Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9031/15.5BCLSB
Secção:2.ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/17/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CONCEITO DE CUSTOS EM SEDE DE I.R.C.
RETENÇÃO NA FONTE DE I.R.C. ENQUANTO IMPOSTO DE OBRIGAÇÃO ÚNICA.
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO (CDT) CELEBRADA ENTRE PORTUGAL E OS EUA.
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO/TRIBUTÁRIO. REQUISITOS.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL E SUBSTANCIAL DO ACTO ADMINISTRATIVO.
A FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO/TRIBUTÁRIO É QUESTÃO DIFERENTE DA NOTIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO.
PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DEVE POSSUIR UMA FASE DECISÓRIA.
Sumário:1. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
2. Embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única.
3. Em 6/09/1994, Portugal e Estados Unidos da América trocaram os instrumentos de ratificação da convenção para evitar a dupla tributação (CDT) e estabelecer regras de assistência administrativa recíproca em matéria de impostos sobre o rendimento entre os dois países, convenção essa aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº.39/95, de 21/6/1995, e publicada na I série-A do D.R. de 12/10/1995, diploma este cuja aplicação é defendida pela sociedade impugnante e ora recorrida no âmbito dos presentes autos.
4. Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
5. Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº.125, nº.2, do C.P.Administrativo, então em vigor). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
6. Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
7. Deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo/tributário e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário. A mera falta de notificação da fundamentação de um acto de liquidação não gera a invalidade deste, antes dando direito ao sujeito passivo de requerer a notificação da fundamentação ou a passagem de certidão que a contenha (cfr.artº.37, do C.P.P.Tributário).
8. O procedimento tributário deve possuir uma fase decisória, que constituirá o culminar do itinerário cognoscitivo que a A. Fiscal percorreu, ressalvados os casos especiais consagrados no artº.56, nº.2, da L.G.T., em que não existe esse dever de decisão (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.T.).




Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Proc. nº.9031/15.5BCLSB

ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.168 a 185 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "X…… - Aluguer de Automóveis, S.A.", intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., a título de retenção na fonte, relativo ao ano de 1998 e com o montante total a pagar de € 302.413,28.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.214 a 220 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da parcial procedência da impugnação, com a qual não concordamos, deduzida contra a liquidação de IRC - Retenções na Fonte nº ……., relativa ao exercício de 1998, no valor de € 218.316,55;
2-O Tribunal "a quo" considerou que no caso concreto se verifica uma evidente falta de fundamentação do ato que determinou a correcção efetuada pela A.T., falta essa que se transmite ao ato final do procedimento, que é o ato de liquidação;
3-Contudo, cabe-nos discordar, desde já, do afirmado pelo Tribunal de que a Impugnante "(..) sendo, assim, surpreendida com o ato de liquidação desprovido de qualquer fundamentação final (...)que mesmo hoje, não se mostra possível ao contribuinte, e ao próprio Tribunal, determinar as concretas razões de facto e de direito que levaram a A. T. a considerar ser inaplicável a taxa limitada de retenção na fonte quanta aos rendimentos pagos a entidade
e não residente "H…… International, LTD", e por isso, não se mostra possível ao Tribunal sindicar a legalidade do ato.";
4-Pois, embora se acuse o projecto de decisão de ser pouco esclarecedor, devido a sua parca fundamentação, certo é, que tal facto, não impediu a impugnante de se pronunciar em sede de audição prévia, demonstrando conhecer as razões de facto que levaram a AT a efectuar as correcções em causa;
5-Toda a sua defesa gira à volta da documentação recepcionada pela Direcção de Serviços de beneficios Fiscais (DSBF), nomeadamente o Modelo II-EUA e o certificado de residência do beneficiário;
6-Consta dos artigos 13º e 14º da defesa apresentada pela impugnante, em sede de audição prévia, o seguinte:
«Sendo feita menção, como indicado, em todas as declarações Modelo 130 que foram apresentadas que
"certificado de residência do beneficiário e o pedido de limitação de retenção na fonte , Mod. EUA II, foram entregues em 03.08.98"
A proposta de correcção ora em crise fundamenta-se na aplicação indevida das normas previstas na CDT celebrada com os Estados Unidos da América, por inexistência dos respectivos documentos de prova.»;
7-Certamente também não desconhecia que o certificado de residência, Mod.EUA­II, emitido pelos EUA, era inerente ao "ano fiscal de 1996, por ser este o último que pode ser emitido pelas autoridades americanas";
8-Também, em sede de impugnação judicial, a ora recorrida conhecia as razões de facto que levaram a AT a efectuar as correcções em causa;
9-Invoca nos pontos nº 89 e ss. da P.I. que, pretende a aplicação da CDT outorgada entre Portugal e os EUA, nomeadamente o seu art. 13º inerente aos "royalties" com taxa de imposto reduzida de 10% sobre os rendimentos pagos às entidades não residentes, não obstando para tal, o momento em que a prova da residência é feita, dado que a impugnante conhecia a condição de residente nos EUA, da beneficiária dos rendimentos;
10-E ainda, conforme ponto nº 98 e ss. da P.I. sobre o alcance das circulares da AF alega que, a mesma AF entendeu sobre a utilização da taxa de retenção na fonte do imposto, preceituada na aludida CDT, em derrogação da taxa interna, prevista na lei portuguesa, ser necessária a observância de vários procedimentos contidos em diversas circulares;
11-Com efeito, a AF reporta os rendimentos a pagamentos efectuados a não residentes, concluindo, não pela aplicação da CDT, mas pela aplicação da norma interna correspondente à al. a) do nº 2 do art. 69º, conjugada com o art. 75º ambos do CIRC, com base em falta de apresentação de formulários devidamente confirmados pela Autoridade Fiscal do Estado da localização da sede do beneficiário - EUA - ao devedor dos rendimentos antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado, formulário que deve acompanhar a relação de rendimentos pagos a não residentes Mod. 130, entendendo a ora recorrida, não constituir este facto, motivo, razão ou fundamento para preterição das normas imperativas da CDT pela AF;
12-Não obedecendo assim aos formalismos necessários para a redução da taxa de retenção na fonte de imposto, pois deveria ser feita prova, perante a entidade devedora dos rendimentos, anteriormente à data da colocação dos rendimentos à disposição do respectivo titular, de que este se encontrava nas condições de que dependia a redução da retenção na fonte, o que não sucedeu;
13-Aqui chegados, cabe-nos agora analisar o fundamento da sentença, aqui em crise, decidindo-se pela procedência parcial da presente impugnação, por falta de fundamentação do ato que determinou a correcção efectuada pela A.T., falta essa que se transmite ao ato final do procedimento, que é o ato de liquidação;
14-Ora, estabelece o artigo 77.º da LGT «A decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (...)» (n.º 1). «A fundamentação dos actos tributários deve conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos actos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo» (n.º 2);
15-Estabelece, ainda, o n.º 1 (in fine) do artigo 77.º da LGT, «(...) podendo a fundamentação consistir em declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalizaçâo tributária.»;
16-Também a este respeito, recorde-se, a propósito, a anotação ao artigo 77° da LGT, esclarece António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária anotada, Ed. Rei dos Livros, 2000, pág. 341: «Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do acto. É um elemento exterior ao acto e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência previ.sta no artigo 37º do CPPT), nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.»;
17-Assim sendo, considerando a impugnante que a notificação da liquidação não continha todos os requisitos exigidos pelas leis tributárias, nomeadamente a falta de fundamentação, poderia requerer a notificação dos elementos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, conforme prevê o artigo 37º do CPPT;
18-Mas, a impugnante não usou da referida faculdade, pelo que se pode concluir que não subsistiam dúvidas no espírito daquela liquidação;
19-Conclui-se, pois, que no caso concreto, a alegada falta de fundamentação não se verifica, porquanto o conteúdo do relatório de inspecção tributária que subjaz à liquidação ora impugnada, regularmente notificada à impugnante, é manifestamente suficiente para conferir a esta um conhecimento claro do motivo da liquidação, assim como, permitir que faça uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto ou a sua impugnação, como se constata através da presente impugnação;
20-Por fim, é de salientar, que se considera igualmente que o acto se encontra devidamente fundamentado sempre que o destinatário do acto revele ter apreendido os seus fundamentos. Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes Sousa, 3ª ed., Vislis, Setembro 2003, pág. 381-382 «No entanto, deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com a sua imposição»;
