveria ser feita no prazo de 15 dias contados da notificação do despacho de admissão de recurso.

Caso as alegações não fossem apresentadas dentro do mencionado prazo, o recurso seria julgado deserto, extinguindo-se, por essa via, a instância de recurso.

Por ser relevante in casu, cumpre ainda atentar na estrutura que devem conter as alegações de recurso. Assim, à semelhança do previsto nos demais ramos de direito processual, também no âmbito do direito processual tributário se determina que as alegações (enquanto peça processual) devem ser compostas de alegações e das respetivas conclusões. A este respeito, é pertinente sublinhar que, em processo tributário, à época, se previa que a falta de conclusões implicava um convite ao aperfeiçoamento, com vista à sua apresentação (cfr. n.º 5 do referido art.º 282.º do CPPT).

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, desde já se adiante que não se acompanha o entendimento da Recorrida, não obstante não se estar, como nos parece evidente, perante um mero lapso de escrita, como sustenta a Recorrente.

Com efeito, nos termos do art.º 249.º do Código Civil, “[o] simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta”.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.05.2020 (Processo: 015/19.5BALSB), “[o] artigo 249.º do Código Civil diz apenas respeito aos lapsos de escrita manifestos, ou seja, aqueles que se identifiquem como erro mecânico de escrita pelo e no contexto da declaração”.

Ora, o envio da mencionada peça processual incompleta, contendo 2 das 51 conclusões, não se configura como um lapso manifesto de escrita. Quando muito, é um erro humano na submissão de um determinado ficheiro no sistema, da responsabilidade do seu autor.

Assim, ao contrário do que seria desejável, a peça processual apresentada não o foi na sua integralidade, sendo que a mesma continha todas as alegações e 2 das 51 conclusões.

No entanto, à época, a falta de conclusões não comportava rejeição de recurso, per se, implicando, sim, um convite à sua apresentação. Assim sendo, por maioria de razão, a sua apresentação incompleta não pode redundar num entendimento no sentido de se considerar deserto o recurso. Aliás, mesmo considerando o regime previsto no processo civil e uma vez que não estávamos perante ausência total de conclusões, sempre haveria lugar ao despacho de aperfeiçoamento das conclusões, previsto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC.

Ora, a peça processual ulteriormente apresentada, contendo a integralidade das conclusões, é, nas suas 48 primeiras páginas, exatamente igual à que foi apresentada primitivamente, contendo adicionalmente as oito páginas em falta, com as demais conclusões e a identificação do signatário.

Como referimos, nos termos em que as alegações inicialmente apresentadas o foram, as mesmas sempre dariam lugar à prolação de um despacho de aperfeiçoamento e nunca à equiparação da situação a não apresentação de alegações.

Se, entretanto, foi suprida lacuna que implicaria a prolação de um despacho de aperfeiçoamento, não se justifica não considerar as alegações apresentadas com a integralidade das conclusões e proferir despacho de aperfeiçoamento visando o efeito já obtido através desta junção, dado que tal seria um ato inútil, proibido por lei (cfr. art.º 130.º do CPC).

Como tal, a referida peça processual não deverá ser desentranhada (não devendo, consequentemente, o recurso ser julgado deserto).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A Impugnante, “L., S.A.”, doravante designada por “M.”, tem por objeto o comércio, importação, exportação, expansão, fabrico e armazenagem de produtos químicos, farmacêuticos, cosméticos, produtos dietéticos e produtos de limpeza e conservação – cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial, a fls. 456 a 460 do suporte físico dos autos (suporte a que se fará referência sempre que se indicarem apenas as fls. “dos autos”).

B) A Impugnante é a sociedade dominante do grupo de sociedades abaixo discriminado, encontrando-se, no ano de 2000, sujeita ao regime de tributação pelo lucro consolidado previsto no art.º 59.º do Código do IRC (na redação então vigente):

§ L., SA (sociedade dominante);

§ L., Lda.,

§ P., Lda., (entretanto designada “S. G., Lda.”)

§ H., Lda,

§ E., Lda. e

§ T., SA., NIPC: 50...

facto não controvertido e cf. o Relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 153 e sgts. (doc. 5 junto à p.i.)

C) A sociedade “E., Lda.” tem a seu cargo a promoção dos produtos e medicamentos produzidos e/ou comercializados pela sociedade “M.”, ao abrigo de um contrato de promoção do qual constam, entre outras, as seguintes cláusulas:

i. Compete à E. (Cláusula 2a): “prestar à M. todos os necessários e adequados serviços de Promoção dos Produtos dentro do Território”;

ii. Para o efeito, a E. obriga-se (n.º 1 da Cláusula 3a): “a manter uma força de vendas agressiva adequada à difusão dos Produtos no Território orientada para a satisfação das necessidades correntes do mercado”;

iii. A E. enquadrar-se-á (n.º 1 da Cláusula 4a): “nos sistemas do orçamento e controlo implementados na M., detalhando por trimestres os programas de actividade a realizar com vista aos objectivos previamente acordados”

iv. Os preços a praticar pela E., como contrapartida pelos serviços prestados (n.º 2 da Cláusula 4a): “serão revistos anualmente de acordo com uma margem sobre os custos mutuamente acordada […]”

– cf. doc. 36 junto com a p.i. e depoimento da testemunha S. C.

D) Em 1997 foram celebrados pela “M.” 34 contratos de Aluguer de Longa Duração (ALD) relativos a 34 viaturas todos os contratos a duração de 36 meses à exceção do contrato n.º 97/041, relativo à viatura com a matrícula 9.-7.-I., que tinha a duração de 48 meses – facto não controvertido e cf. cap. VIII do RIT a fls. 153 e sgts. (“Direito de Adução – Fundamentação”)

E) Relativamente a parte das viaturas a que se refere a alínea que antecede foram celebrados, pela Impugnante, em 2000, novos contratos de ALD “com valores e condições distintas” – facto não controvertido (cf. artºs. 23.º e 26.º da p.i. e cap. VIII do RIT, “Direito de Adução – Fundamentação”, a fls. 153 e sgts.).

F) Relativamente aos contratos de ALD vigentes em 2000 a Impugnante registou na sua contabilidade, como custo pelo aluguer de viaturas ligeiras de passageiros sem condutor, o valor suportado com as respetivas rendas – facto não controvertido.

G) As viaturas a que se faz referência em D) destinavam-se a ser usadas pelos delegados de informação médica e por alguns quadros da Impugnante – depoimento da testemunha J. M. M.

H) Nos exercícios de 1998 e 1999 a Impugnante registou na sua contabilidade, por erro, como proveitos, as quantias de € 5.187,50 e € 24.836,18, relativas, respetivamente, a “nota de lançamento externa” emitido pela “P.” e “notas de crédito” emitida pela “M.” – facto não controvertido e cf. docs. 8 e 9 juntos com a p.i. a fls. 216 a 223 e depoimentos das testemunhas S. C. e J. M. M.

I) No ano de 2000 a Impugnante registou os valores mencionados na alínea que antecede como “Custos de exercícios anteriores” – contas 6979 – facto não controvertido.

J) No ano de 2000 a Impugnante registou na sua contabilidade como “Custos de exercícios anteriores” – contas 6979 as seguintes faturas datadas de 1999: fatura n.º 1908/P56, emitida por P., no valor de € 283,82; fatura n.º 1667 – 99, emitida por P., no valor de € 514,56, e, fatura 2712/P33, emitida por P., no valor de € 247,40 – facto não controvertido e cf. doc. 10 junto com a p.i. a fls. 224 a 227.

K) Durante o ano de 2000 a ora Impugnante, “L., S.A.”, e as sociedades do Grupo, “L.”, “P.” e “E.”, suportaram despesas de viagens, refeições e alojamento, nos montantes de € 477.467,64, € 25.344,74, € 1.811,79 e € 27.356,67, respetivamente, a fim de proporcionar a presença de profissionais médicos em Congressos e outros eventos científicos, na maioria das vezes acompanhados por colaboradores da Impugnante, tendo procedido ao respetivo registo na contabilidade como “Publicidade e Propaganda” – facto não controvertido e cf. docs. 11 a 25, 31, 34 a 55 juntos à p.i.

L) Os Congressos e Seminários em que a Impugnante e demais sociedades do Grupo escolhiam participar tinham por objeto assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados e nos quais poderiam estar presentes médicos que os prescrevessem – depoimento da testemunha M. M. M.

M) Durante o ano de 2000 a ora Impugnante, “L., S.A.” suportou despesas no montante de € 3.642,52, relativas a refeições promovidas pelo Presidente do Conselho de Administração com diversas pessoas, no âmbito das atividades da sociedade, tendo procedido ao respetivo registo na contabilidade como “Deslocações e Estadas” – facto não controvertido e cf. depoimento das testemunhas S. C. e J. M. M.

