Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04683/11
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/21/2011
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL. ANULAÇÃO DE VENDA.
ERRO SOBRE AS CARACTERÍSTICAS DO BEM VENDIDO.
Sumário:I) -No domínio da venda em processo executivo, o erro sobre as qualidades do objecto só releva se ocorrer falta de conformidade com o anunciado, como resulta do preceituado na parte final da alínea a) do n.º1 do art.257.° do C.P.P.T., irrelevando, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas.

II) -Invocando os ora recorridos a existência de um contrato de arrendamento que não fora tido em conta (artigos 257.°/1/a) do CPPT e 908.°/1 do CPC) mas apurando-se nos autos que não foi feita a prova da existência efectiva de um contrato de arrendamento, mas tão-somente do escrito constante do processo instrutor, apresentado posteriormente à venda, não pode deixar de se relevar o facto do pretenso locatário nunca ter tido qualquer intervenção nos autos antes da venda do imóvel, e que não constam nas declarações de IRS do executado quaisquer valores de rendas recebida nesse período, nem nas declarações de IRS do alegado inquilino quaisquer rendas pagas a deduzir para efeitos de IRS, sendo certo que o domicílio fiscal deste e dos eu agregado familiar é diferente da situação do imóvel em causa.

III) -Assim, não se comprovando nos autos qualquer desconformidade da coisa transmitida com o que foi anunciado, imputável à Administração Tributária e tendo esta dado cumprimento a todas as diligências legais que a lei estatui, nomeadamente, com a publicidade da venda, não há motivo para anular a mesma.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DO TCAS:

1. - A FAZENDA PÚBLICA, não se conformando com a sentença do TT de Lisboa, que anulou a venda no processo executivo nº 3301200601070444, dela recorre para este Tribunal, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I) A douta sentença incorreu em erro no julgamento, ao decidir pela ocorrência de erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado por parte da Administração Tributária, anulando a venda do imóvel efectuada nos autos de execução fiscal em que se insere o presente incidente de anulação da venda;
II) O erro de julgamento sobre a matéria de facto ocorre por ter considerado que da prova produzida se pode extrair as conclusões eia que se suportou, determinando que se julgasse pela decisão de anulação da venda do prédio urbano esse sito na Rua Projectada à Tomás Cabreira, Praia da Rocha, 1.° andar, apartamento B, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo "6671 - fracção 5" da freguesia e concelho de Portimão, e descrito sob o n.° “389/199200108-S" na Conservatória do Registo Predial de Portimão;
III) Inexistindo qualquer desconformidade da coisa transmitida com o que foi anunciado, imputável à Administração Tributária, tendo esta dado cumprimento a todas as diligências legais que, se lhe impunham, nomeadamente com a publicidade da venda, em rigoroso cumprimento do estatuído no art. 249° do CPPT e no domínio da venda em processo executivo, o erro sobre as qualidades do objecto só releva como fundamento de anulação se ocorrer falta de conformidade com o anunciado.
IV) Do probatório não resulta a existência de um contrato de arrendamento válido, mas de um documento apresentado posteriormente à venda, e cujos indícios são, não de um real contrato de arrendamento, uma vez que não consta nas declarações de IRS do executado, quaisquer valores de rendas recebidas nesse período, nem nas declarações de IRS do pseudo inquilino, quaisquer rendas pagas a deduzir para efeitos de IRS, sendo que o domicílio fiscal deste e do seu agregado familiar é diferente da situação do prédio em causa, pelo que deverá ser modificada a factualidade firmada na sentença sob recurso, quanto à interpretação dada ao documento apresentado como contrato de arrendamento.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão que julgou procedente a impugnação judicial, ser revogada com as devidas consequências legais. JUSTIÇA”
Não houve contra -alegações.
O EPGA emitiu parecer a fls. 116/117 a cuja douta alocução nos referiremos abaixo.
Foram colhidos os vistos legais.