21-Face ao referido nos pontos 8 a 17 das presentes alegações, deverá considerar-se demonstrando que a impugnante revelou, ao longo de todo o procedimento do acto de liquidação em causa, ter apreendido os seus fundamentos conhecer as razões de facto que levaram a AT a efectuar as correcções respectivas;
22-Assim, com o devido respeito, deverá concluir-se pela inexistência de violação do princípio da fundamentação, mantendo-se a validade e eficácia legal do acto de liquidação;
23-Ao decidir de forma diversa, é entendimento da Fazenda Pública que o Tribunal a quo fez na douta sentença ora em crise erróneo julgamento dos factos, razão pela qual deverá ser revogada e substituída por acórdão que declare a improcedência dos presentes autos de impugnação;
24-Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.221 a 260 dos autos), nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção da decisão do Tribunal "a quo", mais peticionando, subsidiariamente, a ampliação do objecto do recurso (cfr. artº.636, nº.1, do C.P.Civil), caso se conclua pela procedência dos argumentos esgrimidos pelo recorrente, e Encerrando nos seguintes termos:
1-O Tribunal a quo decidiu acertadamente quanto à questão da falta de fundamentação, com base na lei e na linha da sábia jurisprudência dos Tribunais Superiores, pelo que a presente sentença deverá ser mantida, conforme é de justiça;
2-Com efeito, todo o procedimento administrativo esteve carregado de um apriorismo arrecadatório, na senda de um verdadeiro ataque padronizado perpetrado pela AT - sem cuidar sequer de o fundamentar - às empresas que registassem pagamentos a entidades não residentes;
3-Pretendia a AT valer-se de uma suposta carência de formalidades, que ela própria decretou, no cumprimento, por esses contribuintes, da aplicação das taxas reduzidas acordadas por Portugal relativamente às Convenções de Dupla Tributação, as quais foram unitateralmente criadas por via administrativa, pela própria AT;
4-Sucede que este comportamento abusivo da AT que a Fazenda Pública vem defender, que ignora a substância factual e o direito aplicável pretendendo erigir uma formalidade «ad probationen» numa formalidade «ad substantiam» foi desde há muito travado pelos Tribunais superiores, os quais vieram esclarecer que as taxas previstas nas convenções têm de ser respeitadas;
5-Nos autos, estão em causa pagamentos de royalties à sociedade americana «H…… International, Ltd» quando esta já tinha entregue, à ora recorrida, o certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais, bem como o Modelo II-EUA, a atestar que era residente fiscal nesse país;
6-A impugnante, ora recorrida, aplicou e bem a taxa de retenção na fonte, de 10%, conforme à Convenção de Dupla Tributação, aplicável entre Portugal e os Estados Unidos da América;
7-Conforme ficou a constar da dos factos demonstrados (cfr. Cap. III da sentença), no dia 06.11.2002, a recorrida foi notificada para exercer o direito de audição sobre o projecto de decisão n.º 1744/02 e sua fundamentação relativo à correcção a retenções efectuadas sobre pagamentos de rendimentos a não residentes durante 1998 (cfr. doc. n.º 16 junto à p.i.);
8-A decisão constante do projecto tinha o seguinte teor: «por não ter sido efectuada a retenção na fonte às taxas previstas no art.º 69(2) do CIRC é devido imposto, na importancia de € 218.316,55, pelo substituto tributário acima indicado, ao abrigo do n.º 3 do art.º 282 da Lei Geral Tributária»;
9-O Tribunal a quo conclui que «ocorre uma evidente falta de fundamentação do acto de liquidação impugnado, sendo certo que, mesmo hoje, não se mostra possível ao contribuinte, e ao próprio Tribunal, determinar as concretas razões de facto e de direito que levaram a AT, a considerar ser inaplicável a taxa limitada de retenção na fonte quanto aos rendimentos pagos à entidade não residente "H…… International, LTD”, e, por isso, não se mostra possível ao Tribunal sindicar também a legalidade do acto» - cfr. p. 15 da sentença recorrida;
10-O Tribunal concluiu que o projecto de decisão, afinal o único documento da AT que foi notificado à recorrida, se se desconsidera a própria liquidação, sobre o qual se pronunciou «nada adianta em termos de esclarecer o contribuinte de quais, afinal, as inexactidões verificadas nas declarações Modelo 130 apresentadas pela impugnante, elemento fundamental essencial para se conhecer as razões de facto que levaram a A.T. a efectuar as correcções ao nível da desconsideração da aplicação da taxa de retenção na fonte prevista na CDT estabelecida entre Portugal e os Estados Unidos da América» - cfr. pág.15 da sentença;
11-Com efeito, conforme refere a douta sentença esse projecto «limita-se a referir que «De acordo com as inexactidões verificadas nas relações modelo 130, entregues nos serviços da DGCI em 1999, propõe-se que sejam efectuadas as correcções abaixo discriminadas às retenções na fonte de imposto, efectuadas e entregues, atendendo à aplicação indevida das normas previstas na CDT celebradas com os Estados Unidos da América, por inexistência dos respectivos documentos de prova». - cfr. pág. 15 da sentença recorrida;
12-Ainda no sentido da falta de fundamentação «O Tribunal tem em conta que o procedimento tributário tem de possuir uma fase decisória que constituirá o culminar do itinerário cognoscitivo que a AT percorreu» e que, no caso, «para além da impugnante não ter sido notificada de qualquer decisão final do procedimento, sendo assim surpreendida com o ato de liquidação desprovido de qualquer fundamentação final, o único despacho decisório que consta do PA é o que foi proferido pelo Subdirector-Geral dos Impostos em 18.11.2002 que, no entanto, não se pode considerar como fundamentação legal do acto de liquidação impugnado, porquanto não se encontra redigido especificamente à impugnante, consistindo, ao invés, num acto genérico, que visa abarcar uma generalidade de contribuintes, e que descrimina como razão para a realização de correcções uma diversidade de situações, sem que se identifique qual ou quais as aplicáveis à impugnante» - cfr .p. 15 da sentença recorrida;
13-Efectivamente, o Tribunal a quo considerou documentalmente provado a este respeito:
a) O facto de o projecto de decisão nada esclarecer quanto às supostas inexactidões verificadas nas declarações Modelo 130 apresentadas pela recorrida, único argumento da AT - cfr. capítulo III da sentença, referente à fundamentação, ponto 1A) a I) a (pp. 5 a 9); e,
b) O facto de não ter sido provado que a então impugnante, ora recorrida, tenha sido notificada da informação n.º ….. e respectivo despacho de concordância do Subdirector- Geral dos Impostos que são genéricos - cfr. capítulo III da sentença, referente à fundamentação, parágrafo M) (p. 10);
14-Nesta medida, estes factos devem considerar-se plena e inteiramente provados mesmo que implicitamente, até face à anuência clara da Fazenda, tal como reconhecido pela jurisprudência - cfr., por todos, vide Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no recurso n.º 76/10.2T6AVR-A.CI, de 17 de Maio de 2011;