N) Durante o ano de 2000 a sociedade “L., Lda.” suportou despesas no montante de € 8.728,96 relativas a viagens e alojamento para cinco pessoas, com vista à participação numa reunião com o Ministério da Agricultura Cubano no âmbito de projeto de investigação e desenvolvimento de diagnóstico e de produtos imunológicos (denominado “I.”, que vigorou entre 1997 e 2000, e que foi cofinanciado em 45% por fundos europeus), que registou na sua contabilidade como “Deslocações ao Estrangeiro” – facto não controvertido e cf. docs. 26 e 27 juntos à p.i.

O) Durante o ano de 2000 a sociedade “E., Lda.”, suportou despesas no montante de € 7.377,77 com deslocações, alojamento e alimentação de 16 médicos e 4 representantes da empresa à Suíça para participação no Congresso Europeu de Dermatologia em Genéve, que registou na sua contabilidade como “Deslocações ao Estrangeiro” – facto não controvertido e cf. doc. 56 junto à p.i. e depoimento das testemunhas M. M. M., S. C. e J. M. M.

P) No ano de 2000 a sociedade “L., Lda.” registou na conta 692, “Créditos Incobráveis”, a quantia de € 36.022,48 – facto não controvertido.

Q) Ao abrigo da ordem de serviço n.º 89 086, de 12.01.2004, foi efetuada uma ação de inspeção tributária à Impugnante, cujo objeto consistiu na análise da Declaração de consolidação do exercício de 2000 do grupo “L., S.A.” – cf. o RIT a fls. 153 e sgts.

R) Em 24.11.2004, na sequência da ação de inspeção tributária referida na alínea que antecede, foi elaborado o respetivo Relatório Final, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se retira, no que ao caso mais releva, o seguinte:

«[…]

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL

[…]

3.1.1. “L., S.A.”

Foi efectuada análise interna, ao exercício de 2000, à empresa dominante, em cumprimento da Ordem de Serviço nº 89 085, tendo resultado correcções, respectivamente, no valor de € 64.043,38 e de € 30.791,05 ao lucro tributável e de tributação autónoma. As correcções são de natureza técnica, foram efectuadas no âmbito do IRC e incidiram sobre as rubricas; aluguer longa duração, mais-valias contabilísticas, custos de exercícios anteriores, deslocações e estadas e publicidade e propaganda.

3.1.1.1. Aluguer Longa Duração - € 30.469,98 (6.108.683$)

Importância devida pelo aluguer de viaturas ligeiras de passageiros sem condutor - € 30.469,98 – não aceite fiscalmente de acordo com o art.41.º, n.º 1, alínea i) do CIRC (actual art.º 42.º).

[…]

3.1.1.3. Custos de exercícios anteriores - conta 6979 - € 31.979,27 (6.411.268$)

Face ao princípio da especialização dos exercícios, de acordo com o art.° 18° do CIRC, os custos devem ser reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, excepto se esses custos forem imprevisíveis ou desconhecidos, o que não se verifica na situação em causa. Através da análise dos documentos recebidos e que serviram de base à contabilização, constatamos que à data do encerramento das contas as componentes negativas do lucro tributável eram previsíveis e conhecidas, senão vejamos as datas inscritas nos documentos discriminados no seguinte quadro:

Nestes termos, a imputação do custo deveria ter influenciado o lucro tributável em exercícios anteriores a 2000, pelo que não se aceita fiscalmente o montante total de € 31 069,46, de acordo com o contemplado no art.º 18º do CIRC,

3.1.1.4. Despesas de Representação - € 30.791,05

Após análise das contas 6222711 - Deslocações e Estadas e 6223344 - Publicidade/ Propaganda – Congressos, verificamos a existência de determinadas verbas no valor total de € 481.110,16 (respectivamente, € 3.642,52 e € 477.467,64), que pela sua natureza se consideram despesas de representação e que não foram consideradas como tal pelo sujeito passivo, estando sujeitas a tributação autónoma de 6,4 % nos termos do n.° 3 do art.° 4º do Decreto Lei n.° 192/90, de 9 de Junho, no montante total de € 30.791,05 (€ 233,12 + € 30.557,93), discriminadas como se segue.

Tributação autónoma total: € 481.110,16 * 0,064 * € 30.791,05

3.1.1.5. Deslocações e Estadas - € 233,12

Trata-se do documento interno n.º 3 de 30.12.2000 - Despesas do Dr. A. L.; segundo esclarecimento enviado pelo sujeito passivo estamos perante refeições de trabalho promovidas pelo Presidente do Conselho de Administração com diferentes entidades.

Deste modo, o total de € 3.642,52, não foi considerado pela sociedade como despesas de representação, pelo que aplicando-se a taxa de 6,4 % nos termos do Decreto Lei acima mencionado, temos:

Tributação autónoma: € 3.642,52 * 0,064 = € 233,12

3.1.1.6. Publicidade/Propaganda – Congressos - € 30.557,93

Da análise efectuada à rubrica Publicidade e Propaganda, constatou-se que a sociedade registou como custos, viagens oferecidas a médicos para participarem em congressos, despesas com almoços e jantares, despesas de alojamento, cuja componente recreativa é bastante significativa. Os médicos não possuem qualquer vínculo laboral com a sociedade, todavia são acompanhados nestas acções por representantes da empresa.

Estas despesas não foram consideradas pela sociedade como despesas de representação, conforme discriminação no quadro seguinte:

Imagem: Original nos autos

Deste modo, o total de € 477.467,64, não foi considerado pela sociedade como despesas de representação, peio que aplicando-se a taxa de 6,4 % nos termos do Decreto Lei acima mencionado, temos:

Tributação autónoma: € 477.467,64 * 0,064 = € 30.557,93

É de referir que a documentação de suporte às correcções supra referidas encontra-se na respectiva ordem de serviço.

Em conclusão, as correcções ao resultado fiscal, após audição, ao exercício de 2000 cifram-se em € 64 043,38, conforme discriminação seguinte:

§ Tributação Autónoma IRC: € 481.110,16 * 6,4 % = € 30.791,05

[…]

3.1.2. L., Lda.

[…].

Como resultado do procedimento inspectivo interno efectuado ao exercício de 2000, foram efectuadas correcções no valor de: € 44 751,44 e de € 1 622,02, respectivamente ao resultado tributável e ao imposto (IRC).

3.1.2.1. Deslocações ao estrangeiro - conta 622274 - € 8.728,96 (1.750.000$)

Após análise da conta 622274 - Deslocações e Estadas, verificamos a existência de determinadas verbas que respeitam a despesas suportadas com alojamento e viagens para cinco pessoas, referentes a uma reunião a efectuar com o Ministério da Agricultura Cubano.

Conforme esclarecimento enviado, os participantes não pertencem aos quadros da empresa em análise, isto é, não possuem qualquer vínculo laboral com a mesma.

Os documentos referentes a este tipo de despesas não são suficientes para que se mostre comprovada a presença dos técnicos em tais eventos; também não está comprovada implementação de um projecto para desenvolvimento de produtos imunológicos.

Nesta sequência, na ausência destes comprovativos, não podem ser inferidos quaisquer reflexos nos proveitos advindos das despesas em análise. Tal situação traduz-se numa variação patrimonial positiva na esfera patrimonial do beneficiário.

Nos termos do art.° 23° do CIRC, são considerados como componentes negativas do resultado líquido do exercício, os custos que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

Face ao exposto anteriormente, não se pode aceitar como custo fiscal de acordo com o art.° 23° do CIRC a importância contabilizada na conta 622274 – Deslocações ao estrangeiro, no total de € 8.728,96 (1.750.000$).

3.1.2.2. Créditos incobráveis – conta 692 - € 36.022,48 (7.221.859$)

Segundo informação do sujeito passivo, trata-se de uma anulação dos débitos de cobrança duvidosa.

Ora, para que os créditos sejam considerados directamente como custos do exercício, a sua incobrabilidade resulta de: processo especial, processo de execução ou processo de falência.

A constituição da provisão para créditos de cobrança duvidosa é obrigatória face ao princípio da especialização dos exercícios de acordo com o art.° 18° do CIRC, pelo que os créditos incobráveis serão só aqueles em que não é permitida a constituição da provisão, o que não se verifica na situação em causa.

Nestes termos, não é aceite fiscalmente o montante de € 36.022,48 em virtude de não se encontrar enquadrado no estipulado no art.° 37° do CIRC (actual art.° 39°).