*
2. - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos relevantes para a questão a decidir:
A) No âmbito da execução fiscal n.°3301200601070444 e apensos, por dívidas de RC, IVA e Coimas, foi penhorado, em 2/2/2009, um prédio urbano pertencente a A..., executado por reversão em que foi primitiva executada Terriobra Construções Civis e Obras Públicas - cf. fls. 83 e 84 de fls. 241 a 262 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Prédio urbano esse sito na Rua Projectada à Tomás Cabreira, Praia da Rocha, 1.° andar, apartamento B, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo "6671 - fracção S”, da freguesia e concelho de Portimão, e descrito sob o n.° "3898/1 99201 08-S" na Conservatória do Registo Predial de Portimão - cf. fls. 83, 84, 236, 237 e de fls. 241 a 262 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Relativamente ao prédio em causa, resulta da certidão da Conservatória do Registo Predial o seguinte:
(…) Ap. 5374 de 2009/02/20 16:57:32 UTC - Penhora
Registado no Sistema em 2009/02/20 16:57:32 UTC
Data da Penhora 2009/02/02
Exequente: Fazenda Nacional.
Executado: A...(…)
Quantia Exequenda: 787 564,21 €
Proc. Exec. Fiscal n.°3301200601070444 (...)»
D) Em 6/10/2009, foi proferido o despacho que segue: "Dada a impossibilidade de notificar o executado [A...], nomeio fiel depositário o Dr. B..., na qualidade de representante da firma C...Mediação Imobiliária, Lda., nos termos art. 233º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e art. 845.° do Código de Processo Civil, notificando-o dos deveres inerentes a esta nomeação. (...)"- cf. de fl. 281 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 13/10/2009, foi proferido despacho a designar o dia para a venda judicial por meio de proposta em carta fechada, a fixar o valor base de venda do referido prédio urbano, a determinar a publicitação da venda e a ordenar a notificação do executado, do fiel depositário, dos credores com garantia real e dos preferentes — cf. de fl. 283 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Dá-se por integralmente reproduzido o teor do edital, de 13/10/2009, e dos anúncios, de 13/10/2009, de 23/10/2009, de 24/10/2009 e de 15/12/2009, que publicitaram a venda — cf. fls. 11 dos autos e 284 a 287 do processo instrutor.
G) Em 22/05/2009 e em 19/10/2009, constava, na Conservatória do Registo Predial de Portimão, além do mais, o seguinte:
«(...) Ap. 13 de 2005/11/22 - Aquisição
Causa: Compra
Sujeito Activo
A...(...)
Sujeito Passivo
D...(...)
(...) Ap. 23 de 2007/0 //18 - Arresto
Data Facto: 2007/01 /18
Requerente: Fazenda Nacional
Quantia por que se promove o arresto: 1 237 267,63 €
Requerido: A...(...)
(...) Ap. 44 de 2007/04/16 - Penhora
Provisório por natureza - Artigo 92. °, n. ° 2, al a)
Data da Penhora: 2007/ 04/16
Exequente: Caixa Geral de Depósitos, S.A, Av. "João XXI, n." 63, Lisboa
Executado: D...
Quantia Exequenda: 113 263, 34€
Titular Inscrito: A...(...)
(...) Ap. 35 de 2008/ 06/11 - Penhora
Data da Penhora 2008/05/28
Exequente: Fazenda Nacional.
Executado: A...(...)
Quantia Exequenda: 6 954,06 €(...)
(...) Ap. 5374 de 2009/02/20 16:57:32 UTC - Penhora
Registado no Sistema em 2009/02/20 16:57:32 UTC
Data da Penhora 2009/02/02
Exequente: Fazenda Nacional.
Executado: A...(...)
Quantia Exequenda: 787 564,21 €
Proc. Exec. Fiscal nº 3301200601070444
A Adjunta do Conservador, em substituição (...)»