15-Neste contexto, a recorrida não pode igualmente aceitar a pretensão do Fazenda Pública nas suas alegações, no sentido de que a suficiência da fundamentação se possa retirar do facto de a recorrida ter apresentado extensa e bem elaborada petição inicial de impugnação;
16-É a própria Fazenda que reconhece que «é certo que à primeira vista, o projecto de decisão é pouco esclarecedor relativamente às inexactidões verificadas nas declarações modelo 130, as quais levaram a AT a efectuar as correções no sentido de desconsiderar a aplicação das taxas de retenção na fonte previstas na CDT estabelecida entre Portugal e os Estados Unidos da América» - cfr.ponto 6 a pág. 5 da sentença;
17-Ora, essa defesa não sana o acto deficiente e infundamentado, por parte da AT, ademais numa questão em que a jurisprudência, como mencionado, tem sido unânime em defender que a actuação da AT no que diz respeito a aplicação das taxas de retenção da fonte de acordo com a CDT tem de decorrer da lei e não de meras instruções administrativas;
18-Como está bom de ver, da leitura da petição inicial da recorrida resultam evidentes as muitas lacunas formais e procedimentais da liquidação em causa, não logrando a simples dedução de defesa, por parte da recorrida, saná-las, resultando ao invés, por isso, prejudicado o seu direito de defesa;
19-Vejamos que aceitar o argumento aduzido pela Fazenda implicaria que este Venerando Tribunal admitisse que o exercício de um direito de defesa perante uma ablação infundamentada acarretasse, inexoravelmente, a fundamentação do acto por se presumir a total compreensão do mesmo por parte do contribuinte que reagiu à ablação;
20-Acresce que, como é consabido, quer o artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa («CRP»), quer o artigo 77.º n.º 1da LGT impõem a adequada, clara e completa fundamentação dos actos tributários, sob pena de ineficácia dos mesmos;
21-Assim, não existindo uma fundamentação clara, suficiente e completa, de facto e de direito, foi correcto o entendimento do Tribunal 'a quo' ao anular o acto impugnado, posto que estes se encontra manifestamente ferido do VÍCIO DE FORMA, razão pela qual se pugna pela manutenção da sentença recorrida;
22-Não obstante, a decisão 'a quo' não apreciou os demais vícios invocados pela então impugnante, ora recorrida, pelo que se requer a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º-A do CPC, para apreciação dos restantes vícios em que incorre a liquidação impugnada;
23-Sendo certo que a apreciação por V. Exas. dos restantes factos relevantes e dos vícios que inquinam o acto impugnado sempre se afigura resultar do disposto no artigo 662.º, n.º 2 do CPC;
24-Com efeito, a ora recorrida mantém integralmente o alegado na p.i., na medida em que o acto em crise está também inquinado de outros vícios, a par da falta de fundamentação, por diversas razões e que em rigor se podem apreciar da própria factualidade aceite pelo Tribunal;
25-Nesse âmbito, a recorrida considera que existem outros factos porventura para além daqueles dados por assentes pelo Tribunal a quo que vertendo dos documentos juntos aos autos e relevando para a decisão sub judice, devem igualmente ser incluídos na factualidade provada;
26-Concretizando, para além dos factos dados por assentes pelo douto Tribunal a quo, resultaram ainda provados, pelos documentos juntos aos autos, os seguintes factos com interesse para a decisão da causa que corroboram a necessidade de anulação do acto impugnado e que, assim, nos termos e para os efeitos do artigo 762.º n.º 1do CPC, deverão ser aditados à matéria provada:
a) Que a recorrida celebrou, em Junho de 1998, um contrato de franquia (Master Franchise Agreement) com a sociedade norte­americana H…… Intemational, Ltd., sediada em Nova Jérsia, Estados Unidos da América (cfr. doc. nº 2 junto à. p.i.);
b) Que nos termos deste contrato, foi estabelecido o pagamento de Royalties à H….. lntemational, Ltd;
c) Que invocando CDT celebrada entre Portugal e os EUA, a sociedade H….. Intemational, Ltd., beneficiária dos rendimentos, solicitou à recorrida que a retenção na fonte fosse efectuada à taxa da CDT - 10% usando o mecanismo de redução de taxa;
d) Que esse era, aliás, o procedimento imposto pela CDT e referido nas instruções administrativas existentes sobre a matéria (cfr. Circular 14, de 18.12.1996 da DGCI);
e) Que para o efeito, entregou à recorrida certificado de residência fiscal, modelo 6166, bem como o Modelo II-EUA (cfr. doc. nº 4 junto à p.i.);
f) Que esses documentos atestam a residência da H…… Intemational, Ltd nos EUA em, 1998;
g) Que, em 20.07.2000, a recorrida apresentou declaração Modelo 130, relativa a todos os rendimentos colocados à disposição de não residentes durante o ano de 1998 (cfr. doc. nº 15, junto à p.i.);
27-Ora, nos termos do artigo 13.º - Royalties - da Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal celebrada entre Portugal e os EUA
"1 - As royalties provenientes de um Estado Contratante e pagas a um residente do outro Estado Contratante podem ser tributadas nesse outro Estado.
2 - Todavia, essas royalties podem ser igualmente tributadas no Estado Contratante de que provêm e de acordo com a legislação desse Estado, mas se o beneficiário efectivo das royalties for residente do outro Estado Contratante, o imposto assim estabelecido não poderá exceder 10% do montante bruto das royalties. (...)”;
28-Assim, as royalties provenientes de Portugal pagas a um residente nos EUA que seja o seu beneficiário efectivo não podem ser tributadas em Portugal a uma taxa superior a 10% do montante bruto das royalties;
29-Para permitir a sua aplicação não exigem as Convenções quaisquer outros requisitos para além i) dos royalties serem provenientes de Portugal; ii) do beneficiário ser residente de um Estado contratante das Convenções; e iii) dos pagamentos em causa serem qualificados como royalties;
30-As regras das Convenções têm prevalência sobre as disposições domésticas;
31-Por ser assim, deveria ter-se aplicado directamente o artigo 13.º da Convenção bilateral para eliminar a dupla tributação celebrada com os Estados Unidos da América (ie., o Estado onde é residente o perceptor dos royalties);
32-Na verdade, só em 2003 é que foram introduzidas alterações no artigo 90.º n.º 2, 3 e 4 do Código do IRC no sentido de fixar uma exigência de prova para aplicação das CDT: «n.º 3 - Nas situações referidas no número anterior (ou seja, de aplicação das CDTs), os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um fonnul ário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência; n.º 4 -Quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei»;
33-No entanto, estas regras não têm obviamente natureza interpretativa e carácter retroactivo, dispondo apenas para o futuro nos termos gerais - cfr. artigo 12.º n.º 1do Código Civil;
34-Ou seja, constata-se que neste ano de 1998, estes procedimentos não estava regulado de forma convencional ou legal, como dispõem as Convenções, sendo inadmissíveis as regras procedimentais criadas por meras circulares. Ora;
35-É sabido que a existência de circulares que estabeleçam eventuais regras novas (eg., regras procedimentais para a aplicação da Convenção e que impedem o seu aproveitamento no caso de não acatamento), não podem de modo algum ser oponíveis aos contribuintes;