3.1.2.3. Publicidade/Propaganda – Congressos – conta 622333 - € 25.344,74 (5.081.164$)

Após análise da conta 622333 - Publicidade e Propaganda, verificamos a existência de determinadas verbas que pela sua natureza se consideram despesas de representação e que não foram consideradas como tal pelo sujeito passivo, estando sujeitas a tributação autônoma de 6,4 % nos termos do n.°3 do art.° 4º do Decreto Lei n.° 192/90, de 9 de Junho.

Da análise efectuada constatou-se que a sociedade registou como custos, comparticipações no congresso de B. - Uruguai e viagem à Argentina a colaboradores internos e a médicos, que não possuem qualquer vínculo laboral com a sociedade, conforme esclarecimento enviado.

Os médicos não possuem qualquer vínculo laboral com a sociedade, todavia poderão ter influência nas vendas dos produtos - medicamentos - que a empresa fabrica.

Deste modo, o total de € 25.344,74 não foi considerado pela sociedade como despesas de representação, pelo que aplicando-se a taxa de 6,4% nos termos do Decreto Lei acima mencionado, temos:

Tributação autónoma: € 25.344,74 * 6,4 % = € 1.622,02

Correcções efectuadas após o exercício do Direito de Audição:

Tributação Autónoma IRC:

€ 25,344,74 * 6,4% = € 1.622,02

[…]

3.1.3. P., Lda

[…], tendo-se efectuado correcções ao resultado tributável no montante de € 1 811,79, relativamente à subconta 622274.1 Alimentação/Alojamento.

Nesta rubrica encontra-se contabilizado um documento relativo a uma viagem a Paris do clínico Dra H. S. (documento interno n° 3005, factura n° 6444 de 21/03/2000 no montante de 363 232$00 (€ 1 811,79), emitida por B., Lda), o qual não poderá ser considerado como fiscalmente dedutível nos termos do art° 23° do Código do IRC, pois apesar de nos esclarecimentos efectuados pelo sujeito passivo este mencionar que esta factura se refere a comparticipação em evento científico realizado em Paris, não foram exibidas quaisquer provas documentais que permitam concluir da participação neste evento e do seu relacionamento com a actividade da empresa, pelo que não se pode inferir que seja um custo necessário à obtenção de proveitos.

No pressuposto que tal deslocação é efectuada com intuito de participar em evento científico e estiver presente um elemento representativo da empresa, tal despesa poderia eventualmente ser classificada como “despesa de representação”.

Não se tratando de despesas de representação, também não poderá ser considerado um custo com publicidade, uma vez que, segundo a legislação vigente, o médico não poderá ser influenciado, por via do comportamento de uma determinada indústria farmacêutica, na escolha do receituário (cfr n°2 do art° 9o do D.L n° 100/94, com a nova redacção dada pelo art.1° do D. Lei n° 48/99 de 16/2).

Neste caso não se pode falar de despesas de publicidade, uma vez que não tem subjacente o incremento das vendas.

Não estando reunidas as condições para poderem ser considerados como despesas de representação, conclui-se que tais custos não poderão fiscalmente dedutíveis.

Os encargos têm como objectivo custear a valorização profissional da classe médica, não contribuindo assim, para a realização dos proveitos de uma empresa, não tendo por isso, enquadramento no n°1 do art.23° do CIRC.

O valor de € 1 811,79 foi acrescido ao resultado tributável para efeitos de apuramento do lucro tributável. […]

3.1.4. E., Lda.

[…]

Como resultado do procedimento inspectivo interno efectuado ao exercício de 2000, foram efectuadas correcções, que se encontram discriminadas e fundamentadas, respectivamente de € 27 356,67 e de € 472,18 ao resultado tributável e ao imposto (IRC).

3.1.4.1. Deslocações ao estrangeiro - conta 622274 - € 7 377,77

Após análise da conta 622274 - Deslocações e Estadas, verificamos a existência de determinadas verbas que pela sua natureza se consideram despesas de representação e que não foram consideradas como tal pelo sujeito passivo, estando sujeitas a tributação autónoma de 6,4 % nos termos do n.°3 do art° 4º do Decreto Lei n.° 192/90, de 9 de Junho.

Os custos respeitam a despesas suportadas com refeições e deslocações de 16 médicos e 4 representantes da empresa à Suíça, realizadas no seguimento do Congresso Europeu de Dermatologia em Genéve. Os médicos não possuem qualquer vínculo laboral com a sociedade, todavia poderão ter influência nas vendas dos produtos - medicamentos - que a empresa fabrica.

As verbas relativas às referidas despesas encontram-se contabilizadas na conta 622274 - Deslocações ao estrangeiro, no total de 1.479.111$, subdividida:

1-Alimentação/Alojamento - 1.319.800$ e

2-Viagens - 159.311$

Deste modo, o total de 1.479.111$ - € 7.377,77 não foi considerado pela sociedade como despesas de representação, pelo que aplicando-se a taxa de 6,4 % nos termos do Decreto Lei acima mencionado, temos:

Tributação autónoma: € 7.377,77 * 0,064 % = € 472,18

3.1.4.2. Publicidade/Propaganda – Congressos - conta 622333 - € 27.356,67

Da análise efectuada à rubrica Publicidade e Propaganda, constatou-se que a sociedade registou como custos comparticipações em congressos e cursos a médicos, que não possuem qualquer vínculo laborai com a sociedade.

Os documentos referentes a este tipo de despesas não são suficientes para que se mostre comprovada a presença dos médicos em tais eventos, nem que tenha sido efectuado qualquer acompanhamento por representantes da sociedade.

Nesta sequência, não estando comprovado que os médicos foram a congressos/cursos com o intuito da divulgação dos produtos da empresa, não podem ser inferidos quaisquer reflexos nos proveitos advindos das despesas em análise. Tal situação traduz-se numa variação patrimonial positiva na esfera patrimonial do beneficiário.

Nos termos do art.° 23° do CIRC, são considerados como componentes negativas do resultado líquido do exercício, os custos que devidamente comprovados, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto e para a manutenção da respectiva fonte produtora.

Face ao exposto anteriormente, não se pode aceitar como custo fiscal de acordo com o art.° 23° do CIRC a importância contabilizada na conta 622333 - Publicidade/Propaganda - Congressos, no total de € 27.356,67 (5.484.519$), conforme discriminação nos seguintes quadros: […]

¾ […]» – cf. o RIT a fls. 153 e sgts. (doc. 5 junto à p.i.).

S) Ato impugnado: Em 08.12.2004, e com base nas correções refletidas no RIT levado à alínea que antecede, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º 2004 8310027724, relativa ao exercício de 2000, que apurou a quantia de € 66.755,36 a pagar, que inclui € 14.239,17 a título de juros compensatórios – cf. doc. 2 junto à p.i. (fls. 148).

T) Em 20.12.2004 foi emitida a “Demonstração de Compensação” com a liquidação inicialmente emitida, tendo sido apurado o valor total de € 115.294,75 a pagar, até 26.01.2005 – cf. fls. 146.

U) Em 24.01.2005 a Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 46.904,00 por conta da quantia mencionada na alínea que antecede – cf. doc. 59 junto à p.i..

V) Em 11.04.2005 a Impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação identificada em S), nos termos constantes de fls. 127 e sgts, que constituem o doc. 1 junto à p.i. e que aqui se dão por reproduzidos, onde, no essencial, alega em termos idênticos aos da presente impugnação judicial – cf. doc. 1 junto à p.i. (fls. 127 e sgts.).

W) À data da interposição da presente impugnação judicial a reclamação que antecede não tinha sido objeto de decisão pela Administração tributária – facto não controvertido.

X) A presente impugnação judicial foi remetida a este TAF por correio registado em 09.01.2006 – cf. fls. 421 do suporte físico dos autos”.

III.B. O Tribunal recorrido considerou não provada a seguinte matéria de facto:

“1) Que os contratos de ALD a que se refere a alínea E) dos factos provados constituem prorrogação dos inicialmente celebrados em 1997.