- cf. de fls. 241 a 263 e de f/s. 301 a 320 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
H) Em 16/12/2009, foi aceite a proposta de E..., por ser a de maior preço: €: 90.100,00 - cf. fls. 329, 330, 344 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
I) Em 17/12/2009, o proponente - ora requerente - procedeu ao pagamento da quantia acima referida — cf. fls. 13 dos autos e. fls. 341 e 344 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
J) Em 18/12/2009, o interessado dirigiu um requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa (4), solicitando a entrega das chaves do imóvel - cf. fls. 328 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
K) Em 22/12/2009, procedeu ao pagamento do IMT e Imposto Selo, respectivamente, no valor de €: 905,00 e de €: 720,80 - cf. fls. 14 e 15 dos autos e fls. 344, 346, 347 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
L) Em 28/12/2009, o interessado dirigiu novo requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa (4), solicitando certidão com levantamento da penhora e título de adjudicação, com vista a proceder ao registo do bem em seu nome - cf. fl. 345 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
M) Em 29/12/2009, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 determinou, por despacho, a "passagem do título de adjudicação, bem como da certidão de cancelamento da penhora, respeitante ao prédio urbano sob artigo 6671, fracção S, freguesia de Portimão, concelho de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão com o nº3898"- cf. fl. 19 dos autos e 342 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
N) Em 29/12/2009, procederam à passagem do título de adjudicação, bem como da certidão de cancelamento das penhoras: Ap. 23 de 2007/01/18; Ap.44 de 2007/04/16; Ap. 35 de 2008/06/11 e Ap. 5374 de 2009/02/29 - cf. fls. 20 e 21 dos autos e 343 e 344 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
O) Em 29/12/2009, procederam à passagem de nova certidão, segundo a qual foi ordenado o levantamento da penhora efectuada no processo executivo n.°3301200601070444 e apensos, bem como determinado o cancelamento de todos os registos, a saber: "Penhora - Ap.30 de 1981/05/22; Ap.33 de 1981 /10/01; Ap, 3 de 1981111123; Ap. 4 de 1981 /11 /23; Ap. 37 de 1983/10/04; Ap. 28 de 1984/01'/'1.5; Ap. 60 de 1984/05/ 15;Ap. 13 de 2005/11/22;Ap.23 de 2007/01 / 18;Ap. 44 de 2007/C4/16; Ap. 35 de 2008/06/11 ;Ap. 5374 de 2009/02/20; Ap. 4772 de 2010/01/07 e Ap. 5048 de 2010/01/08, incidentes sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Portimão, concelho de Portimão, distrito de Faro, sob o artigo matricial 6671, fracção S, sito Rua projectada à Avª Tomás Cabreira — Praia da Racha - 1.° andar 8500 - 802 Portimão, descrito na Conservatória do registo Predial de Portimão sob o nº3898, que caducam nos termos do n.°2 artº 824. ° do Código Civil." — cf. fl. 365 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
P) Em 5/01/2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa (4) proferiu despacho conforme segue: "Determino que se proceda ao arrombamento do prédio anteriormente identificado, de acordo com o nº2 do art. 840ºdo CPC, solicitando-se a intervenção do SF da área do prédio " -cf. fl. 367 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Q) Em 11/01/2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Portimão informou o Serviço de Finanças de Lisboa (4) de que não ia "proceder ao arrombamento do prédio em causa, por falta de suporte legal, com vista a não cometer qualquer ilegalidade, pois salvo melhor opinião, com a venda judicial terminou a legitimidade deste órgão de execução fiscal para proceder ao arrombamento solicitado, uma vez que se esgotou a sua competência, não podendo recorrer ao auxílio da força pública para o efeito." - cf. fl. 368 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
R) Em 14/01/2010, constava, na Conservatória do Registo Predial de Portimão, além do mais, o seguinte:
«(...) Ap. 13 de 2005/11/22 - Aquisição
(...) Ap. 23 de 2007/01/18- Arresto
(...) Ap. 44 de 2007/04/16 - Penhora
(...) Ap. 35 de 2008/ 06/11 - Penhora
(...) Ap. 5374 de 2009/02/20 16:57:32 UTC - Penhora
(...) Ap. 4772 de 2010/01/07 (...) Penhora
Data da penhora: 2009/12/28
Quantia exequenda: 345.380, 87 Euros
Sujeito Activo
Fazenda Nacional
Sujeito Passivo
A...(...)
Processo de execução fiscal n." 2089200801111981
Registos Pendentes
(...) Ap. 5048 de 2010/01/08 - Acção
A Adjunta do Conservador, em substituição (...)»