36-O simples facto de existirem circulares em que se estabelecem determinados requisitos "formais" (nomeadamente a exigência prévia ou certificados de residência) não pode ser causa de exclusão da aplicabilidade da Convenção. Acresce que essas mesmas circulares já estavam à data da liquidação prejudicadas por despachos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que explicitavam não ser necessário obter tais documentos no momento anterior ao pagamento - cfr. Despacho do SEAF n.º" …../2001 e …./2001;
37-Desta forma, o eventual formalismo constante dessas circulares para a aplicação das convenções, é absolutamente irrelevante;
38-Assim, face ao princípio da aplicabilidade imediata das Convenções e à completa ausência de normas reguladoras que prevejam a aplicação das mesmas, cabia aos agentes económicos aplicar as regras de cada Convenção, tal como aplicam as regras de qualquer outra Convenção Internacional ou de alguma disposição com valor internacional (eg., Regulamento Comunitário) que seja directamente aplicável;
39-O TCA veio confirmar peremptoriamente essa situação ao anular um acto tributário [ie., ao anular a liquidação adicional dos 15% (taxa doméstica) para 5% (taxa máxima prevista na Convenção)] ainda que se não tenham preenchido uns formulários exigidos pelo Fisco, até porque, no caso concreto, a empresa discutia a própria qualificação jurídica do rendimento], uma vez que as royalties em causa, de acordo com Convenção aplicável, estavam sujeitas a 5% e não à taxa doméstica de 15% - cfr. TCA Rec. n.º 5.366/01, de 08/04/2003 (último parágrafo da decisão);
40-Deste modo não é susceptível de provimento a pretensão da Fazenda Publica também por vício de violação de lei;
41-Acresce que uma vez ampliado o objecto do recurso e reconhecendo-se também a ilegalidade substantiva do acto de liquidação de imposto também se apura que a liquidação dos juros compensatórios se encontra igualmente ferida de vício de forma por falta de fundamentação e por inexistência de culpa por parte da recorrida;
42-Para que fosse possível efectuar a liquidação de juros compensatórios teria a AT de fundamentar, demonstrando, nos termos do artigo 35.º da LGT, a existência de um nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a actuação da recorrida e a possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência); ou seja, a existência de culpa - cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0587/10, de 16 de Dezembro de 2010 - o que não fez;
43-Face ao exposto, é de reconhecer que a liquidação adicional de que a recorrida foi alvo é absolutamente ilegal também por vício de violação da lei - eg., artigos 13.º da Convenção bilateral celebrada com os EUA estado em que é residente a sociedade perceptora dos rendimentos dos serviços, pagos pela Recorrida e artigo 35º da LGT;
44-Termos em que se requer a V. Exas.:
i) que se dignem negar provimento ao presente recurso jurisdicional interposto pelo Fazenda Publica, mantendo-se a sentença recorrida, quer quanto à decisão de facto, quer à decisão de direito;
ii) e que, caso assim não se entenda, seja admitida, nos termos do artigo 636.º do CPC, aplicável 'ex vi' o disposto no artigo 281.º do CPPT, a requerida ampliação do âmbito do recurso, e a modificabilidade da decisão de facto ao abrigo do artigo 662º n.º 1 do CPC, também aplicável 'ex vi' o disposto no artigo 281.º do CPPT, julgando-se assim verificados os restantes vícios não conhecidos pelo tribunal 'a quo' e imputados pela recorrida aos actos impugnados, com todas as consequências legais. Só nestes termos será respeitado o DIREITO e feita JUSTIÇA.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.275 a 277 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.279 dos autos), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.172 a 178 dos presentes autos):
A-Em 20.07.1998, a sociedade impugnante, “H…… - Aluguer de Automóveis, S.A.”, com o n.i.p.c. ….., apresentou a guia Modelo 42 nº ……. respeitante a retenções feitas a sujeitos passivos considerados residentes no estrangeiro, declarando e pagando o montante de 77.695.584$00 a título de rendimentos de capitais/outros rendimentos (cfr.documento junto a fls.34 dos presentes autos);
B-Em 03.08.1998 a sociedade impugnante apresentou junto da A.T. a declaração Modelo 130 com a relação dos rendimentos pagos à sociedade não residente "H…. Intemational, Ltd.", sediada nos EUA, onde declarou o pagamento de 776.955.840$00 e a retenção na fonte efetuada à taxa de 10% no valor de 77.695.584$00, fazendo constar no quadro V de observações o seguinte (cfr.documento junto a fls.35 e 36 dos presentes autos):
“(…)
Anexa-se: Certificado de residência do beneficiário, Mod. EUA-II e cópia da guia de pagamento Modelo 42/A divergência existente na conversão entre o Mod. EUA-II e a guia Modelo 42 deve-se a diferentes aplicações de (...). O certificado de residência refere-se ao ano fiscal de 96, mas passado em 13/02/98 por ser o último que pode ser emitido pelas autoridades americanas, neste momento (…)”;
C-Conjuntamente com a declaração mencionada na alínea antecedente a impugnante apresentou uma declaração emitida pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos da América, com o seguinte teor:
"Taxpayer: H…… INTERNATIONAL LTD
SSN/EIN: 38-05494….
Tax Year: 1996
I certify that the above-named corporation is a U.S. corporation, and a resident of the United States of America for the purposes of U.S. taxation",
mais constando no seu canto inferior esquerdo a data de 13 de Fevereiro de 1998
(cfr.documento junto a fls.124 do processo administrativo apenso);
D-Em 20.08.1998, 20.09.1998, 20.10.1998 e 20.11.1998 a impugnante apresentou guias Mod. 42 de retenção na fonte efetuadas a não residentes, tendo apresentado nos correspondentes meses seguintes as declarações Mod. 130 respetivas, fazendo constar nas mesmas que o certificado de residência do beneficiário e o pedido de limitação de retenção na fonte Mod. EUA-II, foram entregues em 03.08.1998, juntamente com a declaração Mod. 130 (cfr.documentos juntos a fls.37 a 48 dos presentes autos);
E-Em 24.10.2002 foi elaborada a proposta nº …./02 por funcionário da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais com o seguinte conteúdo:
"IDENTIFICAÇÃO DA ENTIDADE DECLARANTE
NOME: H… - Aluguer de Automóveis, SA
NIF: …….
ASSUNTO: Análise da declaração modelo 130, prevista no n. º 6 do artigo 119.º do CIRS.
Ano de 1998
De acordo com as inexactidões verificadas nas relações modelo 130, entregues nos serviços da DGCI em 1999, propõe-se que sejam efectuadas as correcções abaixo discriminadas às retenções nafonte de imposto, efectuadas e entregues, atendendo à aplicação indevida das normas previstas na CDT celebrada com os Estados Unidos da América, por inexistência dos respectivos documentos de prova.
Nestes termos, por não ter sido efectuada a retenção na fonte às taxas previstas no art.º 69.º do CIRC (actual art. 80.º, é devido imposto, na importância de 218 316,55 €, pelo substituto tributário acima indicado, ao abrigo do n.º 3 do art. 28.º da Lei Geral Tributária.