2) Que os créditos a que se refere a alínea P) dos factos provados se encontravam provisionados pela “L., Lda.”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade, bem como na posição assumida pelas partes nos autos e, ainda com base no depoimento das testemunhas inquiridas, que relevou nos casos e para os factos em que foram casuisticamente mencionados, por se terem mostrado isentos e objetivos, revelando conhecimento direto dos factos mostrando-se substancialmente relevantes para criar no Tribunal a convicção sobre a ocorrência dos mesmos. Designadamente, a testemunha M. M. M., diretor médico da Impugnante desde 1990 esclareceu o Tribunal de que a participação em Congressos médicos releva e tem impacto na atividade da Impugnante porque permite dar a conhecer à classe médica participante novos medicamentos e respetivas áreas de atuação, sendo escolhidos para participação pela Impugnante aqueles que visavam o tratamento de questões especialmente relacionadas com medicamentos produzidos pela “M.”, existindo uma relação direta entre o Congresso, a especialidade de médicos presentes e a pontencialidade de prescrição por estes de medicamentos da “M.”, como sucedeu, por exemplo, com o “W.”, direcionado a médicos de família onde foi relevante a divulgação do medicamento “P.”, à base do princípio ativo “o.” (o mais importante dos produtos produzidos pela Impugnante), e o esclarecimento sobre a inexistência de perigos no respetivo uso, bem como a divulgação de um medicamento direcionado ao controlo da hipertensão; ou o Congresso de Gastroenterologia, ou ainda outros ligados à área da Dermatologia, como o que decorreu no Brasil, que permitiram a divulgação do “O.”, prescrito por médicos pediatras, ou outros produzidos pela Impugnante para patologias como a alopécia ou a psoríase, o mesmo sucedendo com a presença no Uruguai para promoção das vacinas de rebanho produzidas pela sociedade “L.”, esclarecendo, tal como as demais testemunhas que depuseram sobre esta temática, designadamente J. M. M. e S. C., que está em causa uma prática generalizada no mercado em que atua a Impugnante, sendo, então, a única forma de atualização dos médicos no que respeita ao conhecimento de novos fármacos e princípios ativos, proporcionando o crescimento das vendas dos produtos fabricados pela Impugnante e demais empresas do grupo.

As testemunhas S. C. e J. M. M. esclareceram ainda o tribunal sobre a atividade da sociedade “E.” e a razão da respetiva criação, no sentido de ter por objeto a promoção dos produtos produzidos pela “M.”, sendo que esta pagava àquela os custos incorridos na atividade acrescidos de uma margem a título de remuneração pela prestação e tais serviços, tendo a “E.” sido constituída para “contornar” as limitações decorrentes das normas que impediam que a mesma sociedade farmacêutica visitasse mais de um determinado número de vezes uma mesma unidade de saúde com o objetivo de apresentar os seus produtos.

A testemunha J. M. M. foi especialmente clara no seu depoimento ao referir que a política de participação da Impugnante em Congressos médicos, com a presença da classe médica e a possibilidade de aí defender a qualidade e eficácia dos medicamentos por si produzidos, atento o facto de não ser possível usar os meios normais de publicidade, permitiu um crescimento muito significativo da “M.” em 20 anos, que ocupa hoje a 2.ª posição entre as farmacêuticas portuguesas e a 9.ª posição entre todas.

Quanto às despesas do Dr. A. L., Diretor do Grupo, relativas a almoços e jantares, foi também relevante a forma como depôs a testemunha S. C., que referiu que ela própria participou nessas formas de reunião, que eram refeições nas quais se reuniam os quadros da empresa para fazer o ponto da situação da atividade em determinadas situações, mais frisando, com seriedade, que “o Presidente do Grupo não era pessoa de usar estes mecanismos de formas desvirtuada”.

Relativamente aos factos julgados como não provados, os depoimentos das testemunhas S. C. e J. M. M. em relação à celebração de novos contratos de ALD em 2000 em relação a viaturas “adquiridas” em 1997, foram esclarecedores em relação à utilização das mesmas pelos delegados de informação médica e certos quadros da sociedade, bem como ao respetivo período de utilização mencionando que até 1999 a política da empresa era de celebrar tais contratos pelo prazo de 3 anos porque havia muito desgaste dos veículos, o que deixou de se verificar com o aumento do número de autoestradas, aumentando-se a duração dos mesmos para 3 anos e meio e depois para 4 anos. Contudo, nem dos elementos constantes do processo administrativo instrutor, nem agora com a Impugnação judicial, foram apresentados os contratos de ALD celebrados em 2000, a fim de aferir, em função das respetivas cláusulas, se se trata de uma prorrogação de contrato anteriormente celebrado ou de novos contratos (por referência ao respetivo clausulado) e se os valores em causa se mantêm, ou não, desde o início, nos limites a que se refere a al. i) do n.º 1 do art.º 41.º do CIRC, razão pela qual não foi possível ao Tribunal formar convicção sobre a alegada mera prorrogação dos contratos inicialmente celebrados, até porque, em sede de apreciação do direito de audição prévia no âmbito do procedimento de inspeção, a Administração Tributária afirma que, apesar o requisito relativo ao período de tempo (máximo de 48 meses) não ter sido ultrapassado, estão em causa novos contratos de ALD “com valores e condições distintas” e, por fim, o doc. 6 junto com a petição inicial, que a Impugnante afirma ser suporte documental da alegação que traz a tribunal, constitui um mero documento interno que não se mostra suficiente para dar como provada a alegada “continuidade” dos contratos celebrados em 1997.

À mingua da respetiva prova documental, também não pôde dar-se por provado o facto identificado em “2)” no sentido, alegado pela Impugnante, de que a quantia de € 36.022,48 que a sociedade “L., Lda.” registou na conta 692, “Créditos Incobráveis”, em 2000, tivesse sido devidamente provisionada nos respetivos exercícios, sendo certo que nem sequer veio ao conhecimento dos autos (não sendo junta com a respetiva alegação a correspondente prova documental, considerando que não se trata de factualidade que seja suscetível de prova apenas testemunhal) quais os clientes a que se referem tais créditos, quando e em que circunstâncias terão sido constituídas as respetivas provisões”.

III.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

A Recorrente, ao longo das suas alegações, insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, concluindo nos seguintes termos:

a) Devem ser suprimidos os factos K a O, porquanto fundados em testemunhos prestados, sem conhecimento direto dos factos que importava apurar, num discurso integralmente geral e abstrato, e de documentos sem qualquer relevo ou virtude probatória, relativamente aos factos que importava em concreto fazer prova da publicitação dos produtos que produziam e comercializavam;

b) Devem ser suprimidos os factos H, I e J, porque fundados em declarações de parte e testemunhos que não tem conhecimento direto dos factos, essencialmente caracterizados pela abstração e falta de concretização.

Paralelamente, ao longo do corpo das alegações e respetivas conclusões, a Recorrente vai reputando a prova produzida, adjetivando-a, em síntese, de parca, indireta e insuficiente.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão.(1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Especificamente quanto à prova testemunhal, dispõe o n.º 2 do art.º 640.º do CPC:

“2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(2)

Com efeito, como resulta das alegações de recurso, a Recorrente limita-se a insurgir-se contra os factos referidos, de uma forma aglutinada e genérica, considerando que a prova, designadamente a testemunhal, não é suficiente para os sustentar, mas sem que tenha minimamente cumprido com os requisitos legalmente exigidos e referidos supra, para que se possa considerar efetivamente impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.

O mesmo se diga quanto às diversas alusões feitas ao longo das alegações, relativas a falta de elementos de prova ou a falta de factos provados, sem que daí se extraia qualquer conclusão, designadamente motivadora do aditamento de factos não provados.

Assim sendo, nesta parte, rejeita-se o recurso.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

IV.A. Do erro de julgamento relativamente aos gastos de exercícios anteriores

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, no tocante à correção relativa a gastos de exercícios anteriores, na medida em que recorreu ao princípio da justiça em situação em que não era legítimo fazê-lo.

Está em causa a correção atinente às quantias de 5.187,50 Eur. e 24.836,18 Eur., relativas, respetivamente, a “nota de lançamento externa” emitida pela “P.” e “notas de crédito” emitidas pela “M.”, que, por lapso, a Impugnante considerou em sede de proveitos nos exercícios anteriores. No ano de 2000, e apercebendo-se do erro, registou os mencionados valores como “Custos de exercícios anteriores”.

Vejamos então.

Considerando o disposto no art.º 17.º do CIRC, para efeitos de determinação do lucro tributável de um sujeito passivo de IRC, a contabilidade deverá estar organizada de acordo com os princípios da organização contabilística, sendo ainda de considerar as próprias regras decorrentes do CIRC.

Um dos princípios inerentes à organização contabilística é o da especialização dos exercícios (ou princípio do acréscimo).

Este princípio determina que os proveitos ou os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam.

O mesmo encontrava assento no, à data, art.º 18.º, n.º 1, do CIRC, nos termos do qual:

“Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios”.
Assim, o respeito pelo princípio da especialização dos exercícios implica que esteja inerente à imputação de um custo ou de um proveito um critério económico e não um critério financeiro.(3)

No entanto, o alcance do princípio da especialização dos exercícios não é absoluto.

Tal decorre, desde logo, do n.º 2 do art.º 18.º do CIRC, nos termos do qual “[a]s componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

Por outro lado, nos termos do art.º 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), relativo aos princípios que norteiam a atuação da administração:

“Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

Ao nível da lei ordinária, é de chamar à colação o art.º 55.º da Lei Geral Tributária (LGT), sob a epígrafe “Princípios do procedimento tributário”, segundo o qual:

“A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

O princípio da justiça encontra, pois, consagração, quer constitucional, quer infraconstitucional.
Como referido por Gomes Canotilho e Vital Moreira:(4)

“O princípio da justiça aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados (….). A observância destes princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma ‘solução justa’ relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir”.