- cf. de fls. 26 a 28 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
S) Em 21/1/2010, o interessado dirigiu um requerimento ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa (4) que, em parte, se transcreve: "(...) paguei um imóvel que não posso registar, senão fico com as dívidas do outro contribuinte, já passaram 36 (trinta e seis) dias e não me fizeram a entrega física. Venho por este meio pedir a devolução da totalidade do meu dinheiro. Pois o tempo de espera ultrapassou todos os limites. Mais solicito juros indemnizatórios (...)"— cf. fls. 372 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
T) Em Fevereiro de 2010, E... procedeu ao pagamento de €:11,90 no Serviço de Finanças de Castro Verde, por "despesas com papel fotocópia, reembolso de cadernetas prediais e emolumentos", bem como de €:500,00 na Conservatória do Registo Predial de Castro Verde, por "preparo" referente à requisição n.0 238 2010/02/11 - cf.fl. 34, 35 e 36 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
U) Em 3/3/2010, o Director-Geral dos Impostos emitiu esclarecimento/parecer, segundo o qual: "a competência para determinar tal entrega, sempre e após o necessário impulso do adquirente, caberá ao Órgão de Execução Fiscal competente para a venda, maxime do Órgão de Execução Fiscal, uma vez que aquela (entrega coerciva) constitui mera consequência do procedimento de cobrança coerciva do tributo (...)"— cf. de fls. 385 a 392 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
V) Na sequência da informação prestada, em 11 de Março de 2010, pelo Serviço de Finanças de Portimão, segundo a qual: «ao ter-me deslocado ao imóvel (...) verifiquei que o mesmo se encontrava ocupado, nesse momento foi-me entregue por terceira pessoa (...) um contrato de arrendamento em nome de João José de Jara e Silva, NIF: 123.635.977, datado de um de Dezembro de 2006», o Chefe de Serviço de Finanças de Lisboa (4) proferiu, em 18/3/2010, o seguinte despacho:
“ Para efeitos de decisão sobre a comunicação feita a este serviço pelo S.F. Portimão, informando que a fracção S do artigo matricial 671 da freguesia de Portimão (…) se encontra onerada com contrato de arrendamento habitacional, cumpre verificar face à cópia remetida a coberto do ofício n.º 2721 de 12 do corrente:
• o contrato foi celebrado em 1 de Dezembro de 2006, sendo o 2.° outorgante F..., contribuinte n. ° 123635977;
• consta do mesmo que a fracção se destina a habitação do 2. ° outorgante;
• é contratualizada uma "renda anual de 120.000SOO a pagar em rendas mensais de 10.000$00";
• não consta que uma das vias do contrato tenha sido depositada no SF Portimão(...) assim como não consta qualquer referenda ao pagamento do Imposto de Selo (...)
• nas declarações mod. 3 do IRS dos anos de 2006 a 2008 apresentadas pelo inquilino não constam quaisquer verbas a título de rendas pagas em contrato de arrendamento celebrado a coberto do NRAU.
• também por parte do senhorio A...não foram declaradas quaisquer rendimentos de rendas nos anos de 2006 a 2008 imputadas ao roendo imóvel.
• (…)
• estranha-se o facto de no contrato ser referendada a moeda em escudos, quando é por demais sabido que a moeda à data já era em euros.
• (...)
• perante todos estes dados, somos levados a concluir que o contrato cuja cópia se juntar foi "forjado ou simulado" muito recentemente de forma a baralhar todos os procedimentos que estão a ser desenvolvidos para a entrega do bem ao seu legal proprietário E..., contribuinte nº139568255, conforme arrematação judicial efectuada em 16. 12.2009.
Assim, considero ser de prosseguir as diligencias para a efectiva entrega do bem ao arrematante, a não ser que sejam apresentadas provas idóneas e inequívocas que provem que o contrato foi celebrado no ano de 2006 e que o potencial inquilino efectivamente habitou e ainda habita a fracção em causa, como sejam contratos e respectivas facturas em seu nome dos consumos da água, gás, electricidade desde Dezembro de 2006, assim como desde o ano de 2006 foram realizadas as obras que constam do contrato mediante a apresentação das facturas emitidas a favor do inquilino Sr. G....