IDENTIFICACÃO DOS RENDIMENTOS PAGOS A NÃO RESIDENTES
(...)
Total do Imposto a Corrigir: IRC: 218.316,55 €
TOTAL 218.316,55 €",
tendo sobre a mesma sido proferido pelo Subdiretor-Geral despacho de concordância, determinando a notificação da impugnante para o exercício do direito de audição prévia
(cfr.documento junto a fls.117 e 118 processo administrativo apenso);
F-Em data não concretamente apurada, foi a impugnante notificada através do ofício nº ….. de 30.10.2002, cujo registo postal se desconhece a data, para efeitos do exercício do direito de audição prévia, tendo-lhe sido remetida apenas a proposta mencionada na alínea antecedente (cfr.documentos juntos a fls.55, 56, 115 e 116 do processo administrativo apenso);
G-Em 18.11.2002 a impugnante apresentou junto da A.T. o exercício do direito de audição prévia (cfr.documento junto a fls.85 a 94 do processo administrativo apenso);
H-Em 18.11.2002 foi elaborada pelos serviços da Direção de Serviços de Benefícios Fiscais a informação nº …./02 com o seguinte teor:

"INCORRECÇÕES DETECTADAS NAS DECLARAÇÕES MODELO 130 - ANO DE 1998

1. Com o objectivo de controlar o imposto retido e entregue nos Cofres do Estado, relativo a rendimentos pagos a não residentes, é da competência desta Direcção de Serviços a verificação das Declarações Modelo 130.

2. No âmbito de verificação das mesmas, foram detectadas algumas irregularidades, nomeadamente:

a) A aplicação dos preceitos constantes nas Convenções Sobre Dupla Tributação (adiante designadas por CDT), por parte de entidades devedoras de rendimentos a não residentes, sem para o efeito fazerem acompanhar as Decl. Mod. 130 do(s) documento( s) de prova autenticado(s) pelas Autoridades Fiscais do Estado da residência, conforme disposto no n.º 1 do art. 9.º do DL n.º 215/89 de 1 de Julho (redacção da altura), documento(s) esse(s) que habilita(m) efectivamente as entidades devedoras à aplicação das normas das CDT.

b) Não se ter procedido à retenção na fonte de imposto, por parte de entidades devedoras de rendimentos pagos a não residentes, cuja morada ou sede se situa em países com os quais Portugal não celebrou Convenção, ou tendo-a celebrado, a mesma não se encontrava em vigor à data dos rendimentos.

3. Pelo(s) motivo(s) atrás mencionado(s), foram efectuadas propostas por parte desta Direcção de Serviços, com vista à correção das anomalias verificadas, tendo-se evidenciado nas mesmas o cálculo do imposto devido, a respectiva correcção para cada caso, bem como a fundamentação legal.

4. As propostas mereceram despacho concordante do Sr. Subdirector-Geral dos Impostos Sobre o Rendimento, que ordenou as notificações para efeitos de audição.

5. Através de carta registada com aviso de recepção, foram os suj eitos passivos notificados, nos termos do art.º 60º, n.º 1, alínea a) da LGT, para exercerem, querendo, o direito de audição.

6. Do conjunto de respostas remetidas pelos sujeitos passivos a esta D.S. cuja lista se anexa, fazendo a mesma parte integrante da presente informação, não foram trazidos elementos novos, pelo que se deve manter a decisão de correcção do imposto, conforme proposta inicial e respectiva fundamentação, ao abrigo do art. 60.º, n.º 6 da LGT.

7. Argumentos invocados pelos suj eitos passivos (a que se refere o número anterior), e que não tiveram aceitação por parte desta Direcção de Serviços:

• Referem alguns sujeitos passivos que já haviam enviado os documentos de prova de utilização de taxa reduzida ou não retenção de imposto, quando em rigor, esses documentos não são válidos, porquanto:

- São meras fotocópias;

- Não são certificados pelas Autoridades Fiscais;

- Não se referem ao ano em causa,

- Não se destinam à aplicação das CDT; etc.

• Referem outros que não conseguiram obter os documentos em tempo, não se acrescentando assim nada de novo, pelo que não pode ser utilizado o beneficio das CDT sem as respectivas provas de residência fiscal das entidades não residentes.

• Outros há ainda que invocam o Despacho nº 596/01, de 8/12 de SESEAF, quando efectivamente este não produziu efeitos, quer por ausência de divulgação (a DGCI nunca cumpriu os pontos 3 e 4 do mesmo), quer sobretudo porque foi solicitada nos termos legais a aclaração do mesmo despacho pelo órgão que o deveria executar (DGCI), sendo que o mesmo veio a ser revogado pelo Despacho n.º 1002102, de 14.08.02, de SESEAF (cfr. Oficio-circulado n.º 20076, de 31.10.02).