Portanto, desta moldura de princípios decorre que há uma margem de afastamento de outros princípios, quando a aplicação destes conduza a uma situação flagrantemente injusta.
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa:(5)

“… [O] princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.

Por outro lado, por força daquela norma constitucional a actuação da administração, para ser legal, terá de estar em sintonia com os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé que, tendo um conteúdo próprio, não deixam de fazem parte do bloco de legalidade que tal actuação deve respeitar.

Assim, o dever de actuar de harmonia com o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente prevêem a actuação da administração, abrangendo o dever de a administração ter em conta os reflexos práticos da actividade administrativa que levar a cabo.

Por isso, a administração tributária deverá abster-se de concretizar os comandos legais quando, em face das particularidades do caso, não se verifiquem as razões de interesse público que justificam a sua actuação ou quando se produza um resultado manifestamente injusto, devendo, em qualquer caso, limitar-se, na restrição dos direitos individuais, ao estritamente necessário para assegurar os fins que visa, não tratar discriminatoriamente os administrados, nem frustrar as expectativas que a sua actuação nestes tenha gerado”.
A propósito do princípio da justiça e sua articulação com outros princípios, designadamente com o da especialização dos exercícios, já se pronunciaram igualmente os nossos tribunais superiores, no sentido de que o mesmo tem de ser atendido, quando se consolida uma situação em que um determinado custo, efetivamente incorrido, já não pode ser desconsiderado, quer porque a AT não procedeu às correções correlativas, quer porque já não é possível à própria parte proceder a tal imputação,(6)sendo ainda de sublinhar a pertinência da circunstância de não se tratar de omissão voluntária e intencional, que implique não se tratar de manobra de transferência de resultados de um exercício para outro.

É desta articulação que se permite, em casos como os referidos, o respeito da tributação pelo rendimento real, cujo princípio encontra igualmente acolhimento na nossa Lei Fundamental, da qual decorre que “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real” (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da CRP).

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Antes de mais, refira-se que a Recorrente imputa ao Tribunal a quo uma errada apreciação da prova, sem que densifique em que termos tal errada apreciação ocorreu, limitando-se a referir que não ficou provado que a contabilização de crédito influenciou errónea e positivamente a matéria coletável dos exercícios de 1998 e 1999.

Ora, quanto este aspeto, não assiste qualquer razão à Recorrente. Com efeito, do facto H., não impugnado eficazmente, como já mencionamos supra, decorre que “[n]os exercícios de 1998 e 1999 a Impugnante registou na sua contabilidade, por erro, como proveitos, as quantias de € 5.187,50 e € 24.836,18, relativas, respetivamente, a ‘nota de lançamento externa’ emitido pela ‘P.’ e ‘notas de crédito’ emitida pela ‘M.’”.

Esta factualidade provada é suficiente para alicerçar o entendimento seguido pelo Tribunal a quo, sendo uma decorrência lógica de registar determinados valores como proveitos que tais valores influenciem positivamente a matéria coletável. Mesmo que tivessem sido apurados prejuízos, como argumenta a FP, também nesse apuramento tais valores se refletiam, como resulta das regras de cálculo do IRC.

Portanto, daqui decorre que (i) aqueles valores foram, por erro, considerados proveitos nos exercícios de 1998 e 1999 e que (ii), face a tal realidade, a Impugnante contabilizou no exercício de 2000 o valor em causa como respeitante a custos de exercícios anteriores.

Esta realidade decorre da matéria de facto assente, não impugnada, e não resulta que o Tribunal a quo se tenha socorrido de factualidade que não consta do probatório.

Assim sendo, o que verdadeiramente cumpre apreciar é se, em casos como o dos autos, não obstante ter havido uma violação do princípio da especialização dos exercícios, ainda assim, o custo pode ser aceite, por força da aplicação do princípio da justiça.

A nossa resposta acompanha o entendimento do Tribunal a quo.

Com efeito, a AT corrigiu o custo em causa, não procedendo ao ajustamento correspetivo nos exercícios anteriores – que, aliás, já nem seria possível à data da elaboração do RIT, dado o prazo de caducidade do direito à liquidação.

Refira-se, ademais, que nada decorre dos elementos coligidos pela AT que permita concluir estar-se perante uma omissão voluntária e intencional, com vista à transferência de resultados entre exercícios, nem tal sequer foi alguma vez considerado ter existido ou fundado a correção da AT.

Ademais, como refere o Tribunal a quo,[c]onsiderando que, por um lado o valor considerado como custo de exercícios anteriores no exercício de 2000 reflete, no caso, valores que haviam sido, nos exercícios a que efetivamente respeitam, contabilizados como proveitos, influenciando errónea e positivamente a matéria coletável e, consequentemente, o imposto apurado; que a Administração Tributária em momento algum questionou a natureza de tais lançamentos como custos, apenas se fundando no princípio da especialização dos exercícios para proceder à correção, desconsiderando-os enquanto elementos negativamente influenciadores do resultado do exercício de 2000, não se alcança em que medida o modus operandi da Impugnante possa ter resultado, a final, numa vantagem para si e, concomitantemente, em prejuízo para o Estado, sendo certo, além do mais, que se demonstrou estar em causa um erro que deu origem, ab initio (nos exercícios de 1998 e 1999) a apuramento de IRC de montante superior ao devido”.

Assim, entende-se que, nos termos assinalados, a correção em causa é ilegal, por atentar contra o princípio da justiça.

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.06.2008 (Processo: 0291/08), onde se refere:

“O princípio da especialização económica dos exercícios (…) no seu extremo rigor, leva a que só possam ser imputados a cada ano os proveitos e custos nele verificados, independentemente dos respectivos recebimentos e pagamentos.

O princípio não pode, todavia, ser entendido com uma tal rigidez.

Como logo resulta do próprio texto legal.

Dispõe efectivamente o n.º 2 do predito artigo 18.º que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas”.

(…) [N]ão é esse, todavia, o caso dos autos.

Aí, como [a Recorrente] (…)reconhece, o diferimento dos custos resultou de erro devido ao seu sistema informático pelo que, como refere a sentença, “sibi imputet”. Pois que erros humanos não são imprevisíveis nem podem ser manifestamente desconhecidos.

(…) Todavia, a predita rigidez ainda por outros caminhos deve ser atenuada.

O que tem tido eco tanto na doutrina como na jurisprudência e, até, na própria administração fiscal.

(…) Assim, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, permite-se a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios (…).

Como, aliás, desenvolvidamente comentam Diogo Leite Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge de Sousa, in Lei Geral Tributária anotada, 3.ª edição, pp. 242-243:

Transcorrido ‘o prazo em que podiam ser efectuadas correcções’, ‘se a administração fiscal tinha razão na correcção que efectuou, o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria colectável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir’ pois, em tal circunstância, ‘o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efectuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não teria direito’.

‘Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correcção da matéria colectável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 50.º da Lei Geral Tributária, para obstar à possibilidade de efectuar a referida correcção.

Há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável dos exercícios referidos, dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga qualquer vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça.

Entre esses dois valores, designadamente nos casos em que a administração fiscal não teve qualquer prejuízo com o erro praticado pelo contribuinte, deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça.

Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na actuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a actividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de actuar.

Consequentemente, serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que conduzam a situações injustas deste tipo’”.

Ou seja, numa situação como a dos autos, deveria a AT ter-se abstido de corrigir, não com base no disposto no art.º 18.º, n.º 2, do CIRC, mas com base no princípio da justiça.

Uma palavra final se impõe para sublinhar que, sim, cabe à AT, no âmbito da ação inspetiva, quando se confronta com uma situação de violação do princípio da especialização dos exercícios, ponderar a hipótese de não efetuar a correção, quando a mesma se revele atentatória do princípio da justiça. Tal é um desiderato constitucionalmente consagrado, no art.º 266.º, n.º 2, da nossa lei fundamental, a que já nos referimos supra. A salvaguarda do interesse público, ao nível tributário, não passa ou não se reduz ao interesse na mera arrecadação de receitas, configurando-se, sim, como salvaguarda desse interesse, uma atuação em respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade e em respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários (cfr. art.º 55.º da LGT).

Como tal, carece de razão a Recorrente.

IV.B. Do erro de julgamento quanto às correções relativas a tributações autónomas

Considera a Recorrente, quanto a estas despesas, que o Tribunal a quo anulou todas as correções com fundamento em indispensabilidade do gasto, ainda que, em alguns dos casos, estejamos perante tributações autónomas. Entende ainda que não resulta da matéria de facto assente que se esteja perante despesas relativas a promoção dos medicamentos produzidos.