Tendo presente que a concretização das diligências em causa deverá ser da iniciativa do SF Portimão, solicita-se a este serviço que inicie tais diligências perante o potencial inquilino.
Não sendo apresentadas as provas acima referidas ou outras igualmente idóneas, deverão ser continuados os procedimentos para a efectiva entrega do bem ao Sr. E...”. - cf. de fls. 394 e 398 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
W) Dá-se por integralmente reproduzido o documento assinado por A...e por João José de Jara e Silva em que o "Primeiro Outorgante dá de arrendamento ao Segundo Outorgante, para exclusiva habitação deste, a fracção supra indicada [apartamento tipo T1, correspondente ao 1,° B do Edifício Acrópole, sito na Avenida Tomáz Cabreira, na Praia da Rocha, em Portimão], o que este aceita, de acordo com as cláusulas seguintes (...)"- cf. fl. 395 do processo instrutor.
X) Em 16/3/2010, a mandatária do interessado dirigiu um requerimento ao Serviço de Finanças de Lisboa (4) que, em parte, se transcreve:
“A adjudicação do imóvel em referenda foi proferida por despacho de 29/12/2009, data em que transitou em julgado e se formalizou a venda.
Acompanhados das certidões necessárias para procederem ao de registo da referida aquisição, foi o mesmo impossibilitado porquanto já se encontravam registadas outras penhoras a favor da Fazenda Nacional.
Requerida em 09/02/2010, via fax, nova certidão para cancelamento das penhoras então registadas, foi a mesma passada
Foi então possível aos meus constituintes, em 11/12/2010 requereram o registo da aquisição do imóvel.
Passada a competente certidão de teor predial, foram os mesmos surpreendidos com um novo ónus que recai sobre o prédio. Ou seja, sobre aquele prédio existe um registo, ainda que provisório por natureza, AP 5048 de 2010/01/08 (...) cuja proveniência a minha constituinte desconhecem e com a qual não se conformam.
Com efeito, os meus constituintes de boa-fé e cumprindo todas as obrigações e formalidades que lhe eram impostas, compraram ao Estado, na Figura da Administração Fiscal, um bem que, para o efeito (venda judicial) foi publicado livre de ónus ou encargos.
Contudo, a esta data, para além de ainda não estarem na posse do referido imóvel, porque, na verdade, por razões que lhe são alheias, o mesmo ainda não lhe foi entregue, são confrontados com a existência de um ónus sobre o prédio que compraram livre de pessoas e bens e livre de ónus e encargos. Nestes termos, requer-se a V. Exa. que, em 5 dias, informe se a Administração Fiscal tem condições de sanar as irregularidades e desconformidades referidas, sob pena de não restar alternativa senão requerer a anulação da referida venda, o que fará, em tempo e nos termos do disposto na al. a) do art. 257º do C.P.P.T, com todas as consequências legais advinda e requeridas, incluindo pedido de indemnização por danos causados.”- cf. de fls. 402 e 403 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
Y) Junto remeteu cópia da certidão da conservatória do Registo Predial de Portimão, actualizada em 23/02/2010, da qual resultava:
"Soluções Integradas de Registo – Lisboa
AP. 5048 de 2010/01/08 (...)
Provisório por natureza - Artigo 92. ° n.° 1 al. a)
Sujeito Activo
GFKL Financial Services AG (...)
Sujeitos Passivos
H... S.A.RL, (...)
I..., S.A. (...)
K..., UNIPESSOAL, LDA.
(...)
Pedido: Ser a presente acção julgada procedente e, em consequência, «declarada a ineficácia, face à autora, da cessão de créditos hipotecários celebrada, primeiramente, entre as rés I...e H...e, subsequentemente, entre as rés H...e K..."
"Conservatória do Registo Predial de Castro Verde
AP. 4363 de 2010/02/11 (...)
Causa: Adjudicação em Processo de Execução Fiscal
Sujeitos Activos
E... (...)
L...
(...) - cf. de fls. 404 a 406 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por aqui integralmente reproduzido.