8. Assim, propõe-se que sejam remetidas as referidas propostas de correcção às Direcção de Finanças competentes, para efeitos de elaboração dos DC 100 e DC 101, respectiva recolha e liquidação do imposto em falta.

À consideração superior"
(cfr.documento junto a fls.161 a 163 do processo administrativo apenso);
I-Sobre a informação mencionada na alínea antecedente e na mesma data, foi proferido despacho de concordância pelo Subdiretor-Geral dos Impostos (cfr.documento junto a fls.161 a 163 do processo administrativo apenso);
J-Em anexo à informação identificada na alínea H) foi junta uma lista das "entidades que procederam durante o ano de 1998 a pagamentos de rendimentos a não residentes, não tendo efectuado a retenção na fonte pela taxa interna, apesar de não estarem na posse da prova prevista no nº 1 do artº 9° do Dec/Lei 215/89 de 01 de Julho", da qual a impugnante faz parte (cfr.documentos juntos a fls.124 a 130 dos presentes autos);
K-Em 26.11.2002 foi emitida em nome da impugnante a liquidação de IRC - retenções na fonte, com o nº ….., referente ao exercício de 1998, no montante a pagar de 302.413,28€, correspondente a 218.316,55€ de imposto e a 84.096,73€ de juros compensatórios (cfr.documento junto a fls.33 dos presentes autos);
L-A impugnante foi notificada da liquidação mencionada na alínea antecedente em 04.12.2002 (cfr.documento junto a fls.33 do processo administrativo apenso);
M-A impugnante efetuou o pagamento, em singelo, da liquidação mencionada na alínea antecedente em 27.12.2002, ao abrigo do Decreto-Lei nº 248-A/2002, de 14.11 (cfr. documentos juntos a fls.66 a 68 dos presentes autos);
N-O articulado inicial da presente impugnação deu entrada em Tribunal no pretérito dia 03.03.2003 (cfr.data de entrada aposta a fls.2 dos presentes autos).