Vejamos então.

In casu, estamos perante o exercício de 2000.

Como tal, em matéria de tributações autónomas, há que apelar ao DL n.º 192/90, de 9 de junho (aliás, referido no RIT), na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, e não ao art.º 81.º do CIRC, como, por mero lapso, a Recorrente refere nas suas alegações.

Assim, nos termos do seu art.º 4.º:

“3 — As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efetuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.

(…) 6 — Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.
Logo, despesas de representação são aquelas cuja finalidade é a de representar uma determinada sociedade onde ela não se encontra.(7)

Cumpre, ainda, atentar na natureza das tributações autónomas.
Como referido por Rui Duarte Morais,(8)nas tributações autónomas “… está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários. // (…) O objectivo parece ser o de tentar evitar (…) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não-empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis; ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes…” (sublinhados nossos).

Sendo certo que estas tributações autónomas são objeto de liquidação em paralelo com a tributação em sede de IRC, a verdade é que se pode distinguir, de um lado, o rendimento, de formação sucessiva, que constitui o facto tributário deste imposto (cfr. o art.º 1.º, do CIRC) e o facto tributário subjacente às tributações autónomas. Com efeito, tal facto tributário não constitui qualquer rendimento, mas sim, como referido supra, despesas que, pelas suas caraterísticas, o legislador entendeu deverem ter algum tipo de norma “disciplinadora”.

Daí que tais despesas, tal como referido por Rui Morais, constituam factos tributários.
A este propósito, refere Clotilde Celorico Palma:(9)

“Em nosso entendimento, as tributações autónomas são impostos indirectos e instantâneos que tributam a despesa e não o rendimento e que se distinguem claramente do IRC enquanto imposto directo, periódico, que tributa o rendimento, apurando-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo.

Na realidade, os factos sujeitos a tributação autónoma são distintos dos que se encontram sujeitos a IRC stricto sensu. A sua inserção no Código do IRC deve-se, assim, a motivos meramente pragmáticos, desvirtuando o carácter único do imposto.

Enquanto que o lucro tributável sujeito a IRC é de formação sucessiva, as despesas sobre as quais incide a tributação autónoma constituem factos tributários instantâneos ou de obrigação única.

(…) Assim, o facto tributário verifica-se no momento em que se incorre nas despesas sujeitas a tributação autónoma” (sublinhados nossos).

Como referido no Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19.12.2012:

“… Com este tipo de tributação [autónoma abrangendo despesas de representação e despesas com viaturas] teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, (…) bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem (…).

(…) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (…) e impostos de obrigação única (…).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa” (sublinhados nossos).

Esta posição tem sido também a seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo, chamando-se, à colação, a este propósito, v.g., os Acórdãos de 23.10.2019 (Processos: 01682/11.3BELRS 0690/18 e 02651/10.6BELRS 0903/16), 27.09.2017 (Processo:0146/16), 21.01.2015 (Processo: 0470/14), 22.01.2014 (Processo: 01714/13), 17.04.2013 (Processo: 0166/13), 14.02.2013 (Processo: 01375/12), 14.06.2012 (Processo: 0757/11) e 06.07.2011 (Processo: 0281/11).

Adere-se inteiramente a este entendimento, no sentido de as despesas sujeitas a tributação autónoma constituírem, elas próprias, factos tributários instantâneos.

Assim, como resulta do enquadramento referido, a previsão das tributações autónomas afigura-se como disciplinadora, com vista a penalizar comportamentos potencialmente reveladores de evasão ou de uso particular de bens empresariais.

Por seu turno, quanto às despesas com publicidade e propaganda, a dedutibilidade das mesmas decorre do art.º 23.º do CIRC.

In casu, a questão que se coloca tem sobretudo a ver com a reconfiguração efetuada pela AT, no sentido de estarmos perante despesas de representação.
Adiante-se, desde já, que nem todos os encargos, suportados com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos, oferecidos no País ou no estrangeiro, a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades, são necessariamente despesas de representação, porquanto tem de lhes estar subjacente a finalidade de tais despesas, ou seja, a representação da sociedade onde ela não se encontra. Assim, se um determinado custo, com viagens, passeios, espetáculos, etc., tiver natureza promocional, afasta-se a sua qualificação como despesa de representação, justamente por lhe estar inerente a tal finalidade promocional [aliás, nesse sentido vai a informação vinculativa com despacho de 28 de junho de 2017, da subdiretora geral do IR (Proc. n.º 1519/17)](10)

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Compulsado o RIT, verifica-se que a AT considerou o seguinte:

a) Quanto ao L., SA (doravante M.):

1. O valor atinente a “Publicidade e propaganda” (477.467,64 Eur.) foi considerado como respeitando a despesas de representação e logo tributado autonomamente (30.557,93 Eur. de imposto);

2. O valor relativo a “Deslocações e Estadas” (3.642,52 Eur.) foi, pelo mesmo motivo, objeto de tributação autónoma (233,12 Eur. de imposto);

b) Quanto ao L., Lda (doravante L.):

1. O valor atinente a deslocações ao estrangeiro (8.728,96 Eur.) foi entendido como custo não indispensável;

2. O valor relativo a “Publicidade e propaganda” (25.344,74 Eur.) foi considerado como despesas de representação, tributado autonomamente (1.622,02 Eur. de imposto);

c) Quanto à P., Lda (doravante P.):

1. O valor atinente a “Alimentação/Alojamento”, de 1.811,79 Eur., foi tido como custo não indispensável;

d) Quanto à E., Lda (doravante E.):

1. O valor de 27.356,67 Eur., relativo a publicidade e propaganda, foi considerado custo não indispensável;

2. Quanto ao valor inscrito a título de Deslocações ao estrangeiro (7.377,77Eur.) foi objeto de tributação autónoma (472,18 Eur. de imposto).

No leque destas correções, como se verifica, uma parte foi objeto de tributação autónoma, em virtude de a AT ter considerado estarmos perante despesas de representação, e outra parte foi considerada não subsumível ao disposto no art.º 23.º do CIRC.

Em termos sistemáticos, o Tribunal a quo conheceu estas situações num mesmo ponto da sentença, o que explica que, em paralelo, tenha sido destacado, por um lado, não se estar perante despesas de representação e, por outro, estar-se perante despesas essenciais para o normal desenvolvimento do objeto social. Portanto, quanto a esta sistemática seguida pelo Tribunal a quo, nada há a apontar. Um outro aspeto a sublinhar é o de que o Tribunal a quo se centrou na qualificação das despesas em causa, ainda que, nuns casos, a AT tenha optado por considerar que se tratavam de despesas de representação e, noutros, por entender que não eram custos indispensáveis.

Portanto, de modo algum o Tribunal a quo se centrou em fundamentação alheia à considerada pela AT ou, nas palavras da Recorrente, de modo algum “desprezou” a diferenciação constante do RIT.

Assim, no tocante às despesas relativas a publicidade e propaganda, que, no caso da M. e do L., foram reconfiguradas pela AT como despesas de representação e tributadas autonomamente, nesse seguimento, o Tribunal a quo entendeu não se tratarem de despesas de representação e foi nesse contexto que anulou as correções.

Portanto, nessa parte, não assiste razão à Recorrente, implicando que careça de relevância apreciar tudo o alegado em torno da possibilidade de se tributarem autonomamente gastos considerados indispensáveis, para efeitos do art.º 23.º do CIRC.

Logo, do que aqui se trata é de aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar não se estar, in casu, perante despesas de representação.

Como já referimos supra, em III.D., a Recorrente não logrou impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos legalmente exigíveis, motivo pelo qual a nossa apreciação irá ser feita considerando o constante de III.A. a III.C.

Vejamos então.

Quanto aos valores atinentes a “Publicidade e propaganda” (477.467,64 Eur. e 25.344,74 Eur.), como decorre de K) do probatório, trata-se de despesas relativas a presença de profissionais médicos em Congressos e outros eventos científicos, na maioria das vezes acompanhados por colaboradores da Impugnante, tratando-se de congressos que, como resulta provado, tinham por objeto assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados e nos quais poderiam estar presentes médicos que os prescrevessem [cfr. facto L)].