Z) Em resposta ao requerimento de 16/03/2010, o Serviço de Finanças de Lisboa informou a mandatária do interessado de que:
"(...) 1. Relativamente à apresentação nº5048 de 2010/01/08, não é possível cancelar tal registo, na medida em que se trata de uma acção judicial que apenas interfere com os créditos hipotecários que envolvem somente os credores, não interferindo portanto com a propriedade do prédio, que no caso, conforme apresentação nº 4363 de 2010/02/11, está averbada em nome, do adjudicatário seu constituinte. Não existem assim ónus ou encargos sobre a fracção em causa.
2. No que diz respeito à entrega do bem adjudicado, (...) aguardam-se desenvolvimentos das diligências determinadas" - cf. de fls. 408 e 409 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
AA) Em 13/04/2010, o Serviço de Finanças de Lisboa comunicou à mandatária do interessado que a chave do prédio já se encontrava disponível para entrega ao adjudicatário, no Serviço de Finanças de Portimão - cf. de f/s. 418 e 419 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
BB) Em 23/04/2010, o interessado apresenta novo requerimento a solicitar a anulação da venda em virtude da existência do ónus ou encargo "AP. 5048 de 2010/01/08"— :fls de fls. 420 e 421 do processo instrutor, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
A convicção deste Tribunal quanto aos factos provados alicerçou-se nos documentos para os quais remete o probatório, atenta não só a fé que merecem, mas também por não terem sido impugnados, além de versarem sobre factos sobre os quais há consenso das partes.
Deu-se por assente a existência de contrato de arrendamento celebrado entre o executado e João José de Jara e Silva, que tem por objecto mediato o prédio penhorado e que foi alienado na acção executiva, face ao documento escrito que se encontra assinado.
A Administração Fiscal alega que não houve lugar ao pagamento do Imposto de Selo e que as declarações de rendimentos dos visados não reflectem esta relação jurídica. Todavia, tais circunstancialismos não são condição de validade de um contrato de arrendamento.
*
Factos Não Provados
Dos instrumentos processuais apresentados, e com interesse para a decisão, nso se detectam factos a dar como não provados.

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3. - A questão decidenda, tal como ficou bem identificada na sentença recorrida, consiste em saber se os alegados ónus eu limitações - contrato de arrendamento e registo de uma acção julgada procedente - se impõem ao adquirente do imóvel cuja venda se operou em processo de execução fiscal, pois, em caso afirmativo, haverá fundamento para a requerida anulação da venda.
A sentença recorrida pronunciou-se em sentido afirmativo, ancorando-se na seguinte fundamentação:
“Alegam os Requerentes que só depois da venda em execução é que tomaram conhecimento da existência de um registo, ainda que provisório por natureza, "AP 5048 de 2010/01/08", bem como da celebração de um contrato de arrendamento, pelo que foram induzidos em erro sobre o objecto da venda e suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado.
Vejamos.

O artigo 257.° do CPPT determina tão-só os prazos para requerer a anulação da venda. Importa, assim, convocar o artigo 908.°, n.°1, do CPC, que dispõe: "Se, depus da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, no processo de execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sendo aplicável ao caso o disposto no artigo 906º do Código Civil."
Quer isto dizer que, uma vez realizada, em processo de execução fiscal, a venda de bem penhorado, o comprador pode pedir a respectiva anulação, quando constate "a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria", ou "de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado ".
O escopo do citado preceito é o de proteger o comprador, tanto mais que a alienação se processou num processo judicial, o que cria, "à luz dos princípios da segurança, da confiança e da boa-fé", uma maior confiança na identificação do bem objecto da venda.
Desde logo, iremos começar pela questão da publicidade da venda no âmbito do processo de execução fiscal, que se faz mediante editais, anúncios e divulgação através da internet - cf. artigo 249°, n.°1, do CPPT.
De acordo com o n°5 desse preceito, em todos esses "meios de publicitação da incluem-se, por forma que permita uma mais fácil compreensão, as seguintes indicações:
a) Designação do órgão por onde corre o processo;
b) Nome ou firma do executado
c) Identificação sumária dos bens;
d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;
e) Valor base da venda;
f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;
g) Data e hora limites para a recepção das propostas;
h) Data, hora e local de abertura das propostas."