X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…1-Não foi provado que a Impugnante tenha sido notificada da informação e respetivo despacho mencionados em H) e I).
Não foram provados outros factos com relevância para a decisão dos presentes autos…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, referida a propósito de cada uma das alíneas do probatório…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar parcialmente procedente a presente impugnação, em virtude do que determinou a anulação do acto tributário objecto do processo (cfr.alínea K do probatório), mais ordenando a restituição à sociedade impugnante do montante pago de € 218.316,55, tudo em virtude da procedência do vício de falta de fundamentação do acto que determinou a correcção efectuada pela A. Fiscal (cfr.alínea E do probatório), falta essa que se transmite ao acto final do procedimento, a liquidação impugnada.
Julgou improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado ao abrigo do artº.43, da L.G.T.
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que os pagamentos efectuados a não residentes pela sociedade recorrida, não implicam a aplicação da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, mas antes a aplicação das normas internas constantes dos artºs.69, nº.2, al.a), e 75, ambas do C.I.R.C., atenta a falta de apresentação de formulários devidamente confirmados pela Autoridade Fiscal do Estado da localização da sede do beneficiário - EUA - ao devedor dos rendimentos antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado, formulários esses que deviam acompanhar a relação de rendimentos pagos a não residentes Mod. 130. Que considerando a sociedade recorrida que a notificação da liquidação não continha todos os requisitos exigidos pelas leis tributárias, nomeadamente a falta de fundamentação, poderia requerer a notificação dos elementos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, conforme prevê o artº.37, do C.P.P.T. Que a impugnante/recorrida não usou da referida faculdade, pelo que se pode concluir que não subsistiam dúvidas no seu espírito quanto à fundamentação do acto tributário em causa. Que deverá concluir-se pela inexistência de violação do princípio da fundamentação, mantendo-se a validade e eficácia do acto de liquidação objecto do processo. Que o Tribunal “a quo” efectuou um erróneo julgamento dos factos, razão pela qual deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que declare a improcedência dos presentes autos de impugnação (cfr.conclusões 1 a 23 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
No exame do presente recurso, desde logo, se deve recordar que o apelante não impugna a factualidade provada constante da sentença recorrida no âmbito do salvatério que deduz para este Tribunal (cfr.artº.640, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), nos termos previstos na lei.
Avancemos.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1998; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Ainda, embora o I.R.C. seja considerado como um imposto periódico, a retenção na fonte de I.R.C., a título definitivo como é o caso dos autos, deve ser qualificado/considerado como sendo um imposto de obrigação única. Por outras palavras, a retenção de I.R.C. incidente sobre pagamentos efectuados a entidades residentes no estrangeiro é feita a título definitivo e, como tal, deve considerar-se que o imposto a reter é de obrigação única (cfr.artº.45, nº.4, da L.G.Tributária; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 9/5/2006, proc.436/05; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/09/2016, proc.9409/16; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª. edição, 2007, pág.28 e seg.).
Por último, deve referir-se que em 6/09/1994, Portugal e Estados Unidos da América trocaram os instrumentos de ratificação da convenção para evitar a dupla tributação (CDT) e estabelecer regras de assistência administrativa recíproca em matéria de impostos sobre o rendimento entre os dois países, convenção essa aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº.39/95, de 21/6/1995, e publicada na I série-A do D.R. de 12/10/1995, diploma este cuja aplicação é defendida pela sociedade impugnante e ora recorrida no âmbito dos presentes autos.
Revertendo ao caso dos autos, defende o apelante, em síntese, que a liquidação impugnada se encontra devidamente fundamentada, mais não tendo a sociedade recorrida utilizado o mecanismo previsto no artº.37, do C.P.P.T.
Contrariamente, o Tribunal "a quo" entendeu que padece do vício de falta de fundamentação do acto que determinou a correcção efectuada pela A. Fiscal (cfr.alínea E do probatório), falta essa que se transmite ao acto final do procedimento, a liquidação objecto do processo (cfr.alínea K do probatório), assim conduzindo à sua anulação.
Vejamos quem tem razão.
A fundamentação dos actos tributários ou “praticados em matéria tributária” que “afectem os direitos ou interesses legalmente protegidos dos contribuintes” estava consagrada nos artºs.19, al.b), 21, 81 e 82, do C.P.Tributário (cfr.actualmente o artº.77, da L.G.Tributária).
Tal necessidade de fundamentação decorria já, quer do artº.1, nº.1, al.a) e c), do dec.lei 256-A/77, de 17 de Junho, quer do próprio artº.268, nº.3, da C. R. Portuguesa, na redacção introduzida pela Lei Constitucional nº.1/89 (cfr.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág.936 e seg.; Vieira de Andrade, O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos, 1990, pág.53 e seg.).
A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.
Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 13/7/2011, rec.656/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc.3096/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.2887/09; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 19/12/2018, proc.236/17.5BEFUN).
Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr.ac.S.T.J.26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág.57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág.687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág.139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr.por todos, ac.S.T.A-1ª.Secção, 6/2/90, A.D., nº.351, pág.339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr.artº.125, do C.P.Administrativo).
Se a fundamentação não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr.artº. 125, nº.2, do C.P.Administrativo, então em vigor). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Em conclusão, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.I, Almedina, 1991, pág.477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 2001, pág.352 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4ª. Edição, 2012, pág.675 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/12/2008, proc.2606/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/11/2009, proc.3510/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/3/2011, proc.4489/11).
Ainda, deve fazer-se a destrinça entre a fundamentação do acto administrativo /tributário e, questão diferente, a notificação da fundamentação, realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da eventual anulabilidade do acto tributário (cfr.artº.37, nº.1, do C.P.P.Tributário; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/9/99, rec.23773; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.889/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/1/2012, proc.4966/11).
No caso “sub judice”, o projecto de decisão sobre o qual a sociedade recorrida se pronunciou limita-se a referir que "De acordo com as inexactidões verificadas nas relações modelo 130, entregues nos serviços da DGCI em 1999, propõe-se que sejam efectuadas as correcções abaixo discriminadas às retenções na fonte de imposto, efectuadas e entregues, atendendo à aplicação indevida das normas previstas na CDT celebrada com os Estados Unidos da América, por inexistência dos respectivos documentos de prova. Nestes termos, por não ter sido efectuada a retenção na fonte às taxas previstas no art.º 69.º do CIRC (actual art. 80.º), é devido imposto, na importância de 218.316,55 €, pelo substituto tributário acima indicado, ao abrigo do n.º 3 do art. 28.º da Lei Geral Tributária" (cfr.alínea E do probatório).
Ou seja, o projecto de decisão nada adianta em termos de esclarecer o contribuinte de quais, afinal, as inexactidões verificadas nas declarações Modelo 130 apresentadas pela sociedade recorrida, elemento fundante essencial para se conhecer as razões de facto que levaram a A. Fiscal a efectuar as correcções ao nível da desconsideração da aplicação da taxa de retenção na fonte prevista na CDT estabelecida entre Portugal e os Estados Unidos da América e supra identificada.
Por outro lado, como se sabe, o procedimento tributário deve possuir uma fase decisória, que constituirá o culminar do itinerário cognoscitivo que a A. Fiscal percorreu, ressalvados os casos especiais consagrados no artº.56, nº.2, da L.G.T., em que não existe esse dever de decisão (cfr.artº.56, nº.1, da L.G.T.; Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Almedina, 6ª. Edição, 2018, pág.118 e seg.).
No caso dos autos, para além do sujeito passivo não ter sido notificado de qualquer decisão final do procedimento, sendo, assim, surpreendido com o acto de liquidação desprovido de qualquer fundamentação final, o único despacho decisório que consta da factualidade provada é o que foi proferido pelo Subdirector-Geral dos Impostos em 18/11/2002 que, no entanto, não se pode considerar como fundamentação legal do acto de liquidação impugnado, porquanto não se encontra dirigido especificamente à sociedade impugnante/recorrida, consistindo, ao invés, num acto genérico, que visa abarcar uma generalidade de contribuintes, e que discrimina como razão para a realização de correcções uma diversidade de situações, sem que identifique qual ou quais as aplicáveis no caso concreto (cfr.alíneas H e I do probatório; factualidade não provada).
Ou seja, do que antes se expôs é forçoso concluir, com o Tribunal “a quo”, que ocorre uma evidente situação de falta de fundamentação do acto de liquidação impugnado, sendo certo que, mesmo hoje, não se mostra possível ao contribuinte, e ao próprio Tribunal, determinar as concretas razões de facto e de direito que levaram a Fazenda Pública a considerar ser inaplicável a taxa limitada de retenção na fonte quanto aos rendimentos pagos à entidade não residente "H….. lnternational, LTD" e, por isso, não se mostra possível ao Tribunal sindicar a legalidade do acto. Assim sendo, verificando-se evidente falta de fundamentação do acto que determinou a correcção efectuada pela A. Fiscal, falta essa que se transmite ao acto final do procedimento, o acto de liquidação, tal conclusão conduz necessariamente à sua anulação.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, desnecessário se tornando o exame da pedida ampliação do objecto da apelação formulado pela sociedade recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, por delas estar isenta a entidade recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 17 de Janeiro de 2019



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Vital Lopes - 2º. Adjunto)