Resulta deste enquadramento factual, que consideramos suficiente, que, de facto, não se trata de despesas de representação, mas sim de despesas de promoção / publicidade, como a própria Impugnante tinha inscrito na sua contabilidade, na medida em que visavam promover os seus produtos junto daqueles que se configuram como seus destinatários, os médicos, na medida em que são estes quem os prescreve aos pacientes que deles necessitem. Sublinhe-se aqui que promoção é certamente mais do que aquilo que, de forma redutora, a Recorrente parece considerar como tal. Neste conceito abrange-se, naturalmente, os clássicos stands de promoção de produtos. Mas abrange mais do que isso, sendo que, como é do conhecimento geral, a promoção de produtos não é toda feita da mesma forma, atendendo à tipologia do produto em causa. Sendo, ademais, produtos sujeitos a uma regulação apertada, os termos das ações promocionais são, também eles, mais restritivos. Nesse sentido, atenta a factualidade provada, reiteramos o entendimento de que as despesas em causa se configuram como despesas promocionais.

Nesse sentido, v. os Acórdãos deste TCAS de 16.09.2021 (Processo: 187/04.3BELSB), de 14.10.2021 (Processo: 9792/16.4BCLSB, no qual a ora Relatora interveio na qualidade de 2.ª adjunta).

Assim, não se tratando de despesas de representação, não se verifica o facto tributário inerente à tributação autónoma.

No tocante ao valor relativo a “Deslocações e Estadas” (3.642,52), que foi, pelo mesmo motivo, objeto de tributação autónoma, resulta provado que se tratou de refeições promovidas no âmbito da atividade da sociedade, com diversas pessoas (extraindo-se da motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto tratar-se de reuniões estratégicas e de planeamento), não resultando, pois, tratar-se de despesas de representação.

Já quanto ao valor de 7.377,77 Eur., tratou-se de gasto para participação de 16 médicos e 4 representantes da empresa no Congresso Europeu de Dermatologia em Genéve [cfr. facto O)], pelo que, considerando tal facto, aliado ao facto L), já mencionado, não resulta tratar-se de qualquer despesa de representação, mas sim gasto com vista à participação em congresso relativo a assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados.

Assim sendo, também não se verifica nestes casos os factos tributários inerentes à tributação autónoma.

Como tal, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

IV.C. Do erro de julgamento no tocante às correções às sociedades L., P. e E. em que foram desconsiderados os gastos

Considera, a este respeito, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, além de a factualidade assente carecer de diversas insuficiências (condicionando o juízo no sentido da indispensabilidade dos custos), o disposto no art.º 9.º, n.º 1, do DL n.º 100/94, de 19 de abril, na redação conferida pelo DL n.º 48/99, de 16 de fevereiro, impede à empresa promotora do medicamento a entrega de prémios, vantagens ou ofertas, direta ou indiretamente, a pessoas habilitadas em troca da prescrição ou dispensa de medicamentos.

Antes de mais, como já referimos supra, cumpre relembrar que a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi atacada de forma eficaz. Como tal, a nossa apreciação será feita considerando o julgamento da matéria de facto efetuado pelo Tribunal a quo.

Em termos de disciplina atinente especificamente aos custos (gastos), há que desde logo atentar no art.º 23.º do CIRC, nos termos do qual:

“Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora…”.

Entre custo (gasto) contabilístico e custo (gasto) fiscal não existe uma absoluta coincidência.

Quanto aos custos que sejam fiscalmente relevantes, para que os mesmos sejam considerados, é necessário, neste quadro normativo, que se demonstre a sua efetiva existência e a sua indispensabilidade.
No tocante ao requisito da efetiva existência, para aferir da mesma é preciso que tais custos estejam suficientemente documentados/comprovados. Tal resulta, desde logo, do corpo do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, que utiliza o advérbio “comprovadamente"(11)

Sendo certo que, em regra, a efetiva existência de um custo é aferida e comprovada pela fatura respetiva, que faz com que haja uma presunção de veracidade do custo que documenta, a mesma pode ser comprovada por outro documento, que, se dotado de algumas insuficiências, poderá ser complementado através de recurso a outros meios de prova, designadamente meios complementares de prova documental e testemunhal.(12)


Como referido por António Moura Portugal,(13)“… para efeitos de IRC, a exigência de prova documental nesta sede não se confunde com a exigência de factura, bastando, para comprovação de que o custo foi incorrido, a existência de simples documento interno (…), acompanhada por outros meios de prova que inculquem no julgador a convicção que a operação material teve lugar e que efectivamente foi necessária para a obtenção dos proveitos”.

Por outro lado, o art.º 23.º do CIRC remetia, à época, para o conceito de indispensabilidade do custo. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respetiva indispensabilidade, para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

A noção de indispensabilidade pode ser construída, desde logo, pela negativa, nos seguintes termos:

¾ Não pode associar-se ao êxito de gestão, dado que são os riscos da própria atividade empresarial, que não podem retirar o caráter de indispensabilidade a um determinado custo, não abrangendo, pois, o juízo de razoabilidade (consagrado no pretérito art.º 26.º do Código da Contribuição Industrial);
No mesmo seguimento, a indispensabilidade de um custo não se confunde com a sua oportunidade ou conveniência: “O poder da Administração é rigorosamente vinculado, não existindo margem de livre apreciação por parte da mesma, visto que não há aqui que formular juízos de oportunidade, mas de tipo cognoscitivo. Pelo que tal indispensabilidade é rigorosamente controlada pelo Tribunal, não estando em causa qualquer especial saber técnico, juízo de imediação ou valoração pessoal daqui emergente ou quaisquer outros elementos imponderáveis”(14)

A indispensabilidade associa-se, pois, ao facto de um custo ser necessário, de se apresentar como habitual à obtenção de proveitos ou ganhos ou à manutenção da unidade produtiva.
A noção de indispensabilidade não pode ser encarada como abrangendo apenas custos que direta e imediatamente conduzam à obtenção de ganhos ou à manutenção da unidade produtiva (nexo causal),(15)abarcando igualmente custos que mediatamente visam esse fim. Portanto, mais do que uma análise objetiva do custo, tem de se aferir subjetivamente a sua indispensabilidade.

Não sendo indispensável um custo, não integra a previsão normativa do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC, podendo, pois, ser por esta via desconsiderado.
Em termos de ónus da prova, há ainda que sublinhar que, sendo certo que cabe ao contribuinte o ónus da prova de que os custos são indispensáveis, a montante, cabe à AT o ónus de fundadamente pôr em causa essa indispensabilidade,(16) sendo o ónus do contribuinte balizado pelos termos em que a AT funde a sua posição.(17)

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

Estão em causa concretamente três correções: a primeira, atinente ao L. relativa a deslocações ao estrangeiro (8.728,96 Eur.), a segunda, relativa à P., atinente a “Alimentação/Alojamento”, de 1.811,79 Eur.; e a terceira, relativa à E., respeitante a 27.356,67 Eur., considerados pela Impugnante como despesas concernentes a publicidade e propaganda.

Pela circunstância de as conclusões, de forma repetitiva, se centrarem numa série de observações que, na verdade, têm a ver com a decisão proferida sobre a matéria de facto, reiteramos que a mesma não foi impugnada nos termos legalmente exigidos, motivando a rejeição do recurso nessa parte, pelo que nada há a dizer a esse respeito.

O que cumpre apenas aferir é se, da matéria de facto assente, se pode ou não extrair a conclusão extraída pelo Tribunal a quo.
Desde já se refira que carece de qualquer relevância apurar se a Impugnante alegou ou não em momento anterior ao da apresentação da impugnação judicial tratar-se de despesas indispensáveis à manutenção da fonte produtora. Com efeito, não existe qualquer obrigação no sentido de os fundamentos de uma impugnação serem iguais aos da reclamação graciosa anteriormente apresentada, não havendo óbice a que, em sede judicial, sejam esgrimidos fundamentos não suscitados em sede graciosa.(18)

Como tal, nada se extrai do alegado a este propósito. Acrescente-se, no entanto, que, do teor da reclamação graciosa, resulta que a Recorrida já nesse momento defendia a indispensabilidade dos gastos em causa (cfr., v.g., os seus art.ºs 68 a 80 e 100 a 112), carecendo, pois, de materialidade o alegado pela Recorrente.

Por outro lado, no tocante à disciplina constante do DL n.º 100/94, de 19 de abril, o alegado não tem a consequência extraída pela Recorrente.

Seguimos, a este respeito, o já decidido neste TCAS, em Acórdão de 16.09.2021 (Processo: 187/04.3BELSB), onde se escreveu:

“Especificamente, em relação à indústria farmacêutica, estabelecia o art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 100/94, de 19 de Abril que “nas acções de promoção de vendas, o acolhimento deverá ser sempre de nível razoável e ter um carácter acessório em relação ao objectivo principal da reunião, não devendo ser alargado a pessoas que não sejam profissionais de saúde”.

Esta norma foi alterada com a publicação do Decreto-Lei n.º 48/99, de 16 de Fevereiro, que, em transposição da Directiva 92/28/CEE, de 31 de Março, veio clarificar, designadamente, os casos em que podem ser suportados custos de acolhimento com vista à participação dos médicos em acções de formação.