É certo que este preceito não inclui a indicação prevista no n.°5 do artigo 890.° do CPC, relativa à existência de litígio que possa afectar a estabilidade da venda. "Porém, sendo os anúncios e editais aqui referidos o único meio previsto para proporcionar aos potenciais cumpridores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de uma exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (art. 227°, n.°1, do Código Civil) e toda a actividade da administração pública (arts. 266°. n.°2. da C.R.P.)" - cf. CPPT, anotado e comentado, por Jorge Lopes de Sousa, 5.a edição, fls. 543, 2.a anotação ao artigo 249.°.
Assim, dado o escopo do artigo 249.°, n.°5, do CPPT, que é o de anunciar ao público o que o Serviço de Finanças vai alienar, resulta evidente que deve incluir todos os dados pertinentes, susceptíveis de influir no juízo sobre o conteúdo das propostas de aquisição dos bens, ou seja, com interesse para os proponentes, e desde que sejam conhecidos no processo.
É inegável que Administração Fiscal apenas teve conhecimento de que sobre o imóvel incidia um eventual direito de arrendamento e um registo, ainda que provisório por natureza, "AP. 5048 de 2010/01/08", em momento ulterior à da publicitação da venda do imóvel.
Com efeito, a Administração Fiscal só tomou conhecimento da existência de um contrato de arrendamento em Março de 2010, através da informação prestada pelo Serviço de Finanças de Portimão, ou seja, volvidos 3 meses desde a última publicitação da venda -15/12/2009. Por sua vez, o registo tem data de 8/01/2010, ou seja, é ulterior à da última publicação.
Daí que não se possa assacar qualquer vício derivado de omissão de informação, visto que a Administração Fiscal deu as informações em conformidade com a realidade apurada e plasmada no processo de execução, nada permitindo afirmar que o órgão de execução fiscal tenha violado as regras da boa fé.
E sempre se dirá que, a verificarem-se tais irregularidades, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 909.° e 201.° do CPC, o pedido deveria ter sido formulado no prazo de 15 dias a contar da data da venda ou da que o requerente tivesse tomado conhecimento do facto que serviu de fundamento, competindo-lhe provar a desse conhecimento — artigo 257°, n.°1, alínea c), e 2 do CPPT.
Vejamos, de seguida, a requerida anulação da venda.
Sob a epígrafe “Venda em execução", o n.°2 do artigo 824.° do CC dispõe:
“Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo ".
Acrescentando o n.°3 que "Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens."
Dir-se-á que os ónus ou limitações relevantes são os que não caducam com a venda em execução.
Os direitos de garantia caducam todos.
De acordo com o disposto no n°1 do art. 577° CC, a cessão de crédito: é o contrato mediante o qual o credor cede a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito.
Com a cessão transfere-se para o cessionário o mesmo direito de crédito de que era titular o cedente, bem como acompanham as garantias do crédito, a não ser que o contrário tenha sido acordado.
Entre essas garantias destaca-se a hipoteca e, como afirma Antunes Varela das Obrigações em Geral, II, 7a ed., pág. 565), a transmissão do crédito hipotecário envolve normalmente, como mero efeito da modificação da pessoa do credor, a titularidade da hipoteca.
Ora, sendo a hipoteca um direito real de garantia, forçoso será concluir que este direito caducou, nos termos do disposto no artigo 824.°, n.°2, do Código Civil, transferindo-se, todavia, os direitos de terceiros para o produto da venda dos respectivos bens (n.°3 desse mesmo artigo).
Mas subsistem os direitos reais de gozo que tenham sido registados antes do registo da penhora, arresto ou garantia, e os que não estejam sujeitos a registo e tenham sido constituídos antes da penhora, arresto ou garantia.
Já que, sem prejuízo das regras do registo, só são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens penhorados - cf. artigo 819.° do CC.
Importará salientar que para efeito da alínea a), n.°1, do artigo 257.° do CPPT, em conjugação do artigo 908.°, n.°1,do CPC (normativos ao abrigo dos quais foi a anulação da venda requerida), o conceito de ónus reais abrange o arrendamento.