Dispõe o art.º 9.º, n.º 2 do referido diploma que “o disposto no número anterior não obsta a que o titular da autorização de introdução no mercado, bem como a empresa responsável pela promoção do medicamento, suportem, total ou parcialmente, custos de acolhimento de pessoas habilitadas a prescrever ou a dispensar medicamentos em eventos científicos e acções de formação e de promoção de medicamentos, desde que, em qualquer caso, tais incentivos não fiquem dependentes ou constituam contrapartida da prescrição ou dispensa de medicamentos”.

De acordo com o art.º 10.º do mesmo diploma: “1. Para efeitos do n.º 2 do artigo 9.º consideram-se custos de acolhimento das pessoas habilitadas a prescrever ou a dispensar medicamentos os encargos com a respectiva inscrição, deslocação e estada em manifestações de carácter exclusivamente científico e ainda em acções de promoção de medicamentos que comportem uma efectiva mais-valia científica ou ganho formativo para os participantes. 2. A estada não deverá exceder o período compreendido entre o dia anterior ao do início e o dia seguinte ao do termo do evento (…) nem comportar benefícios de carácter social prevalecentes sobre o objectivo científico ou profissional”.

Como decorre do n.º 2 supra-referido e do n.º 3 da mesma norma, foi mantida a regra da acessoriedade do acolhimento em relação ao objectivo principal da reunião”.

Verifica-se, pois, que o constante do regime do DL n.º 100/94, de 19 de abril, não tem o impacto que lhe extrai a Recorrente, porquanto não são as restrições que o mesmo colocou neste âmbito que conduzem a que não se possam encarar as custos relativos a participações nos eventos como custos promocionais.

O que o referido regime exige é que os incentivos não fiquem dependentes ou constituam contrapartida da prescrição ou dispensa de medicamentos, o que é situação bem diferente da em causa, em que se pretendia, sim, que os clínicos em causa participassem em congressos e seminários que “tinham por objeto assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados e nos quais poderiam estar presentes médicos que os prescrevessem” [facto. L)].

No mais, analisemos, então, cada um dos casos separadamente.

III.C.1. Correção ao L. relativa a deslocações ao estrangeiro (8.728,96 Eur.)

Como resulta de N) do probatório, esta despesa respeita a viagens e alojamento para cinco pessoas, com vista à participação numa reunião com o Ministério da Agricultura Cubano, no âmbito de projeto de investigação e desenvolvimento de diagnóstico e de produtos imunológicos (denominado “I.”, que vigorou entre 1997 e 2000, e que foi cofinanciado em 45% por fundos europeus).

A fundamentação do RIT, a este respeito, sustentou-se no facto de que “[o]s documentos referentes a este tipo de despesas não são suficientes para que se mostre comprovada a presença dos técnicos em tais eventos; também não está comprovada implementação de um projecto para desenvolvimento de produtos imunológicos”, para além de os participantes não terem vínculo com a sociedade.

Ora, como é salientado pelo Tribunal a quo, trata-se de um gasto suportado no âmbito de um projeto de investigação que se enquadra no objeto da sociedade (o designado I.), projeto esse inclusivamente cofinanciado por fundos europeus.

Trata-se de factualidade provada e não impugnada cabalmente, pelo que o alegado quanto à questão de haver ou não prova documental em torno do projeto (que existe e sustentou a decisão proferida sobre a matéria de facto) não tem qualquer pertinência. Aliás, estamos perante casos em que a prova exigível não tem de ser exclusivamente documental.

Assim, tratando-se de despesas relacionadas com um projeto que, de forma evidente, se relaciona com a atividade desenvolvida pela sociedade, não há como não as considerar subsumíveis no âmbito do art.º 23.º do CIRC, sendo que a circunstância de os participantes não terem vínculo laboral com a sociedade de modo algum afasta este entendimento, dado que não existe qualquer limitação neste aspeto.

Logo, não assiste razão à Recorrente.

III.C.2. Correção à P., atinente a “Alimentação/Alojamento”, no valor de 1 811,79 Eur.

Quanto a esta correção, a AT considerou que não ficou provado tratar-se de comparticipação em evento científico realizado em Paris nem a sua relação com a atividade da empresa.

O Tribunal a quo, a este propósito, segue o raciocínio a que já fizemos alusão supra, a propósito da reconfiguração de determinados gastos em despesas de representação.

Ora vejamos.

Ficou provado que esta despesa em concreto foi suportada, com o objetivo de proporcionar a presença de uma profissional médica em evento científico [cfr. facto K)].

Ficou ainda provado que este, como todos os eventos deste cariz, “em que a Impugnante e demais sociedades do Grupo escolhiam participar[,] tinham por objeto assuntos relacionados com medicamentos/produtos por si fabricados e nos quais poderiam estar presentes médicos que os prescrevessem” [cfr. facto L)].

Tal é prova suficiente para se demonstrar a indispensabilidade do custo em causa. Veja-se que, como já referimos, a indispensabilidade de um gasto não implica que o mesmo, direta e imediatamente, produza um efeito nos proveitos da sociedade, sendo perfeitamente admissíveis custos que, de forma mediata, possam ter tal efeito. A promoção da participação de profissionais clínicos em eventos de cariz científico, cuja temática está relacionada com produtos fabricados pela sociedade, enquadra-se, justamente, no tipo de gasto (legalmente admissível, nos termos da legislação aplicável ao setor) que mediatamente se pode refletir num incremento das vendas, na medida em que tem a potencialidade de sensibilizar os clínicos para as vantagens na prescrição de um determinado medicamento. Trata-se de uma consequência lógica que se extrai, comum a todos os gastos que mediatamente podem ter reflexos em termos de vendas, e que resulta da experiência comum.

Como tal, nesta parte não assiste razão à Recorrente.

III.C.3. Correção relativa à E., no valor de 27 356,67 Eur., considerados como despesas respeitantes a publicidade e propaganda.

Finalmente, quanto à correção no valor de 27.356,67 Eur., de acordo com o RIT (ponto 3.1.4.2.), a mesma sustentou-se no facto de não se mostrar “comprovada a presença dos médicos em tais eventos, nem que tenha sido efectuado qualquer acompanhamento por representantes da sociedade”.

Ora, como já referimos supra, dos factos K) e L) decorre que foi provado que o gasto em causa se relacionou com a presença de profissionais médicos em evento científico, relacionado com medicamentos/produtos fabricados pelo grupo, sendo ainda de ter em conta que, como decorre de C) do probatório, a E. tinha específicas obrigações contratuais com vista à promoção dos produtos.

Pelos motivos que já referimos supra, considera-se, pois, cabalmente demonstrada a indispensabilidade do custo em causa.

Carece de qualquer pertinência o facto de os eventos não serem organizados pela Impugnante nem essa circunstância sustentou a correção efetuada.

Como tal, também nesta parte não assiste razão à Recorrente.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 11 de novembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)













1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
3) Cfr. Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2007, p. 64.
4)Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Ed. revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 925.
5)Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 4.ª Ed., Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 446.
6) Cfr. neste sentido os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.03.2018 (Processo: 0716/13), de 19.05.2010 (Processo: 0214/07), de 02.04.2008 (Processo: 0807/07), de 13.10.1996 (Processo: 20.404), do Tribunal Central Administrativo Sul, de 08.01.2015 (Processo: 03804/10), do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15.02.2012 (Processo: 00486/07.2BEVIS).
7) Cfr. neste sentido os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Sul, de 12.01.2017 (Processo: 09894/16) e de 07.05.2015 (Processo: 08534/15).
8) Rui Duarte Morais, ob.cit., pp. 202 e 203.
9) Clotilde Celorico Palma, «As tributações autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional. Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, de 20 de junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, Número 2 – verão, 2012, pp. 247 e 248.
10) Disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas
/rendimento/circ/Documents/FD_CIRC_1519_2017.pdf

11) Cfr., a título exemplificativo, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.03.2005 (Processo: 00340/03) e de 23.04.2015 (Processo: 06468/13).
12) Cfr. Tomás de Castro Tavares, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos», Ciência e Técnica Fiscal, 396, p. 123.
13) A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 204.
14) Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.09.1998 (Processo: 021515). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16) e de 24.09.2014 (Processo: 0779/12).
15) Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28.06.2017 (Processo: 0627/16), e jurisprudência no mesmo citada.
16) V., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30.11.2004 (Processo: 07375/02) e do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11.01.2007 (Processo: 00070/01 – PORTO).
17) Sobre o ónus do contribuinte, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.10.2012 (Processo: 05014/11).
18) Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.05.2011 (Processo: 0156/11), de 03.06.2015 (Processo: 0793/14) e de 03.07.2019 (Processo: 02957/16.0BELRS 070/18).