No que respeita ao contrato de arrendamento, dir-se-á que, tendo sido celebrado a 1/12/2006, antes do primeiro registo a favor da Fazenda Pública (18/01/2007), esse contrato será oponível à execução, nos termos dos artigos 622.°, n.°1, e 819.°, n.°1, do CC.
A alienação da coisa locada implica a cessão coerciva, para o adquirente (cessão ex lege), da posição contratual do locador ou que, em virtude daquela alienação, se opers a sub-rogação legal do adquirente na posição jurídica do locador, é o que significa o vertido no artigo 1057.° segundo o qual o adquirente "sucede nos direitos e obrigações do locador" - «f. Obrigações Reais e Ónus Reais, Manuel Henrique Mesquita, Janeiro, 2000, pag. 146 e 147.
Na esteira da doutrina de Henrique Mesquita, configura-se o arrendamento corno um ónus. "Economicamente, o arrendamento é, sem dúvida, uma oneração, é um peso ou agravamento (-..)", desde logo, e quanto mais não seja, diminui necessariamente o valor de mercado do imóvel.
Por conseguinte, existe fundamento legal para considerar a existência de ónus ou limitação que não foi tomado em consideração e que excede os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou de erro sobre a coisa transmitida por falta de conformidade com o que foi anunciado.
Assim, a conclusão é no sentido da procedência da pretensão de anulabilidade do acto de venda executiva, nos termos do disposto no n.°1do artigo 908° do Código de Processo Civil.
O efeito ex tunc decorrente da anulação implica a devolução do preço e dos impostos pagos, bem como dos custos suportados com certidões, emolumentos e preparos, considerados provados, no montante global de €: 511,90.
Já os pedidos relativos a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais não podem lograr êxito por ausência de prova.”
A nosso ver, a sentença incorreu em erro de julgamento não podendo, por isso, manter-se na ordem jurídica, isso na senda do parecer do EPGA.
Na verdade, há que atentar no estatuído no artigo 257° do CPPT de acordo com o qual a anulação da venda pode ser requerida, nos prazos ali referidos, com os seguintes fundamentos:
“1. Se depois da venda se reconhecer a existência de algum ónus ou encargo, que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou se tiver havido erro sobre a coisa transmitida ou as suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado.
2. Quando for apresentado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo do artigo 203.°/1/a)).
3.Fundamentos previstos no artigo 909.° do CPC.”
Ora, o fundamento invocado no requerimento inicial pelos ora recorridos foi a existência de um contrato de arrendamento que não fora tido em conta (artigos 257.°/1/a) do CPPT e 908.°/1 do CPC).
Nesse sentido, o que dos autos se apura é que não foi feita a prova da existência efectiva de um contrato de arrendamento, mas tão-somente do escrito que faz fls. 395 do processo instrutor, apresentado posteriormente à venda.
O certo é que não pode deixar de se relevar o facto do pretenso locatário nunca ter tido qualquer intervenção nos autos antes da venda do imóvel, e que não constam nas declarações de IRS do executado quaisquer valores de rendas recebida nesse período, nem nas declarações de IRS do alegado inquilino quaisquer rendas pagas a deduzir para efeitos de IRS, sendo certo que o domicílio fiscal deste e dos eu agregado familiar é diferente da situação do imóvel em causa.
Destarte, é inequívoco, como patenteia o probatório, que não se comprova nos autos qualquer desconformidade da coisa transmitida com o que foi anunciado, imputável à Administração Tributária, tendo esta dado cumprimento a todas as diligências legais que a lei estatui, nomeadamente, com a publicidade da venda.
Acresce, por fim que as chaves do imóvel se encontram disponíveis para entrega aos recorridos conforme notificação enviada à advogada dos mesmos.
Termos em que procedem as conclusões recursivas, merecendo a sentença recorrida a censura que lhe foi desferida.
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4. Termos em que se acorda conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida e julgando-se improcedente o pedido de anulação da venda.
Custas pelos recorridos.
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Lisboa, 21/06/2001
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Joaquim Condesso)